O VALE
Luz Carlos Martini
Vejo com restrições o céu azul
Estou inerte e pressionado
Mil vidas sobrevivem sobre mim
Assisto com tristeza as águas que correm
Em disparada, sempre para o mesmo lugar
Sou imagem repetida, precária verdejante
Prensado entre as pedras
Meu sussurro se confunde com as cachoeiras
Cabelos esvoaçando como palhas de coqueiros
Já não sei se vale à pena, ser vale!
Dei guarita para os gigantes
Desengonçados, amigos
Fui caminho das carruagens
Dos exércitos e suas bandeiras
Das estradas, pontes e cidades
Das gentes, muitas gentes
Já não sei se vale à pena, ser vale!
Alimentam-se de minha seiva,
Do meu solo, do meu ar, da minha cor
Preso entre as montanhas que do
Alto assistem, impávidas.
Não aguento. Perdi demais,
Subtraíram-me demais. Padeço com
Essa Imobilidade.
Cansei de ser utilidade alheia
Ó! Primas placas tectônicas
Acudam-me. Apenas um pequeno sismo.
Cheias, escombros, uma tremedeira rápida.
Sem aviso, sem dor, só para morrer e partir em paz
Já não sei se vale à pena, ser vale!
***
A PARTILHA
Luz Carlos Martini
Um ar macilento tomou conta da sala
Olhares perdidos, vorazes, cândidos
Simulações teatrais e surpreendentes
Um clima de ansiedade e tensão
Tênue espaço com a penumbra da luz
Panos velhos, porém conservados
A janela semi-fechada por onde
Espreita-se a vida em seguimento
Na parede, figuras ostentam poder
Sobre algum outro local, relicários.
Doces e amargas lembranças de idos
O brilho do chão e o asseio geral
O relógio se faz presente, marcando
as horas, os minutos, os segundos...
O tempo parece que não passa
Silêncio profundo, amargurante.
Novos olhares sobre corpos conhecidos
Um livro aberto, a leitura,
Gestos, suspiros, risos falsos, choros
Gritos, a ira, consolo, o desprezo
O adeus, nunca mais!
***
TARDE DE VERÃO
Luz Carlos Martini
Passou a chuva de tudo a molhar
Pequenas nuvens no céu azulado
Pássaros gorjeando alegres a revoar
Uma tarde varonil de tom delicado
É assim, nem chegam, e se vão
Se jogam a terra, em tropelias
Gotas d’água espalhadas no chão
Penetrantes como a minha agonia
Quem sabe o sol da compaixão
Com seus imensos raios de poder
Ao natural receita ao meu coração
O elixir desse modo de sofrer
Aguardo enquanto tudo corrói
Uma tenha trégua dessa paixão
De um amor que fere, que dói
A espera de uma tarde de verão.
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