"Minha Pátria é a Língua Portuguesa" Fernando Pessoa

 

 

Edição nº 36 - Novembro de 2008

Editor: Carlos Leite Ribeiro

Arte Final: Iara Melo

 

 

 

 

O HOMEM E O UNIVERSO

 

 

Carmo Vasconcelos

 

 
  

Conferência - seguida de debate - apresentada por

Carmo Vasconcelos,

em 13/01/2003, na Galeria Verney, em Oeiras, Portugal, a convite da Associação Portuguesa de Poetas

 

 

O HOMEM E O UNIVERSO

 

 

Desde a Antiguidade tem o homem contemplado o Firmamento estrelado. Ele está sempre buscando entender o significado daquilo que vê. Ao tentar relacionar suas especulações e ideias com suas mais profundas aspirações e mais íntimas questões relativas à sua existência, o Homem se defronta com o Infinito que se lhe apresenta pelo céu afora. O Homem contemplativo sempre se sentiu profundamente atraído a buscar uma fonte de contínua inspiração e de prazer estético, erguendo os olhos para o céu estrelado. Não obstante, encontra real sabedoria ao descobrir correlacções terrenas no esquema da Natureza e do Homem.

 

Os eventos que cercavam o homem primitivo devem ter-lhe proporcionado os estímulos para as suas primeiras especulações e investigações sobre a verdadeira natureza e o significado de todas as coisas do seu ambiente. Com suas primeiras indagações, começou o Homem a desejar Conhecimento. Observou, reflectiu, e claramente percebeu, mediante profundos "insights", os processos da Criação – o desenvolvimento da Natureza, do Homem e do Universo.

 

Muitos escritores antigos se referem ao Egipto, e a civilizações ainda mais antigas e relativamente desconhecidas, como fontes dessas primárias investigações dos fenómenos universais. Por exemplo, o grego Filipe de Opunte escreveu que foram estrangeiros – egípcios e sírios – os primeiros observadores de eventos astronómicos. “Vivendo num mundo sem nuvens e sem chuvas”, esses povos antigos observaram todas as estrelas, no firmamento claro de seus belos desertos.

 

A antiga tradição do conhecimento e sabedoria do Egipto é mencionada por Platão em O Timeu. É também neste livro que se encontram as bases dos conhecimentos que vieram posteriormente a desenvolver-se sobre a Atlândida, o continente desaparecido. Conta-se até que alguns Atlantes, pressentindo a catástrofe, se fizeram ao mar, vindo a aportar na terra que viria mais tarde a ser o Egipto.

 

Não há personalidade eminente, em todos os anais da História, sagrada ou profana, cujo protótipo não possa ser encontrado nas tradições meio fictícias e meio reais de antigas religiões e mitologias.

 

Assim como a estrela, bruxuleando a incomensurável distância da Terra, na ilimitada imensidão do firmamento, se reflecte nas águas serenas de um lago, também as imagens mentais de homens de eras antediluvianas se reflectem nos períodos que podemos abarcar em retrospecto histórico.

 

Contemplando o Universo, o homem da antiguidade esforçou-se por descobrir seu lugar no complexo esquema cósmico, como fonte natural de ideias, inspirações, dúvidas e desejos. Sua contemplação, consequentemente, levou-o a procurar uma ligação entre sua vida em geral e os seguintes processos: a sucessão das estações, desde o florescer dos campos na primavera; o fluxo e refluxo da natureza viva, com seus ciclos regulares de nascimento, crescimento, declínio e deterioração, para depois renascer. Havia uma simetria nesses processos regulares do céu e da Terra, que levou o Homem a conceitos como, harmonia, beleza, unidade na diversidade, e Lei Universal.

 

A repetição regular de eventos ajudou o Homem a lidar com o seu ambiente. O homem primitivo aprendeu a esperar, a ansiar pelo alvorocer enquanto sofria os terrores da noite, escura e fria. Sabia ele que o esperado alvorocer, com sua luz, dar-lhe-ia tempo para procurar um local menos frio e mais protegido para passar a noite seguinte, que certamente sobreviria, tão logo o Sol desaparecesse por detrás das colinas ocidentais. Em função de suas experiências diárias e de seus mais profundos pensamentos, concebeu o Homem a ideia da estreita relação entre sua vida e o ritmo geral do Universo.

 

Para os nossos ancestrais mais reflexivos, a vida parecia depender fortemente dos eventos que os rodeavam. Os sábios antigos reconheceram correspondências e começaram a acompanhar o curso da cíclica sucessão de eventos que ocorria em seu ambiente. Particularmente no Egipto antigo, aperceberam-se os sábios da fundamental unidade existente entre o Homem e o Universo – o Microcosmo e o Macrocosmo. Esses sábios, seguidores de Thot ou Hermes[1], resumiram esta ideia numa concisa e poderosa declaração: Assim como em cima, é em baixo. Aquilo que já existiu, retornará. Assim como no céu, é na Terra”. A filosofia de Hermes é sabiamente descrita (por três Iniciados anónimos) no livro O Caibalion :

 

“O TODO É MENTE, O UNIVERSO É MENTAL.”

 

“AQUELE QUE COMPREENDE A VERDADE DA NATUREZA MENTAL DO UNIVERSO ESTÁ BEM AVANÇADO NO CAMINHO DO DOMÍNIO DAS LEIS NATURAIS.”

 

Sem esta chave, conforme afirma ainda  O Caibalion :

 

"O DOMÍNIO É IMPOSSÍVEL, E TODO O BUSCADOR BATERÁ EM VÃO NAS PORTAS DO TEMPLO DO CONHECIMENTO."

 

À medida que tentou estabelecer uma relação entre ele próprio e o Universo, criou o Homem as primeiras cosmogonias[2], maravilhosamente ricas em simbolismo e profundas visões. A partir do alvorocer do homem reflexivo, essas profundas ideias passaram a assumir formas particulares, segundo a cultura de cada época, através dos egípcios, dos órficos, dos gnósticos, dos gregos, ao longo da Idade Média, e até ao presente. Em particular,  a cosmogonia egípcia antiga contribuiu com algumas ideias ou concepções profundas, definitivas, levando a conhecimento sobre o Homem e o Universo.

 

Um dos mais profundos conceitos egípcios é a ideia de UNIDADE UNIVERSAL “o Deus de muitos nomes, que gera sua própria hierarquia de deuses (neters); o Absoluto, Pai dos pais, Mãe das mães, conjunto de tudo o que existe e de todos os seres”. Outros conceitos herdados do Egipto são:

 

1)     uma cosmogonia concebida como transição de unidade caótica (Nun) e em trevas para ordem e luz;

2)     Uma visão do nexo, da afinidade universal que une todos os seres da natureza;

3)     O conceito de inexorabilidade, ou lei que rege todas as coisas, e a concepção dessa lei como processo cíclico universal, que se completa no grande ano cósmico, com o retorno periódico de tudo; e

4)     A ideia do dualismo de corpo mortal e alma imortal, da preocupação com a vida eterna, do julgamento dos mortos, que está ligada ao desenvolvimento de requisitos éticos de justiça e perfeição moral.

 

Prossegue o desenvolvimento das ideias relativas ao Universo como um Todo. Esta pesquisa é tão válida e excitante hoje, como na Antiguidade. Diferentes idiomas modificam suas expressões, assim como o fazem as imagens, os recursos e os conceitos de cada época, porém a motivação de buscar uma compreensão mais ampla e mais profunda do Universo é tão ardente hoje, como no passado. Trata-se, na verdade, da nossa maneira de ser como místicos. Além disso, o Homem está sempre redescobrindo a ideia de que, para que ele compreenda o Universo, é necessário que conheça o universo do seu próprio âmago. É impossível compreendermos inteiramente algo que não esteja integrado à nossa própria estrutura, incorporado à nossa natureza física, ou que não faça parte dos nossos poderes subjectivos de pensamento e correspondente experiência.

 

Como corolário, pode dizer-se que o Homem compreendeu desde as mais remotas épocas, que o caminho para se entender a si mesmo e ao Universo, ao microcosmo e ao macrocosmo, é um só: “Homem, conhece-te a ti mesmo” – inscrição esta que pode ler-se no portal do Templo de Delfos, na Grécia. Meditando sobre esta profunda e perspicaz exortação, tentando experienciá-la, e lendo o livro da Natureza e o livro do Sagrado Conhecimento Interior – de acordo com a doutrina Panteísta (ou Panteísmo) que diz que “Deus está implícito em todas as coisas, inclusive em nós mesmos, como seres humanos” – pode o Homem evoluir, de modo verdadeiramente integral, científico e místico.

 

E como dizia o Poeta (anónimo) no seu poema "DESIDERATA-I":

 

Tu és filho do Universo

irmão das estrelas e árvores

e nele tens teu lugar

 

E a despeito do que penses,

óbvia e inexoravelmente,

o Universo prossegue seu destino

 

E, finalizando, um poema meu, datado de 1996, alusivo ao tema, e a que chamei "EQUILÍBRIO"

 

                  Somos micro universos

do Universo Maior...

                  E a nossa separação

do Uno Universal

gera esta onda geral

de egoísmo e desamor

violência e frustração

 

Todos nós, buscando amor

buscamos a unidade

com a Divina Verdade.

Essa síntese procurada

sem a resposta encontrada

é nossa fonte de dor

nossa conflitualidade;

É como célula solta

que à toa, sem identidade

degenera e se revolta

 

Só quando compreendemos

em nosso saber disperso

a Lei do Sumo Universo

seu propósito e intenção...

Somos receptores plenos

da sua força regente

regrada e inteligente

que ruma à evolução

 

Só assim direccionados

de um novo código munidos

caminhamos reforçados

confiantes, instruídos.

Usamos sinais vermelhos

para excesso de velocidade

das vãs paixões dos sentidos

e travamos a vontade

de nossos defeitos velhos.

Orgulho, inveja, vaidade

têm sinais proibidos

 

Só quando compreendemos

em nosso saber disperso

a Lei do Sumo Universo...

A conviver aprendemos

com tristezas e alegrias

refreando euforias

dominando frustrações

superando duros factos;

e pesando as emoções

numa balança aferida

não deixando que um dos pratos

nos faça tombar na vida

 

Só quando compreendemos

em nosso saber disperso

a Lei do Sumo Universo...

Deixamos vibrar, serenos,

o Espírito e a Matéria

numa frequência certa.

Só assim alcançaremos

de alma leve e desperta

a Suprema Dimensão

Pura, Divina e Etérea!

 

 

 

Nota: Trabalho inspirado, parcialmente, num artigo do Dr. Cotrim Vasconcelos, Membro do Conselho Internacional de Pesquisa da ANTIGA E MÍSTICA ORDEM ROSACRUZ (AMORC), Organização à qual a autora foi afiliada de 1976/79.  

 

13/01/2003

Carmo Vasconcelos

http://carmovasconcelos.spaces.live.com

ninita.casa@netcabo.pt

 


[1] Thot ou Hermes – referência a Hermes Trimegistrus, “O três vezes sábio, três vezes grande”, que foi reconhecido pelos egípcios como um deus a que deram o nome de Toth.

[2] Cosmogonias (do gr. Kósmos, universo + Gnosis, conhecimento) – designação das várias teorias que têm por objectivo explicar a formação do Mundo.



  
  

 
 
 
 

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