Dia do Corpo de Fuzileiros
18 de Abril
O Terço da Armada da Coroa de
Portugal |
(De 1580 a 1640 - Portugal esteve sob o domínio espanhol, assim como as suas Colónias,
incluindo o Brasil. Foi nestes negros 60 anos da História de Portugal, que foi formado o
Terço dos Fuzileiros. Mas Portugal voltou a ser Portugal, berço de guerreiros, santos e
de heróis.)
A 9 de Maio de 1624, uma esquadra
holandesa atacava S. Salvador da Baía, lançando o pânico pelos portugueses que fugiram
ou foram aprisionados. A cidade constituía uma pérola portuguesa no Brasil e a notícia
do acontecimento, chegada a Lisboa em 25 de Julho, imediatamente foi passada para Madrid,
onde Filipe IV (*) e o seu Ministro Conde Duque de Olivares, tomaram conhecimento do
sucedido, antes do final do mês.
(*) Filipe 4º de
Espanha - 3º de Portugal)
A preparação do socorro foi muito
rápida e de Lisboa, saíram navios que levavam Arcabuzeiro do Terço da Armada,
embarcados os soldados do Terço da Armada e mais um terço de infantes, chamado de Terço
de Socorro .
A 28 de Abril de 1625 quando
portugueses e espanhóis escalavam um dos baluartes da cidade, os holandeses pediram a
capitulação. Tinha sido este o baptismo de fogo e a primeira grande acção militar
desenvolvida pelo Terço da Armada da Coroa de Portugal: os soldados que habitualmente
guarneciam os navios e que funcionavam como Força de Desembarque em acções como a
retomada de S. Salvador da Baía. Eram os soldados do mar, os marinheiros do fuzil, os
combatentes de infantaria que constituíram a base de todas as batalhas travadas no
Índico, na costa africana e agora na América do sul.
Aos actuais fuzileiros cabe-lhes a
honra e a responsabilidade inerente à herança que lhes vem directamente destes
combatentes das naus do século XVI e XVII. A maioria das guerras travadas além mar,
foram-no com tropas embarcadas que participavam nas batalhas navais, como os artilheiros
ou os restantes marinheiros, aprontando-se para o desembarque quando assim era
necessário. Mas os fuzileiros podem ainda reclamar como seu um outro legado importante: o
facto de que o Terço da Armada da Coroa de Portugal foi a primeira unidade organizada com
carácter permanente em Portugal. Este facto era, aliás, conhecido de todos nós e já,
por várias vezes, tinha sido tratado nas páginas da nossa revista. Contudo, este
acontecimento indesmentível está associado a um pequeno erro histórico que importa
corrigir. Trata-se de um engano no que se refere à data da sua criação que sempre se
supôs ter ocorrido em 1618, quando na realidade se deu em 1621, em circunstâncias muito
próprias que justificam plenamente o acto administrativo levado a cabo por Filipe IV de
Espanha (IR de Portugal).
O erro provém de um texto de Dom Francisco Manuel de Melo, publicado em 1660, onde se
afirma o seguinte: 'Dom Antonio de Atayde, sendo provido de General perpetuo, da Armada
Portuguesa (como ternos dito) porque logo que se lhe conferiu o cargo de ella, alcançou
ordem delRey, para que em Portugal se levantasse, e fosse fixo na Armada hum Terço de
Infantaria natural [um terço de portugueses]". De facto, em 1618, Dom António de
Ataíde, conde da Castanheira e de Castro D'Aire foi nomeado General do Mar em 1618, mas o
Terço não foi levantado nessa altura, como o provam muitos outros documentos que tivemos
ocasião de observar recentemente.
Um desses documentos é um
manuscrito de Manuel Severim de Faria, com o título Annaes de Portugal, que se encontra
bem conservado na Biblioteca Pública de Évora. O seu autor foi cónego e chantre da Sé
de Évora (1608-1609), grande erudito e homem interessado por tudo o que aconteceu no seu
tempo, deixando-nos obras várias, publicadas e manuscritas. Uma dessas obras é o códice
de Évora, onde num capítulo intitulado "cousas sucedidas em Portugal, e nas mais
Províncias do Occidente de Março de 1621 até Fevereiro de 1622% temos um relato de
acontecimentos relativos a Março Abril de 1621 que fala da subida ao trono de Filipe IV
de Espanha, dizendo o seguinte: "... Tornou a dar officio de General do mar a Dom
Antonio de Ataíde, e ordenou que para sua armada le alevantasse hum terco de Portugueses
pagos de inverno e verão, e por mestre de Campo delles a Dom Francisco de Almeida".
Não restam dúvidas que o texto do chantre de Évora aponta para a criação do Terço em
1621 e o seu testemunho não deixa de ser abalizado, tanto mais que esteve muito mais
próximo dos acontecimentos do que Francisco Manuel de Melo.
Esta situação levantou-nos, logo
à partida, uma dúvida que não podemos deixar de enquadrar nos acontecimentos
históricos que abalaram Portugal e Espanha, entre 1618 e 1621. A nomeação de D.
António de Ataíde para General do Mar em 1618 era um acto normal levado a cabo por
Filipe III de Espanha (II de Portugal) uma vez que o cargo teria de ser preenchido por
alguém. Mas a criação de um terço de portugueses já era uma iniciativa muito mais
ousada, quer em termos políticos quer em termos administrativos. Não é linear que se
possam ver levantamentos patrióticos em pequenos incidentes ou rebeliões que ocorriam em
diversos lugares do país, mas é natural que a administração espanhola tivesse algumas
dúvidas quando à criação de um terço de infantaria que funcionasse de forma
organizada e permanente. Aliás, existem documentos concretos que provam da falta de
vontade espanhola em dar força militar aos portugueses, nesta altura. De qualquer forma,
embora o Terço da Armada pudesse ser de utilidade reconhecida - na medida em que ao largo
da costa de Portugal ocorriam ataques de piratas e corsários sobre os navios que vinham
do Oriente ou do Brasil - parecia-nos mais lógico que a sua criação estivesse ligada à
subida ao trono de Filipe IV de Espanha, em Abril de 1621, sobretudo porque nessa altura
se reatou a guerra com a Holanda e a defesa da costa portuguesa teve de merecer uma maior
atenção. Deve dizer-se até que os primeiros tempos do reinado de Filipe IV foram de
intensa preparação para a guerra, considerando a coroa que o anterior reinado tinha sido
marcado por uma atitude política de falta de firmeza em relação aos inimigos da
Espanha, permitindo o seu fortalecimento e colocando em perigo o Império.
Isto eram dados que favoreciam o
testemunho de Manuel Severim de Faria e que nos permitiam acreditar que Francisco Manuel
de Melo estaria errado, mas isso era apenas uma convicção num confronto de dois
documentos contraditórios sem que fosse possível ajuizar em definitivo qual deles teria
razão. Na verdade uma pesquisa no Archivo General de Simancas, já nos tinha ajudado a
consolidar a ideia da criação em 1621 por Filipe IV por diversas razões. Uma delas tem
a ver com um documento datado de Janeiro de 1617 onde uma junta especial nomeada pelo
Duque de Lerma dava parecer sobre uma eventual reforma das defesas militares da costa de
Espanha. Aí se fala das carências de Portugal, tecendo-se considerações de vária
ordem sobre as fortalezas, desde Viana do Castelo a Sagres, e onde se refere o desagrado
dos portugueses pelo facto de estar em Lisboa um terço de infantaria espanhol,
parecendo-lhes que isso dá a ideia de alguma desconfiança acerca da sua fidelidade à
coroa. Ora sobre este assunto um dos elementos da junta diz o seguinte: "... Portugal
es un reyno recién conquistado y convíene conservarle con Ia reputación y securídad
que hasta aquí...", Foi o que foi decidido: que se reforçasse o terço espanhol e
que se suspendessem todas as reformas militares até que Filipe III viesse a Portugal, o
que aconteceu em 1619. Não seria, por isso, normal que em 1618 se criasse um terço de
infantaria português.
Contudo as dúvidas (se ainda
existiam) viriam a desvanecer-se completamente com a consulta de um outro conjunto
documental de enorme importância. Refiro-me a três códices portugueses existentes na
biblioteca do Harvard College, constituídos por diversos documentos manuscritos e
impressos reunidos por D. António de Ataíde. Aí fomos encontrar todas as provas que
permitiam reconstituir os passos dados até à criação do Terço da Armada da Coroa de
Portugal. De facto existem pedidos diversos, por parte do Conde da Castanheira, para que
se levantasse a unidade de infantaria para embarcar na Armada de Guarda Costa e que a
mesma ficasse constituída com carácter permanente, para que as gentes não se
dispersassem no Inverno, desleixando-se a conservação do material diverso e a própria
organização militar. No entanto, apesar do assentimento real para que isto se fizesse, o
Vice Rei de Portugal (Marquês de Alenquer) nunca permitiu que isso se fizesse. A última
carta que encontrámos, onde D. António de Ataíde volta a falar nesse assunto ao rei,
data de julho de 1619, quando da visita de Filipe III de Espanha a Lisboa. Entretanto, em
fins de Março de 1621, quando morreu o monarca, o General do Mar encontrava-se em Madrid,
para tratar de assuntos relativos à Armada de Portugal. Essa armada deveria ser preparada
para a época que se avizinhava e carecia de várias reformas (entre as quais a questão
do terço de infantaria), mas a morte do rei atrasou todas as diligências. Todavia, a 18
de Abril o Jovem Filipe IV manda chamar D. António, confirma o seu cargo de General do
Mar e dá andamento a todas as questões que diziam respeito à Armada de Portugal.
Aliás, como ja referimos, a coroa tinha pressa de reorganizar tudo o que dizia respeito
à guerra no mar, uma vez que já determinara que as tréguas com a Holanda deveriam
cessar a 9 de Abril (data em que expirava o acordo assinado 12 anos antes). Todos os
documentos onde se podem verificar estes factos estão cuidadosamente ordenados pelo Conde
da Castanheira nos códices que temos vindo a referir. Aí está uma carta enviada ao Vice
Rei de Portugal, dando-lhe conta da quebra das tréguas com a Holanda e da necessidade de
se efectuarem preparativos para a guerra, a proposta orçamentada de D. António de
Ataíde para a Armada desse ano (onde consta o Terço), a referência ao despacho de 18 de
Abril, e ainda, documentos vários acerca da contratação de oficiais, sargentos e
praças para o que é chamado de "hum batalhão de oitocentos soldados". Não
subsistem quaisquer dúvidas que o Terço da Armada da Coroa de Portugal está associado a
este despacho real de 18 de Abril de 1621.
Tem o Corpo de Fuzileiros uma data
exacta que marca a criação da unidade de que, muito justamente, se considera o herdeiro
natural. Trata-se da data de 18 de Abril que este ano foi adoptada como Dia do Corpo de
Fuzileiros e assim, certamente, se manterá, uma vez que nela se podem rever os novos
infantes da marinha, os marinheiros do fuzil ou os actuais soldados do mar como são os
nossos fuzileiros.
J. Semedo de Matos
CTEN FZ
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro -
Marinha Grande - Portugal
|
|
|
|
|