Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
Formatação: Iara Melo
Aquando da morte de D. João II, Isabel
de Espanha terá dito: “Morreu ‘o
homem’!” A frase confirma a grandeza de
um rei que foi um dos primeiros homens
de sempre a ter uma visão global do
mundo.
Com apenas 19 anos planeou a expansão
marítima portuguesa e pensou grande:
assinou o Tratado de Tordesilhas,
assegurando para Portugal a posse do
Brasil e a manutenção do comércio com a
Índia.
No início do seu reinado numa linha
marcadamente centralizadora, atacou
fortemente as grandes casas senhoriais
(em particular a de Bragança). O duque
de Bragança é executado em Évora e no
ano seguinte, o duque de Viseu, D.
Diogo, seu primo e cunhado, é chamado ao
palácio e esfaqueado pelo próprio rei
por suspeitas de conspirar contra ele.
Muitas outras pessoas foram executadas,
assassinadas ou exiladas para Castela.
Depois destes acontecimentos, mais
ninguém em Portugal ousou desafiar o
rei, que não hesitava em fazer justiça
pelas suas próprias mãos.
Casou em Janeiro de 1471 com sua prima
co‑irmã D. Leonor, que nasceu em Beja, a
2 de Maio de 1458, tendo morrido em
Lisboa, a 17 de Novembro de 1525, sendo
sepultada no Mosteiro da Madre de Deus,
em Xabregas, filha do infante D.
Fernando, duque de Viseu, e de sua
mulher D. Beatriz
A última fase do reinado de D. João II
está marcada pelo problema da sucessão
do trono. Com a morte do infante D.
Afonso, procura o rei habilitar ao trono
o bastardo D. Jorge. No seu testamento,
todavia, nomeia seu sucessor D. Manuel,
irmão da rainha. Morre no Algarve em
1495, aceitando alguns historiadores a
hipótese de ter sido envenenado.
Quando D. João II tomou conta do Reino,
a nobreza gozava de grande influência e
privilégios. Era necessário fortalecer o
poder da Coroa. Assim, o rei atraiu a si
as simpatias populares, tratando por
outro lado de tirar à fidalguia e
grandes do Reino certas regalias, e
revogar muitas doações que por seu pai,
D. Afonso V, lhes tinham sido
concedidas.
Perante esta acto de força, os membros
da nobreza, irritados e despeitados,
tentaram resistir, preparando duas
conspirações contra o rei. D. João II,
figura austera e superior, cognominado,
com justiça, de Príncipe Perfeito, não
temeu a luta e foi terrível na
repressão:
O duque de Bragança, foi preso e
degolado em Évora. O duque de Viseu,
cunhado e primo de D. João ll, também
instigador da segunda, foi pelo próprio
rei apunhalado em Setúbal. Além destes,
muitos fidalgos foram desterrados,
outros morreram na prisão.
Depois de garantido e assente em bases
sólidas o poder real, D. João II
continuou a empresa feliz dos
descobrimentos: Em 1481, Diogo de
Azambuja fundou na costa da Guiné o
castelo e povoação de São Jorge da Mina.
Em 1482, Diogo Cão descobriu o rio Zaire
e o reino do Congo, percorrendo no ano
seguinte a costa de ex-colónia de
Angola.
Em 1488, João Afonso de Aveiro chegou às
terras de Benim, e, Bartolomeu Dias
dobrou o Cabo das Tormentas (que D. João
II mudou para Cabo da Boa Esperança),
com que se desfez o fatal encanto do
Gigante Adamastor e se abriu o caminho
do mar a novos empreendimentos para a
bandas do Oriente.
No momento em que isto acontecera, já D.
João II tinha mandado por terra, para
colherem notícias do caminho marítimo
para a Índia, Pêro da Covilhã e Afonso
de Paiva. Nenhum destes viajantes
conseguiu regressar a Portugal. Porém, o
primeiro, tendo indo até à Índia, veio
depois a Sofala, donde pode enviar ao
rei as informações necessárias.
Não coube a D. João ll a glória de ter
levado a cabo o glorioso empreendimento,
porque a morte o surpreendeu antes de se
encontrar definitivamente concluída a
expedição que para tal fim estava a
organizar-se.
D.João II permitiu em 1492, que os
judeus, expulsos de Espanha pelos reis
católicos Fernando e Isabel, dessem
entrada em Portugal, mediante o
pagamento de certo imposto e ainda com a
cláusula de não se poderem demorar no
Reino mais de oito meses. Se
desobedecessem, ficariam escravos. Desta
medida foram, porém, excluídos aqueles
que desempenhavam profissões de grande
proveito e utilidade.
Vivia em Portugal, onde aprendera a
ciência da navegação, um genovês chamado
Cristóvão Colombo. A este navegador
parecia-lhe possível e mais fácil
descobrir a Índia pelo Ocidente. Para
tal, ofereceu-se a D. João II para
efectuar a viagem, proposta que foi
recusada. Em 1492, então ao serviço do
rei de Castela, descobriu Cristóvão
Colombo o Novo Mundo ou América.
Estando D. João II convencido de que as
terras descobertas por Colombo
pertenciam a Portugal, mandou preparar
uma expedição do comando de D. Francisco
de Almeida para ocupar aquelas terras e
garantir ali os nossos direitos. O rei
de Castela, sabendo isto, entrou logo em
negociações com o monarca português, as
quais terminaram pelo Tratado de
Tordesilhas, firmado em 7 de Julho de
1494.
Nesse tratado se estipulou que
pertenciam a Portugal todas as terras já
descobertas ou a descobrir, situadas a
oriente de uma linha imaginária, traçada
de pólo a pólo do globo terrestre, 370
léguas a oeste do arquipélago de Cabo
Verde, e as situadas a ocidente da mesma
linha pertenciam a Castela.
Em consequência de muitas terras
conquistadas neste reinado, D. João II
juntou aos títulos que recebera de seus
antecessores mais o seguinte: Senhor da
Guiné.
Seus restos mortais encontram-se no
mosteiro de Batalha.
Crónica de D.João II - por Rui de Pina:
«Foi el-rei D.João homem de corpo, mais
grande que pequeno, mui bem feito e em
todos os seus membros mui proporcionado;
teve o rosto mais comprido que redondo e
de barba em boa conveniência povoado.
Teve os cabelos da cabeça castanhos e
corredios e porém em idade de trinta e
sete anos na cabeça e na barba era já
mui cão, de que se mostrava receber
grande contentamento pela muita
autoridade que à sua dignidade real suas
cãs acrescentavam; e os olhos de
perfeita vista e às vezes mostrava nos
brancos deles umas veias e mágoas de
sangue, com que nas coisas de sanha,
quando era dela tocado, lhe faziam
aspecto mui temeroso. E porém nas coisas
de honra, prazer e gasalhado, mui alegre
e de mui real e excelente graça; o nariz
teve um pouco comprido e derrubado. Era
em tudo mui alvo, salvo no rosto, que
era corado em boa maneira. E até idade
de trinta anos foi mui enxuto das carnes
e depois foi nelas mais revolto. Foi
príncipe de maravilhoso engenho e subida
agudeza e mui místico para todas as
coisas; e a confiança grande que disso
tinha muitas vezes lhe fazia confiar
mais de seu saber e creu conselhos de
outrem menos do que devia. Foi de mui
viva e esperta memória e teve o juízo
claro e profundo; e porém suas sentenças
e falas que inventava e dizia tinham
sempre na invenção mais de verdade,
agudeza e autoridade que de doçura nem
elegância nas palavras, cuja
pronunciação foi vagarosa, entoada algum
tanto pelos narizes, que lhe tirava
alguma graça. Foi rei de mui alto,
esforçado e sofrido coração, que lhe
fazia suspirar por grandes e estranhas
empresas, pelo qual, conquanto seu corpo
pessoalmente em seus reinos andasse para
as bem reger como fazia, porém seu
espírito sempre andava fora deles, com
desejo de os acrescentar. Foi príncipe
mui justo e mui amigo de justiça e nas
execuções dela mais rigoroso e severo
que piedoso, porque, sem alguma excepção
de pessoas de baixa e alta condições,
foi dela mui inteiro executor, cuja vara
e leis nunca tirou de sua própria seda,
para assentar nela sua vontade nem
apetites, porque as leis que a seus
vassalos condenavam nunca quis que a si
mesmo absolvessem.»
O Tratado de Tordesilhas
"Dom Fernando e d. Isabel, por graça de
Deus rei e rainha de Castela, de Leão,
de Aragão, da Sicília, de Granada, de
Toledo, de Valência, de Galiza, de
Maiorca, de Sevilha, da Sardenha, de
Córdova, da Córsega, de Múrcia, de Jaém,
do Algarve, de Algeciras, de Gibraltar,
das ilhas de Canária, conde e condessa
de Barcelona, senhores de Biscaia e de
Molina, duques de Atenas e de Neopatria,
condes de Roussilhão e da Sardenha,
marqueses de Oristán e de Gociano,
juntamente com o príncipe d. João, nosso
mui caro e mui amado filho primogénito,
herdeiro dos nossos ditos reinos e
senhorios. Em fé do qual, por d.
Henrique Henriques, nosso mordomo-mor e
d. Gutierre de Cárdenas, comissário-mor
de Leão, nosso contador-mor e o doutor
Rodrigo Maldonado, todos do nosso
Conselho, foi tratado, assentado e
aceito por nós e em nosso nome e em
virtude do nosso poder, com o
sereníssimo d. João, pela graça de Deus
rei de Portugal e dos Algarves d'Aquém e
d'Além-mar, em África, senhor da Guiné,
nosso mui caro e mui amado irmão, e com
Rui de Sousa, senhor de Sagres e
Beringel e d. João de Sousa, seu filho,
almotacel-mor do dito sereníssimo rei
nosso irmão, e Arias de Almadana,
corretor dos feitos civis de sua corte e
de seu foro, todos do Conselho do dito
sereníssimo rei nosso irmão, em seu e em
virtude de seu poder, seus embaixadores
que a nós vieram, sobre a demanda que
nós e ao dito sereníssimo rei nosso
irmão pertence, do que até sete dias
deste mês de Junho, em que estamos, da
assinatura desta escritura está por
descobrir no mar Oceano, na qual dito
acordo dos nossos ditos procuradores,
entre outras coisas, prometeram que
dentro de certo prazo nela estabelecido,
nós outorgaríamos, confirmaríamos,
juraríamos, ratificaríamos e
aprovaríamos a dita aceitação por nossas
pessoas; e nós, desejando cumprir e
cumprindo tudo o que assim em nosso nome
foi assentado, e aceito, e outorgado
acerca do supradito, mandamos trazer
diante de nós a dita escritura da dita
convenção e assento para vê-la e
examiná-la, e o teor dela de verbo ad
verbum é este que se segue:
D. Fernando e d. Isabel, por graça de
Deus rei e rainha de Castela, de Leão,
de Aragão, da Sicília, de Granada, de
Toledo, de Valência, da Galiza, da
Maiorca, de Sevilha, de Sardenha, de
Córdova, da Córsega, de Múrcia, de Jaém,
de Algarve, de Algeciras, de Gibraltar,
das ilhas de Canária, conde e condessa
de Barcelona, e senhores de Biscaia e de
Molina, duques de Atenas e de Neopatria,
condes de Roussilhão e da Sardenha,
marqueses de Oristán e de Gociano etc.
Em fé do que, o sereníssimo rei de
Portugal, nosso mui caro mui amado
irmão, nos enviou como seus embaixadores
e procuradores a Rui de Sousa, do qual
são as vilas de Sagres e Beringel, e a
d. João de Sousa, seu almotacél-mor, e
Arias de Almadana, seu corregedor dos
feitos cíveis em sua corte, e de seu
Desembargo, todos do seu Conselho, para
entabular e tomar assento e concórdia
connosco ou com nossos embaixadores e
procuradores, em nosso nome, sobre a
divergência que entre nós e o
sereníssimo rei de Portugal, nosso
irmão, há sobre o que a nós e a ele
pertence do que até agora está por
descobrir no mar Oceano; em razão do
que, confiando de vós d. Henrique
Henriques, nosso mordomo-mor e d.
Gutierre de Cárdenas, comendador-mor de
Leão, nosso contador-mor, e o doutor
Rodrigo Maldonado, todos de nosso
Conselho, que sois tais pessoas, que
zelareis nosso serviço e que bem
fielmente fareis o que por nós vos for
mandado e encomendado; por esta presente
carta vos damos todos nossos poderes
completos naquela maneira e forma que
podemos e em tal caso se requer,
especialmente para que por nós e em
nosso nome e de nossos herdeiros e
sucessores, e de todos nossos reinos e
senhorios, súbditos e naturais deles,
possais tratar, ajustar e assentar e
fazer contrato e concórdia com os ditos
embaixadores do sereníssimo rei de
Portugal, nosso irmão, em seu nome,
qualquer concerto, assento, limitação,
demarcação e concórdia sobre o que dito
é, pelos ventos em graus de Norte e de
Sul e por aquelas partes, divisões e
lugares do céu, do mar e da terra, que a
vós bem visto forem e assim vos damos o
dito poder para que possais deixar ao
dito rei de Portugal e a seus reinos e
sucessores todos os mares, e ilhas, e
terras que forem e estiverem dentro de
qualquer limitação e demarcação que com
ele assentarem e deixarem. E outrossim
vos damos o dito poder, para que em
nosso nome e no de nossos herdeiros e
sucessores, e de nossos reinos e
senhorios, e súbditos e naturais deles,
possais concordar a assentar e receber,
e acabar com o dito rei de Portugal, e
com seus ditos embaixadores e
procuradores em seu nome, que todos os
mares, ilhas e terras que forem ou
estiverem dentro da demarcação e
limitação de costas, mares e ilhas e
terras que ficarem por vós e por nossos
sucessores, e de nosso senhorio e
conquista, sejam de nossos reinos e
sucessores deles, com aquelas limitações
e isenções e com todas as outras
divisões e declarações que a vós bem
visto for, e para que sobre tudo que
está dito, e para cada coisa e parte
disso, e sobre o que a isso é tocante,
ou disso dependente, ou a isso anexo ou
conexo de qualquer maneira, possais
fazer e outorgar, concordar, tratar e
receber, e aceitar em nosso nome e dos
ditos nossos herdeiros e sucessores de
todos os nossos reinos e senhorios,
súbditos e naturais deles, quaisquer
tratados, contratos e escrituras, como
quaisquer vínculos, actos, modos,
condições e obrigações e estipulações,
penas, sujeições e renúncias, que vós
quiserdes, e bem outorgueis todas as
coisas e cada uma delas, de qualquer
natureza ou qualidade, gravidade ou
importância que tenham ou possam ter,
ainda que sejam tais que pela sua
condição requeiram outro nosso
especificado e especial mandado e que
delas se devesse de fato e de direito
fazer singular e expressa menção e, que
nós, estando presentes poderíamos fazer
e outorgar e receber. E outrossim vos
damos poder suficiente para que possais
jurar e jureis por nossas almas, que nós
e nossos herdeiros e sucessores,
súbditos, naturais e vassalos,
adquiridos e por adquirir, teremos,
guardaremos e cumpriremos, e terão,
guardarão e cumprirão realmente e com
efeito, tudo o que vós assim
assentardes, capitulardes, jurardes,
outorgardes e firmardes, livre de toda a
cautela, fraude, engano, ficção e
simulação e assim possais em nosso nome
capitular, assegurar e prometer que nós
em pessoa seguramente juraremos,
prometeremos, outorgaremos e firmaremos
tudo o que vós em nosso nome, acerca do
que dito é assegurardes, prometerdes e
acordardes, dentro daquele lapso de
tempo que vos bem parecer, e que o
guardaremos e cumpriremos realmente, e
com efeito, sob as condições, penas e
obrigações contidas no contrato das
bases entre nós e o dito sereníssimo rei
nosso irmão feito e concordado, e sobre
todas as outras que vós prometerdes e
assentardes, as quais desde agora
prometemos pagar, se nelas incorrermos,
para tudo o que e cada coisa ou parte
disso, vos damos o dito poder com livre
e geral administração, e prometemos e
asseguramos por nossa fé e palavra real
de ter, guardar e cumprir, nós e nossos
herdeiros e sucessores, tudo o que por
vós, acerca do que dito é, em qualquer
forma e maneira for feito e capitulado,
jurado e prometido, e prometemos de o
ter por firme, bom e sancionado, grato,
estável e válido, e verdadeiro agora e
em todo tempo, e que não iremos nem
viremos contra isso nem contra parte
alguma disso, nem nós nem herdeiros e
sucessores, por nós, nem por outras
pessoas intermediárias, direta nem
indiretamente, sob qualquer pretexto ou
causa, em juízo, nem fora dele, sob
obrigação expressa que para isso fazemos
de todos os nossos bens patrimoniais e
fiscais, e outros quaisquer de nossos
vassalos e súbditos e naturais, móveis e
de raiz, havidos e por haver.
Em testemunho do que mandamos dar esta
nossa carta de poder, a qual firmamos
com os nossos nomes, mandamos selar com
o nosso selo.
Dada na vila de Tordesillas aos cinco
dias do mês de Junho, ano de nascimento
de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
quatrocentos e noventa e quatro.
Eu, el-rei.
Eu, a rainha.
Eu, Fernando Álvarez de Toledo,
secretário do Rei e da Rainha, nossos
senhores, a fiz escrever a seu mandado.
D. João, por graça de Deus rei de
Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar
em África, e senhor de Guiné etc. A
quantos esta nossa carta de poderes e
procuração virem, fazemos saber que em
virtude do mandado dos mui altos e mui
excelentes e poderosos príncipes, o rei
d. Fernando e a rainha d. Isabel, rei e
a rainha de Castela, de Leão, de Aragão,
de Sicília, de Granada etc., nossos mui
amados e prezados irmãos, foram
descobertas e achadas novamente algumas
ilhas, e poderiam adiante descobrir e
achar outras ilhas e terras sobre as
quais tanto umas como outras, achadas e
por achar, pelo direito e pela razão que
nisso temos, poderiam sobrevir entre nós
todos e nossos reinos e senhorios,
súbditos e naturais deles, que Nosso
Senhor não consinta; a nós apraz pelo
grande amor e amizade que entre todos
nós existe, e para se buscar, procurar e
conservar maior paz e mais firme
concórdia e sossego, que o mar em que as
ditas ilhas estão e forem achadas, se
parte e demarque entre nós todos de
alguma boa, certa e limitada maneira; e
porque nós no presente não podemos
entender nisto pessoalmente, confiante a
vós Rui de Sousa, senhor de Sagres e
Beringel, e d. João de Sousa, nosso
almotacél-mor, e Arias de Almadana,
corregedor dos feitos cíveis em nossa
corte e do nosso Desembargo, todos do
nosso Conselho, pela presente carta vos
damos todo nosso poder, completo,
autoridade e especial mandado, e vos
fazemos e constituímos a todos em
conjunto, e a dois de vós e a cada um de
vós (in solidum) se os outros por
qualquer modo estiverem impedidos,
nossos embaixadores e procuradores, na
mais ampla forma que podemos e em tal
podemos e em tal caso se requer e geral
especialmente; e de tal modo que a
generalidade não derrogue a
especialidade, nem a especialidade, a
generalidade, para que, por nós, e em
nosso nome e de nossos herdeiros e
sucessores, e de todos os nossos reinos
e senhorios, súbditos e naturais deles
possais tratar, concordar e concluir e
fazer, trateis, concordeis e assenteis,
e façais com os ditos rei e rainha de
Castela, nossos irmãos, ou com quem para
isso tenha os seus poderes, qualquer
concerto e assento, limitação,
demarcação e concórdia sobre o mar
Oceano, ilhas e terra firme, que nele
houver por aqueles rumos de ventos e
graus de Norte e Sul, e por aquelas
partes, divisões e lugares de seco e do
mar e da terra, que bem vos parecer. E
assim vos damos o dito poder para que
possais deixar, e deixeis aos ditos rei
e rainha e a seus reinos e sucessores
todos os mares, ilhas e terras que
estiverem dentro de qualquer limitação e
demarcação que com os ditos rei e rainha
ficarem: e assim vos damos os ditos
poderes para em nosso nome e no dos
nossos herdeiros e sucessores e de todos
os nossos reinos e senhorios, súbditos e
naturais deles, possais com os ditos rei
e rainha, ou com seus procuradores,
assentar e receber e acabar que todos os
mares, ilhas e terras que forem situados
e estiverem dentro da limitação e
demarcação das costas, mares, ilhas e
terras que por nós e nossos sucessores
ficarem, sejam nossos e de nossos
senhorios e conquista, e assim de nossos
reinos e sucessores deles, com aquelas
limitações e isenções de nossas ilhas e
com todas as outras cláusulas e
declarações que vos bem parecerem. Os
quais ditos poderes damos a vós os ditos
Rui de Sousa e d. João de Sousa e o
licenciado Arias da Almadana, para que
sobre tudo o que dito é, e sobre cada
coisa e parte disso e sobre o que a isso
é tocante, e disso dependente, e a isso
anexo, e conexo de qualquer maneira,
possais fazer, e outorgar, concordar,
tratar e destratar, receber e aceitar em
nosso nome e dos ditos nossos herdeiros
e sucessores e todos nossos reinos e
senhorios, súbditos e naturais deles em
quaisquer capítulos, contratos e
escrituras, com quaisquer vínculos,
pactos, modos, condições, penas,
sujeições e renúncias que vós quiserdes
e a vós bem visto for e sobre isso
possais fazer e outorgar e façais e
outorgueis todas as coisas, e cada uma
delas, de qualquer natureza e qualidade,
gravidade e importância que sejam ou
possam ser posto que sejam tais que por
sua condição requeiram outro nosso
especial e singular mandado, e se
devesse de fato e de direito fazer
singular e expressa menção e que nós
presentes, poderíamos fazer e outorgar,
e receber.
E outrossim vos damos poderes completos
para que possais jurar, e jureis por
nossa alma, que nós e nossos herdeiros e
sucessores, súbditos e naturais, e
vassalos, adquiridos e por adquirir ,
teremos, guardaremos e cumpriremos,
terão, guardarão e cumprirão realmente,
e com efeito, tudo o que vós assim
assentardes e capitulardes e jurardes,
outorgardes e firmardes, livre de toda
cautela, fraude e engano e fingimento, e
assim possais em nosso nome capitular,
assegurar e prometer que nós em pessoa
asseguraremos, juraremos, prometeremos,
e firmaremos tudo o que vós no sobredito
nome, acerca do que dito é assegurardes,
prometerdes e capitulardes, dentro
daquele prazo e tempo que vos parecer
bem, e que o guardaremos e cumpriremos
realmente e com efeito sob as condições,
penas e obrigações contidas no contrato
das pazes entre nós feitas e
concordadas, e sob todas as outras que
vós prometerdes e assentardes no nosso
sobredito nome, os quais desde agora
prometemos pagar e pagaremos realmente e
com efeito, se nelas incorrermos. Para
tudo o que e cada uma coisa e parte
disso, vos damos os ditos poderes com
livre e geral administração, e
prometemos e asseguramos com a nossa fé
real, ter e guardar e cumprir, e assim
os nossos herdeiros e sucessores, tudo o
que por vós, acerca do que dito é em
qualquer maneira e forma for feito,
capitulado e jurado e prometido; e
prometemos de o haver por firme,
sancionado e grato, estável e valedouro,
desde agora para todo tempo e que não
iremos, nem viremos, nem irão contra
isso, nem contra parte alguma disso, em
tempo algum; nem por alguma maneira, por
nós, nem por si, nem por intermediários,
directa nem indirectamente, e sob
pretexto algum ou causa em juízo nem
fora dele, sob obrigação expressa que
para isso fazemos dos ditos nossos
reinos e senhorios e de todos os nossos
bens patrimoniais, fiscais e outros
quaisquer de nossos vassalos e súbditos
e naturais, móveis e de raiz, havidos e
por haver. Em testemunho e fé do que vos
mandamos dar esta nossa carta por nós
firmada e selada com o nosso selo, dada
em nossa cidade de Lisboa aos oito dias
de Março. Rui de Pina a fez no ano do
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo
de mil quatrocentos e noventa e quatro
El rei.
E logo os ditos procuradores dos ditos
senhores rei e rainha de Castela, de
Leão, de Aragão, de Sicília, de Granada
etc., e do dito senhor rei de Portugal e
dos Algarves, etc., disseram: que visto
como entre os ditos senhores seus
constituintes há certa divergência sobre
o que a cada uma das ditas partes
pertence do que até hoje, dia da
conclusão deste tratado, está por
descobrir no mar Oceano; que eles,
portanto, para o bem da paz e da
concórdia e pela conservação da
afinidade e amor que o dito senhor rei
de Portugal tem pelos ditos senhores rei
e rainha de Castela, de Aragão etc.,
praz a suas altezas, e os seus ditos
procuradores em seu nome, e em virtude
dos ditos seus poderes, outorgaram e
consentiram que se trace e assinale pelo
dito mar Oceano uma raia ou linha
directa de pólo a pólo; convém a saber,
do pólo Árctico ao pólo Antárctico, que
é de norte a sul, a qual raia ou linha e
sinal se tenha de dar e dê direita, como
dito é, a trezentas e setenta léguas das
ilhas de Cabo Verde em direcção à parte
do poente, por graus ou por outra
maneira, que melhor e mais rapidamente
se possa efectuar contanto que não seja
dado mais. E que tudo o que até aqui
tenha achado e descoberto, e daqui em
diante se achar e descobrir pelo dito
senhor rei de Portugal e por seus
navios, tanto ilhas como terra firme
desde a dita raia e linha dada na forma
supracitada indo pela dita parte do
levante dentro da dita raia para a parte
do levante ou do norte ou do sul dele,
contanto que não seja atravessando a
dita raia, que tudo seja, e fique e
pertença ao dito senhor rei de Portugal
e aos seus sucessores, para sempre. E
que todo o mais, assim ilhas como terra
firme, conhecidas e por conhecer,
descobertas e por descobrir, que estão
ou forem encontrados pelos ditos
senhores rei e rainha de Castela, de
Aragão etc., e por seus navios, desde a
dita raia dada na forma supra indicada
indo pela dita parte de poente, depois
de passada a dita raia em direcção ao
poente ou ao norte-sul dela, que tudo
seja e fique, e pertença, aos ditos
senhores rei e rainha de Castela, de
Leão etc. e aos seus sucessores, para
sempre. Item: os ditos procuradores
prometem e asseguram, em virtude dos
ditos poderes, que de hoje em diante não
enviarão navios alguns, convém a saber,
os ditos senhores rei e rainha de
Castela, e de Leão, e de Aragão etc.,
por esta parte da raia para as partes de
levante, aquém da dita raia, que fica
para o dito senhor rei de Portugal e dos
Algarves, etc., nem o dito senhor rei de
Portugal à outra parte da dita raia, que
fica para os ditos senhores rei e rainha
de Castela, de Leão etc., a descobrir e
achar terra nem ilhas algumas, nem a
contratar, nem resgatar, nem conquistar
de maneira alguma; porém que se
acontecesse que caminhando assim aquém
da dita raia os ditos navios dos ditos
senhores rei e rainha de Castela, de
Leão etc., achassem quaisquer ilhas ou
terras dentro do que assim fica para o
dito senhor rei de Portugal e dos
Algarves, que assim seja e fique para o
dito senhor rei de Portugal e para seus
herdeiros para todo o sempre, que suas
altezas o hajam de mandar logo dar e
entregar. E se os navios do dito senhor
de Portugal acharem quaisquer ilhas e
terras na parte dos ditos senhores rei e
rainha de Castela, e de Leão, e de
Aragão etc., que tudo tal seja e fique
para os ditos senhores rei e rainha de
Castela, e de Leão etc., e para seus
herdeiros para todo o sempre, e que o
dito senhor rei de Portugal o haja logo
de mandar, dar e entregar. Item: para
que a dita linha ou raia da dita
partilha se haja de traçar e trace
direita e a mais certa que possa ser
pelas ditas trezentas e setenta léguas
das ditas ilhas de Cabo Verde em
direcção à parte do poente, como dito é,
fica assentado e concordado pelos ditos
procuradores de ambas as ditas partes,
que dentro dos dez primeiros meses
seguintes, a contar do dia da conclusão
deste tratado, hajam os ditos senhores
seus constituintes de enviar duas ou
quatro caravelas, isto é, uma ou duas de
cada parte, mais ou menos, segundo
acordarem as ditas partes serem
necessárias, as quais para o dito tempo
se achem juntas na ilha da grande
Canária; e enviem nelas, cada uma das
ditas partes, pessoas, tanto pilotos
como astrólogos, e marinheiros e
quaisquer outras pessoas que convenham,
mas que sejam tantas de uma parte como
de outra e que algumas pessoas dos ditos
pilotos, e astrólogos, e marinheiros, e
pessoas que sejam dos que enviarem os
ditos senhores rei e rainha de Castela,
e de Aragão etc., vão no navio ou navios
que enviar o dito senhor rei de Portugal
e dos Algarves, etc., e da mesma forma
algumas das ditas pessoas que enviar o
referido senhor rei de Portugal vão no
navio ou navios que mandarem os ditos
senhores rei e rainha de Castela, e de
Aragão, tanto de uma parte como de
outra, para que juntamente possam melhor
ver e reconhecer o mar e os rumos e
ventos e graus de sul e norte, e
assinalar as léguas supraditas; tanto
que para fazer a demarcação e limites
concorrerão todos juntos os que forem
nos ditos navios, que enviarem ambas as
ditas partes, e levarem os seus poderes,
que os ditos navios, todos juntamente,
constituem seu caminho para as ditas
ilhas de Cabo Verde e daí tomarão sua
rota direita ao poente até às ditas
trezentas e setenta léguas, medidas
pelas ditas pessoas que assim forem,
acordarem que devem ser medidas sem
prejuízo das ditas partes e ali onde se
acabarem se marque o ponto, e sinal que
convenha por graus de sul e de norte, ou
por singradura de léguas, ou como melhor
puderem concordar: a qual dita raia
assinalem desde o dito pólo Árctico ao
dito pólo Antárctico, isto é, de norte a
sul, como fica dito: e aquilo que
demarcarem o escrevam e firmem como os
próprios as ditas pessoas que assim
forem enviadas por ambas as ditas
partes, as quais hão de levar faculdades
e poderes das respectivas partes, cada
um da sua, para fazer o referido sinal e
delimitação feita por eles, estando
todos conformes, que seja tida por sinal
e limitação perpetuamente para todo o
sempre para que nem as ditas partes, nem
algumas delas, nem seus sucessores
jamais a possam contradizer, nem
tirá-la, nem removê-la em tempo algum,
por qualquer maneira que seja possível
ou que possível possa ser. E se por
acaso acontecer que a dita raia e limite
de pólo a pólo, como está declarado,
topar em alguma ilha ou terra firme, que
no começo de tal ilha ou terra que assim
for encontrada onde tocar a dita linha
se faça alguma marca ou torre: e que a
direito do dito sinal ou torre se sigam
daí para diante outros sinais pela tal
ilha ou terra na direcção da citada raia
os quais partam o que a cada umas das
partes pertencer dela e que os súbditos
das ditas partes não ousem passar uns à
porção dos outros, nem estes à daqueles,
passando o dito sinal ou limite na tal
ilha e terra.
Item: porquanto para irem os ditos
navios dos ditos senhores rei e rainha
de Castela, de Leão, de Aragão etc., dos
reinos e senhorios até sua dita porção
além da dita raia, na maneira que ficou
dito, é forçoso que tenham de passar
pelos mares desta banda da raia que fica
para o dito senhor rei de Portugal, fica
por isso concordado e assentado que os
ditos navios dos ditos senhores rei e
rainha de Castela, de Leão, de Aragão
etc., possam ir e vir e vão e venham
livre, segura e pacificamente sem
contratempo algum pelos ditos mares que
ficam para o dito senhor rei de
Portugal, dentro da dita raia em todo o
tempo e cada vez e quando suas altezas e
seus sucessores quiserem, e por bem
tiverem, os quais vão por seus caminhos
direitos e rotas, desde seus reinos para
qualquer parte do que esteja dentro da
raia e limite, onde quiserem enviar para
descobrir, e conquistar e contratar, e
que sigam seus caminhos direito por onde
eles acordarem de ir para qualquer ponto
da sua dita parte, e daqueles não se
possam apartar, salvo se o tempo adverso
os fizer afastar, contanto que não tomem
nem ocupem, antes de passar a dita raia,
coisa alguma do que for achado pelo dito
senhor rei de Portugal na sua dita
porção e que, se alguma coisa acharem os
seus ditos navios antes de passarem a
dita raia, conforme está dito, que isso
seja para o dito senhor rei de Portugal,
e suas altezas o hajam de mandar logo
dar e entregar. E porque poderia suceder
que os navios e gentes dos ditos
senhores rei e rainha de Castela, de
Leão etc., ou por sua parte, terão
achado até aos vinte dias deste mês de
Junho em que estamos da conclusão deste
tratado, algumas ilhas e terra firme
dentro da dita raia, que se há de traçar
de pólo a pólo por linha recta ao final
das ditas trezentas e setenta léguas
contadas desde as ditas ilhas de Cabo
Verde para o poente, como dito está,
fica acordado e assentado, para desfazer
qualquer dúvida, que todas as ilhas e
terra firme, que forem achadas e
descobertas de qualquer maneira até aos
ditos vinte dias deste dito mês de
Junho, ainda que sejam encontradas por
navios e gentes dos ditos senhores rei e
rainha de Castela, de Leão, de Aragão
etc., contanto que estejam dentro das
primeiras duzentas e cinquenta léguas
das ditas trezentas e setenta léguas,
contadas desde as ditas ilhas de Cabo
Verde ao poente em direcção à dita raia,
em qualquer parte delas para os ditos
pólos, que forem achadas dentro das
ditas duzentas e cinquenta léguas,
traçando-se uma raia, ou linha recta de
pólo a pólo, onde se acabarem as ditas
duzentas e cinquenta léguas, seja e
fique para o dito senhor rei de Portugal
e dos Algarves, etc., e para os seus
sucessores e reinos para sempre, e que
todas as ilhas e terra firme, que até os
ditos vinte dias deste mês de Junho em
que estamos, forem encontradas e
descobertas por navios dos ditos
senhores rei e rainha de Castela, e de
Aragão etc., e por suas gentes ou de
outra qualquer maneira dentro das outras
cento e vinte léguas que ficam para
complemento das ditas trezentas e
setenta léguas, em que há de acabar a
dita raia, que se há de traçar de pólo a
pólo, como ficou dito, em qualquer parte
das ditas cento e vinte léguas para os
ditos pólos, que sejam achadas até o
dito dia, sejam e fiquem para os ditos
senhores rei e rainha de Castela, de
Leão, de Aragão etc., e para os seus
sucessores e seus reinos para todo
sempre, conforme é e há de ser seu tudo
o que descobrirem além da dita raia das
ditas trezentas e setenta léguas, que
ficam para suas altezas, como ficou
dito, ainda que as indicadas cento e
vinte léguas estejam dentro da dita raia
das ditas trezentas e setenta léguas,
que ficam para o dito senhor rei de
Portugal e dos Algarves, etc., como dito
está.
E se até os ditos vinte dias deste dito
mês de Junho não for encontrada pelos
ditos navios de suas altezas coisa
alguma dentro das ditas cento e vinte
léguas, e dali para diante o acharem,
que seja para o dito senhor rei de
Portugal, como no supra capítulo escrito
está contido. E que tudo o que ficou
dito e cada coisa e parte dele, os ditos
d. Henrique Henriques, mordomo-mor, e d.
Gutierre de Cárdenas, contador-mor, e do
doutor Rodrigo Maldonado, procuradores
dos ditos mui altos e mui poderosos
príncipes senhores o rei e a rainha de
Castela, de Leão, de Aragão, da Sicília,
de Granada etc., e em virtude dos seus
ditos poderes que vão incorporados, e os
ditos Rui de Sousa, e d. João de Sousa,
seu filho e Arias de Almadana,
procuradores e embaixadores do dito mui
alto e mui excelente príncipe o senhor
rei de Portugal e dos Algarves,d'Aquém e
d'Além em África e senhor de Guiné, e em
virtude dos seus ditos poderes que vão
supra-incorporados, prometerem e
assegurarem em nome dos seus ditos
constituintes, que eles e seus
sucessores e reinos, e senhorios, para
todo o sempre, terão, guardarão e
cumprirão realmente, e com efeito, livre
de toda fraude e penhor, engano, ficção
e simulação, todo o contido nesta
capitulação, e cada uma coisa, e parte
dele, quiseram e outorgaram que todo o
contido neste convénio e cada uma coisa,
e parte disso será guardada e cumprida e
executada como se há de guardar, cumprir
e executar todo o contido na capitulação
das pazes feitas e assentadas entre os
ditos senhores rei e rainha de Castela,
de Leão, de Aragão etc., e o senhor d.
Afonso rei de Portugal, que em santa
glória esteja, e o dito senhor rei que
agora é de Portugal, seu filho, sendo
príncipe o ano que passou de mil
quatrocentos e setenta e nove anos, e
sob aquelas mesmas penas, vínculos,
seguranças e obrigações, segundo e de
maneira que na dita capitulação das
ditas pazes está contida. E se obrigaram
a que nem as ditas pazes, nem algumas
delas, nem seus sucessores para todo o
sempre irão mais nem se voltarão contra
o que acima está dito e especificado,
nem contra coisa alguma nem parte disso
directa nem indirectamente, nem por
outra maneira alguma, em tempo algum,
nem por maneira alguma pensada ou não
pensada que seja ou possa ser, sob as
penas contidas na dita capitulação das
ditas pazes, e a pena cumprida ou não
cumprida ou graciosamente remida; que
esta obrigação, e capitulação, e
assento, deixe e fique firme, estável e
válida para todo o sempre, para assim
terem, e guardarem, e cumprirem, e
pagarem em tudo o supradito aos ditos
procuradores em nome dos seus ditos
constituintes, obrigaram os bens cada um
de sua dita parte, móveis, e de raiz,
patrimoniais e fiscais e de seus
súbditos e vassalos havidos e por haver,
e renunciar a quaisquer leis e direitos
de que se possam valer as ditas partes e
cada uma delas para ir e vir contra o
supradito, e cada uma coisa, e parte
disso realmente, e com efeito, livre
toda a fraude, penhor, e engano, ficção
e simulação, e não o contradirão em
tempo algum, nem por alguma maneira sob
a qual o dito juramento juraram não
pedir absolvição nem relaxamento disso
ao nosso santíssimo padre, nem a outro
qualquer legado ou prelado que a possa
dar, e ainda que de motu proprio a dêem
não usarão dela, antes por esta presente
capitulação suplicam no dito nome ao
nosso santíssimo padre que haja sua
santidade por bem confiar e aprovar esta
dita capitulação, conforme nela se
contém, e mandando expedir sobre isto
suas bulas às partes, ou a quaisquer
delas, que as pedir e mandam incorporar
nelas o teor desta capitulação, pondo
suas censuras aos que contra ela forem
ou procederem em qualquer tempo que seja
ou possa ser.
E assim mesmo os ditos procuradores no
dito nome se obrigaram sob a dita pena e
juramento, dentro dos cem primeiros dias
seguintes, contados desde o dia da
conclusão deste tratado, darão uma parte
a esta primeira aprovação, e ratificação
desta dita capitulação, escritas em
pergaminho, e firmadas nos nomes dos
ditos senhores seus constituintes, e
seladas, com os seus selos de cunho
pendentes; e na escritura que tiverem de
dar os ditos senhores rei e rainha de
Castela, de Leão, de Aragão etc., tenha
de firmar e consentir e autorizar o mui
esclarecido e ilustríssimo senhor o
príncipe d. João seu filho: de tudo o
que dito é, outorgaram duas escrituras
de um mesmo teor uma tal qual a outra,
as quais firmaram com seus nomes e as
outorgaram perante os secretários e
testemunhas abaixo assinadas para cada
uma das partes a sua e a qualquer que se
apresentar, vale como se ambas as duas
se apresentassem, as quais foram feitas
e outorgadas na dita vila de Tordesillas
no dita, mês e ano supraditos.
D. Henrique, comendador-mor. Rui de
Sousa. D. João de Sousa. Doutor Rodrigo
Maldonado. Licenciado Arias. Testemunhas
que foram presentes, que vieram aqui
firmar seus nomes ante os ditos
procuradores e embaixadores e outorgar o
supradito, e fazer o dito juramento, o
comendador Pedro de Leon, o comendador
Fernando de Torres, vizinhos da vila de
Valladolid, o comendador Fernando de
Gamarra, comendador de Lagra e Cenate,
contínuos da casa dos ditos rei e rainha
nossos senhores, e João Soares de
Siqueira e Rui Leme, e Duarte Pacheco,
contínuos da casa do senhor rei de
Portugal para isso chamados. E eu,
Fernando Dalvares de Toledo, secretário
do rei e da rainha nossos senhores e de
seu Conselho, e seu escrivão de Câmara,
e notário público em sua corte, e em
todos os seus reinos e senhorios, estive
presente a tudo que dito está declarado
em um com as ditas testemunhas, e com
Estevam Baez secretário do dito senhor
rei de Portugal, que pela autoridade que
os ditos rei e a rainha nossos senhores
lhe deram para fazer dar sua fé neste
auto em seus reinos, que esteve também
presente ao que dito está, e a rogo e
outorgamento de todos os procuradores e
embaixadores que em minha presença e na
sua aqui firmaram seus nomes, este
instrumento público de capitulação fiz
escrever, o qual vai escrito nestas seis
folhas de papel de formato inteiro
escritas de ambos os lados e mais esta
em que vão os nomes dos supraditos e o
meu sinal; e no fim de cada página vai
rubricado o sinal do meu nome e o do
dito Estevam Baez, e em fé disso pus
aqui este meu sinal, que é tal. Em
testemunho de verdade, Fernão Dalvares.
E eu, dito Estevam Baez, que por
autoridade que os ditos senhores rei e
rainha de Castela, de Leão etc., me
deram para fazer público em todos os
seus reinos e senhorios, juntamente com
o dito Fernão Dalvares, a rogo e
requerimento dos ditos embaixadores e
procuradores a tudo presente estive, e
em fé a certificação disso aqui com o
meu público sinal assinei, que é tal. A
qual dita escritura de assento, e
capitulação e concórdia supra
incorporada, vista e entendida por nós e
pelo dito príncipe d. João, nosso filho,
nós a aprovamos, louvamos, e
confirmamos, e outorgamos, ratificamos,
e prometemos ter, guardar e cumprir todo
o supradito nela contido, e cada uma
coisa, e parte disso realmente e com
efeito, livre de toda a fraude, cautela
e simulação, e de não ir, nem vir contra
isso, nem contra parte disso em tempo
algum, nem por alguma maneira, que seja,
ou possa ser; e para maior firmeza, nós,
e o dito príncipe d. João nosso filho,
juramos por Deus, pela Santa Maria e
pelas palavras do Santo Evangelho, onde
quer que mais amplamente estejam
impressas, e pelo sinal da cruz, na qual
corporalmente colocamos nossas mãos
direitas em presença dos ditos Rui de
Sousa e d. João de Sousa, e o licenciado
Arias de Almadana, embaixadores e
procuradores do dito e sereníssimo rei
de Portugal, nosso irmão, de o assim ter
e guardar e cumprir, e a cada uma coisa,
e parte do que a nós incumbe realmente,
e com efeito, como está dito, por nós e
por nossos herdeiros e sucessores, e
pelos nossos ditos reinos e senhorios, e
súbditos e naturais deles, sob as penas
e obrigações, vínculos e renúncias no
dito contrato de capitulação e concórdia
supra-escrito contidas: por certificação
e corroboração do qual, firmamos nesta
nossa carta nossos nomes e a mandamos
selar com o nosso selo de cunho
pendentes em fios de seda em cores. Dada
na vila de Arévalo, aos dois dias do mês
de Julho, ano do nascimento de nosso
senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos
e noventa e quatro.
Eu, el-rei.
Eu, a rainha.
Eu, o príncipe.
E eu, Fernão Dalvares de Toledo,
secretário d'el-rei e da rainha, nossos
senhores, a fiz escrever por sua ordem.
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Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
– Marinha Grande – Portugal |
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