Nasceu, provavelmente, em Viseu em 1496 e faleceu em Pombal em 20 de Outubro de
1570.
Filho natural de Lopo de Barros, corregedor da comarca do Alentejo em 1499, ao
que se crê, de uma família de funcionários públicos, começou a servir no Paço
Real “na idade do jogo do pião” e, pouco depois foi “moço de guarda-roupa” do
príncipe D. João (mais tarde D. João III) que, quando subiu ao trono, o fez
feitor de São Jorge da Mina, na Costa do Ouro.
Grande
parte da sua vida passou-a no desempenho, primeiro, da função de tesoureiro da
Casa da Índia, Casa da Mina e Casa de Ceuta e, por fim, de feitor da Casa da
Índia.
Pensa-se
que estes factos vieram a ter grande importância para a elaboração das décadas
da Ásia, obra que ficou inacabada e seria parte de uma vasta enciclopédia
histórico-Geográfica. Considerado um dos clássicos da Língua e literatura
portuguesas, João de Barros foi também um renascentista de nomeada europeia como
muitos outros portugueses de então.
A obra que
nos deixou é variada, pois vai desde o romance de cavalaria à historiografia,
passando pelo colóquio filosófico e moralizador, o panegírico das grandes
personagens e a defesa da Língua portuguesa. Faleceu retirado da vida pública
numa quinta que possuía nas proximidades de Pombal, devidamente dignificado e
recompensado pelo rei em virtude dos serviços que prestou como funcionário e
como escritor.
Carreira
literária iniciou-se quando tinha pouco mais de 20 anos ao escrever um romance
de cavalaria a “Crónica do imperador Clarimundo, donde os reys de Portugal
descendem”, dedicado ao soberano e ao príncipe herdeiro D, João (futuro rei D.
João III).
1521 – D.
João III subiu ao trono e concedeu a João de Barros o cargo de capitão da
fortaleza de São Jorge da Mina para onde partiu no ano seguinte.
1525 – João
de Barros foi nomeado tesoureiro da casa da Índia, missão que desempenhou até
1528. 1530 – A peste assolou Lisboa levando João de Barros a refugiar-se na sua
quinta da ribeira de Alitém, próxima de Pombal, evitando as consequências do
terramoto de 1531 que destruiu a capital. Foi neste ambiente calmo, da quinta de
Alitém, que continuou a escrever as suas biografias.
1532 – João
de Barros regressou a Lisboa sendo designado pelo rei como feitor das casas da
Índia e de Mina - uma posição de grande destaque, mas também de importante
responsabilidade numa Lisboa que era então um empório a nível europeu com todo o
comércio estabelecido com o Oriente. Barros provou ser um administrador bom e
desinteressado, algo raro para a época, demonstrado pelo facto de ter amealhado
pouco dinheiro ao contrário dos seus antecessores que haviam adquirido grandes
fortunas com este cargo.
1534 – D.
João III, Procurando atrair colonos para se estabelecerem no Brasil, evitando
assim as tentativas de penetração francesa, dividiu em capitanias hereditárias.
No ano seguinte, Barros foi agradecido com a posse de duas capitanias, de
parceria com Aires da Cunha, o Ceará e o Pará.
1539 -
Barros prepara uma armada de dez navios e 900 homens e zarpou para novo mundo.
Mas, devido talvez à ignorância dos seus pilotos, a frota não atingiu o
objectivo pretendido tendo andado à deriva até aportar às Antilhas espanholas.
Demonstrando um grande humanismo, pagou as dívidas dos que haviam falecido na
expedição, acto nada comum para a época, que levou Barros a criar grandes
problemas financeiros com os quais teve de lidar até ao fim da sua vida,
vendo-se mesmo obrigado a hipotecar parte dos seus bens.
1540 –
Barros pede licença ao Bispo de Coimbra, D. Jorge de Almeida, para levantar o
altar na capela se Sto. António na sua quinta. Durante estes anos Barros
prosseguiu os seus estudos, nas horas vagas, e pouco depois da desastrosa
expedição ao Brasil, publicou a Gramática da Língua Portuguesa e, a
acompanhá-la, diversos diálogos morais, para ajudar ao ensino da Língua materna.
Pouco depois iniciou a escrita de uma História que narrasse os feitos dos
portugueses na Índia – as Décadas da Ásia. A Quarta Década foi deixada
inacabada, sendo depois completa e publicada em Madrid, em 1615, muito depois da
sua morte. 1568 – No mês de Janeiro deste ano, João de Barros sofreu de um
acidente vascular cerebral sendo, por isso dispensado das suas funções na casa
da Índia, recebendo um título de fidalguia e uma tença régia do rei D.
Sebastião.
1570 – A 20
de Outubro deste ano João de Barros faleceu na sua quinta de Alitém, em
Pombal.Foi sepultado na capela de Sto. António, situada na quinta dos Claros, na
ribeira de Alitém pertencente à freguesia de Vermoil, conselho de Pombal, onde
também se encontra a casa que se diz lhe pertencer onde ele terá passado parte
da sua vida.1496 – João de Barros nasceu, possivelmente, em Viseu ou em Braga,
filho de Lopo de Barros, corregedor da comarca do Alentejo, considerado um nobre
da época. Ficou órfão muito novo sendo educado na corte de D. Manuel I, no
período dos Descobrimentos Portugueses, tendo ainda, na sua juventude, concedido
a ideia de escrever uma história dos portugueses no Oriente. A sua prolífica
(produtiva) carreira literária iniciou-se quando tinha pouco mais de 20 anos ao
escrever um romance de cavalaria a “Crónica do imperador Clarimundo, donde os
reys de Portugal descendem”, dedicado ao soberano e ao príncipe herdeiro D, João
(futuro rei D. João III).1521 – D. João III subiu ao trono e concedeu a João de
Barros o cargo de capitão da fortaleza de São Jorge da Mina para onde partiu no
ano seguinte. 1525 – João de Barros foi nomeado tesoureiro da casa da Índia,
missão que desempenhou até 1528. 1530 – A peste assolou Lisboa levando João de
Barros a refugiar-se na sua quinta da ribeira de Alitém, próxima de Pombal,
evitando as consequências do terramoto de 1531 que destruiu a capital. Foi neste
ambiente calmo, da quinta de Alitém, que continuou a escrever as suas
biografias. 1532 – João de Barros regressou a Lisboa sendo designado pelo rei
como feitor das casas da Índia e de Mina - uma posição de grande destaque, mas
também de importante responsabilidade numa Lisboa que era então um empório a
nível europeu com todo o comércio estabelecido com o Oriente. Barros provou ser
um administrador bom e desinteressado, algo raro para a época, demonstrado pelo
facto de ter amealhado pouco dinheiro ao contrário dos seus antecessores que
haviam adquirido grandes fortunas com este cargo.1534 – D. João III, Procurando
atrair colonos para se estabelecerem no Brasil, evitando assim as tentativas de
penetração francesa, dividiu em capitanias hereditárias. No ano seguinte, Barros
foi agradecido com a posse de duas capitanias, de parceria com Aires da Cunha, o
Ceará e o Pará.1539 - Barros prepara uma armada de dez navios e 900 homens e
zarpou para novo mundo. Mas, devido talvez à ignorância dos seus pilotos, a
frota não atingiu o objectivo pretendido tendo andado à deriva até aportar às
Antilhas espanholas. Demonstrando um grande humanismo, pagou as dívidas dos que
haviam falecido na expedição, acto nada comum para a época, que levou Barros a
criar grandes problemas financeiros com os quais teve de lidar até ao fim da sua
vida, vendo-se mesmo obrigado a hipotecar parte dos seus bens.1540 – Barros pede
licença ao Bispo de Coimbra, D. Jorge de Almeida, para levantar o altar na
capela se Sto. António na sua quinta. Durante estes anos Barros prosseguiu os
seus estudos, nas horas vagas, e pouco depois da desastrosa expedição ao Brasil,
publicou a Gramática da Língua Portuguesa e, a acompanhá-la, diversos diálogos
morais, para ajudar ao ensino da Língua materna. Pouco depois iniciou a escrita
de uma História que narrasse os feitos dos portugueses na Índia – as Décadas da
Ásia. A Quarta Década foi deixada inacabada, sendo depois completa e publicada
em Madrid, em 1615, muito depois da sua morte. 1568 – No mês de Janeiro deste
ano, João de Barros sofreu de um acidente vascular cerebral sendo, por isso
dispensado das suas funções na casa da Índia, recebendo um título de fidalguia e
uma tença régia do rei D. Sebastião. 1570 – A 20 de Outubro deste ano João de
Barros faleceu na sua quinta de Alitém, em Pombal.Foi sepultado na capela de Sto.
António, situada na quinta dos Claros, na ribeira de Alitém pertencente à
freguesia de Vermoil, conselho de Pombal, onde também se encontra a casa que se
diz lhe pertencer onde ele terá passado parte da sua vida.
João de
Barros
Fonte: O Portal da História - Biografias
Moço do
Guarda-roupa do príncipe D. João, futuro D. João III, foi nomeado em 1525
tesoureiro das Casas da Índia, Mina e Ceuta, e em 1533 foi nomeado feitor das
Casas da Guiné e Índias, cargo que exerceu até 1567. Na época que mediou as
nomeações, viveu em Pombal, fugindo da peste que assolou Lisboa em 1530 e
evitando as consequências do grande terramoto de 1531 que destruiu a capital.
Nesse ambiente calmo da Quinta do Alitém, parte do dote da sua mulher, contando
24 anos de idade, publicou em 1530 uma novela de cavalaria com o título Crónica
do Imperador Clarimundo, contando a história de um antepassado legendário dos
reis de Portugal. Mais tarde, em 1532, publicaria a Ropica Pnefma (Mercadoria
Espiritual), obra declarando defender a pureza da fé cristã, mas que de facto
está muito próximo das posições de Erasmo de Roterdão, criticando mas sem
abandonar o catolicismo, o que fará com que fosse colocada no «Índex» em 1581, e
no ano seguinte escreverá um Panegírico de D. João III.
Em 1535, quando foram criadas as capitanias brasileiras, D. João III doou-lhe
uma das doze criadas, com cinquenta léguas de largura ao longo da costa, na foz
do Amazonas. Decidiu equipar uma expedição para ocupar o território doado, com o
apoio de Aires da Cunha e Álvares de Andrade, outros dois beneficiados com
capitanias, que terá sido composta por dez embarcações, com novecentos homens,
sob o comando do primeiro dos capitães. A frota saiu em fins de 1535,
dirigindo-se para o norte do Brasil mas foi destruída na barra do Maranhão,
tendo a maior parte dos participantes sido morta. Este desastre deixou João de
Barros bastante empobrecido.
Entretanto, publicou em 1539 uma cartilha conhecida como Cartinha de João de
Barros, e em 1540 publicou O Diálogo de João de Barros com dois filhos seus
sobre preceitos morais e a Grammatica da língua portuguesa obra acompanhada do
Diálogo em louvor da Nossa Linguagem.
A sua principal obra, As Décadas, escritas de acordo com uma sugestão do rei D.
Manuel, após ter publicado o Clarimundo, apareceu em 1552, saindo somente mais
duas em vida do autor, a segunda no ano seguinte, e a terceira em 1563. Uma
quarta, de autoria um tanto questionável, foi impressa em 1613.
As Décadas não lhe ocupavam todo o tempo, e em 1556 organizou nova expedição ao
Maranhão, em que participaram dois dos seus filhos, que, se foi mais feliz,
porque conseguiu regressar, depois de ter combatido com corsários franceses e
índios., não conseguiu cumprir de novo o objectivos de criar condições para a
colonização da capitania.
DÉCADAS DA ÁSIA - João de
Barros - (trecho) VOLUME I
CAPÍTULO I
Como el-rei dom Manuel, no segundo ano do seu reinado, mandou Vasco da Gama com
quatro velas ao descobrimento da Índia.
Falecido el-rei dom João, sem legítimo filho que o sucedesse no reino, foi
alevantado por rei (segundo ele deixará o seu testamento) o duque de Beja, dom
Manuel, seu primo co-irmão, filho do infante dom Fernando, irmão de el-rei dom
Afonso; a quem por legítima sucessão era devida esta real herança, da qual
recebeu posse pelo cetro dela, que lhe foi entregue em Alcácer do Sal, a vinte e
sete dias de Outubro do ano de nossa redenção de mil quatro centos e noventa e
cinco; sendo em idade de vinte e seis anos, quatro meses e vinte e cinco dias
(como mui particularmente escrevemos em outra nossa parte intitulada Europa, e
ali em sua própria crónica).
E porque, com estes reinos e senhorios, também herdava o prosseguimento de tão
alta empresa como seus antecessores tinham tomado, que era o descobrimento do
oriente por esse nosso mar oceano, que tanta indústria, tanto trabalho, e
despesa, por discurso de setenta e cinco anos tinha custado, quis logo, no
primeiro ano de seu reinado, mostrar quanto desejo tinha de acrescentar á coroa
deste reino novos títulos sobre o senhorio de Guiné, que, por razão deste
descobrimento, el-rei dom Joam, seu primo, tomou, como posse da esperança de
outros maiores estados que por esta via estavam por descobrir. Sobre o qual
caso, no ano seguinte de noventa e seis, estando em Montemor-o-Novo, teve alguns
gerais conselhos: em que houve muitos e diferentes votos, os mais foram que a
Índia não se devia descobrir. Por que, além de trazer consigo muitas obrigações
por ser estado mui remoto para poder conquistar e conservar, debilitaria tanto
as forças do reino que ficaria ele sem as necessárias para sua conservação.
Quando mais que sendo descoberta, podia cobrar este reino novos competidores, do
qual caso já tinham experiência, no que se moveu entre el-rei dom Joam e el-rei
dom Fernando de Castella, sobre o descobrimento das Antilhas, chegando a tanto,
que vieram repartir o mundo em duas partes iguais para o poder descobrir e
conquistar. E pois desejo de estados não sabidos, movia já esta repartição, não
tendo mais ante os olhos que esperança deles e algumas amostras do que se tirava
do bárbaro Guiné, que seria vindo a este reino quanto se dizia daquelas partes
orientais.
Porém, a estas razões houve outras em contrário, que, por serem conformes ao
desejo de el-rei, lhe foram mais aceites. E as principais que o moveram, foram
herdar esta obrigação com a herança do reino, e o infante dom Fernando, seu pai
ter trabalhado neste descobrimento, quando por seu mandado se descobriram as
ilhas de Cabo Verde, e mais por singular afeição que tinha á memória das cousas
do infante dom Anrique, seu tio, que fora o autor do novo título do senhorio de
Guiné que este reino houve, sendo propriedade mui proveitosa sem custo de armas
e outras despesas que têm muito menores estados do que ele era. Dando por razão
final, aqueles que punham os inconvenientes a se a Índia descobrir, que Deus, em
cujas mãos ele punha este caso, daria os meios que convinham a bem do estado do
reino.
Finalmente el-rei assentou de prosseguir neste descobrimento, e depois, estando
em Estremoz, declarou a Vasco da Gama, fidalgo de sua casa, por capitão mor das
velas que havia de mandar a ele, assim pela confiança que tinha de sua pessoa
como por ter acção nesta ida, cá, segundo se dizia, estavam da Gama, seu pai já
defunto, estava ordenado para fazer esta viagem em vida de el-rei dom Joam. O
qual, depois que Bartolomeu Dias veio do descobrimento do cabo da Boa Esperança,
tinha mandado cortar a madeira para os navios desta viagem, por a qual razão
el-rei dom Manuel mandou ao mesmo Bartholomeu Dias que tivesse cuidado de os
mandar acabar segundo ele sabia que convinha, para sofrer a fúria dos mares
daquele grão cabo de Boa Esperança, que na opinião dos mareantes começava criar
outra fábula de perigos, como antigamente fora a do cábo Bojador, de que no
princípio falamos. E assim, pelo trabalho de Bartholomeu Dias levou ao
apercebimento destes navios como para ir acompanhado Vasco da Gama até o por na
paragem que lhe era necessária á sua derrota, el-rei lhe deu a capitania de um
dos navios que ordinariamente iam á cidade de São Jorge da Mina.
E sendo já no ano de quatrocentos noventa e sete, em que a frota para esta
viagem estava de todo prestes, mandou el-rei, estando em Montemor-o-Novo, chamar
Vasco da Gama e aos outros capitães que haviam de ir em sua companhia, os quais
eram Paulo da Gama, seu irmão, e Nicolau Coelho, ambos pessoas de quem el-rei
confiava este cargo. E posto que por algumas vezes lhe tivesse dito sua tenção
acerca desta viagem, e disso lhe tinha mandado fazer sua instrução, pela
novidade da empresa que levava, quis usar com ele da solenidade que convém a
taes casos, fazendo esta fala pública, a ele e aos outros capitães, perante
algumas pessoas notáveis que eram presentes, e para isso chamadas:
«Depois que aprouve a Nosso Senhor que eu recebesse o cetro desta real herança
de Portugal, mediante a sua graça, assi por aver a benção de meus avós de quem a
eu herdei, os quais com gloriosos feitos e victórias que houveram de seus
inimigos a tem acrescentado por ajuda de tão leais vassalos e cavaleiros como
foram aqueles donde vós vindes, como por causa de agalardoar a natural lealdade
e amor com que todos me servis, a mais principal cousa que trago na memória,
depois do cuidado de vos reger e governa em paz e justiça, é como poderei
acrescentar o património deste meu reino, para que mais liberalmente possa
distribuir por cada hum o galardão de seus serviços. E considerando eu por
muitas vezes qual seria a mais proveitosa e honrada empresa e digna de maior
gloria que podia tomar para conseguir esta minha tenção, pois, louvado Deus,
destas partes da Europa em as de África a poder de ferro, temos lançado os
mouros, e lá tomando os principais lugares dos portos do reino de Fez que é da
nossa conquista, achei que nenhuma outra é mais conveniente a este meu reino
(como algumas vezes com vosco tenho consultado) que o descobrimento da Índia e
daquelas terras orientais. Em as quais partes, peró que sejam mui remotas da
igreja Romana, espero na piedade de eos que não somente a fé de nosso Senhor
Jesu Cristo seu filho seja por nossa administração publicada e recebida, com que
ganharemos galardão antele, fama e louvor acerca dos homens, mas ainda reinos e
novos estados com muitas riquezas vendicadas por armas das mãos dos bárbaros,
dos quais meus avós com a ajuda, e serviço dos vossos e vosso, tem conquistado
este meu reino de Portugal, e acrescentado a coroa dele. Porque, se da costa da
Etiópia, que quase de caminho é descoberta, este meu reino tem adquirido novos
títulos, novos proveitos e renda, que se pode esperar indo mais adiante com este
descobrimento, se não podermos conseguir aquelas orientais riquezas tão
celebradas dos antigos escritores, parte das quais por comércio têm feito
tamanhas pofencias como são Veneza, Génova, Florença e outras mui grandes
comunidades de Itália. Assi que, consideradas todas estas cousas de que temos
experiência, e também como era ingratidão a Deus enjeitar o que nos tão
favoravelmente oferece, e injuria àqueles príncipes de louvada memória de quem
eu herdei este descobrimento, e ofensa a vós outros que nisso fostes,
descuidar-me eu dele por muito tempo; mandei armar quatro velas que (como
sabeis) em Lisboa estão de todos prestes para servir esta viagem de boa
esperança. E tendo eu na memória como Vasco da Gama, que está presente, em todas
cousas que lhe de meu serviço foram entregues e encomendadas, deu boa conta de
si, eu o tenho escolhido para esta ida como leal vassalo e esforçado cavaleiro,
merecedor de tão honrada empresa. A qual espero que lhe Nosso Senhor deixará
acabar, e nela a ele e a mim faça tais serviços com que o seu galardão fique por
memória nele e naqueles que o ajudarem nos trabalhos desta viagem, porque, com
esta confiança, pela experiência que tenho de todos, eu os escolhi por seus
ajudadores para em todo o que tocar a meu serviço lhe obedecerem. E eu, Vasco da
Gama, volos encomendo, e a eles a vós, e juntamente a todos a paz e concórdia: a
qual é tão poderosa que vence e passa todos perigos e trabalhos e os maiores da
vida faz leves de sofrer, quanto mais os deste caminho que espero em Deus serem
menores que os passados, e que por vós este meu reino consiga o fruto deles.»
Acabando el-rei de propor estas palavras, Vasco da Gama e todas as notáveis
pessoas lhe beijaram a mão: assi pela mercê que fazia a ele como ao reino, em
mandar a este descobrimento continuado por tantos anos que já era feito herança
dele. Tornada a casa ao silêncio que tinha antes deste acto de gratificação,
assentou-se Vasco da Gama em giolhos ante el-rei, e foi trazida uma bandeira de
seda com uma cruz no meio das da ordem da cavalaria de Cristo, de que el-rei era
governador e perpétuo administrador, a qual, estendendo o escrivão da puridade
entre os braços em modo de menagem, disse Vasco da Gama em alta voz estas
palavras:
«Eu Vaco da Gama, que ora por mandado de vós, mui alto e muito poderoso rei, meu
senhor, vou descobrir os mares e terra do oriente da Índia, juro em o sinal
desta cruz, em que ponho as mãos que por serviço de Deus e vosso, eu a ponha
asteada e não dobrada, ante a vista de mouros, gentios, e de todo género de povo
onde eu for, e que por todos os perigos de água, fogo, e ferro, sempre a guarde
e defenda até à morte. E assi juro que na execução e obra deste descobrimento
que vós, meu rei e senhor, me mandais fazer, com toda fé, lealdade, vigia, e
diligência eu vos sirva guardando e cumprindo vossos regimentos que para isso me
forem dados, até tornar onde ora estou ante a presença de vossa real alteza,
mediante a graça de Deus em cujo serviço me enviais».
Feita esta menagem, foi-lhe entregue a mesma bandeira, e um rendimento em que se
continha o que havia de fazer na viagem, e algumas cartas para os príncipes e
reis a que propriamente era enviado, assi como ao Preste João das Índias, tão
nomeado neste reino e a el-rei de Calecut, com as mais informações e avisos que
el-rei dom João tinha havido daquelas partes segundo já dissemos. Recebidas as
quais cousas el-rei o espediu; e ele se veio a Lisboa com outros capitães.
João de Barros, Décadas, I, Livro IV
Trabalho e
pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande - Portugal