ESSE LOUCO GALOPE DO CORCEL DA
PALAVRA
Prenúncio da
vontade em gesto vago,
Vai-me descendo a mão sobre o papel
E sinto que me invade o tal corcel
Da singular magia desse afago!
Dele me nasce a palavra; o resto, trago
Dentro de mim, gravado com cinzel,
Por baixo desta minha humana pele
Onde o tempo, ao passar, fez algum
estrago…
Mas que me importa a mim que o tempo
passe
Se dele surge a palavra, irrompe a frase
Que justifica o esforço da corrida?
Não fosse esse o corcel que eu
cavalgasse
E – quem sabe? - o poema me ignorasse
E eu perdesse o sentido à própria vida…
Maria João Brito de Sousa – 23.02.2012 –
18.47h |

SONETO MUSICAL
Sobre tudo o
que nasça e que se exprima
Em forma do que nunca vos direi,
Desse enigma me basta, eterna, a
rima
Pr`a falar-vos do muito que eu não
sei
E, mesmo que não haja quem redima
Quantas lacunas já por cá deixei,
Que importa se de música se anima
O quanto quis dizer, mas não logrei?
Jamais duvidarei de alguém que
entenda
Que ousar a melodia é dar-lhe a voz
Que expressa o seu sentido
universal,
Ou que, ao ouvi-la, exulte e
compreenda
O quanto dela vibra em todos nós
Se o ritmo que alcançou for musical…
Maria João Brito de Sousa –
02.04.2012 – 14.53h |

A TODOS OS ANIMAIS, HUMANOS E NÃO
HUMANOS
Se a vida,
incansavelmente,
Faz florir nova semente
Sempre que morre uma flor,
Seja por que razão for,
A vida é bem mais urgente
Do que os limites que a gente,
Por vezes, lhe tenta impor
Se, tal como a poesia,
Cante dor, cante alegria,
Irrompe na Primavera
Sem cumprir ordem de espera,
Munida duma ousadia
Que nem mesmo a fantasia
Nos dirá quanto é sincera,
Saibamos que a vida, inteira,
Que inunda desta maneira
Cada espaço que ocuparmos,
Está em nós e há que negar-nos
Se houver, entre nós, quem
queira
Impor-lhe alguma fronteira
Em vez de apenas a amarmos…
Maria João Brito de Sousa –
06.04.2012 – 16.43h |

NESTE DIA DA CRIANÇA
No dia da
criança,
venho dizer-te bom-dia, mãe,
e olhar o teu sorriso
na memória das sardinheiras
quase murchas,
mas ainda vermelhas, mãe,
nas conchas de barro onde as
plantavas
Venho,
neste dia da criança,
lembrar-te, mais uma vez,
que te amo, mãe,
e agora,
que não sei se és, nem onde és,
confessar-te que sempre
considerei
que olhavas demasiado a
superfície das coisas,
que te esquecias de reparar
nas raízes do tempo por detrás
das janelas
e nos sonhos
para além da luta pelo abraço do
imediato
Mas isso era eu, mãe,
eu tão pequenina como as
sardinheiras,
tão abraçada às radículas do
tempo,
tão estranhamente além das
janelas,
esquecida,
também eu,
de não poder julgar-te
porque eras tu, afinal,
quem plantava as sardinheiras e
sorria
sem suspeitar, sequer, de que
viriam a murchar…
Hoje, dia da criança,
dia em que não sei se és, nem
onde és,
mas não esqueço que foste,
uma lágrima, mãe,
só uma, como tu,
que tanto medo tinhas da morte
e te deixaste levar
sem teres percebido
que as sardinheiras murcham
a seguir ao abraço do tempo e
das raízes…
essas que estavam por detrás das
janelas
além da superfície
das coisas- tantas! –
que nunca chegaste a descobrir
E fica-me
o teu sorriso
por detrás da vidraça,
vermelho como as sardinheiras,
enquanto, nesta lágrima
tão única como tu,
tão eterna quanto o tempo,
tão funda quanto uma raiz,
hoje, como dantes, Mãe,
tento esquecer a superfície das
coisas…
Maria João Brito de Sousa –
01.06.2011 – 09.29h
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2012
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