Maria José Zovico Rosada

 
 
 RETALHOS D'ALMA

 

Depositei meu corpo cansado
Sobre o mármore da lousa fria...
Rememorei todo meu passado:
Só encontrei desilusões... Elegia...

Não choro minha alma gota a gota,
Há muito ela evadiu-se de mim...
Tenho meus desabafos, vez por outra.
Ah! Se pudesse apressava o fim!

Perto, um cipreste sua sombra espalma...
Por sobre as flores mortas, que escorrem
Por entre os retalhos de minh'alma...
Penso: "As flores de plástico não morrem!..."

Reergo o fardo do cansado corpo,
com as feridas mais cruas e frescas!
Por fora vivo... por dentro morto...
Deixo os meus passos nas folhas secas!

Vago ao léu, como se fora um vulto.
Náufrago errante de todos portos!...
Triste e insano cadáver insepulto...
Contudo estou em paz... A paz dos mortos!...

Quando enfim- e que não tarde o dia,
Depositarem meu corpo cansado
Sob o mármore da égide fria,
Talvez esteja em melhor estado!...

 

 OFERENDA DE PAZ

Quando do cair da tarde pálida,
Eu não quiz crer, mas voce voltava...
E numa rosa branca da tua mão cálida,
Aceitei a "Oferenda de Paz" que me dava...

E nossos lábios saudosos se encontraram,
Num grande conflito de sentimentos...
Foi então que entre nós se dissiparam,
Todos os velhos ressentimentos...

De minha alma evadiu-se a elegia!
E uma lágrima então rolou pela face...
Toda paz que do mundo desejaria,
Eis que de uma rosa branca nasce...

Do meu peito brotou súbita alegria,
E eu observei com mudo espanto
Que a palidez da tarde não diminuía,
Da noite já próxima, o encanto!...

 

NEM SÓ DE PÃO...

 -Nem só de pão vive o homem, mas da beleza e harmonia;
verdade e bondade, trabalho e recreação, afeição e amizade,
aspiração e adoração...
-Nem só de pão, mas da majestade das vagas do oceano,
do brilho suave da lua na superfície de um lago, do argênteo cintilar
de um riacho precipitando-se pela montanha, das formas singulares
dos cristais de neve, da criação dos artistas...
-Nem só de pão, mas do doce canto dos pássaros, do sussurro
do vento nas árvores, da sedução mágica de um violino, da sublimidade
de uma catedral levemente iluminada...
-Nem ó de pão, mas do aroma das rosas, do perfume dos botões
de laranjeira, do odor do feno ceifado, do calor da mão de um amigo,
da ternura de um beijo na mão...
-Nem só de pão, mas dos versos dos petas, da sabedoria dos sábios,
da santidade dos santos, da vida das grandes almas!
-Nem só de pão, mas de companheirismo e aventura, de procurar
e encontrar, de servir e compartilhar, de amar e ser amado!
 

 

EU SOU

 Eu sou a gota...
que transborda o cálice...
Porque esta demais...
Eu sou a estrela, última a brilhar
primeira a ofuscar-se,
Porque esta demais no firmamento...
Eu sou a sombra...
dos teus passos...
porque de tão triste, não consigo ser-lhes a luz...
Eu sou os espinhos,
que brotam em seus caminhos...
porque de tão só, já não posso ser as flores...
Eu sou a brisa...
que afugenta os pássaros...
porque eles são alegres... cantam...
eu sou triste... choro...
Eu sou o canto...
de despedida das aves de arribação...
porque de tanta amargura, não posso mais
ser serenata de amor...
Eu sou... a agonia...
de uma tarde de inverno...
já não consigo ser a aurora primaveril...
Eu sou... o pranto...
que corre pelo rosto do meu filho...
já não posso mais ser-lhe o sorriso...
Eu sou... o soldado...
que luta contra pessoas e o mundo...
e, no final vencedor,
encontra-se de mãos vazias...
Eu sou alguém que ama...
Alguém que ama muito...
e que por engano da natureza...
Ainda vive!...

 

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