
Sigmundo Freud
149º Aniversário de seu
nascimento
06 de Maio de 1858 |

Freud, psiquiatra austríaco, nasceu Em Freiberg Morávia, em 1856; morreu em
Londres (Inglaterra) em 1939. Foi o fundador da psicanálise, método de investigação
psicológica empregado no tratamento das neuroses através das tendências e influências
reprimidas no inconsciente do indivíduo e o seu retorno ao consciente pela análise. Em
1938, colegas seus austríacos, fizeram-no sair do país com a filha Anna Freud, para
fugir à opressão nazista.
Desenvolveu os métodos da
associação livre e da interpretação dos sonhos, técnicas básicas da sua teoria da
personalidade. Formulou os conceitos de id, ego e superego.
Entre os livros que escreveu
encontram-se obras como A Interpretação dos Sonhos (1900), Psicopatologia da Vida
Quotidiana (1904), Textos Essenciais da Psicanálise I, II e III (1909) e Totem e Tabu
(1913).
Sigmund Freud nasceu em 1856 em
Freiburg, Morávia (hoje Príbor, na República Checa). Estudou medicina em Viena e foi
membro da equipa de investigação que descobriu os efeitos da cocaína como anestésico
local. Em 1884 conheceu o médico vienense Josef Breuer, que o apoiou nos seus estudos de
psicologia e no desenvolvimento da teoria da psicanálise. Com Breuer aprendeu o termo
«cura pela fala» e o uso da hipnose na cura da histeria. De 1885 a 1886, sob a
orientação do psicólogo francês Jean Charcot, prosseguiu os seus estudos sobre hipnose
em Paris. Foi Charcot quem lhe chamou pela primeira vez a atenção para o facto de os
problemas dos pacientes (particularmente das mulheres) serem provocados por questões do
foro sexual.
Por volta da década de 90 do
século XIX, Freud estava convicto de que a problemática neurótica tinha a ver com um
desenvolvimento sexual inadequado; e, em 1895, juntamente com Breuer, editou Studies of
Hysteria, uma obra que muitos autores identificam com o início formal da psicanálise.
Em 1897, inicia a sua auto-análise
e diagnostica as suas próprias dificuldades neuróticas, como a ansiedade neurótica,
cuja causa era uma acumulação da tensão sexual.
As teorias e artigos que publicou
baseavam-se no estudo de casos dos seus próprios pacientes, que eram sobretudo da classe
média-superior e mulheres de meia idade.
Por volta de 1895, Freud deixou de
parte a hipnose para se dedicar à técnica da associação livre, que levou à
interpretação dos sonhos. Freud estabeleceu uma comparação entre o simbolismo dos
sonhos e da mitologia com a religião, afirmando que a religião era infantil (Deus como a
imagem do pai) e neurótica (projecção de desejos reprimidos).
No início do século XX, Freud já
se fazia rodear por um largo grupo de psicanalistas, tendo alguns deles formado
posteriormente as suas próprias teorias e escolas. Foi o caso de Alfred Adler (em 1911) e
de Carl Jung (em 1913).
Foi Freud quem abordou, pela
primeira vez, o modo como as forças do inconsciente influenciam o pensamento e o modo de
agir das pessoas. A teoria da repressão da sexualidade infantil como causa das neuroses
dos adultos (tal como no complexo de Édipo) gerou grande controvérsia e, mais tarde,
realçou o significado dos impulsos agressivos. Tudo isto criou um movimento social e
intelectual ambivalente, na medida em que nunca se tinha teorizado a sexualidade infantil
como impulsionador do desenvolvimento dos seres humanos. As sua teorias, ao longo do
tempo, fizeram mudar o modo como as pessoas encaravam a natureza humana e trouxeram uma
maior abertura aos assuntos do foro sexual.
Compreende-se agora que o
comportamento anti-social resulte, em muitos casos, de forças inconscientes, tendo estes
novos conceitos levado a uma maior expressão da condição humana na arte e na
literatura. Naturalmente, as teorias de Freud causaram discórdia entre psicólogos e
psiquiatras, e os seus métodos de psicanálise não podem ser aplicados a todos os casos.
A seguir à ocupação da Áustria
pelos nazis em 1938, Freud partiu para Londres, onde acabou por falecer em 1939.
Fonte: Biblioteca
Universal.
Sigmund Freu, o
"Pai da Psicanálise"
Nasceu em 06 de maio de
1856 em Freiberg, Moravia. Recebeu o prenome de Scholomo Sigismund, o qual Freud mudou
para Sigmund em 1878. Nenhum dos textos anteriores ao ano de 1886 foi integrado às suas
obras completas, por oposição de seus filhos e herdeiros Ernst e Anna Freud. Sua obra
anterior aos textos de psicanálise, compreendendo o período de 1877 a 1886, é composta
de 21 artigos sobre diversos temas: neurologia, medicina, histologia, cocaína. Sua obra
sobre psicanálise é composta de 24 livros (dois dos quais com Josef Breuer, um com a
colaboração de William Bullitt) e 123 artigos, além de comentários, prefácios, etc. e
traduzida em cerca de 30 línguas.
Freud era o filho mais velho do
terceiro casamento de Jacob Freud, comerciante de tecidos. Jacob e Amalia Freud teriam
ainda mais sete filhos. Devido a má situação económica, após um ano em Leipzig, a
família mudou-se para Viena, Áustria, onde o pai estabeleceu seu comércio no bairro
judeu de Leopoldstrasse.
Em 1899 Freud escreveu esta nota
autobiográfica, publicada em 1901 em alemão nas Biographisches Lexicon hervorragender
Arzte des neunzehnten Jahrhunderts de J. L. Pagel:
"FREUD, SIGMUND,
Viena. Nascido a 6 de maio de 1856 em Freiberg, Moravia. Estudou em Viena. Aluno do
fisiólogo Brücke. Promoção (título médico) em 1881. Aluno de Charcot em Paris de
1885-1886. Habilitado em 1885 (designado Privatdozent). Tem trabalhado como médico e
docente na Universidade de Viena, desde 1886. Proposto como Professor Extraordinário, em
1897. Inicialmente os trabalhos de Freud trataram sobre histologia e anatomia do cérebro
e posteriormente sobre temas clínicos de neuropatologia; tem traduzido os escritos de
Charcot e de Bernheim. Über Coca, de 1884, é um trabalho introdutório da cocaína na
Medicina. De 1891 é Zur Auffassung der Aphasien. De 1891 e 1893 são as monografias sobre
as paralisias infantis, que culminaram, em 1897, no volume sobre o tema Handbuch, de
Nothnagel. Studien über Hysterie, de 1895 (com o Dr. J. Breuer). Desde então Freud
tem-se dedicado ao estudo das psiconeuroses e especialmente a histeria, e em uma série de
breves ensaios tem enfatizado o significado etiológico da vida sexual nas neuroses.
Também tem desenvolvido uma nova psicoterapia da histeria, do qual muito pouco se tem
publicado. Um livro está no prelo: Die Traumdeutung ("A Interpretação dos
sonhos")."
Em Fevereiro de 1923 foi descoberto
um tumor maligno no lado direito do palato. Foi feita uma cirurgia com a ablação dos
maxilares e da parte direita do palato. Freud tinha que usar, a partir de então, uma
prótese. Sofreu ao todo, devido essa enfermidade, 33 cirurgias. Tinha dificuldade para
falar, mas mantinha contacto com seus interlocutores e mantinha suas actividades de
rotina, abandonando apenas os problemas do movimento psicanalítico, conduzido então por
Ernest Jones que presidiu a IPA a partir de 1934. Em março de 1938, quando da invasão da
Áustria pela Alemanha, com a intervenção do diplomata americano William Bullitt e de um
resgate pago por Marie Bonaparte, Freud e sua família deixaram Viena indo para Londres,
residindo em Maresfield Gardens 20; hoje Freud Museum. Redigiu nesse país seu último
texto, Moisés e o monoteísmo.
Freud faleceu em 23 de setembro de
1939 às três horas da madrugada, depois de dois dias de coma e de ter recebido de Max
Schur, a seu pedido, com a concordância de Anna Freud, três injeções de três
centigramas de morfina.
Fonte:
psicologia.org
Pré-história do sonho
- Yannick Ripa
Homenagem a Hélio Pellegrino
Miriam Chnaiderman
A Interpretação dos
Sonhos (1900) é, segundo psicanalistas e estudiosos, o marco de inauguração da
psicanálise. Moisés e o Monoteísmo é a última obra que Freud publicou em vida.
Moisés... é menos o exercício de uma aplicação - ficcional e aventureira, segundo
alguns - da interpretação psicanalítica no campo da história, neste caso dos judeus e
sua religião, do que a consolidação e o aprofundamento de um eixo central da
psicanálise ao qual o livro princeps, de 1900, deu início. A distinção que Freud
estabelece no desfecho de sua obra (em Moisés...) entre verdade material e histórica,
é, neste sentido, talvez a mais apropriada para ilustrar o objectivo ao qual Freud
dirigiu, do começo ao fim, seu esforço e o alvo que visava atingir nos diferentes
territórios em que se meteu.
A verdade histórica freudiana
pouco tem a ver com os fatos ou objectos de historiadores e estudiosos dos diferentes
campos da cultura e/ou das ciências naturais. Esses, os fatos, passados ou presentes,
dizem respeito à verdade material; servem de meio para entrever e perseguir algo que os
transcendem e os determinam. Coisa esta que Fabio Herrmann designou, dentro de um sistema
conceitual próprio, da psique do real. Matriz edípica, linguagem, lei, Outro, mito, etc.
são todos conceitos da psicanálise contemporânea que remetem para este real, da psique.
Verdade histórica cuja inscrição não se encontra exclusivamente no indivíduo e nem
tão somente no grupo mas naquilo que os atravessa e os perpassa - os constitui, e na
história. A religião judaica que Moisés instaurou é uma perseguição constante deste
eixo, de cunho essencialmente negativo (formulado em torno da matriz edípica, da
castração), e que é da própria análise, permitindo-lhe (ao judaísmo) alcançar
aquilo que Freud avaliou ser o ideal do trabalho analítico: o pensamento ou a dimensão
não sensorial do real humano.
A interpretação não é uma
simples decifração e tradução de conteúdos, sejam eles, no contexto clínico,
individuais, sejam no da cultura - de um de seus objectos -, mas a abordagem, sempre
indirecta, deste real em meio às suas realizações e a seus desdobramentos específicos.
Ver-se-ia, então, que é o método que se coloca em primeiro plano. O método da
psicanálise visa e nos coloca em contacto com o real psíquico. O que nos defronta, neste
centenário da psicanálise, com uma curiosa realidade situada no âmbito público:
A descrença e o desrespeito à
psicanálise - aliás, por definição inassimilável à civilização ocidental - e ao
seu criador junto ao chamado público culto, têm adquirido força de uma origem bem
característica à vida moderna. A vulgarização das descobertas científicas nos meios
de comunicação nutre-se de uma confusão da ciência com suas influências sobre a
produção e a sofisticação dos bens, materiais, corporais e públicos; obteve uma
aceitação silenciosa por parte dos cientistas visto a crescente dependência de suas
pesquisas de financiamentos públicos. Entretanto, a actividade científica, mais do que a
psicanálise, centra-se no exercício de um método: os fatos e as hipóteses são sempre
passageiras. Entretanto, a positivação exacerbada em prol de uma eficácia pragmática
faz o público aderir à verdade dos genes, sua procura em toda parte para tudo explicar.
Não surpreende que tal busca torna
ainda mais ridículo o já banalizado "Freud explica" da compactuada e apressada
consciência pública em relação à psicanálise. Somente o resgate da ordem do método,
o científico, de um lado, e da psicanálise de outro - os dois muito singulares, e
irredutíveis um ao outro - é que colocaria em relevo a verdade presente na história de
Moisés para a urgente e a mais fecunda interlocução da psicanálise com a ciência.
Daniel Delouya -
Psicanalista. Pesquisador pós-doutor no Laboratório de Psicopatologia Fundamental do
Núcleo de Psicanálise da PUC-SP.
"Desafios da
Psicanálise" - Carlos Leone
26 de Janeiro, 2004 (ULHT, ed.
Victor de Sá, 16h.)
O caso de Sílvio Lima e a
a institucionalização de novos saberes.
Esta apresentação adapta um passo
de um texto ainda inédito (Carlos Leone, O Essencial sobre Sílvio Lima, INCM, Lisboa,
2004, no prelo), integrando-o na reflexão desenvolvida no Seminário «Os desafios da
Psicanálise».
Em nosso entender, não é estranha
à escassa presença universitária da Psicanálise a história contemporânea das
ciências sociais e humanas na Universidade portuguesa. Sem desvalorizar outras razões,
esta evocação da relação de Sílvio Lima quer com a Psicanálise quer com a
Universidade pretende sugerir uma hipótese sobre a natureza institucional dos actuais
desafios universitários da Psicanálise: a sua integração académica dependerá mais de
um esclarecimento contínuo do público e das autoridades sobre a sua estruturação e
ambição ou, na realidade, esse trabalho de esclarecimento só será frutífero se
integrado num debate político que confronte os seus opositores nos termos que lhe
interessam - os termos da regulação oficial de curricular e cargos?
Esta alternativa é, a nosso ver, a
que pode determinar a saída da Psicanálise da sua «marginalidade» (José Martinho),
pois permite integrar no contexto português problemas comuns à Psicanálise em todo
mundo. A história da Universidade portuguesa relativamente às Ciências Sociais,
incluindo nestas a Psicologia, será, assim, esclarecedora. Nesta abordagem, parcial,
servimo-nos das Obras Completas de Sílvio Lima (OC), dirigidas por José P. Ferreira da
Silva, publicadas em dois volumes pela Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.
Como se lê na «Nota Preambular»
(OC: I, 553/4), o objecto de estudo do seu livro O Amor Místico (1935) era «as
relações complexíssimas entre o religioso e o sexual», tomando o cristianismo como
principal case study. Repetirá várias vezes ao longo do trabalho qual a sua atitude ao
investigar, como por exemplo num passo do capítulo em que estuda a Virgem Maria à luz da
psicanálise: «Repetimos que neste trabalho pospomos a atitude judicatória, valorativa.
Como cientistas, buscamos aqui tão somente desenhar aspectos da psique religiosa,
analisar os seus móveis ou tendências, buscar as suas razões compreensíveis, descrever
as suas condições psicossociais. (
) Julgue cada qual conforme a sua fé, e no seu
foro íntimo, em pleníssima liberdade.» (OC: I, 624/5). Muito do problema encontra-se em
afirmações como esta: todo o aparato das condições «psicossociais», no Portugal de
1935, era pensado para que nem no «foro íntimo» se dispusesse de pleníssima liberdade
para pensar cientificamente a Virgem Maria à luz da psicanálise.
Para esclarecer eventuais
mal-entendidos, convirá começar por fazer notar que nem neste nem noutros trabalhos
traiu Sílvio Lima a sua formação em Psicologia Experimental e a sua possibilidade de
tipo médico. A psicanálise é para ele um problema, não uma solução; desde as
primeiras conclusões parciais do trabalho (cf. OC: I, 568; e também 581), o sexual não
é a totalidade do sensual e, mesmo o sexual não é unívoco (tanto é consciente como
inconsciente). Bem entendido, nada disto repugnaria a Freud ou à maioria dos
psicanalistas daquele, e do nosso, tempo. Sucede que Sílvio Lima, apesar de ter um
conhecimento muito apreciável da literatura sobre o tema (cita Freud, Adler, Jung, entre
muitos outros), leu Freud um pouco como Chesterton leu Nietzsche, percebendo o espírito
(diria ele: a «tendência geral»), e a forma que este haveria de tomar com a
popularização pública do jargão psicanalítico (cf. OC: I, 722), apesar de lhe
escaparem repetidamente aspectos elementares do tipo de discurso (analítico, não
sintético) que a psicanálise já na altura era (embora se deva dizer que, em 1963, na
última das recensões críticas recolhidas nas Obras, a sua valorização de Jung
mantenha coerência com a sua incompreensão da psicanálise ao mesmo tempo que, por fim,
se sente próximo dela, na versão jungeana; cf. OC: II, 1582-4). Ou seja: a associação
feita (cf. OC: I, 558) entre Kraft-Ebing e Freud, via «Escola Vienense», está no fulcro
da incompreensão da psicanálise por Sílvio Lima; viu-a sobretudo como uma derivação
especulativa da Medicina, que seria necessário emendar por colocar bons problemas de
maneiras erradas. Por exemplo, logo no primeiro capítulo de O Amor Místico, escreve:
«A psicanálise, a despeito do
seus exageros sistemáticos (que roçam pelo ridículo e até pelo grotesco) dar-nos-á,
cremos nós, penetrantes luzes sobre o assunto.»
(OC: I, 567)
Poucos anos depois, Adorno
escreveria que «na psicanálise nada é tão verdadeiro como os seus exageros» (Minima
Moralia, I, 29; citado da tradução portuguesa de Artur Morão, ed70, Lisboa, 2001, p.
45). Mas este tipo de percepção irónica não era possível a Sílvio Lima a respeito da
psicanálise como era relativamente a outras coisas (a sua colaboração na Imprensa,
incluída no segundo volume das Obras, revela-o bem). Mau-grado os seus esforços de
intelectual especializado (como na crítica da linguagem científica ensaiada no segundo
capítulo), nem lhe foi possível remover os preconceitos do seu público (universitário)
face a si e ao tema-tabu do seu trabalho, nem logrou atingir um termo de entendimento com
a psicanálise. Em rigor, o seu esforço era desenvolvido numa cultura, pública e
universitária, em que as ciências sociais eram incipientes, nos antípodas do mundo
Alemão que gerou a primeira Escola de Frankfurt. Num resumo (quase) exaustivo,
encontramos em O Amor Místico numerosas referências directas a Freud e à psicanálise:
cf. OC: I, 602-4, 615, 621, 628-33; 642-4; 660; 666, 668, 670, 676, 687-9, 722ss., 778,
814, 846-50 e 906-10. Na impossibilidade e desnecessidade de as revermos uma a uma,
centramos a nossa atenção apenas nas que nos são mais úteis.
Desde enfatizar como foi a gradual
e crescente dessexualização de Maria a gerar a tese do parto virgem (p. 615) até citar
o Evangelho de João mas remeter para intérpretes que o usam para diagnosticar a
paranóia de Jesus (p. 621), os usos da psicanálise e ciências-psi adjacentes são,
conforme à época, bastante latos. Sílvio Lima esforça-se, numa linha bastante prudente
e até severa face à psicanálise, por contrariar as versões mais extremas, atingindo
aí a diferença entre o sensual e o sexual o seu maior vigor (cf. OC: I, 670, e n.3). O
homem devoto «procura afinal não a satisfação das Sexualtriebe, mas a manutenção e
engrandecimento da vida total, a não ser que por libido se entenda - metafisicamente - o
querer viver. Nesse caso, o universo inteiro afoga-se pela sexualidade, como nevoeiro que
tudo penetra e escurece.» (OC: I, 676). Mas nem tantas reservas o podiam auxiliar na
dilucidação de um sentido não-metafísico para a psicanálise nem tornaram o trabalho
menos inaceitável para o regime - o problema estava no tema e nas liberdades críticas
tomadas com ele, independentemente da exaração científica dos termos e dos problemas.
As críticas a Freud e à psicanálise falham o alvo com precisão quase sistemática (p.
ex., as generalizações feitas a páginas 687-9 e 722-4) e ficam-se por teses gerais que,
supor-se-ia, seriam do agrado de uma Universidade conservadora:
A psicanálise freudiana,
desgarrada pelo apriorismo dogmático e querente de encerrar todo o processo numa fórmula
geral, única, etc., mutila e desfigura a realidade viva, que é muito mais complexa e
heterogénea do que ela supõe.
(OC: I, 850)
Toda a questão reside no facto de
que uma consideração do problema religioso (místico) à luz da psicanálise é já uma
transigência, mesmo que científica, independentemente de essa consideração revelar uma
leitura imprecisa da psicanálise. O que importava para o concurso de Professor
Extraordinário a que Sílvio Lima se candidatava com O Amor Místico não era a
excelência do seu trabalho (que era muito superior a qualquer desinteligência com a
psicanálise) mas a sua conformidade aos fins da instituição que punha o lugar a
concurso. Ora, justamente neste período histórico, assiste-se por um lado a uma
transição do discurso crítico português para a Universidade (depois de uma actividade
cívica predominantemente exercida na Imprensa, durante a I República) e, por outro, a
uma obliteração das Ciências Sociais do mundo universitário português. Esta tensão
irá durante décadas prejudicar muitos autores e muitas Obras, e Sílvio Lima será
'apenas' um dos primeiros a sofrer as consequências. Não terá disso, sobretudo neste
período, consciência, como se compreende.
Por isso, quando escrevia (OC: I,
910, n.2) «o erro do freudismo está em querer explicar o superior pelo inferior, e não
o inferior pelo superior», numa terminologia inconsequente para a interpretação
psicanalítica do que quer que seja, o seu erro não consistiu numa leitura errada de
Freud ou do misticismo, mas na abertura, na europeização do discurso crítico, ainda
para mais na sede académica conservadora por excelência, Coimbra.
Nascido em 1904 e falecido em 1993,
com uma vida marcada pela Universidade de que foi expulso em 1935 e reintegrado em
condições humilhantes em 1942 (até se reformar por motivos de saúde em 1963), o caso
de Sílvio Lima está hoje esquecido. Não espanta, especialmente se considerarmos que
não foi o único (pense-se em Abel Salazar ou Aurélio Quintanilha, entre dezenas de
outros) a sofrer as consequências da sua liberdade e competência, do seu empenho
cívico. O seu caso pode ser visto como uma curiosidade arqueológica, relativo a alguém
que conheceu a literatura pró- e antipsicanalítica muitos antes de ela conhecer
divulgação institucional em Portugal e que, para o melhor e o pior, partilhou muitas das
críticas feitas à época à Psicanálise. Mas, além dessa componente histórica e
documental, a dimensão institucional do seu caso contém elementos relevantes para
perceber como a Psicanálise, e a Psicologia em geral, não devem hoje, face aos desafios
actuais, ser pensadas como se a história da Universidade em Portugal fosse neutra face a
esses desafios. Não foi no século XX e ainda hoje não pode ser, pelo que convirá ter
presente a ausência das Ciências Sociais e Humanas da Academia portuguesa para melhor
avaliar os desafios da Psicanálise hoje.
Circuncidado ao nascer, o jovem
Sigmund recebeu uma educação judaica não tradicionalista e aberta à filosofia do
Iluminismo. Era adorado pela mãe, que o chamava "meu Sigi de ouro", e amado
pelo pai, que lhe transmitiu os valores do judaísmo clássico. Tinha uma afeição
especial por sua governanta tcheca e católica, Monika Zajic, apelidada Nannie, que o
levava para visitar igrejas, falava-lhe do "bom Deus" e lhe revelou outro mundo
além do judaísmo e da judeidade. Talvez ela também tenha desempenhado um papel em sua
aprendizagem da sexualidade.
Freud nasceu em uma família de
abastados comerciantes judeus. Sempre se destaca a complexidade das relações
intrafamiliares. Seu pai, Jakob Freud, que exercia o ofício de comerciante de lã e
têxteis, casou-se, pela primeira vez, aos 17 anos e teve dois filhos (Emmanuel e
Philippe). Viúvo, casa-se novamente com Amália Nathanson, de 20 anos, idade do segundo
filho de Jakob. Freud será o mais velho dos oito filhos do segundo casamento de seu pai,
e seu companheiro preferido de brinquedos foi seu sobrinho, que tinha um ano a mais do que
ele. Do casamento de Jacob e Amália nasceram os seguintes irmãos de Freud: Julius, Anna,
Débora (Rosa), Marie (Mitzi), Adolfine (Dolfi), Pauline (Paula) e Alexander.
Quando tinha 3 anos, em outubro de
1859, Jacob e a família deixaram Freiberg, onde seus negócios não prosperavam em
virtude da introdução do maquinismo e do desenvolvimento da industrialização o que
provocou uma queda dos rendimentos familiares . Instalou-se então em Leipzig, esperando
encontrar nessa cidade melhores condições para o comércio de têxteis. Para Freud, essa
partida permanecerá sempre dolorosa. Merece ser lembrado um ponto que ele próprio
menciona: o amor sem desfalecimentos que sua mãe sempre lhe votou, ao qual atribui a
confiança e a segurança que demonstrou em todas as circunstâncias.
Por sua vez, Emanuel e Philipp
emigraram para Manchester. Um ano depois, não tendo conseguido modificar sua má
situação económica, Jacob decidiu estabelecer-se em Leopoldstrasse, o bairro judeu de
Viena. Entre 1865 e 1873, o jovem Sigmund freqüentou o Realgymnasium e depois o
Obergymnasium, onde ficou conhecendo Eduard Silberstein, com quem manteve sua primeira
grande correspondência intelectual, notadamente a respeito de Franz Brentano. Nessa
época, apaixonou-se por Gisela Fluss, filha de um negociante amigo do seu pai. Mais
tarde, fez amizade com Heinrich Braun (1854-1927), que despertaria seu interesse pela
política e depois se orientaria para o socialismo.
Foi um aluno muito bom em seus
estudos secundários, e foi sem uma vocação especial que no outono de 1873, Freud
começou seu estudo de medicina. Devem se destacar duas coisas, uma ambição precocemente
formulada e reconhecida e "o desejo de contribuir com alguma coisa, durante sua vida,
para o conhecimento da humanidade" ("Psicologia dos Estudantes",1914). Sua
curiosidade, "que visava mais às questões humanas do que às coisas da
natureza" ("Um Estudo Autobiográfico" [Selbstdarstellung],1925) leva-o a
acompanhar, ao mesmo tempo, durante três anos, as conferências de F. Brentano, várias
delas dedicadas a Aristóteles. Em 1880, publicou a tradução de vários textos de
J.S.Mill: "Sobre a emancipação da mulher", "Platão", "A
questão operária", "O socialismo".
Em setembro de 1886, depois de um
noivado de vários anos, desposa Martha Bernays, com quem terá cinco filhos. Em 1883, é
nomeado docente-privado (que equivale, na França, ao título de mestre conferencista) e
professor honorário em 1902. Apesar de todos os tipos de hostilidade e dificuldades,
Freud sempre se recusará a abandonar Viena. Foi somente pela pressão de seus alunos e
amigos e depois do "Anschluss" de março de 1938 que irá finalmente se decidir,
dois meses mais tarde, a partir para Londres.
Apaixonou-se pela ciência
positiva, e principalmente pela biologia darwiniana (que serviria de modelo para todos os
seus trabalhos). Em 1874, pensou em ir a Berlim, para frequentar os cursos de Hermann von
Helmholtz. Um ano depois, com o estímulo de Carl Claus, seu professor de zoologia, obteve
uma bolsa de estudos que lhe permitiu ir a Trieste estudar a vida das enguias (machos) de
rio. Sua primeira publicação data de 1877: "Sobre a Origem das Raízes Nervosas
Posteriores da Medula Espinhal dos Amoceta" (Petromyzon planeli), enquanto a última,
referente às Paralisias cerebrais infantis, de 1897, esse texto mostra que Freud
trabalhava na elaboração de uma teoria do funcionamento específico das células
nervosas (os futuros neurónios), como se veria em seu "Projecto para uma psicologia
científica" de 1895. Durante esses 20 anos, pode-se reunir 40 artigos (fisiologia e
anátomo-histologia do sistema nervoso).
Freud entrou no Instituto de
Fisiologia, dirigido por E.Brücke, após três anos de estudos médicos, em 1876. Depois
dessa experiência, Freud passou do instinto de zoologia para o de fisiologia, tornando-se
aluno de Ernst Wilhelm von Brucke, eminente representante da escola antivitalista fundada
por Helmholtz. Foi nesse instituto, onde ficou seis anos, que fez amizade com Josef
Breuer. Entre 1879 e 1880, forçado a uma licença para cumprir o serviço militar,
enganava o tédio traduzindo quatro ensaios de John Stuart Mill (1806-1873), sob a
direcção de Theodor Gomperz (1832-1912), escritor e helenista austríaco, responsável
pela publicação alemã das obras completas desse filósofo inglês, teórico do
liberalismo político.
O trabalho de Freud sobre a afasia
(Uma concepção da afasia, estudo crítico[Zur Auffassung der Aphasien], 1891)
permanecerá na sombra, embora ofereça a mais aprofundada e notável elaboração da
afasiologia da época. Suas esperanças de notoriedade tampouco foram satisfeitas por seus
trabalhos sobre a cocaína, publicados de 1884 a 1887. Havia descoberto as propriedades
analgésicas dessa substância, negligenciando as propriedades anestésicas, que seriam
utilizadas com sucesso por K.Koller. A lembrança desse fracasso vai ser um dos elementos
que originaram a elaboração de um sonho de Freud, a "monografia botânica".
Freud se encontrava, no início da
década de 1880, na posição de pesquisador em neurofisiologia e de autor de trabalhos de
valor, mas que não lhe permitia, por falta de assegurar a subsistência de uma família.
Apesar de suas reticências, a única oferecida era abrir um consultório de neurologista
na cidade, o que fez, de forma surpreendente, no domingo de Páscoa, 25 de abril de 1886.
Em 1882, depois de obter seu
diploma, ficou noivo de Martha Bernays (Martha Freud), que se tornaria sua mulher. Por
razões financeiras, renunciou então à carreira de pesquisador e decidiu tornar-se
clínico. Nos três anos seguintes, trabalhou no Hospital Geral de Viena, primeiro no
serviço de Hermann Nothnagel, depois no de Theodor Meynert. Ali, ficou conhecendo Nathan
Weiss (1851-1883), e quando esse novo amigo se suicidou por enforcamento, Freud ficou
transtornado. "Sua vida, escreveu a Martha, parece ter sido a de um personagem de
romance, e sua morte uma catástrofe inevitável."
Pensando em tornar-se célebre e
libertar-se da pobreza para poder se casar, acreditava ter descoberto as virtudes da
cocaína e administrou-a a seu amigo Ernst von Fleischl-Marxow, que sofria de uma doença
incurável. Não percebia a dependência induzida pela droga e ignorava tudo sobre sua
acção anestesiante, que seria descoberta por Carl Koller.
Em 1885, nomeado
"Privatdozent" de neurologia, Freud obteve uma bolsa de estudos graças à qual
pudera realizar um de seus sonhos, ir a Paris. Queria muito encontrar-se com Jean Martin
Charcot, cujas experiências sobre a histeria o fascinavam. Foi assim que teve um encontro
determinante, na Salpétrière, com Charcot. Deve-se observar que Charcot não se mostrou
interessado nem pelos cortes histológicos que Freud lhe levou, como prova de seus
trabalhos, nem pelo relato do tratamento de Anna O., cujos elementos clínicos principais
seu amigo J. Breuer lhe tinha comunicado, a partir de 1882. Charcot quase não se
interessava pela terapêutica, preocupando-se em descrever e classificar os fenômenos
para tentar explica-los de forma racional.
Essa primeira permanência na
França marcou o início da grande aventura científica que o levaria à invenção da
psicanálise. No Teatro Saint-Martin, Freud assistiu maravilhado à representação de uma
peça de Victorien Sardou, interpretada por Sarah Bernhardt: "Nunca uma actriz me
surpreendeu tanto; eu estava pronto a acreditar em tudo o que ela dizia." Depois de
Paris, foi a Berlim, onde fez os cursos do pediatra Adolf Baginsky.
De volta a Viena, instalou-se como
médico particular, abrindo um consultório na Rathausstrasse. Freud também trabalhava,
três tardes por semana, como neurologista na Clínica Steindlgasse, primeiro instituto
público de pediatria, dirigido pelo professor Max Kassowitz (1842-1913). Em setembro de
1886, casou-se com Martha, e no dia 15 de outubro fez uma conferência sobre a histeria
masculina na Sociedade dos Médicos, onde teve uma acolhida glacial, não em razão de
suas teses (etiológicas), como diria depois, mas porque atribuía a Charcot a paternidade
de noções que já eram conhecidas pelos médicos vienenses.
Em 1887, um mês depois do
nascimento de sua filha Mathilde (Hollitscher), Freud ficou conhecendo Wilhelm Fliess,
brilhante médico judeu berlinense, que fazia amplas pesquisas sobre a fisiologia e a
bissexualidade. Era o início de uma longa amizade e de uma soberba correspondência
íntima e científica. Apesar de várias tentativas, Fliess não conseguiria curar Freud
de sua paixão pelo fumo: "Comecei a fumar aos 24 anos, escreveu em 1929, primeiro
cigarros, e logo exclusivamente charutos [...]. Penso que devo ao charuto um grande
aumento da minha capacidade de trabalho e um melhor autocontrole."
Freud começa a utilizar os meios
de que dispunha, a electroterapia de W.H. Erb, a hipnose e a sugestão. As dificuldades
encontradas levam-no a se ligar a A.A. Liébault e H. M. Bernheim, em Nancy, durante o
verão de 1889. Traduz, aliás, as obras deste último para o alemão. Encontra nelas a
confirmação das reservas e decepções que ele próprio sentia por tais métodos.
Em setembro de 1891, Freud mudou-se
para um apartamento situado no número 19 da rua Berggasse. Ficou ali até seu exílio em
1938, cercado por seus seis filhos (Mathilde, Mrtin, Oliver, Ernst, Sophie Halberstadt,
Anna) e de sua cunhada Minna Bernays. Como clínico, tratava essencialmente de mulheres da
burguesia vienense, qualificadas como "doentes dos nervos" e sofrendo de
distúrbios histéricos. Abandonando o niilismo terapêutico, tão comum nos meios
médicos vienenses da época, procurou, ante de tudo, curar e tratar de suas pacientes,
aliviando os seus sofrimentos psíquicos. Durante um ano, utilizou os métodos
terapêuticos aceitos na época: massagens, hidroterapia, electroterapia. Mas logo
constatou que esses tratamentos não tinham nenhum efeito. Assim começou a utilizar a
hipnose, inspirando-se nos métodos de sugestão de Hippolyte Bernheim, a quem fez uma
visita por ocasião do primeiro congresso internacional de hipnotismo, que se realizou em
Paris em 1889. Em 1891, publicou uma monografia, "Contribuição à concepção das
fantasias", na qual se baseava nas teorias de Hughlings Jackson para propor uma
abordagem funcional, e não mais apenas neurofisiológica, dos distúrbios de linguagem. A
doutrina das "localizações cerebrais" era substituída pelo associacionismo,
que abria caminho para a definição de um "aparelho psíquico" tal como se
encontraria na metapsicologia: ele faz sua primeira formulação em 1896 e estabelece seus
fundamentos no capítulo VII da "Interpretação dos Sonhos".
Em 1890, consegue convencer seu
amigo Breuer a escrever com ele uma obra sobre a histeria. Seu trabalho em comum dará
lugar à publicação, em 1893, de "Sobre o mecanismo psíquico dos fenómenos
histéricos: comunicação preliminar", que irá abrir caminho para "Estudos
sobre a histeria"; já se encontra nele a ideia freudiana de defesa, para proteger o
sujeito de uma representação "insuportável" ou "incompatível". No
mesmo ano, em um texto intitulado "Algumas Considerações para um Estudo Comparativo
das Paralisias Motoras Orgânicas e Histéricas", publicado em francês em
"Archives neurologiques", Freud afirma que "a histeria se comporta, nessas
paralisias e outras manifestações, como se a anatomia não existisse, ou como se ela
não tomasse disso nenhum conhecimento".
Os "Estudos sobre a
histeria", obra comum de Breuer e Freud, são publicados em junho de 1895. A obra
comporta, além da Comunicação Preliminar, cinco observações de doentes: a primeira
de Anna O (Bertha Pappenheim) é redigida por Breuer e é nela que se
encontra a expressão tão feliz "Talking Cure", proposta por Anna O; as quatro
seguintes devem-se a Freud. A obra conclui com um texto teórico de Breuer e um outro
sobre a psicoterapia da histeria, de Freud, onde se pode ver o início do que irá separar
os dois autores no ano seguinte.
Em "L Hérédité et
lÉtiologie dês Névroses", publicado em francês, em 1896, na "Revue
neurologique", Freud de fato afirma: "Experiência de passividade sexual antes
da puberdade; é essa, pois, a etiologia específica da histeria". No artigo, é
empregado pela primeira vez o termo "psicanálise". Foi também durante esses
anos que a reflexão de Freud sobre a súbita interrupção feita for Breuer no tratamento
de Anna O levou-o a conceber a transferência.
Finalmente, deve-se assinalar a
redacção, em poucas semanas, no final de 1895, de "Projecto para uma Psicologia
Científica" (Entwurf einer Psychologie), que Freud nunca irá publicar e que
constitui, no começo, sua última tentativa de apoiar a psicologia sobre os dados mais
recentes da neurofisiologia.
Trabalhando ao lado de Breuer,
Freud abandonou progressivamente a hipnose pela catarse, inventou o método da
associação livre, e enfim a psico-análise. Essa palavra foi empregada pela primeira vez
em 1896, e sua invenção foi atribuída a Breuer. Em 1897, com um relatório favorável
de Nothnagel e de Richard von Krafft-Ebing, o nome de Freud foi proposto para receber o
prestigioso título de professor extraordinário. Sua nomeação foi ratificada pelo
imperador Francisco José no dia 5 de março de 1902.
Ao contrário de muitos
intelectuais vienenses marcados pelo "ódio de si judeu", Freud, judeu infiel e
incrédulo, hostil a todos os rituais e à religião, nunca negaria sua judeidade. Como
enfatizou Manès Sperber, ele continuaria sendo "um judeu consciente, que não
dissimulava a ninguém sua origem, proclamando-a, ao contrário, com dignidade e
frequentemente com orgulho. Muitas vezes, afirmou que detestava Viena e que se sentia como
que libertado a cada vez que se afastava dessa cidade, onde crescera e à qual ficaria
ligado, entretanto, por laços indestrutíveis. Sua consciência da identidade judaica
permaneceria assim, pois sua origem nunca foi para ele uma fonte de sentimentos de
inferioridade, embora ela lhe causasse problemas e dificuldades suplementares,
principalmente em sua vida profissional".
Sua posição doutrinária está
centrada na teoria do núcleo patogénico, constituído na infância, por ocasião de um
trauma sexual real, decorrente da sedução por um adulto. O sintoma é a consequência do
recalcamento das representações insuportáveis que constituem esse núcleo, e o
tratamento consiste em trazer a consciência os elementos, como se extrai um "corpo
estranho" , sendo a consequência do levantamento do recalque o desaparecimento do
sintoma.
Durante alguns dos anos que
antecederam a publicação de "A interpretação de sonhos", Freud introduz na
nosografia, à qual não é indiferente, alguma entidade nova. Descreve a neurose de
angústia, separando-a da categoria bastante heteróclita da neurastenia. Isola, pela
primeira vez, a neurose obsessiva (alem. Zwangsneurose) e propõe o conceito de
psiconeurose de defesa, no qual é integrada a paranóia.
Porém, sua principal tarefa é a
auto-análise, termo que irá empregar por pouco tempo. Eis o que diz sobre isto, na carta
a W.Fliess, de 14 de novembro de 1887: "Minha auto-análise continua sempre em
projecto, agora compreendi o motivo. É porque não posso analisar a mim mesmo a não ser
me servindo de conhecimentos adquiridos objectivamente (como para um estranho). Uma
verdadeira auto-análise é realmente impossível, de outro modo não haveria mais
doença".
No âmbito de sua amizade com
Fliess, ocorreram vários acontecimentos maiores na vida de Freud: sua auto-análise, um
intercâmbio de caso (Emma Eckstein), a publicação de um primeiro grande livro,
"Estudos sobre a histeria", no qual são relatadas várias histórias de
mulheres (Bertha Pappenheim, Fanny Moser, Aurélia Öhm, Anna von Lieben, Lucy, Elisabeth
von R., Mathilde H., Rosalie H.), e enfim o abandono da teoria da sedução segundo a qual
toda neurose se explicaria por um trauma real. Essa renúncia, fundamental para a
história da psicanálise, ocorreu em 21 de setembro de 1897. Freud comunicou-a a Fliesse
em tom enfático, em uma carta que se tornaria célebre: "Não acredito mais na minha
Neurótica."
O encontro com Fliess remonta a
1887. Freud começa a analisar sistematicamente seus sonhos, a partir de julho de 1895.
Tudo se passa como se Freud, sem antes se dar conta disso, tivesse utilizado Fliess como
intérprete, para efectuar sua própria análise. Seu pai morreu em 23 de outubro de 1896.
Poder-se-ia pensar que tal acontecimento não foi estranho à descoberta do complexo de
Édipo, do qual se encontra, um ano mais tarde, na carta a Fliess de 15 de outubro de
1897, a seguinte primeira formulação esquemática: "Acorreu-me ao espírito uma
única ideia, de valor geral. Encontrei em mim, como em todo lugar, sentimentos de amor
para com minha mãe e de ciúme para com meu pai, sentimentos que são, acho eu, comuns a
todas as crianças pequenas, mesmo quando seu aparecimento não é tão precoce como nas
crianças que se tornaram histéricas (de uma forma análoga à da romantizarão original
nos paranóicos, heróis e fundadores de religiões). Se isso for assim, pode-se
compreender, apesar de todas as objeções racionais que se opõem à hipótese de uma
fatalidade inexorável, o efeito percebido em Édipo rei. Também se pode
compreender por que todos os dramas mais recentes do destino deveriam acabar
miseravelmente...mas a lenda grega percebeu uma compulsão que todos reconhecem, pois
todos a". sentiram. Cada ouvinte foi, um dia, em germe, em imaginação, um Édipo, e
espanta-se diante da realização de seu sonho, transportado para a realidade,
estremecendo conforme o tamanho do recalcamento que separa seu estado infantil de seu
estado atual.".
Começou então a elaborar sua
doutrina da fantasia, concebendo em seguida uma nova teoria do sonho e do inconsciente ,
centrada no recalcamento e no complexo de Édipo. Seu interesse pela tragédia de
Sófocles foi contemporâneo de sua paixão por Hamlet. Freud era um grande leitor de
literatura inglesa, alimentando-se especialmente da obra de Shakespeare: "Uma ideia
atravessou o meu espírito, escreveu a Fliess em 1897, de que o conflito edipiano encenado
em Édipo rei de Sófocles poderia estar também no cerne de Hamlet. Não
acredito em uma intenção consciente de Shakespeare, mas, antes, que um acontecimento
real levou o poeta a escrever esse drama, tendo seu próprio inconsciente lhe permitido
compreender o inconsciente do seu herói." A ruptura definitiva com Fliess ocorrerá
em 1902.
Depois de 1926, e a despeito de uma
longa discussão com James Strachey, Freud acabaria cedendo à crença segundo a qual
Shakespeare não era o autor de sua obra. Aliás, esse tema do deslocamento da
atribuição de uma paternidade ou de uma identidade se encontraria por várias vezes em
sua obra, principalmente em "Moisés e o monoteísmo", na qual fez de Moisés um
egípcio.
Da nova teoria do inconsciente
nasceria um segundo grande livro, publicado em novembro de 1899, "A Interpretação
dos Sonhos" (Die Traumdeutung), no qual é relatado o sonho da "Injecção de
Irmã", ocorrido quando Freud estava em Bellevue, em julho de 1895, em um pequeno
castelo na floresta vienense: "Você acredita, (escreveu a Fliess no dia 12 de julho
de 1900), que haverá um dia nesta casa uma placa de mármore com esta inscrição: Foi
nesta casa que, em 24 de julho de 1895, o ministério do sonho foi revelado ao doutor
Sigmund Freud? Até agora, tenho pouca esperança." O postulado inicial introduz uma
ruptura radical com todos os discursos anteriores. O absurdo, a incongruência dos sonhos
não é um acidente de ordem mecânica; o sonho tem um sentido, esse sentido está
escondido e não decorre das figuras utilizadas pelo sonho, mas de um conjunto de
elementos pertencentes ao próprio sonhador, fazendo com que a descoberta do sentido
oculto dependa das "associações" produzidas pelo sujeito. Exclui-se, portanto,
que esse sentido possa ser determinado sem a colaboração do sonhador.
Aquilo com que estamos lidando é
um texto; sem dúvida, o sonho é constituído principalmente de imagens, mas o acesso a
elas só pode ser obtido pela narrativa do sonhador, que constitui seu "conteúdo
manifesto", que é preciso decifrar, como Champollion fez com os hieróglifos
egípcios, para descobrir seu "conteúdo latente". O sonho é constituído como
os "restos diurnos", aos quais são transferidos os investimentos afectados
pelas representações de desejo. O sonho, ao mesmo tempo em que protege o sono, assegura,
de uma forma camuflada, uma certa "realização de desejo". A elaboração do
sonho é feita por técnicas especiais, estranhas ao pensamento consciente, a
condensação (um mesmo elemento representava vários pensamentos do sonho) e o
deslocamento (um elemento do sonho é colocado no lugar de um pensamento latente).
Resultam dessa concepção do sonho
uma estrutura particular do aparelho psíquico, que foi objecto do sétimo e último
capítulo. Mais do que a divisão em três instâncias, consciente, pré-consciente e
inconsciente, que especifica o que se chama de primeira tópica, convém conservar a ideia
de uma divisão do psiquismo em dois tipos de instâncias, obedecendo a leis diferentes e
separadas por uma fronteira que só pode ser ultrapassada em determinadas condições,
consciente-pré-consciente, por um lado, inconsciente, por outro. Esse corte é radical e
irredutível, nunca poderá haver "síntese", mas apenas "tendência à
síntese". O sentimento próprio ao eu da unidade que constitui nosso mental não é
mais do que uma ilusão. Um aparelho desse tipo torna problemática a apreensão da
realidade, que deve ser constituída pelo sujeito. A posição de Freud, aqui, é a mesma
expressa no "Projecto": "O inconsciente é o próprio psíquico e sua
realidade essencial. Sua natureza íntima nos é tão desconhecida como a realidade do
mundo exterior, e a consciência nos ensina sobre ela de uma maneira tão incompleta como
nossos órgãos dos sentidos sobre o mundo exterior".
Para Freud, o sonho se encontra em
uma espécie de encruzilhada entre o normal e o patológico, e as conclusões concernentes
ao sonho serão consideradas por ele como válidas para explicar os estados neuróticos.
"A psicopatologia da vida
quotidiana" (Zur Psychopathologie dês Alltagslebens) é publicado no ano seguinte,
em 1901. Ela começa, por exemplo, com um esquecimento de nome, o de Signorelli, análise
já publicada por Freud em 1898; o esquecimento associa, em sua determinação, tanto com
motivos sexuais como a ideia de morte. A obra reúne toda uma série de pequenos
acidentes, aos quais quase não se dá, via de regra, nenhuma atenção, como os
esquecimentos de palavras, as "lembranças encobridoras", os lapsos da palavra
ou escrita, os erros de leitura e escrita, os equívocos, os actos falhos, etc.
Esses fatos podem ser considerados
como manifestações do inconsciente, nas seguintes três condições: 1.não deve
ultrapassar um certo limite fixado por nosso juízo, isto é, aquilo que chamamos de
"os limites do ato normal"; 2.devem ter carácter de um distúrbio momentâneo;
3.não podem ser caracterizados assim a não ser que os motivos nos escapem e que fiquemos
reduzidos a invocar o "acaso" ou a "falta de atenção".
"Ao colocar os actos falhos na
mesma categoria das manifestações das psiconeuroses, damos um sentido e uma base a duas
afirmativas que ouve repetir com frequência, a saber, que entre o estado nervoso normal e
o funcionamento nervoso anormal, não existe um limite claro e marcado (...). Todos os
fenómenos em questão, sem nenhuma excepção, permitem que se chegue aos materiais
psíquicos reprimidos incompletamente e que, embora recalcados pela consciência, não
perderam toda a possibilidade de se manifestar e se exprimir".
O terceiro texto, "Os chistes
e sua relação com o inconsciente" (Der Witz und seine Beziehung zum Unbewuften), é
publicado em 1905. Diante desse material logo e difícil, alguns se perguntaram por que
Freud tinha julgado necessário acumular uma quantidade tão grande de exemplos, com uma
classificação complicada. Sem dúvida, porque suas teses eram difíceis de pôr em
evidência. Eis as principais. "O espírito reside apenas na expressão verbal".
Os mecanismos são os mesmos do sonho, a condensação e o deslocamento. O prazer que o
espírito engendra está ligado à técnica e à tendência satisfeita, hostil ou obscena.
Porém, um terceiro ocupa sobretudo nele um papel principal, e é isso o que o distingue
do cómico. "O espírito em geral precisa da intervenção de três personagens:
aquele que faz a palavra, aquele que se diverte com a verve hostil ou sexual e, enfim,
aquele no qual é realizada a intenção do espírito, que é a de produzir prazer".
Finalmente: "Só é espirituoso aquilo que é aceito como tal". Compreende-se
então a dificuldade para traduzir a palavra alemã "Witz", que não tem
equivalente em francês, mas também a dificuldade de seu manejo em alemão, por aquilo
que acaba de ser lembrado e pela diversidade dos exemplos utilizados, histórias
engraçadas, chistes, trocadilhos, etc. A especificidade do "Witz" explica a
atenção que Freud tem em distingui-lo do cómico, distinção assim resumida: "O
espírito é, por assim dizer, para o cómico, a contribuição que lhe vem do domínio do
inconsciente".
No mesmo ano, surgem os "Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade" (Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie), onde é
afirmada e ilustrada a importância da sexualidade infantil e proposto um esquema da
evolução da libido, por suas fases caracterizadas pela sucessiva dominância das zonas
erógenas bucal, anal e genital. Nesse texto a criança, em relação à sexualidade, é
definida como um "perverso polimorfo", e a neurose é situada como "o
negativo da perversão".
Mais ou menos entre 1905 e 1918,
irão se suceder um grande número de textos referentes à técnica e, para ilustra-la,
apresentações de casos clínicos. Entre estes últimos estão as "Cinco
psicanálises":
Em 1905, "Fragmento da
análise de um caso de histeria": observação de uma paciente chamada Dora, centrada
em dois sonhos principais, cujo trabalho de interpretação ocupa sua maior parte.
Em 1909, "Análise de uma
fobia em um menino de cinco anos" (o pequeno Hans): Freud verifica a exactidão das
"reconstituições" efectuadas no adulto.
Também em 1909, "Notas sobre
um caso de neurose obsessiva" (O Homem dos Ratos): a análise é dominada por um voto
inconsciente de morte, e Freud se espanta ao verificar, "ainda mais" em um
obsessivo, as descobertas feitas no estudo da histeria.
Em 1911, "Notas
psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia" (Dementia
paranoides) (o presidente Schreber): a particularidade dessa análise se prende ao fato de
que Freud nunca encontrou o paciente, contentando-se em trabalhar com as
"Memórias" nas quais este descrevera sua doença, dando a elas um interesse
científico.
Finalmente, em 1918,
"História de uma neurose infantil" (O Homem dos Lobos): a observação foi para
Freud de particular importância. Ela fornecia a prova da existência, na criança, de uma
neurose perfeitamente constituída, seja ela aparente ou não, nada mais sendo a do adulto
do que uma exteriorização e repetição da neurose infantil; ela demonstrou a
importância dos motivos libidinais e a ausência de aspirações culturais, ao contrário
de C. Jung; ela forneceu uma exacta ilustração da constituição do fantasma e do lugar
da cena primitiva.
Em 1902, com Alfred Adler, Wilhelm
Stekel, Max Kahane (1866-1923) e Rudolf Reitler (1865-1917), fundou a Sociedade
Psicológica das Quartas-Feiras, primeiro círculo da história do freudismo. Durante os
anos que se seguiram, muitas personalidades do mundo vienense se juntaram ao grupo: Paul
Federn, Otto Rank, Fritz Wittels, Isidor Sadger. Foi durante essas reuniões que se
elaborou a ideia de uma possível aplicação da psicanálise a todas as áreas do saber:
literatura, antropologia, história, etc. O próprio Freud defendeu a noção de
psicanálise aplicada, publicando uma fantasia literária: "Delírios e sonhos na
Gradiva de Jensen (1907)".
Em 1907 e 1908, o círculo dos
primeiros discípulos freudianos se ampliou ainda mais, com a adesão à psicanálise de
Hanns Sachs, Sandor Ferenczi, Karl Abraham, Ernest Jones, Abraham Arden Brill e Max
Eitingon.
Durante o primeiro quarto do
século, a doutrina freudiana se implantou em vários países: Grã-Bretanha, Hungria,
Alemanha, costa leste dos Estados Unidos. Na Suíça produziu-se um acontecimento maior na
história do movimento psicanalítico : Eugen Bleuler, médico-chefe da clínica do
Hospital Burghölzli de Zurique, começou a aplicar o método psicanalítico ao tratamento
das psicoses, inventando ao mesmo tempo a noção de esquizofrenia. Uma nova "terra
prometida" se abriu assim à doutrina freudiana: ela podia a partir de então
investir o saber psiquiátrico e tentar dar uma solução para o enigma da loucura humana.
No dia 3 de março de 1907, Carl
Gustav Jung, aluno e assistente de Bleuler, foi a Viena para conhecer Freud. Depois de
várias horas de conversa, ficou encantado com esse novo mestre. Seria o primeiro
discípulo não-judeu de Freud.
Em 1909, a convite de Grandville
Stanley Hall, Freud foi, em companhia de Jung e de Ferenczi, à Clark University de
Worcester, em Massachusetts, para dar cinco conferências, que seriam reunidas sob o
título de "Cinco lições de psicanálise". Apesar de um encontro produtivo com
James Jackson Putnam e de um sucesso considerável, Freud não gostou do continente
americano. Durante toda a vida, desconfiaria do espírito pragmático e puritano desse
país que acolhia suas ideias com entusiasmo ingénuo e desconcertante.
Temendo o anti-semitismo e que a
psicanálise fosse assimilada a uma "ciência-judaica", Freud decidiu
"desjudalizá-la", pondo Jung à frente, como presidente, do movimento. Depois
de um primeiro congresso, que reuniu em Salzburgo em 1908 todas as sociedades locais,
criou com Ferenczi, em Nuremberg, em 1910, uma associação internacional, a Sociedade
Psicanalítica de Viena "Internationale Psychoanalytische Vereinigung" (IPV). Em
1933, a sigla alemã seria abandonada. A IPV se tornaria então a Associação
Internacional de Psicanálise "International Psychoanalytical Association"
(IPA).
Entre 1909 e 1913, Freud publicou
mais duas obras: "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância" (1910) e
"Totem e tabu" (1912-1913). A partir de 1910, a expansão do movimento se
traduziu por dissidências, tendo como motivo simultaneamente quer elas pessoais e
questões teóricas e técnicas. Às rivalidades narcísicas se acrescentaram críticas
sobre a duração dos tratamentos, a questão da transferência e da contratransferência,
o lugar da sexualidade e a definição da noção de inconsciente.
Inicialmente, está a questão do
pai, tratada com uma excepcional amplidão, em "Totem e tabu", e retomada a
partir de um exemplo particular, em "Moisés e o monoteísmo" (1932-1938). Ela
constitui um dos pontos mais difíceis da doutrina de Freud, devido ao polimorfismo da
função paterna em sua obra. Mais tarde, foi o conceito de narcisismo que foi objecto do
grande artigo em 1914, "Sobre o narcisismo: uma introdução", necessária para
levantar as dificuldades encontradas na análise de Schreber e tentar explicar as
psicoses, mas também para esboçar uma teoria do eu. "O estranho" (Das
Unheimliche), publicado em 1919, refere-se especialmente à problemática da castração.
Porém, a maior alteração decorreu da conceitualização do automatismo de repetição e
do instinto de morte, que são o assunto de "Além do princípio de prazer"
(Jenseits dês Lustprinzips, 1920). A teoria do eu e da identificação serão os temas
centrais de "Psicologia de grupo e análise do ego" (Massenpsychologie umd
Ich-Analyse, 1921).
Finalmente, "A Negativa"
(Die Verneinung, 1925) irá sublinhar a primazia da palavra, na experiência
psicanalítica, ao mesmo tempo em que define um modo particular de presentificação do
inconsciente.
Freud nunca deixou de tentar
reunir, em uma visão que chama de metapsicologia, as descobertas que sua técnica
permitiu e as elaborações que nunca deixaram de acompanhar sua prática, mesmo afirmando
que esse esforço não deveria ser interpretado como uma tentativa de constituição de
uma nova "visão do mundo" (Weltanschauung).
Certos remanejamentos valem como
correcções de posições anteriores. Este é o caso da teoria do fantasma que, por volta
de 1910, irá substituir a primeira teoria traumática da sedução precoce (Leonardo da
Vinci e uma lembrança de sua infância, 1907; Formulações sobre os dois princípios do
funcionamento mental, 1911; "O Homem dos Lobos", 1918).
Esse também foi o caso do
masoquismo, considerado, num primeiro momento, como uma inversão do sadismo. As teses de
"Além do princípio do prazer" permitirão a concepção de um masoquismo
primário, que Freud será levado a tornar equivalente, em "O problema económico do
masoquismo" (1925), ao instinto de morte e ao sentimento de culpa irredutível e
inexplicado, revelado por certas análises.
De forma sem dúvida arbitrária,
pode-se classificar, nos remanejamentos tornados necessários devido ao desgaste dos
termos (embora muitos outros motivos o justifiquem), a introdução da segunda tópica,
constituída pela três instâncias, isso, eu e supereu (O ego e o id [Das Ich und das
Es], 1923), as novas considerações sobre a angústia, como sinal de perigo (Inibições,
sintomas e ansiedade/angústia [Hemmung, Symptom und Angst], 1926) e, finalmente, o
último texto, inacabado, "A divisão do ego no processo de defesa (Die Ichspaltung
im Abwehvorgang, 1938), no qual Freud anuncia que, apesar das aparências, o que irá
dizer, referindo-se à observação do artigo de 1927, sobre o feiticismo, também era
então totalmente novo. E, de fato, as formulações nele propostas apresentem-se como um
esboço de uma remodelagem de toda a economia de sua doutrina."
Na obra de Freud, dois textos
possuem, aparentemente, um estatuto um tanto especial. São eles "O futuro de uma
ilusão" (Die Zukunft einer Illusion), publicado em 1927, que examina a questão da
religião, e "O mal-estar na civilização" (Das Unbehagen in der Kultur, 1929),
dedicado ao problema da felicidade, considerada pro Freud inatingível, e às exigências
exorbitantes da organização social ao sujeito humano.
De fato, trata-se da consideração
de fenómenos sociais, à luz da experiência psicanalítica. Na realidade, como sempre
acontece com Freud, o ângulo escolhido para tratar de qualquer questão serve-lhe, antes
de tudo, para dar esclarecimentos ou indicações sobre aspectos importantes da
experiência. Isso ocorre, em "O Futuro", com a questão do pai e a de Deus,
como seu corolário; em "O mal-estar", a maldade fundamental do ser humano e a
constatação paradoxal de que quanto mais o sujeito satisfaz os imperativos morais, os do
supereu, mais este se mostra exigente.
Em 1911, Adler e Stekel se
separaram do grupo freudiano. Dois anos depois, Jung e Freud romperam todas as suas
relações. Não suportando desvios em relação à sua doutrina, Freud publicou, às
vésperas da Primeira Guerra Mundial, um verdadeiro panfleto, "A história do
movimento psicanalítico", no qual denunciou as traições de Jung e Adler. Depois,
criou um Comité Secreto, composto de seus melhores paladinos, aos quais distribuiu um
anel de fidelidade.
Longe de evitar as dissidências,
essa iniciativa levou a novas querelas. Apoiados por Jones, os berlinenses (Abraham e
Eitingon) preconizava a ortodoxia institucional, enquanto os austro-húngaros (Rank e
Ferenczi) se interessavam mais pelas inovações técnicas. Uma nova dissidência marcou
ainda a história desse primeiro freudismo: a de Wilhelm Reich.
Por volta de 1930, o fenómeno da
dissidência deu lugar às cisões, característica da transformação da psicanálise em
um movimento de massa. A partir daí eram os grupos que se enfrentavam, não mais os
discípulos ou os pioneiros em rivalidade com o mestre. Isolado em Viena, mas célebre no
mundo inteiro, Freud prosseguiu sua obra, sem conseguir controlar a política de seu
movimento. Entre 1919 e 1933, a IPA se transformou em uma verdadeira máquina
burocrática, com a responsabilidade de resolver todos os problemas técnicos relativos à
formação dos psicanalistas.
No fim da Primeira Guerra Mundial,
a discussão sobre o carácter traumático das afecções psíquicas foi relançada, com o
aparecimento das neuroses de guerra. Freud foi então confrontado com seu velho rival
Julius Wagner Jauregg, acusado de ter submetido soldados julgados simuladores a inúteis
tratamentos elétricos. Nesse debate, Freud interveio de maneira magistral para demonstrar
a superioridade da psicanálise sobre todos os outros métodos.
Com o desmoronamento do império
austro-húngaro, Berlim se tornou a capital do freudismo, como provou a criação do
Berliner Psychoanalytisches Institut (BPI), e as numerosas actividades do instituto de
Frankfurt em torno de Otto Fenichel e da "esquerda freudiana". Enquanto os
americanos afluíam a Viena para se formar no divã do mestre, este analisava a própria
filha, Anna Freud. Esta não tardaria a tornar-se chefe de escola e opor-se a Melanie
Klein, sua principal rival no campo da psicanálise de crianças. Nesse aspecto, a
oposição entre a escola vienense, que se desenvolveu na IPA a partir de 1924 e que
girava em torno da questão da sexualidade feminina, mostrou o lugar cada vez mais
importante das mulheres no movimento psicanalítico. No centro dessa polemica, Freud
manteve sua teoria da libido única e do falocentrismo, sem com isso mostrar-se misógino.
Ligado em sua vida particular a uma concepção burguesa da família patriarcal, adoptava
todavia, em suas amizades com mulheres intelectuais, uma atitude perfeitamente cortês,
moderna e igualitária. Por sua doutrina e por sua condição de terapeuta, desempenhou um
papel na emancipação feminina.
Nos anos 1920, Freud publicou três
obras fundamentais, através das quais definiu sua segunda tópica e remanejou
inteiramente sua teoria do inconsciente e do dualismo pulsional: "Mais-além do
princípio do prazer" (1920), "`Psicologia das massas e análise do eu"
(1921), "O eu e o isso" (1923). Esse movimento de reformulação conceitual já
começara em 1914, quando da publicação de um artigo dedicado à questão do narcisismo.
Confirmou-se, em 1915, com a elaboração de uma metapsicologia e a publicação de um
ensaio sobre a guerra e a morte, no qual Freud sublinhava a necessidade para o sujeito de
"organizar-se em vista da morte, a fim de melhor suportar a vida". Dessa
reformulação, centrada na dialética da vida e da morte e em uma acentuação da
oposição entre o eu e o isso, nasceriam as diferentes correntes do freudismo moderno:
kleinismo, Ego Psychology, Self Psychology, lacanismo, annafreudismo, Independentes.
Para postular a existência de uma
pulsão de morte, Freud revalorizou duas figuras da mitologia grega: Eros e Tânatos. Essa
revisão da doutrina original se produziu em um momento em que a sociedade vienense, já
preocupada com a sua própria morte desde o fim do século, se confrontava com a negação
absoluta de sua identidade: a Áustria dessa época, como enfatizou Stefan Zweig, era, no
mapa da Europa, apenas "uma luz crepuscular", uma "sombra cinzenta, difusa
e sem vida, da antiga monarquia imperial".
Em fevereiro de 1923, Freud
descobriu, do lado direito de seu palato, um pequeno tumor, que devia ser logo extirpado.
Em um primeiro tempo, Felix Deutsch, seu médico, lhe ocultou a natureza maligna desse
tumor. Freud se indispôs com ele. Seis meses depois, Hans Pichler, cirurgião vienense,
procedeu a uma intervenção radical: a ablação dos maxilares e da parte direita do
palato. Trinta e uma operações seriam feitas posteriormente, sob a supervisão de Max
Schur. Freud foi obrigado a suportar uma prótese, que ele chamava de "monstro".
"Com seu palato artificial, escreveu Zweig, ele tinha visivelmente dificuldade para
falar [...]. Mas não abandonava seus interlocutores. Sua alma de aço tinha a ambição
particular de provar a seus amigos que sua vontade era mais forte que os tormentos
mesquinhos que o seu corpo lhe infligia [...]. Era um combate terrível, e cada vez mais
sublime à medida que se estendia. Cada vez que eu o via, a morte jogava mais
distintamente sua sombra sobre seu rosto [...]. Um dia, quando de uma de minhas últimas
visitas, levei comigo Salvador Dali, a meu ver o pintor mais talentoso da jovem geração,
que devotava a Freud uma veneração extraordinária. Enquanto eu falava, ele desenhou um
esboço. Nunca tive coragem de mostrá-lo a Freud, pois Dali, em sua clarividência, já
representara o trabalho da morte."
A doença não impedia Freud de
prosseguir com suas actividades, mas o mantinha afastado das questões do movimento
psicanalítico, e foi Jones quem presidiu os destinos da IPA a partir de 1934, data na
qual Max Eitingon foi obrigado a deixar a Alemanha.
Apaixonado por telepatia, Freud
não hesitou em se dedicar, com Ferenczi, entre 1921 e 1933, a experiências ditas
"ocultas", que iam contra a política jonesiana, que visava dar à psicanálise
uma base racional, científica e médica. Em 1926, depois de um processo intentado contra
Theodor Reik, tomou vigorosamente a defesa dos psicanalistas não-médicos, publicando
"A questão da análise leiga". No ano seguinte, deflagrou com seu amigo Oskar
Pfister uma polêmica ao publicar "O futuro de uma ilusão", obra na qual
comparava a religião a uma neurose. Enfim, em 1930, com "O mal-estar na
cultura", questionava a capacidade das sociedades democráticas modernas de dominar
as pulsões destrutivas que levam os homens à sua perda. Dois anos depois, em um
intercâmbio com Albert Einstein (1879-1955), enfatizou que o desenvolvimento da cultura
era sempre uma maneira de trabalhar contra a guerra. Entre 1929 e 1939, manteve uma
crónica de seus encontros (Kürzeste Chronik, Crônica brevíssima), que seria publicada
por Michael Molnar em Londres, em 1992. Cada vez mais pessimista quanto ao futuro da
humanidade, Freud não tinha nenhuma ilusão sobre a maneira como o nazismo tratava os
judeus e a psicanálise: "Como homem verdadeiramente humano, escreveu Zweig, ele
estava profundamente abalado, mas o pensador não se surpreendia absolutamente com a
espantosa irrupção da bestialidade." Entretanto, no dia seguinte ao incêndio do
Reichstag, decidiu com Eitingon manter a existência do BPI. Embora não aprovasse a
política de "salvamento" da psicanálise, preconizada por Jones, cometeu o erro
de privilegiar a luta contra os dissidentes (Reich e os adlerianos), ao invés de recusar
qualquer compromisso com Matthias Heinrich Göring, o que teria levado à suspensão de
todas as actividades psicanalíticas, logo que Hitler chegou ao poder.
Mas em Março de 1938, no momento
da invasão da Áustria pelas tropas alemãs, Richard Sterba agiu em sentido contrário,
decidindo recusar a política de Jones e não criar em Viena um instituto
"arianizado" como o de Göring, em Berlim. Tomou-se então a decisão de
dissolver a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) e transportá-la "para onde
Freud fosse morar". Graças à intervenção do diplomata americano William Bullitt
(1891-1967) e a um resgate pago por Marie Bonaparte, Freud pôde deixar Viena com sua
família. No momento de partir, foi obrigado a assinar uma declaração na qual afirmava
que nem ele nem seus próximos haviam sido importunados pelos funcionários do Partido
Nacional-Socialista. Em Londres, instalou-se em uma bela casa em Maresfield Gardes 20,
futuro Freud Museum. Ali, redigiu sua última obra, "Moisés e o monoteísmo".
Nunca saberia do destino dado pelos nazistas às suas quatro irmãs, exterminadas em
campos de concentração.
No começo do mês de setembro de
1939, escutava o rádio todos os dias. Aos seus familiares, que lhe perguntavam se aquela
seria a última guerra, respondia: "Será minha última guerra." Iniciou então
a leitura de "Peau de chagrin" de Honoré de Balzac (1799-1850): "É
exactamente disso que preciso, disse, este livro fala de definhamento e de morte por
inanição." Em 21 de setembro, pegou a mão de Max Schur e lembrou o primeiro
encontro dos dois: "Você prometeu não me abandonar quando chegasse a hora. Agora é
só uma tortura sem sentido." Depois, acrescentou: "Fale com Anna; se ela achar
que está bem, vamos acabar com isso." Consultada, Anna quis adiar o instante fatal,
mas Schur insistiu e ela aceitou a decisão. Por três vezes, ela deu a Freud uma
injecção de três centigramas de morfina. Em 23 de setembro, às três horas da manhã,
depois de dois dias de coma, Freud morreu tranquilamente: "Foi a sublime conclusão
de uma vida sublime, escreveu Zweig, uma morte memorável em meio à hecatombe, daquela
época mortífera. E quando nós, seus amigos, enterramos seu caixão, sabíamos que
confiávamos à terra inglesa o que a nossa pátria tinha de melhor." As cinzas de
Freud repousam no crematório de Golders Green.
Centenas de obras foram escritas no
mundo sobre Freud e algumas dezenas de biografias lhe foram consagradas, de Fritz Wittels
a Peter Gay, passando por Lou Andréas Salomé, Thomas Mann, Siegfried Bernfld, Ernest
Jones, Ola Andersson, Henri F. Ellenberger, Max Schur, Kurt Eissler, Didier Anzieu, Carl
Schorske. Sua obra, traduzida em cerca de 30 línguas, é composta de 24 livros
propriamente ditos (dos quais dois em colaboração, um com Josef Breuer, outro com
William Bullitt) e de 123 artigos. Freud também escreveu prefácios, necrológios,
intervenções diversas em congressos e contribuições para enciclopédias.
Acredita-se geralmente que a
psicanálise renovou o interesse tradicionalmente atribuído aos eventos da existência
para compreender ou interpretar o comportamento e as obras dos homens excepcionais. Isso
não é verdade, e Freud, sobre isso, é categórico: "Quem quiser se tornar
biógrafo deve se comprometer com a mentira, a dissimulação, a hipocrisia e até mesmo
com a dissimulação de sua incompreensão, pois a verdade biográfica não é acessível
e, se o fosse, não serviria de nada" (carta a A. Zweig, de 31 de maio de 1936).
Kurt Eissler avaliou em 15 mil o
número de cartas escritas por Freud e em cerca de 10 mil as que estão depositadas na
Biblioteca do Congresso, em Washington ou seja uma perda de aproximadamente cinco mil
peças. O historiador alemão Gerhard Fichtner propôs outras cifras. Segundo ele, Freud
teria escrito cerca de 20 mil cartas. Dez mil teriam sido destruídas ou perdidas, cinco
mil estão conservadas e cinco mil ainda poderiam ser encontradas no século XXI, ou seja
dez mil no total. Observe-se que Freud destruiu ou perdeu uma parte das cartas que seus
correspondentes lhe enviaram, particularmente as de Wilhelm Fliess.
Três mil e duzentas cartas de
Freud foram publicadas, entre as quais as dirigidas a Eduard Silberstein, Wilhelm Fliess,
Lou Andréas-Salomé, Ernest Jones, Carl Gustav Jung, Sandor Ferenczi, Romain Rolland,
Arnold Zweig, Stefan Zweig, Edoardo Weiss, Oska Pfister (expurgadas), Karl Abraham
(expurgadas).
Duas edições completas da obra de
Freud em alemão foram realizadas: uma durante sua vida, os "Gesammelte
Schriften", a outra depois em sua morte, as "Gesammelte Werke (GW)",
publicadas primeiro em Londres, depois em Frankfurt. As GW se tornaram, universalmente, a
edição de referência. Foram completadas por dois outros volumes, um "Índice"
e um volume de suplementos (Nachtragsband), realizado por Ângela Richards e Ilse
Grubrich-Simitis. A estes se acrescentam uma edição dita de estudos, a Studienausgabe,
elaborada por Alexander Mitscherlich e composta de um selecção de textos. Apesar de
todos os esforços de Mitscerlich e de Ilse Grubrich-Simitis, nenhuma edição dita
crítica das GW (notas, comentários, apresentações, etc.) foi publicada na Alemanha.
A edição inglesa, realizada por
James Strachey sob o título "Standard Edition of the Complete Psychological Works of
Sigmund Freud (SE)", é a única edição crítica da obra de Freud. É por isso que,
mais ainda do que as "Gesammelte Werke", é uma obra de referência no mundo
inteiro.
Em razão da oposição dos
herdeiros nenhum dos textos de Freud anterior ao ano de 1886 foi integrado às diversas
obras completas. Ora, durante esse período, dito pré-psicanalítico, que se estendeu de
1877 a 1886, Freud publicou 21 artigos sobre temas diversos: neurologia, medicina,
histologia, cocaína, etc. Esses artigos foram recenseados em 1973 por Roger Dufresne.
Em 1967, Jean Laplanche e
Jean-Bertrand Pontalis isolaram cerca de 90 conceitos estritamente freudianos no interior
de um vocabulário psicanalítico composto de 430 termos. Esses conceitos foram objeto de
múltiplas revisões, efetuadas pelos grandes teóricos e clínicos do freudismo: Sandor
Ferenczi, Melanie Klein, Jacques Lacan, Donald Woods Winnicott, Heinz Kohut, etc.
Observe-se que Freud publicou cinco
grandes casos clínicos, que foram comentados ou revistos por seus sucessores: Ida Bauer
(Dora), Herbert Graf (O Pequeno Hans), Ernst Lanzer (O Homem dos Ratos), Daniel Paul
Schreber, Serguei Constantinovitch Pankejeff (O Homem dos Lobos). Segundo o quadro das
filiações estabelecido por Ernst Falzeder em 1994, Freud formou na análise didáctica
mais de 60 práticos, na maioria alemães, austríacos, ingleses, húngaros, neerlandeses,
americanos, suíços, aos quais se acrescentam os pacientes cuja identidade se ignora.
Foi talvez Stefan Zweig, em 1942,
quem redigiu um dos relatos mais realistas de Freud: "Não se podia imaginar um
indivíduo de espírito mais intrépido. Freud ousava a cada instante expressar o que
pensava, mesmo quando sabia que inquietava e perturbava com suas declarações claras e
inexoráveis; nunca procurava tornar sua posição menos difícil através da menor
concessão, mesmo de pura forma. Estou convencido de que Freud poderia ter exposto, sem
encontrar resistência por parte da universidade, quatro quintos de suas teorias, se
estivesse disposto a vesti-las prudentemente, a dizer "erótico" em vez de
"sexualidade", "Eros" em vez de "libido" e a não ir sempre
até o fundo das coisas, mas limitar-se a sugeri-las. Mas, desde que se tratasse de seu
ensino e da verdade, ficava intransigente; quanto mais firme era a resistência, tanto
mais ele se afirmava em sua resolução. Quando procuro um símbolo da coragem moral- o
único heroísmo no mundo que não exige vítimas vejo sempre diante de mim o belo
rosto de Freud, com sua clareza viril, com seus olhos sombrios de olhar recto e
viril".
Bibliografia:
FREUD, SIGMUND, Obras Psicológicas
Completas.

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro -
Marinha Grande - Portugal
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