Artur da Távola

(Crônicas )

Março de 2007

 

 

VOLTANDO DAS FÉRIAS – Artur da Távola
 

Sim, a gente volta repleto de observações rabugentas que guardou por um mês de silêncio. Vamos a elas que não cabem numa só crônica:
Não há dúvida que o Big Brother Brasil é um dos maiores lixos da TV brasileira, incompatível com a média dos programas da Rede Globo, muitos deles quilômetros á frente dos demais canais. Mas jamais apareceu outro, anterior, tão imoral quanto o atual em imagens, em conversas, em flagrantes, em abuso de nudez disfarçada, uma grande bacanal de audiência. Tenho pena do Pedro Bial, um dos melhores quadros da emissora e de nosso jornalismo, poeta qualificado, correspondente internacional e ser humano da melhor qualidade, a ser usado por deveres profissionais, para conferir um mínimo de cultura a um programa deletério, baseado em delações, narcisismos, taquicardias perigosas e na mediocridade alarmante, retrato que não pode ser o verdadeiro da média brasileira. E se é, pobre de nossa gente.Sobretudo de nossa juventude.
Já fui atleta, torcedor, ganhei até um título de tricolor memorável do Fluminense. Quanta honra! Só que domingo último percebi que o Fluminense acabou e não sabíamos. Repararam na camisa com a qual enfrentou o Volta Redonda? Não? Era branca, com um pequeno escudo do clube e em letras garrafais no peito: “UNIMED”. Foi o Unimed que tomou um esfrega do Volta Redonda. Justo, aliás.
De há muito o vôlei e o basquete deixaram de ser de clubes: é o Bradesco, é a Sul América, o Banespa, a Sadia, sei lá, atentado ao sentido profundo do significado integrador e sociológico dessa interessante comunidade humana chamada clube. Essa distorção representa um avanço a mais do sistema econômico sobre o sentimento verdadeiro e a idéias de aperfeiçoamento humano de sentido tão lindo: amadorismo. Pois agora é o futebol. Só que eu torcia pelo Fluminense. E não serei torcedor da Unimed. Primeiro porque em esporte aceito o apoio de empresas, porém não torço por elas. Segundo porque a verdadeira camisa do Fluminense era a clássica tricolor com listras verticais. Em terceiro, porque demitiram o Marcão pelo telefone. Que se danem então. Que viva o clube, que é magnífico nos demais desportos e passe o futebol a não mais contar com o nome do falecido Fluminense e, a partir de agora por Unimed Futebol S.A.
Quem quiser que torça!...
A propósito da nota acima: não se mexe em, nem se alteram símbolos, sejam pátrios, desportivos, etc.. A mística desaparece. Os símbolos nos cercam e envolvem neste mundo. E não são traduzíveis racionalmente, Quando alterados desaparece o sentido original misterioso que aglutinou pessoas ou multidões.


CARTA A ALGUÉM QUE ME ESCREVE – Artur da Távola
 

             É fim de tarde. Ao longe e ao perto, brasileiros se unem num basta à violência. Solidário, no silêncio de meu gabinete, creio que escrever a você é também um aceno de paz, pois pressinto essa instância como parte abençoada de seu interior.
            Sabe por que lhe escrevo menos que deveria? É porque fico a esperar o momento adequado, o texto certo, muito a dizer. A sua seriedade e talento, de repente, estavam a exigir de mim uma impostação que (dei-me conta hoje) estava equivocada. Ora, será somente quando eu tiver algo de importante a dizer, é que devo dirigir-me à pessoa que em seu mistério trouxe presença de distinção e luz? Não! Amizade é para exercitar espontaneidades e dar-se ao delicioso e inconseqüente expediente de simplesmente comunicar-se, sem nada de importante e significativo para dizer. Ao contrário: é o leve agrado do compartir existência e presença de quem se admira e que se quer bem.
            Sabe? Esses dias foram de intensidades dolorosas. As últimas semanas no Brasil e no mundo, com a violência e  acontecimentos trágicos. O desespero de pessoas presas em um ônibus incendiado por pura maldade. A morte de um amigo de meio século, espécie de meu irmão mais velho. A mim, que fui órfão de pai e fiquei filho único pela morte prematura de minha irmã de nome lindo, Eleonora, e olhar de santa,  esses sentimentos da infância igualmente me povoaram a lembrança.
 Nada disso, Távola! Busca ser simples, direto e afetuoso com as pessoas com quem consegues proximidade de alma. É tão grande a incomunicação humana que, quando ela se dá, é como comer manga: sim, depois dos quarenta anos, disse eu certa vez em uma crônica, não se pode perder qualquer oportunidade de comer manga. A vida vai encurtando e cada manga deixada de lado não volta. É perda gravíssima... Como a amizade dos afins. Cada afinidade não vivida atenta contra o Bem.
Falas hoje em manga, outro dia aludiste ao torresmo! Será que por tuas restrições alimentares estás a confundir sabores com afetos, Távola?
Mas afeto e admiração têm sabor. O que diz você, sábia escritora?
Enfim, acho que logrei a leveza e a superficialidade deliciosa de quem quer apenas se comunicar e, não, desempenhar o papel intelectual ou apenas de mais velho, vivido e experiente, que, às vezes, por engano, me atribuem.
Ainda há uma semana vi milhares de pessoas de branco a fundir o compromisso da paz. Isso sim muda o Brasil e o mundo. Não o ódio, que parece sangria  desatada. Já, na verdade brasileira, só um  processo educativo, permanente, igualitário e democrático reverterá o quadro.
Que bom! Estou dispersivo, mas espontâneo. Agradeço-o a você.
 Sempre mais,
 Artur da Távola
 


DE TANTA INFORMAÇÃO, A DESINFORMAÇÃO – Artur da Távola
 

O verdadeiro sentido de equívoco, não é "erro". Deriva, a palavra, de  “aequi-vocis” (se não me engano), isto é, chamados (vozes)  que emitem ao mesmo tempo apelos contraditórios ou opostos.  Assim acontece na comunicação (e na vida) contemporânea. Os apelos e as chamadas nos chegam em forma de bombardeio simultâneo. Vivemos cercados de  vozes ou chamados que se opõem, que se equivalem, isto é, ocorre  simultaneidade de vozes ora contraditórias, ora antagônicas, ora perturbadoras, ora sedutoras, ora convincentes, ora “vendedoras”.
É a comunicação do equívoco. Agora mesmo, nessa eleição para Presidentes da Câmara e do Senado transformadas em espetáculo pela mídia eletrônica. Quanto e como se falou do fato, de mil maneiras, a metade, equívocas.
Se o fenômeno é comum ao bombardeio comunicativo diário, aumenta em casos de guerra ou de crise política. E da informação em diante, a re-utilização que dela fazem outros meios de comunicação, cria eco. O público acaba por repetir e estender a linguagem da comunicação equívoca e ela, cresce, se amplia, espalha-se, ganha ainda novas conotações, vícios, cacoetes, distorções, ecos. Dá-se uma repercussão difusa, errática e dispersiva. Além de superficial. Por isso, a hiper informação gera uma forma de não comunicação
                Sobretudo o eco de uma comunicação reiterada merece ser estudado. Ele propicia a repetição de informações equívocas, reiteradas a mais não poder e de modos diferentes por  rádios, jornais e televisões. Exemplo: algum assunto muito noticiado, fica ecoando com interpretações as mais diversas, comentários, opiniões, editoriais, entrevistas a respeito, falas de especialistas  etc. dias e dias por jornais, revistas, rádios, emissoras de televisão e, conseqüentemente, em conversas informais por esquinas, lares e bares. Isso é eco.
                O fenômeno gera alto índice de reiteração, sob formas e efeitos diferentes, acentuando o caráter equívoco da informação e provocando uma sociedade hiper informada com pedaços de verdade às vezes dispostos na notícia de modo a formar um todo coerente ou lógico na aparência, mas diverso, porém, do real e em alguns casos, injusto, calunioso ou distorcido, de modo deliberado ou casual.           
                 Em síntese: com base em fato real, em pedaços de fato, em verdade parcial ou meia verdade, a comunicação do equívoco pode estabelecer-se numa sociedade inteira. Então, o que é um pedaço, um ângulo ou face do real  supera a própria realidade E a partir daí surge um problema ético: a notícia deixa de ser processada como informação para o ser como estratégia (no caso da política e da guerra) ou como espetáculo (no noticiário comum e corrente do dia-a-dia).
A notícia como espetáculo fascina mas na realidade é a comunicação do equívoco. É a forma contemporânea do mito da Torre de Babel...Falam-se tantas línguas no mundo da informação que ninguém mais se entende.


 

GAVETA DE MALUCO – Artur da Távola

 
Pertenço a essa estranha espécie existente entre os mortais que tem a mania de guardar inexplicáveis trecos nas gavetas. Admiro os cidadãos de mesa limpinha que têm coragem de jogar fora papéis, orações no verso de santinhos, vidros velhos de homeopatia, marcadores de livros com mensagens edificantes, benjamins para alguma utilidade, fio dental, radinhos de pilha velhos.
              Eu não.
            Acumulo-os por motivos misteriosos pois reconheço inexistir qualquer lógica ou coerência no ato. Há algo que dói ao jogar fora qualquer resultado do trabalho humano. E na dúvida, guardo. Fios velhos, pilha que não gastaram até o fim, clips enferrujados, um olho de boi contra a inveja e o mau olhado, um pente de osso reserva do principal que anda no bolso de trás, dois ou três comprimidos (com validade vencida...) para eventual acidez estomacal, uma régua velha rachada, os elásticos que recebi e não joguei fora, bloquinhos, uma prece milagrosa para Santo Antonio de Categeró que diz : “Oh Santo Antonio de Categeró, estendei Vossas mãos agora mesmo sobre mim, livrando-me dos desastres, da inveja e de todas as obras malignas”.
            Lá podem ser encontrados, ademais: um caderninho com sugestões de remédios da flora que possivelmente nunca usarei mas me traz segurança tê-lo pois apresenta, entre tantas outras maravilhas curativas: a pomada cipó azougue, a pomada Calêndula, palavra que ademais é linda e fico a repetir, Calêndula, Calêndula, e aconselha ainda o afamado colírio de cinerária marítima que com um nome assim elegante deve possuir formidável poder de sarar. E um livrinho pequeno, de capa amarela, que há muitos anos recebi do trovista mineiro Waldemar Pequeno onde posso ler entre quarenta outras, esta graciosa trova:

                                                           “ De todos os bens do mundo,
                                                              jamais se alcança o melhor.
                                                              Mas dos pesares da vida,
                                                              O nosso é sempre o pior.”

            Salve as minhas bugigangas! Mania de reter o que me parece latejar de boas intenções, espécie de “ter poético” ao qual raramente recorro mas do qual chego a sentir a pulsação de significados ocultos e meio mágicos. Coisa de doido, de poeta ou de velho mesmo.
 
 

AS RECENTES ELEIÇÕES NO CONGRESSO – Artur da Távola


Leitora me pede uma visão interna da Câmara e do Senado, já que está impressionada com a repercussão das eleições para as Mesas Diretoras de ambas as Casas do Congresso. “por que tanto barulho por uma simples eleição interna?” pergunta.
Câmara é uma lagoa de jacarés. Eles estão ali, ora se movem, juntam-se, deambulam, mordem, ponderam. O plenário é mal concebido do ponto de vista da arquitetura. Deveria ser em planos. Afinal, são 513 pessoas, um barulho infernal de feira ou pregão da bolsa. Mas pulsa energética e eroticamente. A Câmara é hormonal, pulsa paixão, conflagrações internas, ânsias. Irrita-me pela dispersão, mas admiro-a em sua pujança. Ali espocam em estado quase puro os conflitos, as diferenças e dessimetrias dos modos de ver o País. Oxalá tome juízo neste mandato recém começado. Agora é varrer a vergonheira e os sem vergonhas, porque a Câmara dos Deputados é a casa do povo e um órgão decisivo na democracia.
A par dessa visão generosa e poética, há, também, muita indisciplina de comportamento. Se soubessem os Deputados como a imagem de todos em pé, aos montes, chega mal à casa dos eleitores via tevê, simulando desordem e bagunça, cuidariam da "imagem" geral do plenário, principalmente agora que a televisão Câmara transmite ao vivo as seções. 
O Senado é mais maduro e tem que ser. É a casa da revisão dos projetos que chegam da Câmara e tem também (a meu ver erradamente) o poder de iniciativa de projetos. Este deveria ser apenas do poder Executivo e da Câmara dos deputados. Foi criado para processar o equilíbrio federativo. Por isso são três Senadores por Estado. Eles representam o equilíbrio da federação mas alguns acham que representam apenas o seu estado. Mais que regionais os Senadores devem ser políticos nacionais. Em compensação, pode faltar-lhe paixão existente na câmara. E política é uma endiabrada relação entre paixão, razão, idealismo e interesses. Sobrará lucidez onde faltam secreções internas? Lembro-me do poeta Dante Milano a dizer: "De tão lúcido, sinto-me irreal"...O realismo, porém, predomina numa casa onde há muitos ex-governadores e ex-ministros de Estado. Mais da metade da Casa é composta por gente experiente e vivida na política. Isso é bom.. São 81 pessoas. Altíssimo índice seletivo de algo que mescla (de modo maravilhoso e diabólico, como cabe à política) valor, peso político, experiência, inteligência, astúcia e força eleitoral. Afinal, uma Casa com 81 pessoas selecionadas entre 180 milhões de pessoas é, necessariamente, de alta seletividade. O Senado existe para ser uma casa do saber e da experiência, sem ser uma entidade com a pulsação desordenada mas pujante e fundamental da Câmara dos Deputados..
A palavra senado deriva de “senectus” que não quer dizer propriamente velho, mas vivido, experiente.. A palavra gerou ainda "senhor" e "senior", variantes que de certa forma qualificam e jovializam o Senado. Posso, no entanto, dizer que é uma Casa instigante de reflexão, maturidade e conhecimento do Brasil, onde com menos paixão do que na Câmara, pode se exercer trabalho de profundidade e agradável convivência pois há pessoas muito interessantes, das raposas às águias, passando por uns poucos poetas que a política, não sei bem por que, parece apreciar, desde que em minoria e sem poder.... A política precisa dos raros poetas militantes partidários e principalmente da lucidez deles, ainda que para não a seguir...
O Senado é a casa do pragmatismo inerente a homens vividos e, mesmo com ideais, pessoas sem ilusões.

QUE INVERNO GOSTOSINHO ! – Artur da Távola

 
Vi na televisão, uma senhora a dizer que o Rio só é o Rio com sol. Peço licença à animada  e simpática senhora para discordar. O Rio também é gostoso neste inverno sem exageros em que a pele das mulheres fica ainda mais suave e linda; no qual as pessoas se tornam mansas e reflexivas; e quando tiramos do armário as roupas com cheiro de naftalina ou de mofo suave.
         A orla do mar fica excitada como carícia na nuca, há névoas sedutoras com caprichos nos contornos femininos de nossos morros; quando há sol as tardes são deslumbrantes e serenas; o mar, mais nervoso torna-se hostil mas de um modo especial, sem maldade, e há noites em que o invencível barulhinho da chuva é paz e proteção para quem tenha cama e cobertor, infelizmente não todos.
          No inverno quem se ama mais se acasala e adora ficar junto. E nós que viuvemos há 70 anos nesta cidade adorada, lembramos com maior intensidade de tanta gente que já se foi, de um Rio onde o inverno era mais elegante, havia confeitarias e casas de chá sem serem raridades, os homens usavam chapéu e respeitar os mais velhos era sinal de educação. Havia mais tempo para ler e menos compromissos, menos autores amigos a lançar livros, menos recitais, menos barulho. O mundo parecia menor e mais saboroso, apesar de em crianças sabermos com susto como era o inverno na segunda guerra mundial. O menino ouvia estupefato a história de os russos recuarem, recuarem e o inverno de quarenta graus só que abaixo de zero... dizimar os adversários.
         Nosso inverno, não. Até ele, por ser subdesenvolvido, é gostosinho. Aliás, a tenho saído muito por aí, alegre e despreocupado nestas noites frias de Copacabana e vou às boates onde só há gente boa e casais decentes. Ainda semana passada vi e ouvi Marisa Gata Mansa, Dolores Duran, Ribamar, Newton Mendonça, Tom Jobim, Waldyr Calmon, Sacha, Murilinho de Almeida, Nora Nei, Lúcio Alves. Conversei muito com o Tito Madi e o Antonio Maria. E ainda fui ao ótimo TBC assistir a uma bela peça da  Cia Tonia-Celi-Autran.
Não se importem com o que escrevi acima. Por momentos o calor brutal desses dias antes da chuva, a certeza do desmatamento da Amazônia e a barbárie solta pelas ruas me enlouqueceram. É normal a quarenta e tantos graus à sombra. Recobro a aparente normalidade e descubro que estamos em pleno verão e crianças são arrastadas em carros assaltados. Não sei mais onde estou.

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