Lembranças
Infantis com sabor de caramelo!
Ilda Maria Costa Brasil -
Porto Alegre - RS - Brasil
Em
Julho de 2007, a morte repentina
da Valde, no acidente da Tam, em
São Paulo, Vôo 3054, fez-me
relembrar momentos de nossa
infância. Nosso viver era um
trilhar aventuras, descobertas e
brincadeiras: algumas,
artísticas e teatrais; outras,
arriscadas e perigosas. Nessa
época, enquanto nossas mães e
pais se desdobravam em cuidados
ao nosso avô materno que lutava
contra um câncer, nós, a
meninada, desbravávamos um Perau
que havia próximo à casa de uma
de nossas tias, ou nos
divertíamos na casa de Dona
Davina, uma professora primária
simpaticíssima e sem filhos,
onde ficávamos horas e horas
cantando e dançando.
Adultos, preocupados e
nervosos. Crianças, criativas e
travessas. Logo, duas realidades
em um contexto de
companheirismo, ternura e amor.
Nas tardes em que
fazíamos nossos passeios pelo
Perau, os mais velhos do grupo,
independente da altura, iam à
frente e andávamos sempre
juntinhos.
As paredes do Perau
eram rochosas e cobertas por uma
vegetação espinhosa, assim como
repleta de árvores nativas. Não
havia trilhas no local. Os
adultos temiam as cobras e os
demais bichos que ali pudessem
viver. Com facas de cozinha e
tampas de latas, abríamos
caminhos. De pés descalços,
pisávamos em pedras, poças
d’água e lama. No lado esquerdo
do Perau descia um fio d’água, a
nossa cascata. Essa nos
fascinava.
Nossas primeiras
trilhas foram surpreendentes e
dificílimas. Retornávamos
arranhados, picados por
mosquitos e com as roupas
embarradas e rasgadas. Com o
passar do tempo, tornaram-se
emocionantes e atrativas. Uma
travessura empolgantíssima!
Certa vez, enquanto
fazíamos a trilha, o céu foi
tomado de nuvens negras e um
forte vento passou a soprar. Em
segundos, o dia transformou-se
em noite escura e não mais
enxergávamos nada à nossa
frente. O vendaval,
furiosamente, arrancava galhos
de árvores e açoitava nossos
rostos com areia. A constância
de trovoadas e raios nos deixou
extremamente nervosos e
preocupados. Um raio caiu
próximo do lugar em que nos
encontrávamos, o que levou um
dos meninos a dizer: “- Esse
quase arrancou o meu bacinho".
Em meio à enxurrada
e para completar o nosso pânico,
pedaços de terra desprendiam-se
das paredes do Perau e granizos
passaram a cair. Que barra! Não
foi fácil sairmos dali e nos
refugiamos na casa de Dona
Davina até o temporal passar.
As nossas invasões à
casa da Professora Amiga eram
tão entusiastas quanto às
trilhas pelo Perau. Vestíamos as
suas roupas e a Valde, com
habilidade e sabedoria, prendia
os cabelos das meninas e as
maquiava, levando-nos a penetrar
no encantado mundo da fantasia e
dos sonhos. Suas idéias
transpassavam-nos magia e
beleza. Era só ternura e carinho
pelos primos.
Após o falecimento
de vovô, passar as férias, em
Formigueiro, perdeu o seu
encanto e o sabor de caramelo.
Ah, inúmeras foram
às vezes em que peguei uma folha
A4 para escrever este texto e
não consegui encontrar as
palavras certas; hoje, após
retornar da missa de um ano da
Valde, sentada, à frente do
computador, as palavras
afloraram, permitindo-me
resgatar um doce momento
passado.
Quando crianças e
adolescentes, estivemos muito
próximas; entretanto, quando
adultas, a vida deu conta de
traçar-nos caminhos diferentes.
Cada uma, na sua
área de formação, sempre super
envolvidas com o trabalho,
construiu a sua história. Às
vezes, encontrávamo-nos em
eventos culturais, ocasiões em
que o tempo nos permitia a troca
de breves palavras e abraços
saudosos.
Valde,
companheirismo e amizade.