Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
Euclides Cunha
(Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha)
Sua obra Literária:
Os Sertões
Contrastes e Confrontos
À Margem da História
Peru versus Bolívia
Jornalista e ensaísta brasileiro, nasceu em
Cantagalo (Rio de Janeiro). Logo na
adolescência manifestou ideias
abolicionistas e democráticas que mais tarde
consolidou ao entrar para a Escola Militar.
Bacharelou-se em Matemática e Ciências na
Escola Superior de Guerra, tendo sido
nomeado director das obras militares, após o
advento da República no Brasil. Em 1898,
deixou o exército e dedicou-se à engenharia
e ao jornalismo. É nesta função que
acompanha, como repórter, a fase final da
campanha de Canudos contra os jagunços
daquela região. As reportagens que então faz
vêm a construir o núcleo narrativo da obra
que lhe seu nomeada. Os Sertões, obra
histórica mas de alto valor literário pelo
estilo dramático e incisivo com que foi
redigida à luz de um positivismo militante.
Homem de múltiplos interesses culturais,
sempre animado por uma viva paixão
democrática e progressista, Euclides da
Cunha deixou-nos apenas, mais duas obras de
carácter ensaístico, onde, apesar de se
reflectir uma tendência sociológica hoje
antiquada, se espelha toda uma intensidade
dramática de vida. Foi sócio da Academia
Brasileira de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico do Brasil. Leccionava
Lógica no Colégio Pedro II, quando foi
assassinado.
Euclides da Cunha, nasceu a 20 de Janeiro de
1866, na fazenda Saudade, no arraial de
Santa Rita do Rio Negro (hoje,
Euclidelândia), em Cantagalo (RJ); filho de
Manoel Rodrigues Pimenta da Cunha e Eudóxia
Moreira da Cunha. Em 1870, sua mãe morreu
tuberculosa, deixando Euclides com 3 anos e
Adélia com 1. As crianças foram morar em
Teresópolis, com tia Rosinda Gouveia, casada
com o Dr. Urbano Gouveia, que morreu em
1870. Mudaram-se, para São Fidélis, em
1876, morando com a tia Laura Garcez, casada
com o Coronel Magalhães Garcez, na fazenda
S. Joaquim. Com oito anos de idade, na
cidade, Euclides estudou no excelente
Colégio Caldeira, do exilado político
português Francisco José Caldeira da Silva.
O pai do aplicado aluno Euclides pretendia
levá-lo para o Rio de Janeiro, para
continuar os estudos nos melhores colégios.
Por sugestão da avó, mudou-se para a Bahia,
viajando de navio e, em Salvador, foi
estudar no Colégio Bahia, do Professor
Carneiro Ribeiro.
Com 13 anos, voltou ao Rio, sob os cuidados
do tio, António Pimenta da Cunha, estudando
em quatro colégios: Anglo-Americano, Vitório
da Costa, Meneses Vieira e Aquino. No
Colégio Aquino, foi aluno de Benjamin
Constant, que muito o influenciou. Escreveu
no jornalzinho escolar "O Democrata",
defendendo, no seu primeiro artigo, a
natureza e o equilíbrio ecológico – defesa
que o acompanharia pela vida, inserida nos
seus artigos jornalísticos, na sua
conferência "Castro Alves e seu tempo", nos
seus livros: Os Sertões, Contrastes e
Confrontos e À margem da História.
Adolescente, ainda no Aquino, escreveu
poesias numa caderneta, que titulou "Ondas",
datada de 1884, que Euclides salientava
"tratar-se de obra dos catorze anos".
Euclides, segundo alguns biógrafos, fez
poesia dos 16 aos 30 anos.
Seu pai o elogiava por ser muito bom em
Matemática, com tendências para as Ciências
Exactas. Com 19 anos, optando pela
Engenharia, cursou a Escola Politécnica do
Rio de Janeiro, escola cara, que não
condizia com as dificuldades económicas da
família.
Assentou praça na Escola Militar (Praia
Vermelha), gratuita, que lhe daria, também,
o título de engenheiro. Reencontrou, como
professor, Benjamin Constant, integrando-se
no movimento republicano. Em 4 de Novembro,
o ministro da Guerra, Tomás Coelho, visitava
a Escola. Os alunos em forma, numa revista
de mostra, "fuzis perfilados em continência
nos ombros", com sabre engatado na
espingarda, saudavam a autoridade
monárquica. Ao passar diante do ardoroso
jovem republicano, Euclides da Cunha, este
atirou a arma aos pés do ministro (ou o
sabre?). O fato é conhecido como "episódio
do sabre". O ato de indisciplina levou o
cadete à prisão, transferido, logo depois,
para o Hospital Militar do Castelo, em
respeito ao laudo médico que atestava
esgotamento nervoso por excesso de estudo.
Diante dos juízes, o destemido Euclides
confirmou sua fé republicana, sendo então
transferido para a Fortaleza de São João,
aguardando conselho de guerra, cujo
julgamento não se realizou, pela intervenção
de muitos. D. Pedro II lhe perdoou. Em 11 de
Dezembro, foi cancelada sua matrícula. No
final daquele 1888, o jovem Euclides estava
em São Paulo. Dia 22 de Dezembro, iniciou
sua colaboração no jornal "A Província de S.
Paulo", escrevendo sob o pseudónimo de
Proudhon (escritor francês [1809 - 1865], um
dos teóricos do Socialismo que proclamou ser
a propriedade privada um roubo, pregando uma
revolução que igualaria os indivíduos).
Colaborou até Maio.
Quatro dias depois de proclamada a
República, em 19 de Novembro de 1889,
Euclides foi reintegrado na Escola Militar,
graças ao empenho dos professores Rondon e
Benjamin Constant. Dias depois, foi
promovido a alferes-aluno.Em Janeiro do ano
seguinte, matriculou-se na Escola Superior
de Guerra. No mês seguinte, concluiu o Curso
de Artilharia. De Março a Junho, teve seus
artigos publicados no jornal "Democracia",
de orientação republicana. O alferes-aluno
criticava o país mergulhado em interesses
pessoais, opondo-se ao movimento que
pretendia trazer de volta o Imperador.
Atacou a imprensa católica e os programas da
Faculdade de Direito, defendendo o
Positivismo. Causou espanto ao apelar para a
Providência Divina. Espanto, também, ao
lembrar a "feição suavíssima e humana de
Cristo" e confessar não ser decidido
partidário de Comandante. Dia 14 de Abril,
foi promovido a segundo-tenente, escrevendo,
neste dia, uma carta ao pai, registando seu
desencanto com os homens da República,
incluindo entre eles seu ídolo: Benjamin
Constant, prometendo afastar-se do jornal e
de tudo mais.
Ainda em 1890, 10 de Setembro, casou-se com
Anna Emília Ribeiro , filha do major
Frederico Solon Sampaio Ribeiro, conhecido e
citado como major Solon Ribeiro. Conheceu-a
na sua casa durante encontros republicanos
com seu pai. Numa das visitas deixou a ela
um bilhete: "Entrei aqui com a imagem da
República e parto com a sua imagem."
Concluiu o Curso da Escola Superior de
Guerra, em 1891 "de onde saiu com o título
de Bacharel em Matemática, Ciências Físicas
e Naturais. "Em Janeiro de 1892, foi
promovido a primeiro-tenente. De 29 de Março
a 6 de Julho escreveu para o jornal "O
Estado de S. Paulo": coisas novas, como o
Socialismo, estão claras em seus artigos,
como o publicado em 1º de Maio, cujo trecho
se repete no final de "Um velho problema",
de 1904: "Para abalar a terra inteira
basta-lhe um ato simplíssimo - cruzar os
braços". Em Julho foi nomeado assistente de
ensino técnico na Escola Militar da Praia
Vermelha.
Em Agosto de 1893, o presidente, marechal
Floriano Peixoto, mandou chamar Euclides,
oferecendo-lhe cargos e posições. Euclides
apresentou-se com a farda de
primeiro-tenente. "Veio em ar de
guerra...não precisava fardar-se. Vocês aqui
entram como amigos e nunca como soldados." -
Disse-lhe o marechal, declarando que
Euclides tinha direito a escolher qualquer
posição. "Ingenuamente", o primeiro-tenente,
com 27 anos, respondeu-lhe que desejava o
que previa a lei para os engenheiros
recém-formados: um ano de prática na Estrada
de Ferro Central do Brasil!
Em Setembro, a Marinha pretendeu depor
Floriano Peixoto (Revolta da Armada). No ano
de 1894 um regime ditatorial se implantou no
Brasil: prisões, suspensões de garantias,
intervenções nos Estados. Os marinheiros da
"Revolta da Armada" exigiam a renúncia de
Floriano Peixoto. Uma bomba explodiu nas
escadarias do jornal "O Tempo". Boatos
afirmavam que Solon Ribeiro, sogro de
Euclides, deputado por Mato Grosso, estava
preso e que seria fuzilado. Euclides
interpelou Floriano, que silenciou. O
engenheiro-jornalista escreveu duas cartas,
com o título "A Dinamite", publicadas no
jornal "Gazeta de Notícias", em 18/2 e 20/2,
contra as ideias Loucas do senador João
Cordeiro, do Ceará, que "pedia fuzilamento
dos manifestantes presos, como vingança aos
florianistas mortos." Condenava a posição do
senador, "não o desejando nem como
companheiro de lutas". Seus artigos e sua
posição trouxeram-lhe complicações. Em 28 de
Março, Euclides foi transferido para a
pequena cidade mineira de Campanha para
dirigir a construção de um quartel. Como um
exilado, voltou-se para os livros, tendo
sido encontrado, com anotações desse
período, o "Teoria do Socialismo", de
Oliveira Martins.
Em Fevereiro de 1895, recebeu a visita do
pai, indo com ele para Descalvado. Em 28 de
Junho, era agregado ao Corpo do Estado-Maior
de 1ª classe, depois do parecer de uma junta
médica. No ano seguinte, desencantado com a
República e seus líderes, abandonou a
carreira militar. Foi reformado como
primeiro-tenente. Em 18 de Setembro, foi
efectivado na Superintendência de Obras
Públicas do Estado de São Paulo, como
engenheiro-ajudante de 1ª classe.
Foi autorizada a construção da ponte
metálica em São José do Rio Pardo. Ganhou a
concorrência o engenheiro Artur Pio
Deschamps de Montmorency, brasileiro,
nascido no Rio de Janeiro, em 1858, que
concluiu os estudos de Engenharia Civil na
Universidade de Gand (Bélgica), em 1879, com
21 anos, "com sólidas credenciais de
competência e idoneidade". No Brasil,
trabalhou com o engenheiro Ramos de Azevedo
e na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
Em São José, Montmorency liderou um
movimento para a construção de uma pequena
usina hidroeléctrica, recebendo o apoio de
muitos entusiasmados
rio-pardenses-accionistas. Com a queda da
ponte, ele foi processado e absolvido, em
1900. Dizem que, muitos anos depois,
suicidou-se. Euclides da Cunha, fiscal de
obras desse distrito, veio a São José duas
vezes: de 25 a 28 de Agosto e em 25 de
Setembro. No final de 96, já estavam prontos
os dois encontros, um dos pilares, estando o
outro quase pronto. Finalmente, a ponte
metálica de São José do Rio Pardo, vinda da
Alemanha, chegou em fins de Fevereiro ou
início de Março, em três partes, para
alegria dos rio-pardenses. Os jornais de 7
de Março comentaram a morte do Coronel
Moreira César e o desbaratamento de 1.500
soldados pelos fanáticos do Conselheiro, que
pregava contra a República.
Euclides da Cunha, preocupado com um
provável movimento monarquista, escreveu
dois artigos com o mesmo título: "A nossa
Vendéa", "O Estado de São Paulo", em 14 de
Março e 17 de Julho. Nos artigos, comparou a
região francesa da Bretanha (Vendée) com os
sertões da Bahia, as charnecas com as
caatingas, o "chouan" (insurrecto da Vendéa)
com o jagunço, ressaltando o mesmo
objectivo: lutar contra a República para
restaurar a Monarquia. Júlio de Mesquita,
director de "O Estado de S. Paulo",
convidou-o a seguir como repórter de guerra
para Canudos, no sertão da Bahia (área
limitada pelo rio São Francisco, ao Norte e
Ocidente, e pelo Itapicuru, ao Sul). Tirou
licença na Superintendência para "tratar de
interesses", em 1º de Agosto. Aceitou o
convite, seguindo a 4 de Agosto, no vapor
"Espírito Santo", acompanhando a 21ª Brigada
de Divisão Auxiliar. Chegou a Canudos a 16
de Setembro, um vilarejo iniciado em 1893,
no sertão da Bahia, numa curva do rio Vaza
Barris, hoje submerso, coberto pelas águas
da represa de Cocorobó . Viu a luta
desigual, a morte de amigos, a bravura dos
jagunços. Canudos não era um foco
monarquista, como dizia Artur Óscar:
"António Conselheiro era um monarquista por
fanatismo. Seu monarquismo era meramente
religioso, sem aderências à política."
Euclides viu o final da guerra, encerrada
aos 5 de Outubro. Voltou abalado, fazendo
uma promessa: vingar o extermínio de
Canudos. Os Sertões, seu livro vingador,
começava a nascer. Em Janeiro de 1902, de
Lorena, escreveu a Francisco de Escobar:
"(...) Serei um vingador e terei
desempenhado um grande papel na vida - o de
advogado dos pobres sertanejos assassinados
por uma sociedade pulha e sanguinária."
Uma revista francesa, a "Hachette", de
Paris, na sua resenha de 1897, citou o
Conselheiro como um comunista pregando o
restabelecimento da Monarquia. Euclides
voltou. Na passagem pelo Rio de Janeiro,
publicou no "Jornal do Comércio" o plano de
um livro, "A nossa Vendéia", com duas
partes: a "natureza" e o "homem". Em 21 de
Outubro, estava em São Paulo. Dia 26,
publicou o último artigo da série "Diário de
uma expedição": "O Batalhão de São Paulo",
no jornal "O Estado de S. Paulo".
Doente, Euclides foi descansar na fazenda do
pai, em Descalvado. A ponte metálica de São
José do Rio Pardo, depois da prova de
resistência (Montmorency e um empreiteiro
atravessaram-na num trole), foi aberta ao
público, sem festas, em 3 de Dezembro de
1897. Mais festejada do que a ponte foi a
inauguração da luz eléctrica, no mesmo dia.
Dia 18 de Janeiro de 1898, o "Estado"
publicou um artigo de Euclides: "Excerto de
um livro inédito", com trechos de Os
Sertões. Apresentou no Instituto Histórico
de São Paulo um seu trabalho: "Climatologia
da Bahia", aproveitado em Os Sertões. Na
madrugada de 23 de Janeiro de 1898, um
domingo, a bela ponte metálica alemã de São
José do Rio Pardo ruiu, emborcou, 50 dias
depois de inaugurada. Os jornais condenaram
a Superintendência de Obras e os engenheiros
responsáveis. Euclides, o engenheiro-fiscal,
embora em licença desde Agosto de 97,
sentiu-se abalado, culpado. Cinco dias
depois, dia 28, estava em São José, com o
director Gama Cochrane e o engenheiro Carlos
Wolkermann. Vieram a fim de verificar "in
loco" o desastre e tentar salvar a ponte
metálica. Euclides pediu ao seu superior que
o deixasse reconstruir aquele monumento.
Em Fevereiro, Euclides já estava residindo
em São José e trabalhava com afinco na
desmontagem da ponte. Dia 9 de Março,
Euclides solicitou o pagamento dos seus
vencimentos para saldar compromissos e para
as despesas da mudança e da viagem da mulher
e dos dois filhos para São José do Rio
Pardo. Em Março, talvez dia 14, a família já
estava reunida em São José: Euclides, a
esposa Anna e os dois filhos: Solon, com 6
anos, e Euclides Filho, o Quidinho, com 4.
Foram morar na Treze de Maio, mas o botequim
do Sílvio Dan, em frente, onde se reuniam
muitos italianos para ouvir música e jogar o
"jogo do morra", acompanhado de uma gritaria
infernal, perturbava. Euclides não podia
escrever, nem estudar. Conta-se que certa
noite, nervoso, saiu armado. Procurou o
amigo intendente (perfeito) para protestar.
Dias depois, Dan mudou-se para o Bonsucesso
e a família Cunha mudou-se para o sobradinho
de esquina da Treze de Maio com a Marechal
Floriano.
Diziam, na cidade, que Anna Emília foi muito
falada. Ela abominou a cidade e não perdeu
oportunidades para diminui-la, declarando
aos jornais, sem argumentos, que Os Sertões
não foi escrito em Rio Pardo. Mais tarde,
criticou o Grémio Euclides da Cunha, que lhe
enviava, com regularidade, os convites das
festas euclidianas. Sua filha, Judith,
nascida do casamento com Dilermando de
Assis, autora do livro Anna de Assis -
História de um Trágico Amor, escreveu:
"Enquanto a mulher do fim do século se
escondia na cozinha, (...) Anna de Assis foi
para a sala de visitas palestrar com um
Machado de Assis, um Barão do Rio Branco
(...). Mulher audaz, independente, morando
numa cidadezinha pequena e provinciana como
São José do Rio Pardo, teria seus momentos
ímpares confundidos pela mente pequena e
bitolada daqueles que não enxergavam o
horizonte (...). Ali naquela cidadezinha,
Anna de Assis deixou a imagem de uma mulher
fútil e namoradeira. Conclusão chegada
porque se postava à janela e alegre e
moderna, não se escondia dos homens. (...)".
Euclides, com a família em São José, teve
momentos de grande serenidade, até aceitando
o seu "triste ofício de engenheiro". Na
cidadezinha, encontrou aquele recanto de paz
tão procurado, que lhe permitiu concluir a
obra máxima da literatura brasileira: Os
Sertões, o livro vingador, que defendeu "os
pobres sertanejos assassinados por uma
sociedade pulha e sanguinária."
A ponte em reconstrução ficava perto do
sobradinho de esquina onde morava. Ele
descia a ladeira a pé, ou a cavalo, passando
o dia à beira do rio, entre operários,
cálculos e ferragens, só voltando a casa à
noitinha. O preto Benjamin, britador da
turma, era o encarregado de pegar seu
almoço, trazendo-o numa bandeja. Foi o que
declarou Atílio Piovesan ao repórter de
"Gazeta do Rio Pardo", numa entrevista
publicada em 15 de Agosto de 1939, cujo
número, infelizmente, desapareceu da
colecção. Ele falou dos operários da ponte,
na maioria italianos, "fortes e rijos,
vendendo saúde", mostrando a todos que o
trabalho, tão relegado por ter sido uma
actividade de escravos, não era vergonha e,
sim, um gerador de liberdade e progresso.
Atílio, mais tarde encarregado do vapor que
movia a bomba centrífuga, citou alguns
companheiros: Agostinho Rossi, encarregado
do serviço dos pedreiros; Torquato Colli
que, diziam, conheceu Euclides no final da
Guerra de Canudos, na Bahia, reencontrando-o
no trabalho da ponte; Guido Marchi ganhou do
escritor seu banco tosco, que ficava na
cabana, durante a limpeza do recanto para a
inauguração da ponte; nos anos 30, a família
Marchi o doou a municipalidade, voltando à
cabana; Mateus Volota, o guarda da ponte,
calabrês, de argolinha de ouro na orelha
furada, era o homem de confiança do
engenheiro: foi o trabalhador citado várias
vezes por Euclides nas suas cartas; morreu
na epidemia de febre amarela, em 1903.
D’Andrea e Garibaldi Trecoli morreram
afogados durante os trabalhos.
A minúscula cabana de sarrafos e zinco foi
construída sob a frondosa paineira, que
morreu em 1961. Era seu escritório, onde
fazia cálculos, desenhava, via e revia as
plantas da ponte e escrevia nos momentos de
folga, dando continuidade ao seu livro... Em
Fevereiro de 1898, Euclides construiu a
ponte provisória, começando o desmonte da
metálica tombada. Três meses depois, o
jornal "O Estado de S. Paulo" deu notícias
do trabalho: "(...) está concluído o serviço
de remoção da ponte do Rio Pardo. Dia 30 de
Maio, à 1 hora da tarde, foi retirada a
última peça."
Serviu-se cerveja aos operários e pessoas
presentes. Uma passeata comemorativa
percorreu as ruas da cidade. No ano
seguinte, continuavam os trabalhos de
reconstrução da ponte e a redacção de Os
Sertões. Na "Revista Brasileira", foi
publicado um artigo de Euclides: "A Guerra
do Sertão". Ele terminava o seu livro,
ouvindo o Chico Escobar e sendo ouvido pelos
selectos amigos nas tertúlias à beira-rio,
ou em sua casa. O artigo abaixo comprova o
fato.
Dia 1º de Junho, o jornal "O Rio Pardo"
publicou "De cá para lá", de Humberto de
Queiroz, o amigo mocoquense, que assinou seu
trabalho com a letra Q: "O de cá para lá de
hoje, se deveria intitular - de lá para cá -
pois ele é escrito sob as agradáveis
impressões, que me ficaram de um dia e uma
noite, passados em São José. O dia correu
alegre, variado e bom, daqui para ali, dali
para aqui, faltando apenas o Mauro para que
fosse melhor. O Valdomiro, o Chico, o jantar
cordial e alegre do meu reverendo e
respeitável amigo o bom do Oliveiros (...).
/ À noite, (...) foi gasta, gasta não,
aproveitada em casa do Dr. Euclides da
Cunha, onde se reuniram ele - uma
inteligência fina, sagaz e cultíssima; o Dr.
V. S. (Valdomiro Silveira. Este parêntese e
os que se seguem são meus), adorável homem
de letras; o F.E. (Francisco de Escobar) um
juízo e uma ilustração ‘equilibrados, fartos
e matemáticos, mais tarde o Dr. J.S. (Jovino
de Sylos) jurisconsulto e poeta de renome e
eu que, se nada sou, gosto de admirar o que
é fino e bom de verdade, coisa rara nos
tempos que correm. / Depois de uma deliciosa
palestra, a leitura não menos deliciosa de
trechos de um livro, a ir para o prelo,
proficientemente escrito pelo dr. E. C — a
Guerra de Canudos. / O Mauro ( Mauro
Pacheco) não quer que a gente escreva muito,
razão bastante para que eu não possa dizer
tudo o que ficou de sincera admiração por
esse trabalho de um valor extraordinário,
por esse livro que vai em breve produzir
real sensação no mundo que lê. (...) /
Mococa, 25-5-1899 - Q". Dia 3 de maio de
1900, e não mais em 22 de Abril, em respeito
ao calendário gregoriano, foi comemorado o
Quarto Centenário do Brasil. Em São José,
mais de duas mil pessoas participaram da
passeata, com fogos, banda e discursos dos
doutores Álvaro Ribeiro, Pedro A. de Aquino,
José Rodolfo Nunes e Euclides da Cunha. Foi
a primeira e única vez que o
engenheiro-jornalista participou de uma
festa e falou em público em Rio Pardo.
Talvez, querendo mostrar-se grato ao
simpático jornal que, carinhosamente, tanto
o citava, escreveu um artigo, e único, para
"O Rio Pardo", intitulado "O 4º Centenário
do Brasil", que "tratava das viagens de
Colombo, Vasco da Gama, de Cabral", saudando
as três nações: Itália, Portugal e Brasil. O
artigo foi assinado com as letras E.C..
Dizem que em Maio de 1900, o livro Os
Sertões estava pronto, sendo copiado, com
letra legível, pelo comerciante, calígrafo e
copista José Augusto Pereira Pimenta, citado
por Euclides da Cunha em carta a Escobar.
Passou a limpo as tiras do livro que
Euclides escrevia com garranchos, afirmando
que a partir de "O estouro da boiada", o
livro foi aqui escrito, cerca de 80% da
obra. As declarações de José Honório de
Sylos, que também teve em mãos as primeiras
tiras, são concordes com as de Pimenta. Em
Junho de 1900, o povo desceu as ladeiras
para chegar ao pátio de obras e ver a ponte
montada num plano, em terra firme, novinha
em folha, não acreditando que era a mesma
que tombara e ficara toda retorcida. Ela
estava com suas medidas originais: 100,08m
de comprimento, 6,60m de largura e o vão de
4,50m entre os passeios. Os visitantes
admiraram, também, os fortes pilares de
pedra e concluíram que era a fase final dos
trabalhos. Um mês depois, o jornal do dia 15
de Julho informava que "terminou anteontem o
conserto da ponte sob a inteligente e
criteriosa direcção do Dr. Euclides da
Cunha. "4 de Novembro. "O Rio Pardo"
transcreveu do jornal "Comércio de S. Paulo"
um longo artigo que versava sobre a
conclusão do livro "do ilustrado engenheiro
Dr. Euclides da Cunha (...) sobre a
dramática expedição militar do sertão da
Bahia. (...) O autor, que foi testemunha
presencial dos horrores que se passaram
naqueles ínvios lugares, se pronuncia com
independência de exposição e muito talento.
Para a publicação (...) tem o Dr. Euclides
da Cunha editor escolhido. Muito breve
começará a impressão (...)."
O versátil Euclides conseguiu conciliar as
ciências humanas e as exactas. Escrevia,
reconstruía a ponte e, ainda, dirigiu os
serviços da estrada São José-Caconde (28,8
km), terminados em Novembro de 1900.
Elaborou um projecto para a reforma da
cadeia e, a pedido do juiz de Direito,
supervisionou as actividades do agrimensor,
indicado por ele, na divisão da fazenda
"Açudinho", objecto de partilha. No final do
ano, preocupado com tanto trabalho, Euclides
abandonou seu Os Sertões para atender a um
pedido do amigo Júlio de Mesquita, director
d’ " O Estado de S. Paulo" que lhe
solicitara um difícil trabalho de análise
dos cem últimos anos das actividades humanas
no Brasil. Dia 31 de Dezembro de 1900, o
último dia do século XIX, o artigo foi
publicado em página inteira, com o título:
"O Brasil no século XIX".
Euclides assistiu de longe às comemorações
socialistas, estraçalhastes. O "Clube
Socialista dos Operários", fundado por
italianos em 19 de Abril de 1900, realizou a
grande festa do 1º de Maio, Dia do Trabalho,
dias depois, com alvorada, salva de 21
tiros, passeata, bandas e discursos no salão
de honra da Sociedade Italiana. Os muitos
imigrantes ombreavam-se com autoridades e
pessoas de renome da sociedade local. Era a
nova ordem social que se iniciava na
província... Euclides chegou a São José
ainda desencantado com os homens da
República, sem a rebeldia do adolescente
aluno da Escola Militar, sem a ousadia do
redactor das duas cartas publicadas em
"Gazeta de Notícias" contra o florianista
senador João Cordeiro, que lhe valeu o
exílio em Campanha (MG)... Na cidade da
Mojiana, trabalhava na ponte e continuava a
escrever seu livro. Embora com convicções
socialistas, Euclides manteve-se longe de
todas as manifestações. Sua posição
ideológica em defesa do injustiçado, do
oprimido e do explorado está em suas obras.
Em 9 de Setembro de 1900, foi fundada uma
nova instituição socialista: o "Clube
Internacional - Filhos do Trabalho". Eram
seus sócios os eruditos amigos de Euclides:
Francisco de Escobar, Inácio de Loyola Gomes
da Silva, Mauro Pacheco... O clube manteve
um curso de alfabetização de adultos. No 1º
de Maio de 1901, o "Clube Socialista dos
Operários" se transformou em instituto de
benemerência, com novo nome: "Clube dos
Operários 1º de Maio - Honra e Trabalho".
Por informações imaginosas, sem fundamento,
passadas aos biógrafos, Euclides entrou na
história como socialista militante em São
José, fundador do partido socialista,
dirigente de desfiles, colaborador d’ "O
Proletário", autor do manifesto do Partido
Socialista em 1901. E essas inverdades foram
transmitidas a levas de estudantes. Coube ao
promotor público, Dr. José Aleixo Irmão,
sério e incansável pesquisador, no seu livro
Euclides da Cunha e o Socialismo (1960),
desfazer enganos e contestá-los nas obras de
Francisco Venâncio Filho, Eloy Pontes,
Sílvio Rabelo, Freitas Nobre, Menotti del
Picchia e de outros. O século XX chegou
encontrando ponte e livro prontos. A ponte,
já com data para a inauguração: 18 de Maio
de 1901. O livro iria com o escritor, à
procura de uma editora. Em Janeiro de 1901,
Euclides foi promovido a Chefe de Distrito
de Obras Públicas de São Paulo. Dia 31 de
Janeiro, nasceu Manuel, o terceiro filho de
Euclides, conhecido como Manuel Afonso
(Afonsinho).
Dia 18 de Maio, aconteceu a grande festa da
inauguração da ponte. Neste dia, seu filho
de quatro meses foi baptizado pelo vigário
José Thomaz de Ancassuerd, com um só nome:
Manuel, tendo como padrinhos o dr. Álvaro
Ribeiro e dona Julieta de Souza. Estava
encerrada a missão do engenheiro em São
José. Euclides, Anna, Solon, Quidinho e
Manuel deixaram a cidadezinha dias depois,
cidade predestinada a proteger três
monumentos: a ponte e a cabana, que seriam
monumentos nacionais, e a memória de
Euclides, através do euclidianismo, um traço
cultural que diferencia São José do Rio
Pardo das demais cidades. Com a família,
Euclides deixou São José, indo para São
Carlos do Pinhal, acompanhar a construção do
edifício do fórum local. Em Novembro, já
residia em Guaratinguetá, por estar entre
Rio e São Paulo. Euclides, pobre, levava
consigo o original d’ Os Sertões, seu
pedestal para a glória. Um ano depois da
inauguração da ponte, Maio de 1902, de
Lorena, Euclides escreve a Escobar: "Sempre
pensei estar aí no dia 18, 1º aniversário da
ponte. Mas estarão você, o Álvaro, o João
Moreira e o Jovino. Encaminhem-se para lá
naquele dia, paguem uma cerveja (barbante)
ao velho Mateus e recordem-se por um minuto
do amigo agradecido ausente." Noutra carta
do mesmo ano pedia a Escobar olhar o velho
Mateus, pois soubera que seria despedido
"com a próxima contradança municipal".
Euclides fixou residência em Lorena. Em
Maio, recebeu da Editora Laemmert as
primeiras páginas impressas do seu Os
Sertões. Em Junho, desapontado, responde a
carta de Escobar sobre o aniversário da
ponte: "(...) Iludi-me apenas num ponto: os
"numerosos" quatro amigos de que lhe falei
antes reduziram-se a dois: você e o
Lafayette. Mas estes... estou
satisfeitíssimo." Em Agosto, preocupado,
Euclides escreve a Escobar exigindo-lhe
resposta imediata. Soube que uma fenda num
dos pilares punha em perigo a segurança da
ponte. Queria confirmação. A fenda nada mais
era do que um risco de colher de pedreiro.
Em Outubro, na Editora Laemmert, no Rio de
Janeiro, Euclides encontrou erros no seu
livro. Preocupado e perfeccionista,
corrigiu, com paciência monarcal, com
canivete e tinta nanquim, 80 erros em cada
um dos mil livros da 1ª edição. Em Dezembro
(ou fins de Novembro), o livro Os Sertões
vem à luz, com elogios dos críticos
literários. A edição esgotou-se em dois
meses. Sucesso. Foram lançadas novas
edições: 1903, 1904 (Euclides fez correcções
num volume desta 3ª edição, com uma
observação: "Livro que deve servir para a
edição definitiva (4ª)." (Este volume foi
encontrado só depois da sua morte e as
correcções, com duas mil emendas, foram
feitas na 5ª edição), 1911, 1914, 1923,
1924, 1925, 1926, 1927 (com prefácio), 1929.
Da 6ª edição (1923) à 11ª (1929), os livros
foram impressos em Paris. Em 1929, o livro
Os Sertões voltou a ser impresso no Brasil,
pela Livraria Francisco Alves, até a 27ª
edição, em 1968, com revisão cuidadosa de
Fernando Nery, com títulos e subtítulos à
margem. O livro caiu em domínio público,
hoje publicado por muitas editoras, como a
da Editora Cultrix - edição didáctica,
cotejada pelo nosso preclaro Professor
Hersílio Ângelo. Os Sertões correu mundo,
traduzido em mais de uma dezena de línguas.
Com ele, São José do Rio Pardo também se
projectou, muito além das suas fronteiras.
Em 21 de Setembro, Euclides foi eleito
membro da Academia Brasileira de Letras e,
em 20 de Novembro, tomou posse no Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo.
Em 15 de Janeiro de 1904, o
engenheiro-escritor foi nomeado
engenheiro-fiscal das obras de saneamento de
Santos. Pediu exoneração em 22 de Abril. Em
Agosto, foi nomeado chefe da Comissão do
Alto Purus, partindo dia 13, do Rio de
Janeiro para o Amazonas, no vapor "Alagoas".
Chegou a Manaus em 30 de Dezembro.
Em março de 1905, reuniram-se as comissões
Brasil-Peru. Em 5 de Abril partiram de
Manaus para as nascentes do Rio Purus,
chegando em 14 de Agosto. Em Outubro, a
comissão regressou a Manaus, concluindo os
trabalhos, em 16 de Dezembro.
De volta ao Rio de Janeiro, em Fevereiro de
1906, Euclides entregou o relatório ao
Ministério do Exterior, que só foi publicado
em Junho. Tornou-se adido ao Gabinete de Rio
Branco.
Em 18 de Dezembro, Euclides tomou posse na
Academia Brasileira de Letras. Lançada em
Portugal a 1ª edição de Contrastes e
Confrontos (artigos publicados entre
1901-1904 nos jornais "O Estado de S.
Paulo"e "O País").
Publicação de Peru versus Bolívia (oito
artigos escritos para o "Jornal do
Comércio"). Em 2 de Dezembro de 1907,
proferiu a conferência "Castro Alves e seu
tempo", no Centro Académico XI de Agosto
(Faculdade de Direito), de São Paulo.
Em 1908 Prefaciou os livros Inferno Verde,
de Alberto Rangel, e Poemas e Canções, de
Vicente de Carvalho. Reviu seu livro À
margem da História (estudos sobre a Amazónia),
só publicado depois da sua morte, em
Setembro de 1909.
Maio de 1909, dias 17 e 26. Euclides prestou
o concurso de Lógica do Colégio Pedro II,
prova escrita e oral, classificando-se em 2º
lugar (o primeiro foi Farias Brito). Foi
nomeado professor em 14 de Julho. Ministrou
sua primeira aula dia 21 e a última em 13 de
Agosto.
Euclides viajou para a Amazónia, em Dezembro
de 1904, a serviço do Ministério das
Relações Exteriores, para demarcar os
limites entre Brasil e o Peru, no Acre.
Ficaria um ano fora. Anna Emília e o caçula
Manuel mudaram-se para a Pensão Monat, de
madame Monat, à Rua Senador Vergueiro, 14.
Solon e Quidinho estavam em colégios
internos. Em 1905, Anna Emília, com 30 anos,
conheceu, na pensão, o belo rapaz loiro,
olhos claros, alto, de 17 anos, Dilermando
de Assis, cadete da Escola Militar.
Apaixonaram-se. A diferença de idades não
foi empecilho para o nascer daquele trágico
amor. Dilermando era, apenas, quatro anos
mais velho do que seu amigo Solon, o
primogénito do casal Cunha. Ainda em 1905,
Anna, os filhos e o jovem amante mudaram-se
para a casa da Rua Humaitá, 67. Dia 1º de
Janeiro de 1906, Euclides desembarcou no
Rio. Voltava para "as suas quatro e enormes
saudades". Anna estava grávida. Dilermando
transferiu-se para a Escola Militar do Rio
Grande do Sul. Euclides não poderia ter mais
dúvidas da traição da esposa. Foram muitas
as cartas trocadas pelos amantes. As de
Dilermando iniciavam-se, sempre, com frases
de carinho e ternura: "Minha nunca esquecida
e queridinha S’Anninha"; "Minha adorada e
sempre idolatrada esposinha"; "Adorada e
saudosa esposinha"; " Perene lembrança de
meu coração"; "Minh’alma que tanto adoro"...
Euclides, tuberculoso, tinha crises de
hemoptise.
Nasceu Mauro, em Julho de 1906, registado
como filho do engenheiro-escritor. Viveu,
apenas, sete dias. No início de 1907,
Dilermando voltou de férias ao Rio. Anna,
novamente, engravidou. Em Novembro, nasceu
Luiz, que Euclides registou, também, como
seu filho, definido como uma "espiga de
milho no meio de um cafezal", pelos cabelos
claros e olhos azuis, que contrastavam com
as características físicas de seus outros
filhos. Dilermando terminou o curso no Rio
Grande do Sul, foi promovido a tenente,
voltou ao Rio em 1908, indo morar com o
irmão Dinorah, guarda-marinha, aluno da
Escola Naval, atleta, jogador de futebol do
Botafogo de Futebol e Regatas, no bairro de
Piedade, subúrbio carioca.
As desavenças entre Anna e Euclides cresciam
num relacionamento insustentável. Dia 14 de
Agosto de 1909, ela abandonou o lar,
hospedando-se na casa de Dilermando.
Na manhã chuvosa do dia seguinte, 15, às 10
horas, mais ou menos, Euclides batia palmas
no portão da casa 214, da Estrada Real de
Santa Cruz, em Piedade, sendo recebido por
Dinorah. Anna e os filhos Luiz e Solon
esconderam-se na despensa. Euclides entrou.
Dilermando ficou num quarto. Armado,
Euclides atirou. Dinorah ficou ferido: a
segunda bala se alojou na sua nuca. (O
atleta, jogador de futebol, gradativamente,
foi perdendo seus movimentos. Aleijado,
morreu à míngua, como mendigo, suicidando-se
no porto, em Porto Alegre). Dilermando
recebeu tiros na virilha e no peito. Campeão
de tiro ao alvo, tentou desarmar o marido
traído e desequilibrá-lo, com tiros no pulso
e na clavícula. Euclides dera seis tiros. A
sétima bala ficou travada. Saindo da casa, o
famoso homem que honrou o Brasil com seu
livro e seu saber, foi atingido nas costas.
Caiu. Levaram-no para dentro. Ao filho Solon,
que estava naquela casa, talvez tentando
convencer a mãe a voltar ao lar desfeito, o
pai moribundo disse: "Perdoo-te". Ao
desafecto, "Odeio-te". À mulher: "Honra...
Perdoo-te".
Quando o médico chegou, Euclides da Cunha
estava morto. Dilermando foi absolvido em 5
de Maio de 1911, casando-se com Anna sete
dias depois, em 12 de Maio. Abandonou-a em
1926, com cinco filhos. Ela estava com 50
anos, ele, com 36 anos.
Em 1916 Solon, seu filho mais velho,
delegado no Acre, foi assassinado numa
tocaia, na floresta, a seis de Maio.
Quidinho (Euclides da Cunha Filho),
aspirante da Marinha, encontrou-se com o
assassino do seu pai no Cartório do 2º
Ofício da 1ª Vara de Órfãos, no Rio de
Janeiro. Puxou a arma e feriu Dilermando de
Assis. Este o matou com três tiros, em 4 de
Julho de 1916.