PLATÃO E O MITO DA CAVERNA
Uma das talentosas inteligências da
Antiguidade Clássica, que prosperou
no mundo grego, foi sem dúvida a do
extraordinário Platão (427-347
a.C.).
Não é à-toa que a posteridade
tenha conferido àquele filósofo o
título de “Divino”.
Beneficiado pelos deuses,
concentrou-se em sua personalidade
todos os quesitos, exigidos pela
cultura ateniense, para que a
História o reverenciasse como um
“grego perfeito”. Era belo de corpo
e belo de espírito, corpo atlético e
intelecto enriquecido pela alma da
filosofia e da poesia*.
Dir-se-ía que Platão fora, para a
cultura antiga, homem perfeito,
assim como Leonardo da Vinci o fora,
para os tempos modernos.
O Divino Platão é venerado pela
Filosofia, tendo em vista suas obras
que frutificaram no seio da
civilização ocidental.
Acredita-se que a íntegra da
filosofia platônica tenha
ultrapassado os séculos e chegado
até nossos dias, para o enlevo
intelectual daqueles que cultivam a
arte do saber.
Vangloriamo-nos, pois, de possuir
os trinta e cinco diálogos,
atribuídos a Platão, onde expõe de
forma espontânea todo seu pensamento
filosófico.
Além do que, Platão, que fora o
mais distinto e aplicado discípulo
de Sócrates (469-399 a.C.), teve a
diligência de escrever à civilização
vindoura os ensinamentos filosóficos
do seu mestre.
Justiça seja feita, Sócrates fora
o mais virtuoso mestre da Grécia
Antiga. Não escreveu uma linha
sequer, mas ensinava nas esquinas e
praças públicas, usando a didática
primorosa do diálogo.
Parece-me que o “nada escrever” é
sina de alguns dos maiores mestres,
pois, da mesma forma, vários séculos
depois, o Mestre dos Mestres, Jesus
Cristo, também nos legou o seu
Evangelho, apenas apregoado, sem
nada ter escrito**.
Na verdade, a filosofia de Platão
se confunde muitas vezes com o
pensamento de Sócrates. Tal como a
impressionante narrativa que faz num
dos seus livros, o Fedon, onde
coloca na boca de Sócrates
fascinante dissertação sobre a
virtude, a imortalidade da alma e os
novíssimos***do homem: A morte, o
juízo, o céu ou o inferno,
antecipando em quatro séculos alguns
dos fundamentos evangélicos de Jesus
Cristo.
Por estas questões e outras,
encontramos na História da Filosofia
Patrística, santos padres da Igreja
que associaram o pensamento
platônico com algumas das
importantes doutrinas do
Cristianismo, tendo sido Santo
Agostinho (354-430) o mais
importante deles.
Neste panegírico, não poderíamos
deixar de lado o fantástico Mito da
Caverna, certamente, o coração de
toda filosofia platônica.
Em toda História da Filosofia,
não existe, possivelmente, analogia
mais inteligente e interessante que
a do Mito da Caverna, descrita no
livro sétimo de “A República”, um
dos seus importantes diálogos
filosóficos. HHhhhHistó
“Suponhamos a existência de um
elevado muro que separa o mundo
exterior, do imaginário interior de
uma caverna.
Na caverna, há seres humanos que
jamais conheceram a realidade do
mundo exterior. Estão acorrentados,
imobilizados, e de costas para o
mundo.
No muro, há uma fenda, por onde
passa tênue luz e, na parede do
fundo da caverna, sombras são
projetadas, graças aos homens com
objetos que passam em frente à luz,
projetada por uma suposta fogueira.
Os acorrentados julgam que essas
sombras não sejam sombras, mas
realidades existentes.
Entretanto, um dos prisioneiros
consegue, através de um instrumento,
quebrar os grilhões e sair da
caverna.
Qual não é seu espanto em
contemplar e compreender as coisas
reais do mundo, iluminadas não por
uma fogueira, mas pela brilhante luz
do Sol?
Então, fica maravilhado em saber
que a realidade não é a que ele via
na caverna, mas a que presencia na
atualidade do mundo.
Não contendo em si, volta à
caverna com o único intuito de
participar aos seus companheiros
acorrentados de que o que veem lá
são apenas sombras, enquanto que a
realidade encontra-se num outro
mundo muito mais lindo, mais
atraente e perfeito .
Evidentemente, muitos daqueles
acorrentados não acreditam no que
ouvem e continuam adeptos das
crenças antigas e falsas”.
Platão, nesta alegoria, coloca a
inteligência do filósofo como causa
eficiente, e a Filosofia, como
condição indispensável à libertação
intelectual dos cidadãos deste
mundo.
O filósofo, através da luz da
Filosofia, poderá alcançar a
sabedoria, e, com seu magistério,
iluminar as mentes de outros seres
humanos.
O Mito da Caverna concede-nos,
outrossim, lições importantes de
sabedoria. Não nos esqueçamos das
duas formas de conhecimento – o
sensível e o intelectual, sugeridas
naquela alegoria ****.
Outra importante lição é a de que
vivemos num mundo frágil, onde tudo
é relativo, contingente, imperfeito
e passageiro, em contraposição ao
mundo consistente, absoluto,
necessário, perfeito e eterno.
Como os habitantes acorrentados
da caverna, muitíssimos de nós estão
presos nas ilusões deste mundo.
Satisfazendo-se de fugazes sombras
de felicidades, interrompidas por
decepções e múltiplos enganos.
A realidade suprema encontra-se
noutra dimensão, no paraíso de Deus,
fonte verdadeira da felicidade
eterna, onde a corte dos anjos e dos
santos festeja em comunhão com seres
humanos que, de alguma forma,
mereceram as delícias dos arcanos
celestiais.
Notas:
*A cultura grega supervalorizava
os dotes físicos e intelectuais dos
cidadãos. Por isso, os ginásios eram
muito frequentados.
** Foram os apóstolos,
principalmente os evangelistas
(Mateus, Marcos, Lucas e João), que
escreveram, sob a inspiração do
Espírito Santo, as doutrinas
apregoadas pelo próprio Filho de
Deus.
*** Os novíssimos sãos as três
realidades que todos os seres
humanos deverão passar após o final
das próprias vidas. Portanto,
conforme os ensinamentos católicos,
os novíssimos são a morte, o juízo,
o céu, ou inferno.
**** Sobre o conhecimento
sensível e o intelectual tivemos
oportunidade de tratar largamente.
Porém, em síntese, o conhecimento
sensível é particular, mutável e
relativo. É alcançado através dos
nossos sentidos. Atinge os seres do
mundo fenomenal, isto é, tem por
objeto os corpos ou as realidades
materiais que compõem o universo em
toda a sua extensão (imagens do
interior da caverna). O conhecimento
intelectual é universal, imutável e
absoluto que ilumina o conhecimento
sensível. Através do conhecimento
intelectual, formamos nossos
conceitos e idéias. Pelo
conhecimento intelectual a ciência
se torna possível, porque haverá
conhecimento das coisas pelas causas
(mundo exterior à caverna ou mundo
das idéias). A fonte de tal
conhecimento é a inteligência humana
em contraposição ao conhecimento
sensível cuja fonte encontra-se nos
órgãos dos sentidos.
AD MAJORA NATUS SUMUS!
(Nascemos para as coisas maiores)
***