Revista "Aquilo que a Gente Sente "

Ano I - Número 01 - 11/2009

 

Criação : Carlos Leite Ribeiro

 

Edição: Iara Melo

 


 

 

 

 

 

Prezados leitores, cá estamos estreando mais uma revista literária virtual no nosso Portal CEN, "AQUILO QUE A GENTE SENTE".

 

O Portal CEN como sempre cumprindo o seu objetivo de divulgar, promover, enaltecer, escritores, poetas consagrados ou não do mundo lusófono.

 

Serão mensalmente editados:


Realidade – Ficção – Ensaio – Conto – Crónica, em Prosa ou em Verso


Para envio dos vossos trabalhos solicitamos a gentileza do uso dos e-mails:

 

 

Aproveitem este espaço, ele foi criado especialmente para si.

 

Uma boa leitura!

 

 

 

 

 

 

O CHAMADO...
 

Ana Paula Costa Brasil


           O Caminho de Santiago é uma belíssima aventura. À medida que passei a percorrê-lo, uma forte energia foi tomando conta de meu ser. Esse é cheio de expectativas, alegrias, tristezas, dores, inquietações, medos, encontros e desencontros, assim como de força, garra, determinação, perseverança, lutas, entre outros fatores que me mostraram como deixar de sobreviver nesta sociedade tão doida e caótica, em que encontramos, a aprender a viver com dignidade, respeito, solidariedade e muita paz.
O meu eu, que antes estava em conflito, adquiriu ao longo desses dias, uma intensa serenidade e leveza e, assim, pude reencontrar a minha essência.
          Hoje, tenho plena certeza que sou outra pessoa. A cada passo dado, reflexões e inúmeras respostas, fatores que me ensinaram a olhar a vida com cautela e muita fraternidade.
         Sinto que o meu coração foi agraciado por gotas de afeto, ternura e amor, sentimentos grandiosos que estão a me levar a desenrolar o novelo da minha existência com mais segurança e tranquilidade. Vejo-me a percorrer uma linda caminhada tal qual um lindo céu azul coberto de estrelas, numa belíssima noite de primavera, onde muitos vaga-lumes bailam entre verdes e majestosas árvores.
          Ao longo do Caminho de Santiago, não só vivenciei emoções, desvendei mistérios e dúvidas interiores, encontrando explicações para muitas de minhas inquietações como também tive a oportunidade de adquirir novos conhecimentos e construir grandes amizades.
Em 2005, fui chamada para uma nova vida a qual tem como pano de fundo a pintura, a música e a literatura. Meu eu foi agraciado com grandes emoções e sentimentos; assim, devo repassar o que aprendi nesta caminhada.

           "Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis." (Theodore Vail)

 
 
 
 
 

 


 
ABSINTO

Elizabeth Misciasci


Fui além dos sonhos...
Caminhei em terra firme,
mas fiz do alto parada.
Plainei nas nuvens,
levitei em melodias...

Bradando aos quatro cantos
do Universo,
Pedi Paz...
Falei de amor...
... aos surdos de emoção!

Fui além dos segredos...
E selando laços,
silenciei!

Perpétuos serão os dias
que entre confidencias
estive perto!
Presente que de tão distante
fez parceria.

Cúmplice do fascínio
arrastei madrugadas...
Editei meu tablóide
recontei outros contos.
Entreguei o corpo e a fala aquém.

Dividi uma taça de vinho
e o cálice de absinto.

Amante,
provei lábios amargos...
Mas sem recusas,
deixei pousar os doces beijos
de outras bocas.

Fui além das palavras...
Resguardando a razão,
tornei abrasivo o poder de solver
as dores da alma.
Dei razão e guarida
ao desejo do querer...

Ardil permissiva
trocando sangue por mel,
deixei sugar até a última gota...

Fui além do olhar...
Que tantos poetas declamaram,
incintando o verter de lágrimas
não contidas e apaixonadas que derramei.

Fui além...
Muito Além!


Registro 146.240 Livro 528 Folha 238
Biblioteca Nacional Ministério da Cultura
Todos os Direitos Reservados a autora©
OMB:- 6.401

 

 

 

AMANHECER

Tristão Alencar Pereira Oleiro

 

O sol desponta no horizonte amarelando areias da praia.
Alaranjadas nuvens traduzem a temperatura elevada que está por vir.
Suaves ondas desenham a orla repleta de agitadas aves em busca de alimentos.
A brisa faz farfalhar folhas dos coqueiros.
O coração do poeta segura a produção literária da madrugada, empilhada sobre a mesa para não voar ao léu.
O dia inicia e com muita nostalgia encerra-se o que passou.
Dia após dia, a sequência criadora grava no tempo a história presente.
Vida de escritor...

 


 

 

GESTOS PEQUENOS, UMA FACA DE DOIS GUMES.

Ilda Maria Costa Brasil


Saí de casa na metade da manhã. Estava radiante. Com o dia ensolarado, senti-me feliz por meus projetos escolares estarem ganhando vida. Radiante, fui ao encontro de algumas ex-colegas para compartilhar meu sucesso. Ao chegar à repartição, senti um calafrio que veio acompanhado da sensação de estar descolada. Procurei manter a naturalidade e passei a falar sobre os projetos. Ninguém demonstrou interesse e a chama do entusiasmo começou a apagar-se e, antes que terminasse, despedi-me e me retirei Não podia permitir que destruíssem meus sonhos.
Na rua, à medida que o ar frio batia em meu rosto, minha energia e meu entusiasmo foram se recuperando.
Em casa, recostada na poltrona, fechei os olhos e aspirei o perfume do ar. Aos poucos, meu semblante modificou-se e uma doce música, que tocava ao longe, envolveu todo o meu ser.
O dia continuava luminoso; o céu azul e meus pensamentos me diziam que garra, otimismo, perseverança e profissionalismo fazem uma bela parceria. Ajo e escrevo com emoção e invisto em cada gesto, em cada palavra, em cada ideia. 
Contudo, hoje, desencantei-me com minhas amigas que agiram indiferentes às minhas criações. Não saberão elas que trabalhar com literatura e escrever são trabalhos árduos e delicados que exigem leitura, estudo, concentração, sensibilidade e perseverança? Como ter certeza se um projeto ou texto estão bons se não compartilharmos com alguém e ouvir as suas sugestões?
Ufa! Em certas ocasiões, percebo-me insegura; as ideias veem tão rapidamente, que mal as consigo registrá-las. Os atos de educar e de escrever me fascinam e me fazem compreender a vida e os outros.

 

 

 

"Felicidade."
«Amor»  

Pinhal Dias
  

Ontem…
Lágrimas de tristeza…
 
Na corrente
do Amor,
na corrente
da Compaixão,
na corrente
da Fraternidade
Gira a esfera
da Felicidade.
 
“Eles e Elas”
que se abraçam
e vão crescendo
nesse seu desenvolvimento
é uma aliança de casamento.
 
Hoje…
Lágrimas de alegria.
 
O "Ser"
É um templo
onde habita
o seu espírito,
orando com
Sabedoria,
sem demagogia
e pura Filosofia.
Essa Luz que irradia
nos valores da terapia
e ficará sem idade
a sua Felicidade.
 
Pinhal Dias – (Lahnip) - Novembro 2009
 

 


 

 

 
O CELIBATÁRIO

Raymundo de Salles Brasil

 
                        Mais ou menos 16m2, uma escrivaninha, estantes com livros que forravam as paredes, uma cama de solteiro, um armário que guardava as suas poucas roupas e uma janela que mostrava, ao longe, uma paisagem colorida de verde e um pouquinho do azul do mar, que um prédio defronte ainda lhe permitia ver. Em baixo, uma pracinha bem cuidada, mas pouco usufruída pelos transeuntes que sempre passavam apressados, ou para o trabalho, ou de volta para casa no afã do cotidiano que era, sem dúvida, a luta pelo pão de cada dia. Aquele lugar era a sua residência. Solteiro por opção, irremediavelmente um celibatário. Uma vida sem emoções; sem grandes prazeres e sem grandes pesares. Um marasmo a que ele já estava acostumado, opcionalmente conquistado e do qual, por coisa alguma, abriria mão.
                        A janela do seu quarto era uma das suas poucas diversões: olhar para baixo e ver os ombros dos transeuntes carregados de fardos, ou para longe e ver a tranquilidade do verde e uma nesga da imensidão do mar.
                        Um dia, cansado já de um longo período de leitura, levantou-se para descansar os olhos já lacrimejantes e foi à janela olhar além das quatro paredes do seu quarto. Depois de ver a Papa-Ceia no infinito do céu ainda claro, o longínquo do verde e a nesga do imenso mar, olhou para a pracinha e estranhou, àquela hora, um homem trajando quase a rigor, sentado num banco e com um ramalhete de flores na mão. Era um quadro do século passado.
                        Horas se passaram e nada aconteceu além da postura desanimada do cavalheiro que deixou cair as flores e se retirou cabisbaixo e triste.
                        Aquela cena tocou profundamente aquele solteirão solitário do quarto número quatro da rua X. Seu coração, desacostumado já às emoções, foi invadido, naquele momento, por uma forte sensação de angustia ante aquele fato irrelevante para qualquer outra pessoa que o presenciasse. Naquela noite ele fumou mais cigarros do que deveria e demorou mais para conciliar o sono. Parecia profundamente penalizado com aquele desconhecido, obviamente apaixonado, que levava flores para a mulher que deveria povoar os seus sonhos incontentados e ardentes.
                        No dia seguinte nada fizera, como era de costume, aquele sessentão aposentado, além de ler Balsac e ouvir Chopin na sua velha radiola e pensar no cavalheiro que trouxera flores e que as largara, como ele próprio se sentira, abandonadas no chão da praça.
                        Chegada a hora do lusco-fusco, o velho sessentão já estava à janela, não para ver a Papa-Ceia, ou o verde longínquo, ou a nesga do mar, mas para baixo, na esperança de ver o cavalheiro da noite anterior, talvez com outro ramalhete. E, para tirar-lhe as suas dúvidas, ali estava ele chegando; as flores mal lhe cabiam nas mãos, o traje mais requintado; ansioso, ávido, todavia parecia esperançoso da sua conquista. Até o sessentão, naquele momento, ficara feliz.
                        As horas passaram, as flores já estavam murchas e o cavalheiro as deixou cair como se não as tivesse e se foi cabisbaixo e triste.
                        O velho sessentão nunca soube para onde, mas pensou com os seus botões:  – Talvez para uma quarto vazio sem prazeres e sem pesares.
 
 
 
 
 

CERTEZA
 
Eliane Arruda

 
Das nuvens caem as gotinhas de chuva,
 E da minh´alma  aquelas... de emoção!
O teu destino, por que não se curva
Molhando as terras do meu coração?
 
Contemplo a chuva, quando vem ao chão,
E as plantinhas sorrindo molhadas.
Por que não pingas nesta solidão
Deixando a minha alma orvalhada?
 
Ah,  quanto... quanto sinto a tua falta,
És um poema, um canto à leveza!
Apolo, Fauno,  és o amor de fato!
 
A noite fria, banhada com a chuva,
Na minha alma deixa uma certeza:
Na tua estrada não existe curva.
 
Poema que foi recitado, convertido em "clipoema", no programa PAPO LITERÁRIO CANAL V,
Fortaleza, Ceará.
Eliane Arruda - atual Presidente da Academia Feminina de Letras do Ceará
 
 

 


 

SONHO DE CRIANÇA

Humberto Rodrigues Neto

 
 

Após o término da aula de Evangelização Infantil, no Centro Espírita, Raquel, uma das meninas conversa com sua coleguinha Márcia, que se encontra algo triste:
 
- Marcinha... Está havendo algum problema com você?
 
- Não... Por que  você está me perguntando isso?
 
- Porque hoje, na classe, achei que você estava um pouco triste...
 
- É... Ando um pouco chateada. São os meus pais, sabe?
 
- Que é que têm  seus pais?
 
- Sei  lá... às vezes fico pensando que eles gostam mais da televisão do que de mim.
 
- Que  é isso?  Mas que bobagem!
 
- Bobagem?  Olha: quando a minha mãe está vendo a novela  eu não posso dar um pio.  Não permite que eu abra a boca! Isso é vida?
 
- Mas, Raquel... não pense que a minha mãe seja muito diferente. É claro que às vezes, durante o intervalo, me  ajuda em alguma dúvida nas lições da escola, por exemplo. 
 
- Ah, então sua mãe é um pouco mais legal que a minha. E o seu pai?
 
- Bem... aí a coisa fica um pouco mais difícil. Mesmo assim, uma vez ou outra ele me dá um pouco de atenção enquanto está assistindo ao futebol.
 
- Pois com meu pai já é bem diferente.
 
- É mesmo? Como, assim?
 
- Ah... ele chega em casa, joga a pasta e o paletó numa cadeira e nem sequer me dá um beijo. Liga a televisão no futebol ou no noticiário e não quer nem saber de nada. Só me dá alguma atenção nos intervalos, e mesmo assim, ó...
bem rapidinho, sabe?
 
- Eu entendo, Marcinha...  Mas, quantas vezes a D.ª Cristina, nossa Evangelizadora,  não nos disse para termos paciência com nossos pais? Às vezes sua mãe pode estar cansada, e...
 
- Cansada?  Cansada disso tudo ando eu, Raquel!
 
- Calma, amiguinha... Calma... Vamos devagar.
 
- E  se a televisão queima... Ah... não dá outra:  Eles correm como uns loucos  e mandam consertá-la num instantinho.   Não conseguem passar nem um dia sem ela!
 
- E quem é que passa sem televisão? O conserto tem que ser rápido, mesmo!
 
- Só que lá em casa, o conserto da TV  é "vapt-vupt"!  Mas quando é para me comprar um vestido novo... Chiii...  aquilo demora séculos!
 
- Mas, isso são provas que temos de sofrer nesta encarnação, conforme ouvi numa palestra.
 
- Eu sei disso, Raquel. Eu também aprendi numa palestra que a gente pode escolher o tipo de vida que deseja ter na outra encarnação. Só assim é que eu vou  conseguir acabar com essa falta de atenção do meu pai e da minha mãe.
 
- Já sei. Você vai pedir para nascer em outro lar, como filha de outros pais, que sejam mais compreensivos. É isso? 
 
- Não, Raquel! Isso não. Eu gosto muito deles dois. Vou pedir para tornar a nascer no mesmo lar.
 
- Espere  um pouco. Não entendi.  Desse jeito   os seus problemas vão continuar.
 
- Não vão, não, Raquel. Já pensei em tudo, amiguinha! Nesse novo lar meus  pais de hoje vão me adorar!   
 
- Mas, de que forma você vai conseguir isso?
 
- Eu vou pedir para ser a televisão!

 
 
 
 
 
 

 
A Prece que DEUS Escuta

Luiz Poeta (sbacem-rj) - Luiz Gilberto de Barros


Tu tens o dom de permitir que eu chore ou ria...
E quando eu rio e choro no mesmo momento,
A dor se torna o mais frágil sentimento
Que se dissolve em paz, em fé, em alegria.

Há, nessa espécie de êxtase e fantasia,
A harmonia entre o que se vai chorando
Com o que se ri... ou se sorri... se misturando...
Em cada tom da mais feliz fisionomia...

Tua emoção, como um perfume, me entorpece
De uma alegria tão sublime e eficaz,
Que quando o pranto surge, ele agradece

Ao meu sorriso algumas vezes tão... fugaz,
Mas que ao nascer sobre o meu pranto, é uma prece
Que, com certeza, Deus escuta muito mais.
 


 

 

 

500 GRAMAS

OU

OS DIAMANTES SÃO ETERNOS

 

Lucia Chataignier

 

 

Nossa história nasceu a partir de uma notícia colhida nos noticiários da internet.  Como eu digo, "ao colhedor, ao semeador e ao ceifador, nenhum grão se lhe escapa".

 

 

 

 

 

Sonho De Consumo Final:

Virar Um “Diamante Humano” Depois Da Morte

(Seg, 30 Jun, 11h25)

 

 

COIRE, Suíça (AFP) - Por que passar o sono eterno debaixo da terra ou então espalhar as cinzas da cremação? Ao custo de alguns milhares de euros e graças a uma sofisticada transformação química, uma empresa suíça agora garante ao falecido reservar seu lugar na eternidade sob a forma de um “diamante humano”. Na pequena cidade de Coire, na Suíça, a empresa Algordanza recebe a cada mês entre 40 e 50 urnas funerárias procedentes de todo o mundo. Seu conteúdo será pacientemente transformado em pedra preciosa: ."Quinhentos gramas de cinzas bastam para fazer um diamante, enquanto o corpo humano deixa uma média de 2,5 a 3 kg depois da cremação", explica Rinaldo Willy, um dos co-fundadores do laboratório onde as máquinas funcionam sem interrupção 24 horas por dia. Os restos humanos são submetidos a várias etapas de transformação. Primeiro, viram carbono, depois grafite. Expostos a temperaturas de 1.700 graus, finalmente se transformam em diamantes artificiais num prazo de quatro a seis semanas. Na natureza,, o mesmo processo leva milênios. "Cada diamante é único. A cor varia do azul escuro até quase branco. É um reflexo da personalidade", comenta Willy. Uma vez obtido, o diamante bruto é polido e talhado na forma desejada pelos familiares do falecido para depois ser usado num anel ou num cordão. O preço desta alma translúcida oscila entre 2.800 e 10.600 euros, segundo o peso da pedra (de 0,25 a um quilate), o que, segundo Willy, vale a pena, já que um enterro completo custa, por exemplo, 12.000 euros na Alemanha. A indústria do “diamante humano" está em plena expansão, com empresas instaladas na Espanha, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos. A mobilidade da vida moderna é propícia para o setor, explica Willy, que destaca a dificuldade de se deslocar com uma urna funerária ou o melindre provocado por guardar as cinzas de um falecido na própria casa.

Detalhe:

Quarenta A conqüenta URNAS FUNERÁRIAS POR MÊS.  Primeiro carbono, depois grafite.  Em Coire, na Suíça.  As máquinas funcionam sem interrupção, 2h/dia.  1.700 graus, e depois de 4 a 6 semanas, diamantes artificiais..  Polido e talhado do jeito que quiserem.  Mais barato do que um enterro tradicional.

 

 

QUINHENTOS GRAMAS

 

Após dois anos de regime intenso, o casal Paulo e Lucila Lemos de Azevedo, chegou ao peso ideal.  Coisa curiosa: os dois se conheceram na década de setenta, ele, primeiranista de veterinária, ela, aspirante a nutricionista, na sala de espera do mesmo médico, o endocrinologista, Dr. Phelippe Aguarrazza, o cool do momento.

Paulo, um metro e setenta, e oitenta e nove quilos.  Lucila, um metro e cinqüenta e nove, e setenta e quatro quilos.  Eram os mais gordinhos, na ante-sala.  Logo, sentiram um carinho solidário pelo outro.  Olhando com desprezo e até revolta para os outros clientes, todos com pesos e formas nada condizentes com a urgência de um especialista em emagrecimento, formaram uma dupla inseparável: começaram marcando consultas nos mesmos dias, em horários contínuos.  Depois, passaram a trocar receitas de sabores não calóricos e locais onde poderiam comer sem ferir as regras e os rígidos mandamentos do Dr. Aquarrazza.  Mais que amigos, tornaram-se cúmplices.  Quando algum deles passava por alguma crise que derivava em fantasias gastronômicas, era o outro que afastava as maléficas idéias engordativas.  Um ano e quatro meses depois, os dois alcançaram as suas metas.  Felizes, saíram do consultório de mãos dadas, gesto que não significava apenas o amor crescente entre eles, mas um amparo para a nova vida que, a partir daí, iriam levar.

A fantasia e a promessa que ambos fizeram durante o tempo da dieta, foi a de fazerem compras de roupas novas, no tamanho de seus novos manequins.  Mas, por mais que tentassem marcar, acabavam sempre arrumando uma desculpa para adiar essa iniciativa.  Ora era uma hora no dentista, ora uma prima que acabara de chegar de Minas e que requisitava a sua atenção, ora era uma ameaça de chuva.  Um dia, os dois se encontraram na casa dela, e resolveram encarar a verdade.  Não dava mais para blefar.

- O que está acontecendo conosco, Lucila?

- Eu não sei!  De repente, perdi a vontade de fazer compras...

- Mas você está tão linda!  Deveria se presentear com roupas de seu tamanho! 

- Aí é que está!  Sinto que o meu lado gorda, está magoado.  Ou saudoso, sei lá...  Se eu começar a me presentear com roupinhas de magra, será à outra, que eu estarei presenteando!

- Mas que outra?

- A magra, oras!

- Olha, tenho que te confessar.  Eu, pessoalmente, não ligo pra esse lance de roupas.  Até gosto de uma camisa larguinha.  O problemas, são as calças.  Eu preciso comprar umas mais ajustadas, eu sei. Senão fico com cara de Carlitos  Mas quando chega a hora, me dá um tipo de pânico!  Parece que, se eu fizer essas compras, ficarei sujeito a uma praga!

- Do gordo, né?

- É!  Agora, entendo o que você disse!  O gordo maligno!

- Fala baixo, que ele ouve!

- Eu não consigo, Paulo.  Eu não consigo me ver como magra.  Não consigo me desfazer das roupas antigas, nem comprar novas.  Estou num limbo!

- Estamos, Lucila!  Estamos!...

Fizeram um pacto:  Cada um deles ajudaria o outro a manter um teto de peso, a fim de não voltarem ao velho efeito sanfona – engorda, emagrece, engorda - .  E funcionou.  Conseguiram ficar dentro dos limites ideais, por mais de quatro anos.  Já estavam começando a assumirem-se como magros, quando Paulo pediu a mão de Lucila em casamento.

- Não agora, Paulo.  Preciso planejar tudo com detalhes, afinal, casamento é uma coisa muito especial!

- Então, vamos fazer o seguinte: no ano que vem, quando comemorarmos cinco anos do nosso novo status como magros, nós casamos.  E vamos passar nossa lua de mel na Europa!  O que você acha?

- Perfeito!

A festa, para não oferecer grandes tentações aos noivos, teve seu buffet programado por uma nutricionista, amiga de Lucila: nada que ali estava, engordava.  Uns acharam que era zurice deles, enquanto outros, louvaram a iniciativa.  Mesmo assim, foi uma bela festa.  No dia seguinte, partiram para a Europa.  Já no avião, Paulo começou a mostrar indícios de uma recaída.  Fã incondicional de vinhos franceses, não podia suportar a idéia de tomar apenas um cálice de vinho.

- Vinho é sagrado, Lucila!  Onde já se viu a gente gastar uma grana preta e não tomar uma garrafa de vinho?

- Mas "garrafa", Paulo!  Você não acha que está exagerando?

O fato é que Paulo não tomou apenas uma, mas três garrafas.  O resultado, depois de longo período de abstinência e contenção, foi um tremendo pileque, seguido de um vergonhoso desmaio.  Nada sério.  Mas que foi um vexame, foi.

Lucila ficou magoada.  Disse que, se começavam a lua de mel assim, o que seria do resto da viagem? Resolveram fazer um novo pacto:

- A gente pode engordar no máximo meio quilo.  Acima disso, a gente volta para o Rio imediatamente.  Seja eu, ou você, sentenciou Paulo.

- Radical, né?  Eu sugiro o seguinte:  a gente faz as coisas naturalmente, vai comendo sem exageros, e a cada engordada, a gente faz jejum no dia seguinte.  Ah! E anda bastante.  No final da viagem – aí, sim! – só podemos ter engordado meio quilo cada um -. no máximo!

- E se ultrapassarmos isso?

- Bem, então aquele que engordou terá que pagar uma prenda.

- E qual prenda será?

- Voltará mais cedo para o Rio e irá diretamente para o consultório do Dr. Aquarrazza.

- E o outro?

- O outro fica na Europa o tempo que o outro levar para emagrecer!

- Nossa!

E fecharam o acordo.  Lucila vislumbrou um ar de safadeza no marido.  Se fosse ele que voltasse para o Rio, quem garante que faria a dieta?  Podia blefar, dizendo que estava tentando... mas...? se blefasse, ficaria longe dela mais tempo!  Isso não era justo!  Por outro lado, se ele ficasse na Europa sozinho, quem garante que ele não iria encher a pança?  Angustiada, Lucila resolveu comer moderadamente.  Se alguém fosse ficar na Europa, seria ela, certamente!

Passaram por Portugal, onde se renderam aos pratos de bacalhau e aos doces de ovos.  Na Espanha, degustaram paellas deliciosas.  Na Itália, bons vinhos e pastas saborosas.  Mas, como caminhavam muito, ficaram dentro dos comportados limites do peso.  Os duas últimos países a serem visitados, eram a a Suíça e a França, fechando o Grand Finale.

Na Suíça, os queijos, chocolates, raclettes e fondus, fizeram parte de suas refeições.  Exageraram um pouco, é verdade, mas logo descontaram isso com muitos exercícios, caminhadas e até aulas de esqui nas montanhas.  Um dos lugares que visitaram, foi Coire, uma cidadezinha da qual nunca haviam ouvido falar.  No dia seguinte, bem cedinho, deveriam tomar o TGV para a meta final.  Foi quando Paulo recebeu um telefonema do Rio:

- Lucila, temos que voltar hoje, para o Rio.  O meu pai está muito mal.

Mas não houve jeito.  Para o Rio, as passagens estavam esgotadas.  Somente com alguma desistência, eles poderia, embarcar.  E houve uma, apenas uma, desistência.  E, é claro, Paulo embarcou.

Ao se ver sozinha na Europa, Lucila, a princípio foi tímida, nas suas incursões.  Conheceu alguns pontos turísticos e resolveu re-visitar Coire, pois ouvira falar de uma empresa, a Algordanza,  especializada em fazer dos corpos de mortos, diamantes.  Resolveu fazer uma surpresa para Paulo:  formalizou e pagou uma declaração, segundo a qual, se algo de fatal lhe acontecesse, ela queria que eles fizessem o procedimento com ela, e entregassem o resultado ao seu amado marido.  Depois, continuou sua viagem.  Foi a Paris, seguindo o roteiro que haviam planejado.  Aí, foi a sua perdição.  Dos croissants, aos vinhos, das moules com fritas, aos escargots, crèmes brûlées, folheados, molhos divinos, doces magníficos, foie gras e outras loucuras culinárias.

Dois dias depois, Lucila recebeu um telefonema de Paulo.  O pai dele falecera.  Bem no dia que fariam um mês de casados, uma pena.  Sua viagem de volta estava marcada para o dia seguinte.  Mas nessa última noite, ela resolveu se despedir da culinária francesa, com grande estilo: encomendou um jantar, no próprio hotel, que, entre outras coisas, tinha iguarias da cozinha do Languedoc: caracóis de caça, perdizes acompanhadas de saborosas verduras, pratos do mar com ostras e mexilhões de Bouziguesbourride sétoise - um exótico prato de sapo-, tielles de polvo - massa de pão, polvo, tomates, cebolas e especiarias -, e brandade de Nîmes - bacalhau picado com azeite, leite e alho -. Como sobremesa, uma tarte aux fraises e uma crèpe recheada com marron glacé.

No dia combinado, Paulo foi para o aeroporto esperar por Lucila.  Ela chegaria por volta de sete e meia da manhã.  Viu desfilarem todas as pessoas de seu vôo, e ela, nada.  Ansioso, foi procurar uma explicação.  Ao entrar em contato com a companhia aérea, eles lhes mostraram as bagagens de Lucila e pediram que ele aguardasse.  Paulo achou aquilo muito estranho.  Foi quando um senhor, com ar pomposo e vastos bigodes, se aproximou:

- O senhor é parente da Sra Lucila Lemos de Azevedo?

-Sim!  Sou o marido dela!  O que aconteceu?  Ela perdeu o vôo?

- Não, senhor.  Ela está aqui.

E ele lhe entregou uma caixa de aço coberta com um pano de veludo, acompanhada de uma carta.

Prezado Sr. Paulo Lemos de Azevedo,

Seguindo as instruções de sua esposa, a Sra. Lucila Lemos de Azevedo, aqui estão seus restos mortais, transformados em diamante.

                                                    Ass. M. André de Loupade

- Ela lhe deixou um bilhete, também:

Querido,

Conforme combinamos, eu não volto ao Brasil com mais de 500 gramas.  Eu escrevi esse bilhete, por precaução, caso algo me acontecesse por aqui.  Mas tenho certeza de que tudo correrá bem.  E a gente ainda vai rir muito de tudo isso!  Beijos da  Lucila

O fato, é que Lucila extrapolara de tal maneira, que seu pobre corpo não agüentara.  Sofrera um enfarte, causado por um entupimento nas artérias.

Depois de duas perdas desse quilate, Paulo nunca mais quis saber de dieta.  Disse para si mesmo,  que comeria de tudo, procurando a morte.  Mas não morreu.  Hoje, pesando 130 quilos, é um homem solitário e um tanto exótico: apesar de levar uma vida modesta, ostenta em seu peito um cordão com um incrível diamante.

 

 

 


COLIBRIS

Vários colibris.
O vaivém batendo as asas.
Beijos na varanda.

Dalton Luiz Gandin
 

 



VOADORES


As folhas a voar.
Borboletas ficam soltas.
O céu com bandeiras.

Dalton Luiz Gandin

 

 

 

 

A vida continua ... II

Benedita  Silva de Azevedo

 

Após a missa de trigésimo dia da morte de Artur, o advogado da empresa marcou uma reunião para a leitura do testamento. Eurídice, a sócia majoritária da firma herdada de seu pai, deixou que o ex-marido continuasse a administrá-la após a separação. Sua retirada mensal permitia que vivesse tranquila ao lado dos dois filhos e do atual marido, professor universitário, sempre às voltas com seminários, palestras, aulas, trabalhos de alunos e pouco tempo para se preocupar com os negócios da esposa. 
 
A última esposa do morto, sem filhos com ele, gostava da vida social: teatro, reuniões nos vários clubes que frequentavam e em casa de amigos. Nas constantes ausências do marido, reunia a turma para jogar cartas; viravam as noites, ora em casa de um, ora em casa de outro. Parecia um casal feliz.
 
A doutora Eunice, médica oncologista, além de trabalhar naquele hospital especializado, dava plantão em dois outros. Morava em um apartamento que o pai comprara para a mãe dela, então sua secretária, quando ela engravidou dele e teve de sair da firma.
 
Estavam reunidos todos os interessados: Eurídice com os dois filhos. A viúva, que o tratara com desvelo até a hora da morte, mas que não se envolvera com os negócios. A doutora Eunice e sua mãe, que se passara por enfermeira, por ocasião das internações do pai.
 
O advogado esclareceu que antes de abrir o testamento, precisava colocar os interessados a par da situação da empresa. Os últimos seis meses de vida de Artur foram de idas e vindas para o hospital e que também a saúde financeira da firma já não estava boa havia um bom tempo. Alguns prédios foram vendidos para cobrir despesas inadiáveis, de pessoal e impostos.
 
Eurídice interrompeu a explanação e argumentou que a empresa sempre fora muito sólida e queria saber por que não fora informada de tais acontecimentos. O advogado disse que Artur tinha uma procuração com todos os poderes para representá-la, desde que se casaram havia trinta anos, e que ela nunca se interessara em saber dos negócios.
 
A última esposa também quis saber que estória era aquela de que a firma não ia bem, pois Artur nunca comentara nada sobre o assunto. Ele sempre lhe parecera tranquilo quanto às finanças, em nenhum momento demonstrou que tinha dificuldades.
 
Eurídice retomou a palavra, já bastante revoltada. Lamentou ter deixado os negócios correrem frouxos nas mãos de Artur. Disse que deveria tê-los retomado quando se separaram, mas que o pai dela confiava tanto no então genro que ela pensou não ter problemas deixando-o como presidente da empresa após a morte dele.
 
A doutora Eunice e a mãe mantinham-se quietas em seus assentos. Não estavam à vontade e percebia-se que preferiam não estar ali.
 
O advogado pediu calma e continuou a sua função de informar o conteúdo do envelope. Pediu a atenção de todos e leu a mensagem. Não era bem um testamento. Arthur dizia que fora um fraco, que mesmo amando sua primeira esposa deixara-se seduzir pela sua secretária, que acabou engravidando de caso pensado e o obrigou a assumir todas as responsabilidades por meio de chantagens, ameaçando contar tudo a Eurídice. Exigiu que comprasse um apartamento para ela morar com a filha, que pagasse todas as suas despesas e depositasse uma quantia mensalmente em caderneta de poupança em nome da criança. Aquela situação tornou-o uma pessoa ansiosa e refletiu em seu casamento, culminando com a separação. 
 
Após se separar de Eurídice, a secretária queria que ele se casasse com ela. Entretanto, ele disse que não ia ficar com nenhuma das duas, preferindo ficar sozinho. Passara-se mais de dez anos quando ele, em suas noitadas nos clubes, encontrou aquela que seria sua última esposa e resolveu se casar outra vez. Contou da pressão recebida por parte da secretária, controlada pelo argumento dele de que se tudo viesse à tona Eurídice o tiraria da presidência e até da firma, o que seria ruim para ela também, pois ele não poderia mais dar nada para ela e a filha.
 
Indignada, Eurídice interrompe a leitura:
 
- Meu Deus, eu me casei com um fraco, um cafajeste!
 
Dirigindo-se à secretária, xingou-a:
 
- Sua ordinária! Você destruiu o meu casamento e fica aí com essa carinha de santa. Sua chantagista!
 
Calmamente o advogado continuou:
 
Artur informava que, de seus dez por cento da empresa não tinha mais nada, pois consumira tudo com a chantagem da secretária e a boa vida que levara com a última esposa. Portanto, não tinha nada para deixar para ninguém, somente sua pensão para a viúva de fato. Pedia perdão a Eurídice e devolvia-lhe a empresa, quase metade menor, mas que se bem administrada poderia ainda se reerguer. Deixou documentos registrados em cartório abdicando de quaisquer direitos sobre a firma.
 
Após ler a informação, o advogado ponderou que Artur não tinha idéia da real situação da empresa e que precisaria ser feita uma auditoria, porém, pelo que constatara na última reunião da diretoria a situação era bem mais precária. Sugeriu uma reunião de diretoria com a presença dos três sócios minoritários, com seus dez por cento e Eurídice para assumir seus oitenta por cento da empresa com todos seus problemas.
 
A secretária manifestou-se dizendo que tinha direitos, pois tivera uma filha com ele. Eurídice enfrentou-a e disse que de posse daqueles documentos poderia processá-la e recuperar tudo que ela lhe roubara com chantagens. Aconselhou-a cuidar da própria vida e deixá-la em paz, pois já se intrometera e atrapalhara muito a sua. 
 
As surpresas ainda não tinham terminado. O advogado mostrou para Eurídice a escritura da casa onde ela morava com os filhos e o marido, passada para seu nome, como pagamento de seus honorários atrasados.  Fora o último ato de Artur.
Sua indignação extrapolou e ela não conteve o grito preso à garganta:
 
- Bando de abutres, saiam todos daqui, deixem-me sozinha.  Como pude ser tão enganada por um homem a quem sempre tratei com respeito e confiança, mesmo depois que nos separamos.  Pensava estar tratando com um homem decente e era apenas um cafajeste sem escrúpulos. Tomara que queime no fogo do inferno!
 
Todos saíram. Eurídice telefonou para uma de suas amigas, advogada experiente, e pediu que a visitasse ainda naquele dia, pretendia cuidar dos negócios, pessoalmente. Os filhos se despediram da mãe e foram cuidar de seus compromissos. Ela andou pela sala observando cada detalhe e parou diante da foto de Artur, pendurada na parede. Levantou o braço, retirou-a, passou a mão acariciando seu rosto e jogou-a de encontro à parede partindo-a em pedacinhos. A secretária entrou correndo. A nova presidente pediu que fossem retirados todos os pertences da gestão anterior e providenciada outra decoração para sua sala.
 
Rio de Janeiro, 31/10 /2009
Benedita Azevedo

 

 

 

Livro de Visitas

Recomende

Índice

 

 

 

 

Página criada para ser visualizada no Internet Explorer

Resolução do Ecrã,  acima de 1024 pixels

Formatação, Criação e Arte Final: Iara Melo

 

 

 

 

Copyright © 2006 2009 -  Portal CEN Cá Estamos Nós Web Page

Todos os Direitos Reservados