Faleceu a 30 de Julho de 1986
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite
Ribeiro
Foi Profº. de Direito Internacional
Público, História da Música e Etnologia
Geral na Universidade do Rio Grande do Norte
e, o primeiro director do Instituto de
Antropologia da mesma universidade. É autor
de muitos e valiosos trabalhos
indispensáveis aos estudos nos domínios da
história, da etnografia e do folclore
brasileiro.
Escritor e folclorista potiguar. É um dos
mais importantes pesquisadores das raízes
étnicas do Brasil e autor do Dicionário do
Folclore Brasileiro (1954), a primeira
reunião sistemática e crítica do acervo
folclórico brasileiro. Começa a trabalhar no
jornal do pai, A Imprensa, em Natal. Entra
para a faculdade de medicina na Bahia, mas é
obrigado a abandonar a escola por falta de
dinheiro. Em 1928 forma-se pela Faculdade de
Direito do Recife e, no mesmo ano, conclui o
curso de etnografia na Faculdade de
Filosofia do Rio Grande do Norte. Dedica-se
a escrever a história da cidade de Natal e a
estudos nas áreas de folclore, etnografia,
crítica literária e história. Cruza o
folclore com a literatura pesquisando a
influência de Dante Alighieri, de Don
Quixote, de Miguel de Cervantes, e da
literatura oral francesa na tradição popular
do Brasil.
Produz, em 1951, um importante trabalho
sobre a ocupação holandesa no Rio Grande do
Norte. Em sua vasta obra destacam-se
Antologia do Folclore Brasileiro (1944),
Superstições e Costumes (1958) e Coisas Que
o Povo Diz
Sua paixão pelo folclore nasceu quando
ainda era menino, ouvindo "causos" aqui e
ali de vaqueiros e cantadores dos sertões
(Rio Grande do Norte e Paraíba) e histórias
do pai, da mãe, de pescadores, de rendeiras
e de vizinhos. Era o seu maior interesse
intelectual e acabou norteando sua vida.
Fazia pesquisas de campo sobre as tradições,
hábitos, crendices, superstições nas áreas
rurais e urbanas. Não poupava esforços:
frequentava terreiros de macumba,
deslocava-se até as praias e portos de
jangadeiros e viajava sertão adentro. Seus
inúmeros livros nasceram desse trabalho de
campo e da pesquisa intensa sobre os mais
diversos temas.
Uma história curiosa: quando Câmara Cascudo
era professor do Colégio Ateneu, em Natal,
um colega chegou a pedir sua demissão ao
governador Juvenal Lamartine. Afinal, não
era admissível que o professor de uma
instituição de ensino tão respeitada se
dedicasse a estudar lobisomens e outras
esquisitices, como coisas feitas ligadas à
bruxaria. Ele permaneceu no cargo
Suas principais obras:
Alma Patrícia (1921)
O Homem Americano e seus Temas (1933)
Uma Interpretação da Couvade (1936)
Peixes no Idioma Tupi (1938)
Seis Mitos Gaúchos (1942)
Lendas Brasileiras (1945)
Simultaneidade de Ciclos Temáticos
Afro-Brasileiros (1948)
Geografia dos Mitos Brasileiros (1947)
Literatura Oral (1952)
Dicionário do Folclore Brasileiro (1954)
Superstições e Costumes (1958)
História da Alimentação no Brasil (1967-68)
Prelúdio da Cachaça (1968)
Civilização e Cultura (1973)
Lendas e mitos, hábitos alimentares,
folguedos, modos de falar e vestir-se, jogos
infantis, práticas funerárias, superstições
e costumes, tudo que constitui e enriquece a
cultura popular brasileira foi alvo das
pacientes pesquisas de Luís da Câmara
Cascudo, cujos mais de 100 livros publicados
conferiram-lhe a reputação de maior
folclorista do país. Colectados os dados,
ora em campo, ora em arquivos, punha-se o
autor a relacioná-los aos índios, à África,
a Portugal e à Idade Média europeia, ou até
mesmo a tradições asiáticas, para mostrar
como as raízes do quotidiano do povo vêm com
frequência projectadas desde estratos
remotos. Sua obra etnográfica e
antropológica, estando sempre em sintonia
com os avanços teóricos, foi, porém, toda
realizada em linguagem criativa e saborosa,
o que a põe ao alcance do leitor comum, sem
prejuízo de manter-se como fonte obrigatória
de consulta.
Um provinciano incurável - Câmara
Cascudo
http://memoriaviva.digi.com.br/cascudo/vida5.htm
Nasci na Rua das Virgens e o Padre João
Maria batizou-me no Bom Jesus das Dôres,
Campina da Ribeira, capela sem tôrre mas o
sino tocava as Trindades ao anoitecer.
Criei-me olhando o Potengi, o Monte, os
mangues da Aldeia Velha onde vivera, menino
como eu, Felipe Camarão. Havia corujas de
papel no céu da tarde e passarinhos nas
árvores adultas, plantadas por Herculano
Ramos. Natal de noventa e seis lampiões de
querosene. Santos Reis da Limpa em janeiro.
Santa Cruz da Bica em maio. Senhora
d'Apresentação em novembro. Farinha de
castanhas e carrossel. Xarias e Canguleiros.
Natal que se apavorou com o holofote,
enchendo as igrejas de bramidos e
arrependimentos. Auta de Souza embalou-me o
sono. Pedro Velho pôs-me na perna. Vi
Segundo Wanderley declamar. Ferreira Itajubá
cantando. Alberto Maranhão passeando a
cavalo, manhã do domingo. Tinha treze anos
quando veio a luz elétrica. Festas no Tirol.
Violão de Heronides França. Livros. Cursos.
Viagens. Sertão de pedra e Europa.
Nunca pensei em deixar minha terra.
Queria saber a história de todas as cousas
do campo e da cidade. Convivências dos
humildes, sábios, analfabetos , sabedores
dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros
silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais
abandonei o caminho que leva ao encantamento
do passado. Pesquisas. Indagações.
Confidências que hoje não têm preço.
Percepção medular da contemporaneidade.
Nossa casa no Tirol hospedou a Família
Imperial e Fabião das Queimadas, cantador
que fora escravo. Intimidade com a velha
Silvana, Cebola quente, alforriada na
Abolição. Filho único de chefe político,
ninguém acreditava no meu desinteresse
eleitoral. Impossível para mim dividir
conterrâneos em cores, gestos de dedos,
quando a terra é uma unidade com sua gente.
Foram os motivos de minha vida expostos em
todos os livros. Em outubro de 1968 terei
meio século nessa obstinação sentimental.
Devoção aos mesmos santos tradicionais.
Meu povo tem a mesma idade para o interesse
e a valorização afetuosa.
Dois homens quiseram fixar-me fora de
Natal:- Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e
Agamenon Magalhães no Recife. Jamais os
esquecerei, porque nada pedira. Alguém
deveria ficar estudando o material
economicamente inútil. Poder informar dos
fatos distantes na hora sugestiva da
necessidade.
Fiquei com essa missão. Andei e li o
possível no espaço e no tempo. Lembro
conversas com os velhos que sabiam iluminar
a saudade. Não há um recanto sem evocar-me
um episódio, um acontecimento, o perfume
duma velhice. Tudo tem uma história digna de
ressurreição e de simpatia. Velhas árvores e
velhos nomes, imortais na memória.
Em 1946 fiz parte de uma comissão enviada
pelo Ministério das Relações Exteriores ao
Uruguai. Éramos três: Aloísio de Castro,
Angione Costa e eu, único sobrevivente.
Voltando, contou-me Aloísio de Castro que
Afrânio Peixoto, sabendo da expedição
cultural, dissera num leve riso - “E ele
deixou o Rio Grande do Norte? Câmara Cascudo
é um provinciano incurável!”
Encontrara meu título justo, real, legítimo.
PROVINCIANO INCURÁVEL !
Nada mais.
(Este texto, escrito pelo próprio Cascudo,
foi publicado pela primeira vez no livro
Província, editado pela Fundação José
Augusto, em 1969. Desde então, tem sido
presença obrigatória em qualquer obra sobre
Cascudo).
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite
Ribeiro – Marinha Grande – Portugal