Morreu a 9 de Dezembro de 1854
Trabalho e pesquisa de Carlos
Leite Ribeiro
Nascido no Porto, a 4 de
Fevereiro de 1799, João Baptista da
Silva Leitão viria a falecer em
Lisboa a 9 de Dezembro de 1854. D.
Pedro V agraciou-o, a 25 de Junho de
1854, meses antes da sua morte, com
o título de Visconde de Almeida
Garrett. A diversidade dos registos
estéticos e culturais na obra de
Almeida Garrett é notável, desde os
primeiros livros em que é visível a
formação árcade, até à
interiorização romântica que resulta
de leituras do Francês, como dos
escritores Lamartine, Hugo ou Madame
de Stael; do inglês (Shakespeare e
Byron); do alemão dos escritores
Herder, Schiller ou Goethe. A
influência romântica leva-o a criar
uma literatura de raízes nacionais,
quer pelo temas, como é o caso das
suas peças que se inspiram em
episódios da História de Portugal
como a crise de 1383 a 1385,
expressa em “O Alfageme de Santarém,
ou, a dominação filipina em “Frei
Luís de Sousa; ou em figuras
literárias como Gil Vicente e
Bernardino Ribeiro em “Um Auto de
Gil Vicente”; quer pelo amor à
paisagem e aos monumentos,
perceptível em cada página das
“Viagens na Minha Terra”, em que se
celebra o cenário idílico do Vale de
Santarém, ou no seu projecto de
salvar os testemunhos da tradição
popular, no “Romanceiro”, cujo
primeiro tomo sai em 1843. O “Frei
Luís de Sousa” pode ser considerado
a sua obra-prima, aí revelando uma
notável capacidade de pôr em cena as
paixões e os dramas individuais,
naquilo que já foi interpretado como
uma transfiguração da sua
experiência pessoal, ou seja a
relação com Adelaide Pastor. O tema
do sebastianismo que serve de fundo
à acção, por um lado, inscreve a
peça num eixo decisivo da
sensibilidade nacional, o que
explica sem dúvida o êxito de uma
obra sucessivamente reencenada e
adaptada ao cinema ou à televisão.
Não se deve, por um lado,
menosprezar o poeta que, após os
poemas algo artificiais e de formas
envelhecidas da “Lírica de João
Mínimo” nos deu, já pela maturidade,
os dois livros de plena afirmação
quer da expressividade lírica em que
se reflecte o tom romântico da
balada, como a “Barca Bela”, quer da
paixão que se afirma sem
puritanismos, sobretudo na
sinceridade visível em “Folhas
Caídas”, sob o signo da sua relação
com a Viscondessa da Luz (*), a quem
escreveu cartas amorosas reveladas
em 1955.
Obras de Almeida Garrett
1820 "Hymno Patriótico" ; 1821 "O
Retrato de Vénus" ; 1822 "Catão" ;
1825 "Camões" ; 1826 "Bosquejo da
História da Poesia e Língua
Portuguesa (in Parnasso Lusitano)" ;
"Dona Branca" ; 1828 "Adozinda" ;
1829 "Da Educação" ; "Lírica de João
Mínimo" ; 1830 "Portugal na Balança
da Europa" ; 1841 "Mérope – Gil
Vicente" ; 1842 "O Alfageme de
Santarém" ; "1843 Romanceiro e
Cancioneiro Geral" ; 1844 "Frei
Luís de Sousa" ; 1845-1850 "O Arco
de Sant’Anna", 2 vols. ; 1846
"Viagens na Minha Terra" ; 1853
"Folhas Caídas" ; etc.
(*)De Almeida Garrett à
Viscondessa da Luz, D. Rosa Montufar
Infante
"3 de julho
Outra vez te escrevo d'esta
abborrecida casa do Thesouro, onde
hoje faz um calor horrivel aqui está
presente P.P. que tambem me não faz
pouca calma porém mais que tudo
estes negocios financeiros que são
mortaes para a minha paciência.
Recebi a tua adorada de 28.
Estás menos mal commigo: inda bem!
Ochalá que ámanhan ou depois me não
venham outras que espero, por que
tenho reminiscencia de que outras
cartas muito feias te escrevi n'este
intervallo, quando me tomava a ancia
e o terror de te perder de te ver
demorar muito a nossa separação.
Emfim já não faltam senão 30 dias
provavelmente para te eu tornar a
ver!
Sabes tu, minha Rosa, que faz hoje 3
mezes justos que aqui n'este Tejo
que agora estou vendo te separaste
de mim? Que disseste aquelle ultimo
adeus mudo mas tam expressivo, que
só eu vi, e que ficou para sempre
gravado na minha alma? Estou-te
vendo ainda agora, na mesma atitude,
sentindo eu a mesma sensação... oh!
mas como ella vai trocar-se em
prazer, em alegria, quando te vir
voltar! Nem quero pensar n'isso:
faz-me mal, transtorna-me. Querido,
adorado amor da minha alma, não
cuides que esqueço um momento das
provas de amor que me dás não penses
que o fiz nunca nem quando mais
desvarios e loucuras te escrevi
porque mil vezes t'o repettirei eu
tinha a cabeça perdida; e não me
deves levar em conta o que em “tal
estado'escrevi.
Antes de hontem houve opera italiana
em S. Carlos (que estava fechado)
com uma companhia vinda do Porto:
fui e pouco me diverti, mas gostei
de estar alli comtudo, vendo e
contemplando os logares onde te
adorava, pintando-me a tua imagem em
todas as attitudes em que me
appareceste reproduzindo as scenas
todas que alli passávamos, oh minha
Rosa, sempre te amo muito É tanto,
tanto o que te quero, que por “isso
mesmo” às vezes sou injusto comtigo,
duvidando que seja possivel
amares-me tu tanto como eu te amo.
Juro-te que esta é a verdade, não
creio que ninguem amasse tanto como
eu e até de ti de ti que eu amo
tanto me parece à vezes que não ser
tudo o que eu queria. É falso, é
ingano, sei que me amas muito, que
me não amas menos que eu. Mas deves
perdoar-me estas dúvidas às vezes e
sobretudo intender bem o motivo que
te não é offensivo ao contrario. E
tu, meu bem, minha alma, meu amor,
perdoa-me, releva todas estas
inconseqüências, não creias senão
n'este infindo amor que me abraza
por ti. Adeus, adeus.
Não posso mais hoje. Ámanhan te
escreverei uma longa carta.
Sabes que sou teu, e não saibas mais
nada.
Teu, teu só teu
Mil B.
Almeida Garret"
Barca Bela de Almeida Garrett
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!
Almeida Garrett, militante da
causa liberal, teve um papel
importante nas lutas políticas da
primeira metade do século XVIII. Já
durante a guerra civil, em que
aponta a federação peninsular como
saída possível, em “Portugal na
Balança da Europa” em 1830, coopera
com Mouzinho da Silveira nas grandes
reformas da administração do País,
como a lei da extinção dos
morgadios. Após o seu regresso de
Bruxelas, em 1836, dedica-se ao
jornalismo, combatendo ao lado dos
sectores mais progressistas do
liberalismo. Eleito para o
Parlamento em São Bento, destaca-se
como orador, chegando a assumir, em
1852, por breve tempo a pasta dos
Negócios Estrangeiros.