11 de
novembro
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
Este
dia é comemorado um pouco por todo o Portugal, junto à lareira ou aquecedor.
É o dia em que se vai à adega e se prova o vinho da última colheita.
Chama-se os amigos à adega, para beber um copo de "água-pé" (*), e comer
umas castanhas assadas num braseiro de pinhas, pondo muito sal por cima para
estalar a casca da castanha e dar-lhe paladar algo salgado.
Também se coze as castanhas - a propósito: - Sabe como se coze as castanhas?
Experimente esta receita: faça um recipiente de cerca de 0,5 l de chá preto
(2 embalagenzinhas), enquanto corta a parte de cima das castanhas e de dá-se
um corte oblíquo no corpo destas na parte mais saliente. Coloque o chá ainda
quente no recipiente onde vai cozer as castanhas, juntando sal q.b., um
pedaço de casca de limão, um pedacinho de pau-de-canela, um pedacinho de
baunilha e uma colherzinha pequena de erva-doce. Junte depois as castanhas
já cortadas, adicione água até as cobrir, assim como uma pitadinha de
erva-doce.
As castanhas cozem o mesmo tempo que as batatas. Logo após a cozedura,
escoa-se a água e abana-se muito bem as castanhas ainda fumegantes, para
soltar a casca e a entre-casca. Bom Apetite !
(esta
receita será para um quilo de castanhas).
(*)
"Água-Pé" : é um vinho mais ou menos fraco, preparado com água que se deita
no resíduo do pé das uvas, depois do vinho feito.
Voz do
Povo - Provérbios Populares a São Martinho
- No
dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.
- Mais vale um castanheiro do que um saco com dinheiro.
- Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.
- Do dia de S. Martinho ao Natal, o médico e o boticário enchem o teu
bornal.
- Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
- Se queres pasmar teu vizinho lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
- Dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Pelo S. Martinho, prova o teu vinho, ao cabo de um ano já não te faz dano.
- Pelo S. Martinho mata o teu porco e bebe o teu vinho.
- Pelo S. Martinho semeia favas e vinho.
- Pelo S. Martinho, nem nado nem cabacinho.
- Água-pé, castanhas e vinho faz-se uma boa festa pelo S. Martinho.
É dia
de S. Martinho
É a festa das castanhas
Em vez de Sol há chuva
É Outono ninguém estranha.
Dia 11 de Novembro
É o dia de S. Martinho
Come-se a castanha assada
E mais o caldo verdinho.
Nota: Conhecemos dois S. Martinho e não sabemos o qual se comemora nesse
dia:
S. Martinho, bispo de Tours (França), nascido em 306, na Panónia, país da
antiga Europa central. Bastante caridoso com os indigentes, chegou, num
rigoroso Inverno, a dar metade do seu manto a um pobre que encontrou
tiritando de frio. Num deserto, perto de Poitiers, fundou o primeiro
mosteiro que existiu na Gália. Converteu muitos pagãos. O seu culto
espalhou-se nas Gálias e estendeu-se depois à Europa cristã.
S. Martinho de Dume, arcebispo de Braga (Portugal), parecendo que era também
natural da Panónia, tendo nascido pelo ano de 500. Pregou o Cristianismo na
antiga corte sueva de Braga. Converteu muitos pagãos, tendo convertido
também o próprio rei Teodomiro e seu filho, que seguiam a doutrina de Arius.
A suas instâncias, fundou em Dume, próximo da cidade de Braga, um convento
de frades bentos (perto da igreja de S. Bento da Porta Aberta). Faleceu aí
por 580 e foi sepultado no seu convento de Dume, tendo, mais tarde, o seu
corpo sido transferido para a Sé de Braga.
Em Portugal, e sobretudo no norte e centro do País, o dia 11 de Novembro é
de um modo geral festejado com «magustos» de vinho e castanhas em todas as
partes onde estes ocorrem no dia de Todos os Santos, tomando assim o aspecto
de um prolongamento especial dessas celebrações, a ponto de se falar em
«Magustos dos Santos» e «Magustos de S. Martinho».
Os «magustos» aparecem sob esta forma em todo o Minho, em casa ou nos
campos, em Trás-os-Montes, nas Beiras e no Douro, em terras de Arouca, e na
região e na própria cidade do Porto. Por exemplo em Vila do Conde, as
castanhas comem-se com roscas de pão de trigo e nozes. Em Fafe, eles começam
à tarde e duram até à noite, as castanhas assam-se em fogueiras que se
acendem no meio da rua, e o vinho circula em cântaro. Nessa noite,
geralmente, joga-se ao pau. No sul o costume não apresenta este carácter de
generalidade, mas assinala-se em várias partes.
Em muitas regiões rurais do país, nomeadamente no noroeste, a festa anda
associada à matança do porco, e é influenciada, sob certos aspectos, pela
euforia e pelo sentido de plenitude que decorre desse acontecimento que
possui a natureza de uma verdadeira festa doméstica, muitas vezes mesmo a
mais importante do calendário privado. No Minho, por exemplo, o dia situa-se
na época das primeiras matanças e nas provas do vinho novo. Segundo a
tradição popular, «No dia de S. Martinho / Mata o teu porco / E prova o teu
vinho».
Lenda de São Martinho
Reza a lenda que São Martinho pertencia às legiões do imperador Juliano. Num
certo dia, em pleno Inverno, sob vendaval e neve, equipado e armado, montado
a cavalo, S. Martinho viu, às portas de Amiens, um mendigo seminu, tiritando
de frio. O Santo sofreou o cavalo, pegou na espada e cortou ao meio a sua
capa de agasalho, dando metade dela a esse peregrino. Envolto na outra
metade, S. Martinho sacudiu a rédea e prosseguiu a viagem no meio da
tormenta. Porém, subitamente a tempestade desfez-se, amainou o tufão e a
geada, o céu descobriu instantaneamente, aparecendo assim um sol
resplandecente. Segundo a mesma lenda, para que não se apagasse da memória
dos homens a notícia deste acto de bondade, Deus dispôs que em cada ano, na
mesma época em que São Martinho se desapossou da metade da sua capa, que se
interrompesse o frio e que sorrisse o céu e a terra.
São Martinho - Santo dos bons apreciadores de vinho
De acordo com a lenda de São Martinho, é raro o ano que o tempo, nesta
altura, não melhore, aproveitando o povo para denominar "O Verão de São
Martinho". Na tradição popular, São Martinho é considerado como o santo dos
bons bebedores, já que é nesta altura do ano que se faz a prova do vinho
novo acompanhado das respectivas castanhas.
A
Castanha:
Actualmente olhamos para a castanha e associamo-la a uma época
particular, vendo-a praticamente como uma deleite outonal. Contudo, noutros
tempos, este fruto do castanheiro, encerrado num invólucro, lembrando um
ouriço-caicheiro, possuía uma enorme importância na dieta alimentar dos
portugueses. Assadas ou cozidas, as castanhas estão intimamente ligadas à
tradição portuguesa.
O fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e
simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias (…) só em Novembro
as agita a inquietação funda, dolorosa, que as faz lançar ao chão lágrimas
que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos deixam ver
numa carne fofa a maravilha singular de que falo. Miguel Torga "Portugal".
O castanheiro, árvore de grande porte da família das fagáceas ou
das castaneáceas, atinge grande longevidade; considerado para muitos povos,
como um símbolo de perenidade, de fartura e abastança. O fruto do
castanheiro, a castanha, eclode ao fim de 10 anos de vida da árvore,
formando-se dentro de um ouriço.
O termo castanheiro aparece citado num documento em 960 d.C. muito
antes da formação de Portugal (1143). A castanha foi, a par da bolota, um
produto básico na alimentação, até aos séculos XV/XVI, altura em que se
introduz no nosso país a batata e o milho. No decorrer do século XVI, em
terras do Norte e das Beiras, consumiam-se mais castanhas do que pão.
No século XVII, a castanha era considerada um dos produtos básicos
da alimentação dos beirões. Em anos maus chegou a ocupar o lugar do pão, que
escasseava, (fazia-se a "falacha"), e a substituir as batatas.
Para além do valor económico que ainda hoje representa para
algumas terras de Trás-os-Montes, a castanha utiliza-se cada vez menos em
sopa no Minho e, com significado, no Alto Douro e Terra Fria Transmontana.
No Norte e na Beira Interior, regista-se a existência de grandes
soutos, mas também há castanheiros na região de Entre-Douro-e-Minho e em
serras como Sintra e Monchique. No Barroso fazia-se ainda há poucos anos um
caldo de castanhas em que estas eram reduzidas a puré, a que se juntava
apenas um pouco de unto.
Pensa-se que a castanha assada seja criação de pastores e
lenhadores há mais de mil anos, quando nas noites frias do Outono e Inverno
juntavam à chama da fogueira que acendiam para se aquecer, as castanhas
colhidas nas proximidades.
Embora o resultado final seja muito semelhante, certo é que a
castanha assada encontra, em diversas proveniências, forma diferente de se
preparar. Indispensáveis são as boas brasas e o golpe na castanha para que
esta não rebente. Depois, fica ao engenho e aos recursos de cada povo a
forma de as preparar assadas.
Na Galiza, a castanha é assada num tambor giratório em ferro e com
buracos. Possui uma pequena porta por onde se deitam as castanhas. Coloca-se
o tambor sobre brasas bem puxadas e gira-se lentamente, até as castanhas
estarem assadas.
Noutros locais usa-se o assador em forma de bandeja, de barro. As
castanhas colocam-se sobre este, com as brasas bem quentes, com ou sem sal
grosso, mexendo-se à medida que assam.
São
Martinho, de cavaleiros romano a Apóstolo de Gália - Maria Luísa V. de Paiva
Boléo
Não
podemos dizer que a vida de São Martinho «se perde na noite dos tempos»,
porque este santo, nascido em território do império romano - Sabaria na
antiga Panónia, hoje Hungria, entre 315 e 317, foi o primeiro santo do
Ocidente a ter a sua biografia escrita por um contemporâneo seu - o escritor
Sulpício Severo.
Martinho era filho de um soldado do exército romano e, como mandava a
tradição, filho de militar segue a vida militar, como filho de mercador é
mercador e filho de pescador devia ser pescador. Martinho estudou em Pavia,
para onde a família foi viver, e entrou para o exército com 15 anos, tendo
chegado a cavaleiro da guarda imperial. Tinha a religião dos seus
antepassados, deuses que faziam parte da mitologia dos romanos, deuses
venerados no Império Romano, que, como é óbvio, variavam um pouco de região
para região, dada a imensidão do Império. As Gálias teriam os seus deuses
próprios, como os tinham a Germânia ou a Hispânia.
O jovem Martinho não estava insensível á religião pregada, três séculos
antes, por um homem bom de Nazaré. Um dia aconteceu um facto que o marcou
para toda a vida. Numa noite fria e chuvosa de Inverno, às portas de Amiens
(França), Martinho, ia a cavalo, provavelmente, no ano de 338, quando viu um
pobre com ar miserável e quase nu, que lhe pediu esmola e Martinho, que não
levava consigo qualquer moeda, num gesto de solidariedade, cortou ao meio a
sua capa (clâmide) que entregou ao mendigo para se agasalhar. Os seus
companheiros de armas riram-se dele, porque ficara com a capa rasgada.
Segundo a lenda, de imediato, a chuva parou e os raios de sol irromperam por
entre as nuvens. Sinal do céu. Seria milagre?
MARTINHO E CONSTANTINO I
Conta a lenda, que no dia seguinte Martinho teve uma visão e ouviu uma voz
que lhe disse: «Cada vez que fizeres o bem ao mais pequeno (no sentido
social de mais desprotegido) dos teus irmãos é a mim que o fazes». A partir
desse dia Martinho passa a olhar para os cristãos de outro modo. Recordamos
que o Cristianismo teve dificuldade em se impor como religião, e que um
passo importante dado, nesse sentido, foi por Constantino I, que, em 313,
permite que o Catolicismo seja livremente praticado no Império. Com o tempo
foi aceite como religião do Estado.
Constantino - o Grande - acreditou que o deus dos cristãos, que ele, de
início associava ao Sol, o protegia e que lhe proporcionara a grande vitória
contra Maxêncio, em 312. Acabará senhor absoluto do Império, tanto a
Oriente, como a Ocidente, depois da vitória sobre Licínio, em 324. Consta
que Constantino I terá visto no céu, antes da batalha com Maxêncio, a frase:
«In Hoc Signo Vinces (Por este símbolo(cruz de Cristo) vencerás)» e daí o
início da sua conversão. A testemunhar essa conversão existe o Arco de
Constantino, em Roma, erigido para celebrar a vitória, onde consta a frase
«por inspiração da Divindade e pela sua (de Constantino) grandeza de
espírito». A testemunhar a sua conversão há o facto de o prefeiro pretoriano
da Hispânia, Acílio Severo, conhecido por Lactâncio ter sido o primeiro
prefeito cristão de Roma, em 326.
Constantino I fundou a cidade de Constantinopla, onde fez a nova capital do
Império, na antiga Bizâncio, e mandou edificar inúmeras igrejas, para o
culto cristão, por todo o Império. A cidade foi sagrada no ano 330. As mais
importantes igrejas foram a basílica de Latrão, a igreja de São Pedro, em
Roma, a igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, bem como basílicas em
Numídia e em Trèves. Deu-se origem às fundações da Igreja da Santa Sabedoria
(Hagia Sophia), em Constantinopla, que, viria, em 1453 a ser tomada pelos
árabes e Constantinopla passou a chamar-se Istambul. Constantino I é
baptizado no leito de morte, no ano de 337 e sepultado na basílica dos
Apóstolos naquela cidade. Deixa o império dividido pelos seus três filhos
Constantino II, Constâncio e Constante, que vão lutar entre si ficando
senhor do Império Constâncio II.
A LENDA DE MARTINHO
Depois do encontro de Martinho com o pobre que seria o próprio Jesus,
sente-se um homem novo e é baptizado, na Páscoa de 337 ou 339. Martinho
entende que não pode perseguir os seus irmãos na fé. Percebe, que os outros
são, na realidade, mais seus irmãos que inimigos. Só tem uma solução - o
exílio, porque, oficialmente, só podia sair do exército com 40 anos. Hoje o
sentido de irmão está, no Ocidente, perfeitamente interiorizado, mas, na
época era algo de totalmente revolucionário. Era uma sociedade
estratificada, e os grandes senhores, onde se incluía a classe militar, não
se misturavam com a plebe, e muito menos um escravo era considerada pessoa
humana. Daí Cristo ter sido crucificado. O amor entre todos, como irmãos que
pregava era verdadeiramente contra os usos do tempo. Todos o que o seguiram
e praticaram a solidariedade eram vistos como marginais e mais ou menos
perseguidos.
Martinho, ainda militar, mas com uma dispensa vai ter com Hilário (mais
tarde Santo Hilário) a Poitiers. Funda primeiro o mosteiro de Ligugé e
depois o mosteiro de Marmoutier, perto de Tour, com um seminário. Entretanto
a sua fama espalha-se. Muitos homens vão seguir Martinho e optar pela a vida
monástica. Com o tempo, as suas pregações, o seu exemplo de despojamento e
simplicidade, fazem dele um homem considerado santo. É aclamado bispo de
Tours, provavelmente em Julho de 371. Preocupado com a família, lá longe, e
com todo o entusiasmo de um convertido vai à Hungria visitar a família e
converte a mãe.
A vida de São Martinho foi dedicada à pregação. Como era prática no tempo,
mandou destruir templos de deuses considerados pagãos, introduziu festas
religiosas cristãs e defende a independência da Igreja do poder político, o
que era muito avançado para a época. Nem sempre a sua acção foi bem aceite,
daí ter sido repudiado, e, por vezes, maltratado.
VITA MARTINI
Sulpício Severo, aristocrata romano, culto e rico fica fascinado com o
comportamento pouco comum de Martinho e escreve, entre 394 e 397 a
biografia, daquele que ficaria conhecido por São Martinho de Tours. A obra
chama-se apenas Vita Martini (escrito em latim), livro que teve enorme
repercussão no mundo medieval. Espalhou-se até Cartago, Alexandria e Síria.
Sabe-se que este livro foi muitíssimo lido (Enciclopedia Cattolica, Cidade
do Vaticano, 1952, p. 220), o que era difícil numa época em que os livros
eram caros e quando só o clero e monarcas mais cultos os leriam, mas o certo
é que foi um verdadeiro «best-seller».
Só em 357 Martinho é dispensado oficialmente do exército e continua a
espalhar a sua fé. Morre em Cannes, no dia 8 de Novembro do ano de 397 e o
seu corpo foi acompanhado por 2 000 monges, muito povo e mulheres devotas.
Chega à cidade de Tours no dia 11 de Novembro. O seu culto começou logo após
a sua morte. Em 444 foi elevada uma capela no local. Não foram só as gentes
das Gálias que o veneraram, o seu culto espalhou-se por todo o Ocidente e
parte do Oriente. Na cidade francesa de Tours, foi erguida uma enorme
basílica entre 458 e 489 que viria a ser lugar de peregrinação, durante
séculos. Em França há perto de 300 cidades e povoações com o nome de São
Martinho e, em Portugal, numa breve contagem, descobrimos 60. É, no entanto,
importante frisar que nem todas serão evocações de São Martinho (o da capa),
mas também de São Martinho de Dume (na região de Braga), também originário
da Hungria (séc. VI).
Por toda a Europa os festejos em honra de São Martinho estão relacionados
com cultos da terra, das previsões do ano agrícola, com festas e canções
desejando abundância e, nos países vinícolas, do Sul da Europa, com o vinho
novo e a água-pé. Daí os adágios «Pelo São Martinho vai à adega e prova o
teu vinho» ou «Castanhas e vinho pelo São Martinho».
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal