Faleceu a 31 de Julho de 1750
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite
Ribeiro
D. João V, exerceu o governo absoluto
e nunca se dignou reunir Cortes.
Provenientes das minas de ouro e de
diamantes do Brasil, entraram em
Portugal, durante este reinado,
incalculáveis riquezas, mas, em vez de
as empregar em benefício e no
desenvolvimento da indústria e da
agricultura, foram estas riquezas
esbanjadas em doações a igrejas e a
mosteiros, e, em prodigalidades
insensatas. A edificação do Convento de
Mafra, custou-lhe 120 milhões de
cruzados; as quantias enviadas para Roma
(Vaticano), em pagamento de
indulgências, canonizações e outros,
como embaixadas, passaram dos 200
milhões. O luxo da sua Corte era
esplendorosa, só comparado na Europa, à
Corte Francesa do Rei Sol. Quando foi
preciso construir uma obra tão
necessária ao povo, como o Aqueduto das
Águas Livres (Lisboa), o povo teve de
contribuir com um novo e pesado imposto.
A fundação da Academia Real de História,
do Arsenal da Marinha, da Casa da Moeda
e de umas poucas fábricas industriais,
não basta para reabilitar este grande
gastador e esbanjador de fortunas, como
fez no seu reinado.
Como D. Pedro II (pai de D. Afonso V)
tinha sucedido a seu irmão, D. Afonso
VI, resolveu D. Pedro reunir as Cortes,
em 1697, porque lhe interessava
esclarecer o problema da sucessão do
Príncipe D. João, seu filho e, mais
tarde D. João V. Entendia-se, de
harmonia com a tradição das Cortes de
Lamego, cujos assentos eram considerados
como a base fundamental do direito
público português, que, falecendo o rei
sem filhos, passava o reino para o
irmão, caso o tivesse, mas que o filho
deste não seria soberano sem primeiro as
Cortes o pronunciarem como tal. Ora,
como fora este o caso de D. Pedro II,
tornava-se necessário resolver o
assunto, para que, após a sua morte, se
não levantassem dúvidas quanto à
sucessão do Príncipe D. João. As Cortes
propuseram a revogação daquele
princípio; e, nestas condições, foi
publicado um decreto que estabeleceu a
seguinte doutrina: "No caso de
sucederem os irmãos aos reis que não
tiverem filhos, os seus filhos e
descendentes suceder-lhe-ão como
sucederiam sendo filhos e descendentes
de qualquer outro rei, sem necessidade
de aprovação prévia dos três Estados do
rei". Os seus sucessores fizeram o mesmo
e, assim, as Cortes acabaram
inteiramente banidas dos costumes
políticos da nação portuguesa.
Quando iniciou o reinado, estava-se
em plena Guerra da Sucessão de Espanha,
que para Portugal significava o perigo
da ligação da Espanha à grande potência
continental, a França. Quando o rei
subiu ao trono o exército português
estava na Catalunha, comandado pelo
marquês das Minas, apoiado por tropas
inglesas e holandesas para dar batalha
às tropas do duque de Berwick. Mas os
franco-espanhóis obtiveram uma grande
vitória em Almansa, em 24 de Abril de
1707. Alcântara foi reconquistada, o
duque de Ossuna atacou a fronteira do
Alentejo, conquistou Serpa e Moura. O
perigo espreitava o alto Minho e o
tesouro público ficou exausto, diz
Veríssimo Serrão, página 238 «História
de Portugal 1640-1750», volume V. A
política régia tornou-se apenas
defensiva, recuperando as praças
ocupadas e devolvendo à Espanha
Alcântara e Valença. «A ânsia de paz era
grande nos dois reinos» e havia
dissensões de alto nível entre os
comandantes, o marquês de Fronteira,
general do Alentejo, e o inglês
Galloway. Mas como Luís XIV de França se
recusava a assinar a paz em desfavor do
neto, a guerra permanecia ateada em
Flandres e na Catalunha até que a França
propôs um novo encontro para acabar com
o conflito.
A subida ao trono austríaco do antigo
pretendente ao trono espanhol como
imperador Carlos VI da Germânia, ao
morrer seu irmão o imperador José I em
17 de Abril de 1711, facilitou a paz
assinada em Utreque, em 1714.
Desequilibrou-se o sistema de alianças,
pois à Inglaterra não convinha que seu
aliado tivesse um duplo trono. Os
ingleses preferiram aceitar o predomínio
dos Bourbons no trono espanhol ao dos
Habsburgos.
Na cidade flamenga de Utreque ou
Utrecht, juntaram-se os ministros dos
dois blocos. Portugal assinou um tratado
com a França em 11 de Abril de 1713 e
com a Espanha a 6 de Fevereiro de 1715.
Comentam cronistas lusos que «Portugal
não retirou da paz as merecidas
compensações». O conde de Tarouca
escreveu mesmo que «a Inglaterra só
cuida da sua paz, sem consideração
alguma aos interesses dos mais aliados.»
Portugal restituiu Puebla e Albuquerque
à Espanha, viu reconhecida sua soberania
sobre as terras amazónicas e a
restituição da colónia do Sacramento.
Aprendeu D. João V com a guerra a não
dar um apreço muito grande às questões
europeias e à sinceridade dos acordos;
daí em diante permaneceu fiel a seus
interesses atlânticos, comerciais e
políticos, reafirmando a aliança com a
Inglaterra. Em relação ao Brasil, que
foi sem dúvida a sua principal
preocupação, não pode impedir D. João V
o enorme afluxo de emigrantes, pois se
havia descoberto ouro nas Minas. Ampliou
os quadros administrativos, militares e
técnicos, tudo com vistas a evitar o
descaminho dos quintos, o imposto sobre
o ouro, reformou os impostos e ampliou a
cultura do açúcar. Pode escrever-lhe o
duque de Cadaval, quando procurou - e
conseguiu - impedir a projectada viagem
do monarca pelo continente, com medo de
uma sublevação no Brasil: «...pois do
Brazil depende hoje absolutamente muita
parte da conservação de Portugal.»
(Veríssimo Serrão, «História de
Portugal», volume V, página 247. Apesar
disso, Portugal entra numa fase de
dificuldades económicas, devidas ao
contrabando do ouro e às dificuldades do
império do Oriente.
A este estado de coisas procurou o rei
responder com o fomento industrial, mas
outros problemas surgiram, de carácter
social: insubordinação de nobres,
quebras de disciplina conventual,
conflitos de trabalho, intensificação do
ódio ao judeu. Por outro lado, o facto
da máquina administrativa e política do
absolutismo não estar de maneira nenhuma
preparada para a complexidade crescente
da vida da nação, só veio agravar as
dificuldades citadas.
Em 1715, aceitando convite do papa
Clemente XI, fez armar uma frota para
defender Corfu. Foi comandada por Lopo
Furtado de Mendonça, conde do Rio
Grande. Tal socorro foi impedido pelos
ventos de chegar a tempo, voltando a
entrar na barra do Tejo. Obteve porém
grande vitória no ano seguinte no cabo
de Matapão. A criação da basílica
Patriarcal, em Lisboa, em 1717, se deve
muito a tal êxito. Roma, aliás, sempre
foi para D. João V o verdadeiro fiel da
balança europeia, Portugal sendo um país
em que Estado e Igreja continuavam a ser
um bloco homogéneo. Houve conflito em
1720, melhorado em 1730 com a eleição de
Clemente XII e o reatamento diplomático.
Em 1747 D. João alcançou grande vitória
ao lhe ser concedido o título de
«Fidelíssimo» pela Cúria.
As relações com a Espanha correram muito
bem, graças sobretudo à actuação de D.
Luís da Cunha, grande diplomata,
embaixador em 1719 e 1720. Desde 1725 a
diplomacia espanhola viu em D. José,
príncipe do Brasil, herdeiro da coroa, o
noivo ideal para a infanta Maria Ana
Vitória, filha de Filipe V. A aliança
foi transformada em consórcio duplo,
oferecendo-se a infanta portuguesa D.
Maria Bárbara de Bragança como esposa de
D. Fernando, príncipe das Astúrias.
Criaram-se portanto condições
excepcionais para a unidade peninsular.
A troca das princesas ocorreu em Caia,
em 19 de Janeiro de 1729.
Corriam também perfeitas as relações com
a Inglaterra, pois «era na força
marítima dos ingleses que Portugal
encontrava apoio contra a ambição
continental franco-espanhola». «Londres
foi para nossa diplomacia», diz
Veríssimo Serrão, «o terreno ideal para
rebater as pretensões francesas aos
territórios do Amazonas e do Maranhão».
Como enviado português a Londres surge
aliás, em 1739, o conde de Oeiras,
Sebastião José de Carvalho e Melo.
D. João V, tinha fama e proveito de ser
uma grande galanteador. O monarca não só
saciava a sede da esposa como de outras
damas. Até em matéria de amores era
magnânimo. Quando lhe chamaram a atenção
para as suas aventuras amorosas, que não
eram do particular agrado do Prior da
Corte, o monarca encarregou o cozinheiro
de servir somente um prato de galinha ao
eclesiástico. Farto de só comer galinha
às refeições, o Prior questionou o
monarca sobre tão estranha ementa.
Subtil, D. João V ter-lhe-ia dito:
"Prior, nem sempre galinha, mas, também,
nem sempre rainha …".
D. João V tinha um fraquinho por
freiras. A Madre Paula lá tinha a visita
real no convento de Odivelas e, como era
tão religioso, as suas amantes eram
todas freiras. Dessas devotas visitas,
nasceram os chamados "meninos da
Palhavã", para quem mandou construir o
palacete de Lisboa onde hoje está
instalada a Embaixada de Espanha. Eram
crianças já abençoadas à nascença. Além
das freiras, este Rei fogoso teve ainda
como amantes:
D. Luísa Clara de Portugal, casada com
D. Jorge de Menezes, e que pertencia à
casa da Flor da Murta, e que ficou como
a galante alcunha da amante real de quem
teve uma filha D. Maria Rita monja do
Convento de Santos.
D. Madalena Máxima da Silva Miranda
Henriques, de quem teve um filho D.
Gaspar pela crisma e Manuel pelo
baptismo que foi o segundo "Menino de
Palhavã".
O povo chamava aos filhos de D.João V,
os meninos de Palhavã por residirem no
palácio com esse mesmo nome.
D. Luísa Inês Antónia Machado Monteiro,
de quem teve um filho D. António.
A Madre Paula
Esta freira portuguesa que se destacou
como a amante mais célebre do rei D.
João V, chamava-se Paula Teresa da Silva
e Almeida, e nasceu em Lisboa em 30 de
Janeiro de 1718. Era neta de João Paulo
de Bryt, de nacionalidade alemã, que
fora soldado da guarda estranjeira de
Carlos V, e se estabelecera em Lisboa
como ourives. Paula entrou para o
convento de Odivelas aos dezassete anos
de idade, e ali professou, após um ano
de noviciado.
D. Joao V, frequentador assíduo do
convento de Odivelas, onde mantinha
várias amantes que ia substituindo
conforme lhe parecia, ao topar com a
jovem Paula ficou loucamente apaixonado
por ela. Nessa altura, já a famosa
freira se havia tornado amante de D.
Francisco de Portugal e Castro, conde de
Vimioso, e que pouco antes tinha sido
agraciado com o título de marquês de
Valenças.
O soberano não teve problemas, chamou o
fidalgo e disse-lhe: "Deixa a Paula, que
eu te darei duas freiras à tua escolha".
Assim se fez, e soror Paula passou a ser
amante do rei que era trinta anos mais
velho do que ela. A influência de Madre
Paula sobre o rei foi imensa.
Quem carecesse de uma mercê do soberano
já sabia que a maneira mais segura de a
conseguir, seria recorrer às valiosa
protecção da madre Paula que o soberano
visitava todas as noites. A astuta
freira que sabia muito bem aproveitar-se
do rei, transformou-se em pouco tempo.
numa verdadeira Pompadour.
Das numerosas amantes de D. João V, foi
a madre Paula a única que o soube
dominar até à morte. O rei foi
extremamente generoso não só com ela
como com a sua família, chegando o pai
de Paulo a ser agraciado com o grau de
cavaleiro da Ordem de Cristo e a receber
uma tença de doze mil reis e outros
benefícios que lhe permitiram viver à
larga.
O luxo em que vivia Paula no convento de
Odivelas, foi bem reproduzido num,
documento da época, por Ribeiro
Guimarães no seu Sumário de Vária
História, onde descreve a magnificência
asiática dos aposentos da madre Paula e
sua irmã. Para a servir tinha a madre
Paula nove criadas.
Destes amores nasceu um menino que foi
baptizado com o nome de José, como o
príncipe herdeiro, que foi chamado o
mais jovem "Menino de Palhavã" e veio a
exercer as funcões de inquisidor geral.
Mais tarde nos tempos de Pombal, numa
discussão, atirou-lhe com a cabeleira à
cara e foi desterrado para o Buçaco.
A vida desregrada do rei escandalizava,
não só a corte, mas até os súbditos mais
humildes, mas ninguém se atrevia a
repreender o régio devasso. Para se
fazer uma ideia da moralidade desse
tempo, bastará recordar o que disse a
abadessa D. Feliciana de Milão, às damas
da raínha que não se levantaram, como
lhes competia à sua passagem. "..Não se
levanta de graça quem se deita por
dinheiro..."
Após a morte do rei que lhe deixou uma
mesada principesca, continuou no seu
recolhimento, recebendo os grandes que
ainda se lhe aproximavam. Assim se
conservou ainda durante trinta e cinco
longos anos, com a altivez de uma
soberana em exílio. Faleceu com 67 anos
de idade, e foi sepultada na Casa do
Capitulo do Convento de Odivelas.
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite
Ribeiro – Marinha Grande – Portugal