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Depois de
vários telefonemas para encontrar um local para a
entrevista, eu e a entrevistada chegámos a acordo que o
melhor, seria a bela Serra de Sintra. Combinámos o dia e
o local do encontro que seria a Estação do Rossio.
Depois de esperar mais de uma hora, chegou por fim a
Carminho, toda atarefada com duas mochilas (uma maior do
que outra).
Carmo: - Desculpa Carlos, mas atrasei-me um pouco (?)
pois estive a cozinhar um petisco para o nosso almoço e
lanche. Sei que me compreendes…?
Carlos: - Compreendo – pensando: “O que um homem sofre a
esperar por uma mulher…
Como uma pequena vingança pelo tempo que tive de
esperar, comprei dois bilhetes de segunda classe, o que
a entrevistada estranhou, e eu respondi-lhe: - Vamos em
classe “turística…”. Sorriu e convidou-me a levar a
mochila maior (e mais pesada). Ainda tentei protestar;
mas ela começou a andar e mal me respondeu: “Não és tu o
cavalheiro?”
Enquanto esperávamos pela chegada do comboio (trem),
pedi à entrevistada que falasse da terra onde mora, o
que ela não se fez rogada e começou a descrever:
"Actualmente moro na cidade e concelho de Odivelas
(Portugal). Mas a minha cidade será sempre aquela em que
nasci. A minha amada Lisboa.
A origem do nome Odivelas está como o nome de tantas
outras freguesias e concelhos de Portugal, envolto numa
lenda que perdura pelos séculos.
A propósito do nome desta cidade, conta-se que D. Dinis
tinha o hábito de deslocar-se à noite a Odivelas onde se
encontrava regularmente com raparigas do seu agrado.
Certa noite, sabendo a rainha do que se passava resolveu
esperá-lo e quando o rei fazia o seu percurso para o
encontro, a rainha interpelou-o e eis que proferiu as
seguintes palavras:
" Ide vê-las senhor…"
Afirma-se que de "Ide vê-las", por evolução, teria
surgido o nome Odivelas.
Os filólogos dão porém, outra explicação: a palavra
compõe-se de dois elementos: "Odi" e "Velas". A primeira
é de origem árabe e significa "curso de água". A segunda
é de origem latina e refere-se às velas dos moinhos de
vento, que existiram nos outeiros próximos e dos quais
podemos ainda ver vestígios. O curso de água ainda se
mantém hoje. Os dólmens das Pedras Grandes e das
Batalhas, na Freguesia de Caneças, o Castro da Amoreira
na Freguesia da Ramada, os vestígios romanos encontrados
na Póvoa de Santo Adrião, os achados árabes no subsolo
da Paiã, na Freguesia da Pontinha, confirmam o
território como uma zona fértil e agradável, onde, ao
longo dos séculos, o Homem sempre se comprazeu em viver.
Mas o «motor de arranque» do desenvolvimento da região
parece ter sido o Rei D. Dinis, ao decidir erguer em
Odivelas um Mosteiro, onde uma plêiade de cultas freiras
se fez ouvir para além das grades, quer pelos seus
célebres outeiros, quer pelos livros que escreveram, ou
ainda, atraindo, ao Mosteiro e às suas imediações, reis,
príncipes e artistas.
É no Paço de Odivelas, em 1415, que D. Filipa de
Lencastre, já no leito de morte, abençoa os três filhos
mais velhos (D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique) que
partem dali, a cavalo, em direcção ao Restelo, onde
embarcam para Ceuta. É no Convento que se representa
pela primeira vez, em 1534, o «Auto da Cananeia», de Gil
Vicente, encomendado pela abadessa Violante, irmã de
Pedro Álvares Cabral. Enquanto isso, multiplicam-se
férteis quintas na Pontinha (na Paiã chegou a haver um
cais para escoar os víveres para Lisboa), na Póvoa de
Santo Adrião, e em Caneças. Os seus proprietários, de
uma forma ou de outra, surgem amiúde ligados à cultura.
É o caso do pintor Vieira Lusitano que foi o centro de
uma romântica e atribulada história de amor com uma das
filhas dos donos da Quinta dos Falcões, na Pontinha.
Anos depois, será a Póvoa de Santo Adrião a ter como
proprietário de uma das suas quintas, o pintor Pedro
Alexandrino que não só deixou algumas obras na igreja
local, como as espalhou por Lisboa - na Sé, no Palácio
de Queluz, no Museu dos Coches.
O Padre António Vieira fez um dos seus sermões no
Convento de Odivelas, a 22 de Junho de 1668. Almeida
Garrett ocupa o preâmbulo da «Lírica de João Mínimo» com
uma descrição de um passeio ao Convento, entrecortada
por várias dissertações sobre poesia.
A área do atual concelho de Odivelas foi afectada pelo
fenómeno de sobre urbanização. Entre 1950 e 1970, a
população da freguesia odivelense passou de 6772 para 51
395 habitantes. O concelho surge em 1998, em
consequência da secessão das sete freguesias da então
zona sudoeste do concelho de Loures. A partir de 27 de
Março de 2004, a cidade passou a estar ligada a Lisboa
através da rede de metropolitano, com o prolongamento da
Linha Amarela desde o Campo Grande, possuindo estações
no Senhor Roubado e em Odivelas, estando prevista no
futuro a sua extensão até Loures. Social e culturalmente
também se desenvolveu, tendo na sua área limítrofe,
Escolas, Liceus, Ginásios, Grandes Superfícies
Comerciais, Cinemas, Biblioteca, e o Centro Cultural
Malaposta, que alberga um Teatro, Salas de Exposições de
Arte, e Espaços para Eventos e convívios poéticos e
literários".
Entretanto, o comboio chegou, e para começo da
entrevista, já com o comboio a caminho de Sintra,
fiz-lhe duas perguntas.
Carlos: - Carminho, quando eras criança ...?
Carmo: - Fui uma criança como tantas outras do meu
tempo. Viva, curiosa, alegre, engenhosa e um tanto
rebelde.
Carlos: - Como foi a tua juventude...?
Carmo: - A minha juventude foi um tempo feliz. Éramos
uma grande família, que se reunia sempre na minha casa
(a casa-mãe) a pretexto de todas as datas festivas, num
ambiente alegre e caloroso. Única menina entre 4 irmãos
machos, era a menina na mão das bruxas. Apesar das
várias turbulências familiares (entre elas, a doença
terrível e a passagem para o além de um dos meus irmãos
com apenas 19 anos, as partidas sucessivas dos mais
velhos para cumprirem os serviços militares em Macau e
na Índia) fui seguindo o meu percurso, estudando,
namorando, e me divertindo muito. Sempre fui
intrinsecamente alegre, brincalhona, e adorava dançar.
Era o tempo dos “assaltos”, assim se chamavam as festas
que se faziam nas casas particulares, ao som de um velho
“pick-up”, e com as merendas que cada um levava, regadas
a “cup” (bebida com frutas diversas, gasosa e gelo
picado). Fora de casa, era o cinema, o teatro, as férias
na praia ou no campo, os bailes nas Casas Regionais e
Clubes familiares. A par disso, tive a sorte de ter à
minha disposição, (em casa de familiares próximos) 2
bibliotecas fartamente recheadas, que eram o meu refúgio
predilecto. Enfim, um tempo feliz que eu desejo muito
que a memória não me roube.
Carlos: - E agora, como te auto-defines?
Carmo: - Direi que me defino como uma eterna amante da
palavra. Todas as suas direcções me fascinam. Em quase
todas as suas vertentes me movo – a poesia, a prosa, a
tradução, a revisão literária, algumas conferências.
Porém, não me considero “expert” em nenhuma delas. Sou
uma geminiana nata que, na curiosidade e na sede de
saber, se dispersa muito. Mas onde melhor me exteriorizo
e onde me entrego mais completamente, é na Poesia. Fora
dos aspectos literários, sou uma mulher como tantas
outras, que dedicou a maior parte da sua vida
simultaneamente à vida profissional e à família, como
filha, irmã, esposa (agora viúva), mãe e avó. Só depois
de viúva e aposentada, me dediquei à escrita. Eterna
estudante do misticismo – membro da ordem Rosacruz –
acredito que a Vida é uma dádiva Divina que merece ser
respeitada, vivida e enfrentada com muito amor e
coragem, entre alegrias e mágoas. Intrinsecamente, sou
uma positivista e de uma alegria quase sempre
inabalável, pois tudo entrego nas mãos de Deus e da
justa Lei do Karma. Ainda literariamente: caminho na
senda, ciente de que a palavra tem de ser cultivada e
alimentada como uma flor rara e sensível que Deus pôs
nas nossas mãos como privilégio e instrumento, e, porque
ela é poderosa, indutora e influenciadora, devemos
usá-la com oportunidade e prudência, elevada aos puros
ideais de justiça, solidariedade, fraternidade e amor,
não a medindo pela quantidade, mas sim pela qualidade.
Chegados à estação ferroviária de Sintra, cortámos à
esquerda e depois à direita até ao belo edifício da
Câmara Municipal de Sintra, entrando na chamada Curva do
Duche. Andando uns metros, a Carminho viu ao longe uma
casa de queijadas (especialidade de Sintra) e logo
exclamou:
- “Carlos, eu quero queijadas!”. Encolhi os ombros e nem
lhe respondi: Dentro da loja, a entrevistada
perguntou-me: “Não queres comprar um pacote de
queijadas?”. Com grande calma, respondi-lhe: “Já que
insistes tanto, vou comprar dois pacotes, embora não
seja guloso”. Ela atirou uma gargalhada, dizendo:
-“Ainda bem! Pois assim, tenho direito a mais meio
pacote!”.
Prosseguindo o caminho, entrámos no Parque da Liberdade,
que atravessámos saindo noutro portão que fica mais
acima, cortando à esquerda passando pela Fonte da Sabuga
(onde a Carminho tirou da mochila 4 cantis – da minha
mochila, pudera. Depois de cheios, voltou a colocá-los
no mesmo sítio…)
Mais adiante, cortámos à direita e aí começam as
dificuldades da subida. Passamos a uma velha igreja e
logo à direita entrámos na mata (subida muito íngreme).
Ainda lhe perguntei se ela queria continuar a entrevista
e a resposta foi um rotundo: “NÃO!!!”.
Passando uma porta giratória em madeira, a subida
torna-se quase suave. Mais adiante, encontrámos o grande
penedo que foi cortado para repouso das cinzas do
escritor Ferreira de Castro, o célebre escritor de "A
Selva".
Aí sentámos num banco de pedra e recomeçámos a
entrevista.
Carlos: - Qual a característica que mais aprecias em ti?
Carmo: - Gosto de mim, com todas as características que
me são próprias. O que é um bom princípio para amar a
humanidade.
Carlos: - E nos outros?
Carmo: - Nas mulheres, aprecio a inteligência, a
sensibilidade, a discrição, a elegância de
comportamento. Nos homens: a inteligência, o sentido de
humor, a sensibilidade e a capacidade de diálogo.
Carlos: - Qual foi o maior desafio que aceitaste até
hoje?
Carmo: - Enfrentei bastantes. Mas, os maiores foram dois
desafios que tomei como vindos do nosso Deus Criador:
Ter um segundo filho aos 41 anos, contra a opinião de
todos que achavam que era uma loucura. E, em simultâneo,
enfrentar a doença neuro/psicológica do meu filho mais
velho, à data adolescente, e que durou longos anos.
Graças a Deus, ambas as provas foram superadas.
Depois de comer o seu pacote de queijadas, a Carminho
começou a comer um dos meus… Com certo custo, no dizer
da entrevistada, continuámos a subir até à entrada do
Portão do Castelo dos Mouros. Na parada encontrámos um
grande poço que dá para uma cisterna que servia também
de prisão - ainda se vêm as grisetas chumbadas na parede
e as ruínas dos estábulos. Subimos as muralhas até às
ameias; são cerca do 120 metros a bom subir. A meio da
subida, a Carminho pediu-me para descansar um pouco.
Respondi-lhe: “São mais uns metros até chegarmos à Torre
de Menagem e lá vamos descansar uns minutos”. E lá
fomos, penosamente subindo até cimo. De lá avista-se, de
certo modo longe, o Convento de Mafra, Azenhas do Mar,
Praia das Maçãs, Várzea e muitas quintas e palácios.
Descansámos um pouco antes de continuarmos a entrevista,
enquanto a entrevistada comia as restantes queijadas.
Carlos: - O arrependimento mata?
Carmo: - Ainda não morri, sinal de que não tenho
arrependimentos… (risos) – Como diz “O Rei”: “Se
chorei, ou se sofri, o importante é que emoções eu
vivi!”
Carlos: - Qual a personagem que mais admiras?
Carmo: - O Mestre Jesus, o Cristo.
Carlos: - De que mais te orgulhas?
Carmo: - Da minha capacidade de ultrapassar desgostos,
desilusões, carências, e os vários escolhos do caminho.
Para mim, “amanhã é sempre um novo dia”.
Perguntei-lhe se estava cansada e a resposta foi: “Claro
que não estou. Sempre gostei de andar a pé…”. E
continuámos o nosso caminho, que ela considerou: “Uma
grande excursão a pé”. Mal sabia ela que nem metade do
percurso tínhamos feito.
Saímos do Castelo por onde tínhamos entrado e passando
por outra porta rolante de madeira, entrámos na estrada
que levava à entrada do Parque da Pena. Seguimos pela
estrada à esquerda que, por sua vez, nos levaria até à
entrada do portão de acesso ao Palácio da Pena, que,
infelizmente, estava encerrado para manutenção e só
abria três horas depois. Só pudemos visitar os terraços
exteriores desse maravilhoso palácio. Descemos, depois,
ao parque de estacionamento até a uma estreita estrada
que nos levou até à Cruz Alta.
No percurso, encontrámos à direita um parque de merendas
com várias mesas em pedra. A Carminho perguntou logo se
era ali que íamos almoçar. Respondi-lhe que sim, mas
antes íamos visitar a Cruz Alta, que é um lugar muito
bonito e lá de cima, até parece que temos a nossos pés a
linda Cascais, o Estoril e o areal do Guincho. Também se
vê a foz do rio Tejo, em forma de delta e, mais ao
longe, já na margem esquerda, a cidade de Almada,
Trafaria, Costa da Caparica e, lá muito ao fundo, os
contrafortes da Serra da Arrábida. A entrevistada tirou
da sua mochila uma caixa de chocolates que logo começou
a comer. Disse-lhe que também queria; começou a contar
os bombons e dos seis, disse-me que dois eram para mim.
Pensei como os nossos amigos brasileiros: “Ainda hoje
mato você!”. E continuei: "Já começo a ter dor de
cabeça". A entrevistada logo respondeu (tem sempre
resposta na ponta da língua): "Olha que é muito bom
teres dores de cabeça. Conheço uma pessoa que tinha
constantemente dores de cabeça e por isso cortaram-lha.
Nunca mais teve dores de cabeça!". Ainda pensei em
responder, mas limitei-me a encolher os ombros para não
alimentar mais aquela discussão. E decidi que era melhor
continuar com a entrevista.
Carlos: - Para ti, qual é o cúmulo da beleza?
Carmo: - A Natureza que nos rodeia, como um todo. Em
pormenor: o riso e a ingenuidade de uma criança; uma
nesga de sol; um raio de luar; um arco-íris, o brilho
duma estrela, a crista duma onda, um gesto de amor.
Carlos: - E da fealdade?
Carmo: - Um olhar de ódio; a mão que agride; a palavra
que fere; a humilhação do mais fraco; o desprezo pelo
necessitado.
Carlos: - Que vício gostarias de não ter?
Carmo: - Gosto de todos os meus vícios. (mais risos)
Carlos: - As piadas às louras são injustas?
Carmo: - Claro que são injustas, até porque muitas
louras são morenas disfarçadas…
Carlos: - O teu prato preferido é...?
Carmo: - Um cozido à Portuguesa; um bacalhau à Gomes de
Sá, um arroz à Valenciana, etc.
Carlos: - E a tua bebida preferida?
Carmo: - Um vinho rosé à refeição, e mais tarde, um
irish-coffee.
No regresso da Cruz Alta, fomos então almoçar ao parque
das merendas já referido. Disse-me que ia fazer-me uma
grande surpresa. E fez. Imaginem que ela tirou, de uma
caixa pastéis (bolos) de bacalhau; de outra caixa, arroz
de tomate; doutra, peixinhos da horta (feijão verde
albardados com farinha e ovo); e ainda doutra caixa,
“jaquinzinhos” fritos (carapaus pequeninos). Além de uma
salada de alface e de um pudim não sei de quê mas muito
saboroso. Também levou 2 garrafas de vinho rosé. Olhei
para elas e perguntei se era uma garrafa só para mim.
Olhou-me fixamente e, secamente, disse-me: “Não gosto
nada de piadas… É uma para cada um! Mas já te digo que
conto beber metade da tua ..."
Durante o belíssimo lanche, continuámos a entrevista.
Carlos: - A tua melhor qualidade?
Carmo: - Bom, aquilo que chamamos de qualidades e
defeitos, não são mais do que características pessoais
de cada um e sempre relativas ao olhar de quem nos
observa. Se não forem bem administradas, as “qualidades”
podem virar defeitos e os “defeitos” se bem aplicados
até podem tornar-se qualidades. Poderia dar aqui
exemplos, mas não quero alongar-me. Tudo está no
equilíbrio de ambos e na forma como são usados.
Quanto às minhas “qualidades” poderia dizer,
modestamente, que deixo isso para os outros analisarem,
mas não estaria a ser verdadeira. Eu submeto-me
constantemente a auto-análise, numa tentativa de me
entender a mim própria e, consequentemente, entender o
semelhante. Então, eu sei que sou leal, sincera,
positivista, bem-humorada, e tenho uma enorme capacidade
de entrega, no amor e na amizade. Do ponto de vista
profissional, considero-me metódica, organizada, e
responsável, com uma certa dose de perfeccionismo.
Carlos: - E o teu maior defeito?
Carmo: - Usando dos mesmos argumentos que usei na
pergunta anterior, talvez os meus maiores “defeitos”
sejam: o orgulho e a dificuldade em perdoar traições e
ingratidões (sinal de que ainda preciso de minimizar o
Ego). Sob um ponto de vista mais prático: a dispersão de
interesses e objectivos (na tentativa da absorção do
todo), a falta de ambição, o desprezo pelos bens
materiais, e o não gostar de seguir padrões e normas
impostos.
Carlos: - Teus passatempos preferidos?
Carmo: - O que antigamente era a leitura e a música,
vejo agora substituído pela Internet – onde posso
desfrutar da leitura, da minha escrita, de toda a
espécie de música e vídeos, de pesquisa e de
conhecimento mais alargado a vários níveis. Fora de
casa, um bom filme ou peça de teatro, uma sessão de
poesia ao vivo, uma noite de fados, uma ópera, um ballet,
ou simplesmente um passeio ao campo ou à praia, tudo
isso me encanta.
Depois daquele saboroso almoço (ou piquenique)
prosseguimos até à Fonte dos Passarinhos, lugar muito
romântico, onde os apaixonados quase são transportados
para “mundos (pensamentos) maravilhosos”. Neste local,
podemos admirar pequenos e graciosos lagos; e fetos
(alguns espécimes únicos na Europa) e árvores de formas
esquisitas, uma das quais sugere um cavalo com enorme
pescoço. Na Fonte dos Passarinhos fizemos mais um pouco
da entrevista.
Carlos: - Que género de filme daria tua vida?
Carmo: - Um misto de aventuras e melodrama, com muito
amor pelo meio.
Carlos: - Uma imagem do passado que não queres esquecer
no futuro?
Carmo: - A minha infância e adolescência.
Carlos: - O dia começa bem se...?
Carmo: - Se dormi bem, e se todos os que amo estão em
paz.
Carlos: - Que influência tem em ti a queda da folha e a
chegada do frio?
Carmo: - Faz parte dos ciclos da vida e da natureza.
Tento adaptar-me à mudança, sabendo que é apenas um
ciclo provisório e logo chegará a Primavera, minha
estação preferida.
Carlos: - Como vais de amores?
Carmo: - Não me posso queixar… (rindo) – Sobretudo, o
meu grande amor pela dádiva divina da vida; o meu amor
pela poesia; o amor dos filhos, e do meu amado neto; de
alguns amigos leais, também. Quanto aos outros amores,
como dizia o Poetinha: “Que seja eterno enquanto dure”.
Na minha já longa idade, tive “grandes amores”, graças a
Deus! E ainda mantenho a capacidade de me apaixonar,
pois sou uma apaixonada por natureza. E o último é
sempre o melhor!
Descendo uma alameda, encontramos junto a três lagos, a
estátua e o busto em bronze do rei D. Fernando II, e no
meio do lago maior que fica junto à estrada principal,
numa pequena ilhota, uma torre acastelada que simboliza
a “Ilha dos Amores” (Camões). Depois de subirmos uma
ligeira rampa do lado oposto aos lagos, chegámos ao
local onde outrora existiu O Palácio da Condessa (o
grande amor de D. Fernando II, condessa D’Della, ) que
soube há pouco tempo que tinha ardido, estando agora em
ruínas.
E seguimos até ao Convento de Santa Cruz dos Capuchos,
que fica num maravilhoso cenário da Natureza, difícil de
descrever, mas que teria decerto sido inspirado nos
jardins do Éden. Foi mandado construir em 1560, por D.
Álvaro de Castro, em seguimento de um voto de seu pai, o
grande vice-rei da Índia, D. João de Castro. Diz a
tradição que ali viveu um frade de nome Honório, que
durante mais de trinta anos só se alimentou de ervas. O
seu túmulo assim como de outros frades, encontra-se na
área do convento. A extrema pobreza destes frades era
tal que criou nas gentes de Sintra um sentimento de
piedade, e assim muitas pessoas iam até ao terreiro da
entrada do convento levar-lhes alimentos. Os frades
viviam em celas muito pequenas, forradas a cortiça,
assim como os seus pobres leitos. No refeitório
encontra-se uma enorme laje de pedra que servia de mesa
de refeições.
E foi nesse terreiro da entrada do convento, que
continuámos a entrevista.
Carlos: - O que é para ti o termo Esoterismo?
Carmo: - Uma doutrina de certas escolas filosóficas,
cujos princípios e conhecimentos abrangem o enigmático,
o misterioso e o estranho.
Carlos: - Acreditas na reencarnação?
Carmo: - Absolutamente.
Carlos: - Acreditas em fantasmas ou em “almas do outro
mundo”?
Carmo: - Não acredito em fantasmas. Acredito que as
almas habitam outro mundo.
Carlos: - O Imaginário será um sonho da realidade?
Carmo: - O imaginário é uma poderosa força criadora que
nos pode levar a grandes realidades.
Carlos: - Acreditas em histórias fantásticas?
Carmo: - Fantástico é tudo o que ultrapassa a nossa
compreensão e nos parece utópico e fantasioso. Porém,
histórias fantásticas existem, criadas pelas penas de
grandes escritores. Alguns, grandes visionários ou com
poderes ocultos de precognição. E o que hoje nos parece
fantástico poderá vir a ser uma realidade amanhã. Basta
recordar Júlio Verne que entre muitas obras de ficção,
escreveu em 1865 “Da Terra à Lua” onde ele prefigurava
a uma distância de mais de 100 anos uma expedição à Lua.
Carlos: - Deus existe?
Carmo: - Todos nós somos uma partícula de Deus.
Andámos mais uns quilómetros até à estrada e quando
chegámos a esta, a Carminho quase gritou: “Está ali uma
paragem de autocarro!”. Perante minha pergunta se ela
não queria antes descer a pé, a resposta foi: “NÃOOOO!!!
Quero ir de autocarro. Sabes, estou ansiosa de chegar à
pastelaria Piriquita, para comer uns docinhos
“Travesseiros”…”. Não me pude conter: “Olha a
gulosa!!!”. Como não podia deixar de ser, respondeu-me:
“Olha quem fala! Gulossssooo!!!”.
E foi na Piriquita que terminámos a entrevista.
Carlos: - Para ti, a cultura será uma botija de oxigénio?
Carmo: - Impensável viver sem Cultura. Sem ela os povos
vivem asfixiados. Pena que ainda é para muitos, apenas
uma pequena botija de oxigénio. Só quando a Cultura for
devidamente respeitada e tratada por quem de direito, se
transformará na grande botija necessária e
imprescindível à evolução dos povos.
Carlos: - Que livro andas a ler?
Carmo: - “Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos”, do
Professor José Manuel Anes, professor da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa.
Carlos: - O filme comercial que mais gostaste?
Carmo: - Ah, como sempre, mais do que um: "E tudo o
vento levou"; "Tempo para amar e tempo para morrer";
"Doutor Jívago"; "Ghandi"; "Titanic"; "A escolha de
Sofia"; etc.
Carlos: - Música e autores preferidos?
Carmo: - Uma música para cada ocasião. Recordo com muito
agrado e algum saudosismo as grandes orquestras de
música de dança: Ray Connif; Paul Mauriat; Mantovani;
James Last; Glenn Miller; Fausto Papetti. Mais
recentemente: André Rieu; Ernest Cortazar, etc. Mas a
minha preferência, num gosto mais tardio, vai para a
música clássica: Chopin, Bach; Listz; Beethoven;
Tchaikovsky; Strauss; (os principais).
Carlos: - Autores e livros preferidos?
Carmo: - Difícil escolher, pois gosto de vários estilos.
Desde os clássicos aos contemporâneos, entre prosadores
e poetas, e terminando na literatura de cariz
espiritualista e comportamental, são muitos. Mas jamais
esqueço, a literatura que “devorei” na adolescência: dos
estrangeiros, Stefan Zweig, Emile Zola, Alberto Moravia,
Stendhal; dos portugueses, Eça de Queiroz, Almeida
Garrett, José Régio, Camões, Antero de Quental, Florbela
Espanca, Camilo Pessanha, entre outros. Mais
recentemente, Unamondo, Tagore, Kipling, Hermann Hesse,
Montaigne, Freud, Jung, Kardec…. E ainda, Proust e
Marguerithe Yourcenar.
Carlos: - Vamos falar na tua obra Literária?
Carmo: - Já que insistes tanto, vou falar sim. Tenho 1
livro de poemas intitulado "Geometrias Intemporais”,
publicado em papel no ano 2000 e 16 E-Books:
Em prosa: “O Vértice Luminoso da Pirâmide” (2 Volumes –
Romance).
Em Poesia: “Rompendo Amarras”, “Memorando de Fogo”,
“Despida de Segredos”, “Luas e Marés” e “Sonetos
Escolhidos I – II – III ” (3 Volumes)
Ver em: http://www.delnerobookstore.com/bibliotecas_virtuais/carmo_vasconcelos
E ainda:
Em Poesia: “Vai Minha Pena” e “Passos para a Eternidade”
Ensaios: “A Fase Mística de Fernando Pessoa”; “O Homem e
o Universo”; “Reencarnação, Carma e Evolução”
Romance: “O Vértice Luminoso da Pirâmide” (2 Volumes)
Ver em:
http://circulodograal.com/site2/index.php?option=com_content&view=article&id=80&Itemid=3
Carlos: - Tens Home Page?
Carmo: - Tenho 3 Blogues no Word Press: Um, onde constam
Conferências, Prefácios, Traduções, Prémios, etc.;
outro, onde consta parte da minha Poesia. E ainda outro
com Poetas Consagrados e Poetas amigos. Ver em:
http://carmovasconcelosf.spaces.live.com
http://carmovasconcelos.spaces.live.com
http://carminhov.spaces.live.com
- Olha, Carlos, com a conversa, comi os teus
travesseiros que, como sempre, são uma delícia.
Desculpa, sim, amigo?
Com um sorriso "amarelo" respondi-lhe: "Não tem
importância, querida amiga, para mais, disseste que a
despesa que fizéssemos na Piriquita, era por tua
conta... Agora, vamos acabar a entrevista?
- Até que enfim… Ufa! Vamos a isso!
Carlos: - Queres falar da tua ocupação profissional?
Carmo: - Com todo o gosto. Hoje sou aposentada da Função
Pública como Chefe de Contabilidade do Gabinete de
Assuntos Europeus e Relações Externas, mas durante parte
da minha vida profissional, feita também no Sector
Privado, fui Secretária de Direcção da firma Tudor,
(Delegação de Luanda-Angola) onde englobava as funções
de Tradutora e Intérprete. Depois, já aposentada e em
regime de “free-lancer”, dediquei-me à tradução de
livros estrangeiros (especialmente ingleses) e à revisão
literária, tendo ainda colaborado como Assessora duma
Editora Portuguesa
Ainda lhe perguntei se queria visitar o Palácio da Vila
(ou Paço Real) e o Palácio da Reboleira. Disse-me que
para aquele dia, as visitas estavam terminadas. Não por
estar cansada, mas por estar com saudades de sua casa…
E assim falámos de:
Carmo Vasconcelos (Carminho)
Nascida num radioso dia 27 de Maio
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A DOIDA
Carmo Vasconcelos
(Retrato que guardei na memória,
de uma figura típica que circulava pelo meu velho
Chiado)
(escrito em 1996)
Chamam-lhe "a doida" quando passa...
Chapéu desbotado, xaile de seda desfiada,
saia de “lamé”, sem brilho, esfarrapada,
que um velho alfinete d'ama prende e laça.
Cambaleiam com ela os sapatos já sem saltos,
outrora reluzentes de verniz e tacões altos.
Nas magras mãos, as luvas pardas, rotas,
fazendo acenos de menina rua fora,
balanceando uma carteira de abas soltas
que lhe deu uma vez uma Senhora.
Ladram-lhe os cães, riem-se os gaiatos...
As velhas faces, peles caídas, enrugadas,
de um vermelho rançoso inda pintadas
com sobras de “bâton” achado em rua sinuosa,
descartado, talvez, por qualquer dama duvidosa.
Colar de contas roxas enfiadas num cordel,
e na ilharga, amarrotada, uma flor murcha de papel.
"Que vergonha!" - murmuram as Senhoras...
Mas ela, surda, ausente, caminha para a sua festa
transportando consigo tudo o que lhe resta.
Chegada a noite, vem a fria e dura solidão.
Seus olhos cansados e os pés alquebrados
procuram tréguas nas pedras do chão.
Parece um embrulho, um monte de entulho...
Não dorme, delira de febre, trémula de frio,
mas nesse delírio feito de visões pelas madrugadas,
revê sua vida, tão rica, pelo mundo estafada.
E em esgares de prazer, solta gargalhadas!
Pois só ela sabe
como foi linda, quanto foi amada!
Carmo Vasconcelos
Lisboa/Portugal
(In "Geometrias Intemporais", publicado em
Maio/2000 – Vega-Editora) |
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