VOLTANDO DAS FÉRIAS – Artur da
Távola
Sim, a gente volta repleto de observações rabugentas que guardou por um
mês de silêncio. Vamos a elas que não cabem numa só crônica:
Não há dúvida que o Big Brother Brasil é um dos maiores lixos da TV
brasileira, incompatível com a média dos programas da Rede Globo, muitos
deles quilômetros á frente dos demais canais. Mas jamais apareceu outro,
anterior, tão imoral quanto o atual em imagens, em conversas, em
flagrantes, em abuso de nudez disfarçada, uma grande bacanal de
audiência. Tenho pena do Pedro Bial, um dos melhores quadros da emissora
e de nosso jornalismo, poeta qualificado, correspondente internacional e
ser humano da melhor qualidade, a ser usado por deveres profissionais,
para conferir um mínimo de cultura a um programa deletério, baseado em
delações, narcisismos, taquicardias perigosas e na mediocridade
alarmante, retrato que não pode ser o verdadeiro da média brasileira. E
se é, pobre de nossa gente.Sobretudo de nossa juventude.
Já fui atleta, torcedor, ganhei até um título de tricolor memorável do
Fluminense. Quanta honra! Só que domingo último percebi que o Fluminense
acabou e não sabíamos. Repararam na camisa com a qual enfrentou o Volta
Redonda? Não? Era branca, com um pequeno escudo do clube e em letras
garrafais no peito: “UNIMED”. Foi o Unimed que tomou um esfrega do Volta
Redonda. Justo, aliás.
De há muito o vôlei e o basquete deixaram de ser de clubes: é o Bradesco,
é a Sul América, o Banespa, a Sadia, sei lá, atentado ao sentido
profundo do significado integrador e sociológico dessa interessante
comunidade humana chamada clube. Essa distorção representa um avanço a
mais do sistema econômico sobre o sentimento verdadeiro e a idéias de
aperfeiçoamento humano de sentido tão lindo: amadorismo. Pois agora é o
futebol. Só que eu torcia pelo Fluminense. E não serei torcedor da
Unimed. Primeiro porque em esporte aceito o apoio de empresas, porém não
torço por elas. Segundo porque a verdadeira camisa do Fluminense era a
clássica tricolor com listras verticais. Em terceiro, porque demitiram o
Marcão pelo telefone. Que se danem então. Que viva o clube, que é
magnífico nos demais desportos e passe o futebol a não mais contar com o
nome do falecido Fluminense e, a partir de agora por Unimed Futebol S.A.
Quem quiser que torça!...
A propósito da nota acima: não se mexe em, nem se alteram símbolos,
sejam pátrios, desportivos, etc.. A mística desaparece. Os símbolos nos
cercam e envolvem neste mundo. E não são traduzíveis racionalmente,
Quando alterados desaparece o sentido original misterioso que aglutinou
pessoas ou multidões.

CARTA A ALGUÉM QUE ME ESCREVE – Artur da Távola
É fim de
tarde. Ao longe e ao perto, brasileiros se unem num basta à violência.
Solidário, no silêncio de meu gabinete, creio que escrever a você é
também um aceno de paz, pois pressinto essa instância como parte
abençoada de seu interior.
Sabe por que lhe
escrevo menos que deveria? É porque fico a esperar o momento adequado, o
texto certo, muito a dizer. A sua seriedade e talento, de repente,
estavam a exigir de mim uma impostação que (dei-me conta hoje) estava
equivocada. Ora, será somente quando eu tiver algo de importante a
dizer, é que devo dirigir-me à pessoa que em seu mistério trouxe
presença de distinção e luz? Não! Amizade é para exercitar
espontaneidades e dar-se ao delicioso e inconseqüente expediente de
simplesmente comunicar-se, sem nada de importante e significativo para
dizer. Ao contrário: é o leve agrado do compartir existência e presença
de quem se admira e que se quer bem.
Sabe? Esses dias foram de intensidades dolorosas. As últimas
semanas no Brasil e no mundo, com a violência e acontecimentos
trágicos. O desespero de pessoas presas em um ônibus incendiado por pura
maldade. A morte de um amigo de meio século, espécie de meu irmão mais
velho. A mim, que fui órfão de pai e fiquei filho único pela morte
prematura de minha irmã de nome lindo, Eleonora, e olhar de santa,
esses sentimentos da infância igualmente me povoaram a lembrança.
Nada disso, Távola! Busca ser simples, direto e afetuoso com as pessoas
com quem consegues proximidade de alma. É tão grande a incomunicação
humana que, quando ela se dá, é como comer manga: sim, depois dos
quarenta anos, disse eu certa vez em uma crônica, não se pode perder
qualquer oportunidade de comer manga. A vida vai encurtando e cada manga
deixada de lado não volta. É perda gravíssima... Como a amizade dos
afins. Cada afinidade não vivida atenta contra o Bem.
Falas hoje em manga, outro dia aludiste ao torresmo! Será que por tuas
restrições alimentares estás a confundir sabores com afetos, Távola?
Mas afeto e admiração têm sabor. O que diz você, sábia escritora?
Enfim, acho que logrei a leveza e a superficialidade deliciosa de quem
quer apenas se comunicar e, não, desempenhar o papel intelectual ou
apenas de mais velho, vivido e experiente, que, às vezes, por engano, me
atribuem.
Ainda há uma semana vi milhares de pessoas de branco a fundir o
compromisso da paz. Isso sim muda o Brasil e o mundo. Não o ódio, que
parece sangria desatada. Já, na verdade brasileira, só um processo
educativo, permanente, igualitário e democrático reverterá o quadro.
Que bom! Estou dispersivo, mas espontâneo. Agradeço-o a você.
Sempre mais,
Artur da Távola

DE TANTA INFORMAÇÃO, A DESINFORMAÇÃO – Artur da Távola
O verdadeiro sentido de equívoco, não é "erro". Deriva, a palavra, de
“aequi-vocis” (se não me engano), isto é, chamados (vozes) que emitem
ao mesmo tempo apelos contraditórios ou opostos. Assim acontece na
comunicação (e na vida) contemporânea. Os apelos e as chamadas nos
chegam em forma de bombardeio simultâneo. Vivemos cercados de vozes ou
chamados que se opõem, que se equivalem, isto é, ocorre simultaneidade
de vozes ora contraditórias, ora antagônicas, ora perturbadoras, ora
sedutoras, ora convincentes, ora “vendedoras”.
É a comunicação do equívoco. Agora mesmo, nessa eleição para Presidentes
da Câmara e do Senado transformadas em espetáculo pela mídia eletrônica.
Quanto e como se falou do fato, de mil maneiras, a metade, equívocas.
Se o fenômeno é comum ao bombardeio comunicativo diário, aumenta em
casos de guerra ou de crise política. E da informação em diante, a
re-utilização que dela fazem outros meios de comunicação, cria eco. O
público acaba por repetir e estender a linguagem da comunicação equívoca
e ela, cresce, se amplia, espalha-se, ganha ainda novas conotações,
vícios, cacoetes, distorções, ecos. Dá-se uma repercussão difusa,
errática e dispersiva. Além de superficial. Por isso, a hiper informação
gera uma forma de não comunicação
Sobretudo o eco de uma comunicação reiterada merece ser
estudado. Ele propicia a repetição de informações equívocas, reiteradas
a mais não poder e de modos diferentes por rádios, jornais e
televisões. Exemplo: algum assunto muito noticiado, fica ecoando com
interpretações as mais diversas, comentários, opiniões, editoriais,
entrevistas a respeito, falas de especialistas etc. dias e dias por
jornais, revistas, rádios, emissoras de televisão e, conseqüentemente,
em conversas informais por esquinas, lares e bares. Isso é eco.
O fenômeno gera alto índice de reiteração, sob formas e
efeitos diferentes, acentuando o caráter equívoco da informação e
provocando uma sociedade hiper informada com pedaços de verdade às vezes
dispostos na notícia de modo a formar um todo coerente ou lógico na
aparência, mas diverso, porém, do real e em alguns casos, injusto,
calunioso ou distorcido, de modo deliberado ou casual.
Em síntese: com base em fato real, em pedaços de
fato, em verdade parcial ou meia verdade, a comunicação do equívoco pode
estabelecer-se numa sociedade inteira. Então, o que é um pedaço, um
ângulo ou face do real supera a própria realidade E a partir daí surge
um problema ético: a notícia deixa de ser processada como informação
para o ser como estratégia (no caso da política e da guerra) ou como
espetáculo (no noticiário comum e corrente do dia-a-dia).
A notícia como espetáculo fascina mas na realidade é a comunicação do
equívoco. É a forma contemporânea do mito da Torre de Babel...Falam-se
tantas línguas no mundo da informação que ninguém mais se entende.

GAVETA DE MALUCO – Artur da Távola
Pertenço a essa estranha espécie existente entre os mortais que tem a
mania de guardar inexplicáveis trecos nas gavetas. Admiro os cidadãos de
mesa limpinha que têm coragem de jogar fora papéis, orações no verso de
santinhos, vidros velhos de homeopatia, marcadores de livros com
mensagens edificantes, benjamins para alguma utilidade, fio dental,
radinhos de pilha velhos.
Eu não.
Acumulo-os por motivos misteriosos pois reconheço inexistir
qualquer lógica ou coerência no ato. Há algo que dói ao jogar fora
qualquer resultado do trabalho humano. E na dúvida, guardo. Fios velhos,
pilha que não gastaram até o fim, clips enferrujados, um olho de boi
contra a inveja e o mau olhado, um pente de osso reserva do principal
que anda no bolso de trás, dois ou três comprimidos (com validade
vencida...) para eventual acidez estomacal, uma régua velha rachada, os
elásticos que recebi e não joguei fora, bloquinhos, uma prece milagrosa
para Santo Antonio de Categeró que diz : “Oh Santo Antonio de Categeró,
estendei Vossas mãos agora mesmo sobre mim, livrando-me dos desastres,
da inveja e de todas as obras malignas”.
Lá podem ser encontrados, ademais: um caderninho com
sugestões de remédios da flora que possivelmente nunca usarei mas me
traz segurança tê-lo pois apresenta, entre tantas outras maravilhas
curativas: a pomada cipó azougue, a pomada Calêndula, palavra que
ademais é linda e fico a repetir, Calêndula, Calêndula, e aconselha
ainda o afamado colírio de cinerária marítima que com um nome assim
elegante deve possuir formidável poder de sarar. E um livrinho pequeno,
de capa amarela, que há muitos anos recebi do trovista mineiro Waldemar
Pequeno onde posso ler entre quarenta outras, esta graciosa trova:
“ De todos os
bens do mundo,
jamais se
alcança o melhor.
Mas dos
pesares da vida,
O nosso é
sempre o pior.”
Salve as minhas bugigangas! Mania de reter o que me parece
latejar de boas intenções, espécie de “ter poético” ao qual raramente
recorro mas do qual chego a sentir a pulsação de significados ocultos e
meio mágicos. Coisa de doido, de poeta ou de velho mesmo.
AS RECENTES ELEIÇÕES NO CONGRESSO – Artur da Távola
Leitora me pede uma visão interna da Câmara e do Senado, já que está
impressionada com a repercussão das eleições para as Mesas Diretoras de
ambas as Casas do Congresso. “por que tanto barulho por uma simples
eleição interna?” pergunta.
Câmara é uma lagoa de jacarés. Eles estão ali, ora se movem, juntam-se,
deambulam, mordem, ponderam. O plenário é mal concebido do ponto de
vista da arquitetura. Deveria ser em planos. Afinal, são 513 pessoas, um
barulho infernal de feira ou pregão da bolsa. Mas pulsa energética e
eroticamente. A Câmara é hormonal, pulsa paixão, conflagrações internas,
ânsias. Irrita-me pela dispersão, mas admiro-a em sua pujança. Ali
espocam em estado quase puro os conflitos, as diferenças e dessimetrias
dos modos de ver o País. Oxalá tome juízo neste mandato recém começado.
Agora é varrer a vergonheira e os sem vergonhas, porque a Câmara dos
Deputados é a casa do povo e um órgão decisivo na democracia.
A par dessa visão generosa e poética, há, também, muita indisciplina de
comportamento. Se soubessem os Deputados como a imagem de todos em pé,
aos montes, chega mal à casa dos eleitores via tevê, simulando desordem
e bagunça, cuidariam da "imagem" geral do plenário, principalmente agora
que a televisão Câmara transmite ao vivo as seções.
O Senado é mais maduro e tem que ser. É a casa da revisão dos projetos
que chegam da Câmara e tem também (a meu ver erradamente) o poder de
iniciativa de projetos. Este deveria ser apenas do poder Executivo e da
Câmara dos deputados. Foi criado para processar o equilíbrio federativo.
Por isso são três Senadores por Estado. Eles representam o equilíbrio da
federação mas alguns acham que representam apenas o seu estado. Mais que
regionais os Senadores devem ser políticos nacionais. Em compensação,
pode faltar-lhe paixão existente na câmara. E política é uma endiabrada
relação entre paixão, razão, idealismo e interesses. Sobrará lucidez onde
faltam secreções internas? Lembro-me do poeta Dante Milano a dizer: "De
tão lúcido, sinto-me irreal"...O realismo, porém, predomina numa casa
onde há muitos ex-governadores e ex-ministros de Estado. Mais da metade
da Casa é composta por gente experiente e vivida na política. Isso é
bom.. São 81 pessoas. Altíssimo índice seletivo de algo que mescla (de
modo maravilhoso e diabólico, como cabe à política) valor, peso
político, experiência, inteligência, astúcia e força eleitoral. Afinal,
uma Casa com 81 pessoas selecionadas entre 180 milhões de pessoas é,
necessariamente, de alta seletividade. O Senado existe para ser uma casa
do saber e da experiência, sem ser uma entidade com a pulsação
desordenada mas pujante e fundamental da Câmara dos Deputados..
A palavra senado deriva de “senectus” que não quer dizer propriamente
velho, mas vivido, experiente.. A palavra gerou ainda "senhor" e "senior",
variantes que de certa forma qualificam e jovializam o Senado. Posso, no
entanto, dizer que é uma Casa instigante de reflexão, maturidade e
conhecimento do Brasil, onde com menos paixão do que na Câmara, pode se
exercer trabalho de profundidade e agradável convivência pois há pessoas
muito interessantes, das raposas às águias, passando por uns poucos
poetas que a política, não sei bem por que, parece apreciar, desde que
em minoria e sem poder.... A política precisa dos raros poetas
militantes partidários e principalmente da lucidez deles, ainda que para
não a seguir...
O Senado é a casa do pragmatismo inerente a homens vividos e, mesmo com
ideais, pessoas sem ilusões.