MENINOS DE RUA
VOLTA AO PASSADO
Jussára C. Godinho

Meninos
de Rua
O dia era frio, muito frio, chuvoso,
nublado e escuro, a sensação era de
que o vento cortava, sangrando a
pele. Poucas pessoas arriscavam sair
às ruas. O mês de junho, no extremo
sul do país, maltrata alguns
cidadãos.
Envolvida em mantas de tricô, os
famosos cachecóis, luvas e botas de
couro legítimo, a Madame pára seu
carro importado no sinal vermelho.
Surge a sua frente um menino
adolescente, quase moço, muito
magro, corpo quase nu, coberto com
tinta prateada, mexendo seus
malabares. Mal podia acreditar que
alguém pudesse suportar aquele frio
em pêlo. Misérias do mundo! A Madame
tira da bolsa, etiquetada com marca
internacional, algumas moedas - que
sobraram, talvez, do cabeleireiro,
da massagem, da manicure?- para
pagar o show.
Na quadra seguinte, outro sinal
vermelho, fechado, gritando Pare,
Olhe, Atenção! Outro menino, agora
criança, vendendo balas, no carro se
encosta. Nas costas o peso de ser
diferente, carente, tão pequeninho,
lutando sozinho, vendendo bala,
cheirando cola, sem escola, pedindo
esmola. Mas quem dá bola para um
vendedorzinho de bala que só precisa
de colo, de carinho, de uma boa
escola, de um prato de feijão e de
um pouquinho de atenção?
Enquanto a Madame seguia seu caminho
sem olhar para trás, o menino seguia
sua espera, espera, espera...
Jussára C Godinho

Volta ao Passado
Era uma tarde, dessas tardes frias
de inverno sulino, em que alguns
raios de sol insistentes rasgam as
nuvens densas de um céu meio
cinzento.
Andando por aquelas ruas, resolvi
parar. Mostraria o lugar a minhas
filhas.
- Meu Deus! Há quanto tempo! Tudo
tão diferente.
Aqui neste lugar deixara parte de
mim. Aquela menininha magricela de
cabelos encaracolados e tão longos
quanto a sua ingenuidade ficara
perdida ali, quem sabe sentada
naquela pedra debaixo do abacateiro,
lá longe, no fundo do quintal.
Melancólica - Ou triste? - percebi
que nada mais era igual. A rua,
agora asfaltada, escondia aquela que
tantas vezes percorrera. As casas,
todas diferentes: outras formas,
outras cores, outras pessoas.
-Ah! Aquela vizinha! (Como era mesmo
o nome dela?) Onde andará? O que
terá acontecido com ela? E seus
filhos? Terão sido felizes?
Ali correm crianças, outras
crianças, outro tempo. Onde estarão
essas crianças daqui a trinta anos?
Trinta anos...Uma vida...
Tudo diferente, tudo transformado.
Nada mais igual. E eu?
Perdida nesses pensamentos, com o
coração transbordando de lembranças,
umas atropelando as outras, parei ao
vê-lo tão exuberante, tão único, tão
igual, acenando suas folhas verdes
como se estivesse me reconhecendo.
Era ele! Aquele abacateiro que
morava no fundo do meu quintal.
Sozinho. Como eu? Onde estaria
aquela pedra? Ele era a única coisa
que sobrara. E aquelas flores em
meio ao mato crescido naquela
imensidão vista pelos meus olhos de
menina? O quintal parecia tão longe!
E agora via-o tão perto! Ah, os
olhos de criança!
Lágrimas brotaram de meus olhos
adultos e ...Rolaram como há muito
não acontecia.
E o abacateiro permanecia ali,
acenando, real, prova concreta e
viva de que por ali eu havia
passado, minha infância deixado, e,
como ele, somente eu havia sobrado.
Jussára C Godinho