Padre José Anchieta
09 de Junho de 1597


(O Apóstolo do Brasil)
Morreu em 09 de Junho de 1597, em Reritiba (actualmente Anchieta) Estado do Espírito Santo – Brasil.
Humanista, filólogo, poeta e dramaturgo.

         Padre José Anchieta, nasceu em Tenerife (Arquipélago das Canárias – Espanha), em 1534. Filho de pai de origem navarra e mãe de origem judia. Filho de João Lopes de Anchieta, um revolucionário que tomou parte na Revolta dos Comuneiros contra o Imperador Carlos V, na Espanha, e um grande devoto da Virgem Maria. Sua mãe chamava-se Mência Dias de Clavijo y Larena, natural das Ilhas Canárias, filha de ex-judeus. Tinha, por parte do pai, a ascendência nobre da família dos Anchieta Bascos do norte da Espanha, também conhecido como País Basco, e pelo avô materno, Sebastião de Larena, um cristão novo (judeu convertido) do Reino de Castela. Sua ascendência judaica foi determinante para o enviarem para estudar em Portugal, pois na Espanha a Inquisição era mais rigorosa. Anchieta viveu com os pais até os 14 anos, depois mudou-se para Coimbra, em Portugal, onde foi estudar filosofia no Colégio das Artes, anexo à Universidade de Coimbra. A família de 12 irmãos teve, além dele, mais dois sacerdotes: o Padre Pedro Nuñez e Padre Melchior. José de Anchieta veio para o Brasil em 1553, junto com outros padres que, em oposição à Contra-Reforma, tinham a catequese como objetivo. Este movimento influenciou o teatro e a poesia, e acabou resultando na melhor produção literária do Quinhentismo brasileiro. Das suas contribuições culturais para o nosso país, podemos citar as poesias em verso medieval (destaque: Poema à Virgem), os autos que misturavam características religiosas e indígenas, a primeira gramática do tupi-guarani (a cartilha dos nativos), além da fundação do Pátio do Colégio.
          Aos dezasseis anos foi estudar para a Universidade de Coimbra (Portugal) e, aos dezanove, já era padre da Companhia de Jesus, fundada pelo seu parente Inácio de Loyola. Embarcou para o Brasil onde dedicou toda a sua vida ao ensino, entre índios Tupi e colonos portugueses, fundando colégios e procurando suavizar conflitos entre colonizados e colonizadores. No âmbito da sua acção catequética, escreveu pequenos textos de teatro, e quatro línguas (português, espanhol, latim e tupi), fazendo acompanhar as peças por música, dançares, pinturas, adornos e até instrumentos musicais dos índios. O teatro no Brasil teve inicio com os jesuítas, cerca de 50 anos após o descobrimento do país. O primeiro grupo de missionários jesuítas que desembarcou na Bahia era composto de quatro sacerdotes, dentre eles o padre Manoel da Nóbrega, e alguns jovens que ainda não haviam sido ordenados. Poucos anos depois, com outro grupo, chega o padre José de Anchieta, que tinha então apenas 19 anos. Enquanto a população portuguesa no Brasil, composta, em sua maioria por degredados (aventureiros e criminosos), ocupava-se da construção de fortificações e da ocupação da costa, os jesuítas se preocupavam em estabelecer contatos e catequizar os indígenas. Nesse trabalho, enfrentavam não só a desconfiança dos indígenas como também dos próprios portugueses, que já haviam se habituado a uma vida desregrada, distante dos preceitos religiosos. Os missionários agrupavam os índios, formando aldeias onde podiam exercer a catequese com maior eficácia, ao mesmo tempo em que tentavam manter os nativos a salvo da avidez dos seus compatriotas. Os jesuítas recebiam, em sua ordem, ensinamentos de técnicas teatrais, que consideravam mais eficazes e fascinantes para a educação religiosa do que, por exemplo, os sermões. Começaram, então, a misturar os costumes, máscaras, pinturas e elementos do cotidiano indígena aos seus apólogos educativos, o que resultava em espetáculos quase sempre litúrgicos, de cunho eminentemente apostolar, nos quais se juntavam anjos e flores nativas, santos e bichos, demônios e guerreiros, além de figuras alegóricas, como o Temor a Deus e o Amor de Deus. Essa junção do religioso com o dramático já havia sido feita na China, Índia, México e outras terras. Porém, nesses locais, ao contrário daqui, já havia uma produção teatral. A Companhia de Jesus impunha aos seus missionários o aprendizado da língua da terra onde estivessem em missão. Assim, em pouco tempo os jesuítas aprendiam as línguas indígenas e ensinavam aos índios o português e o espanhol.
          A partir de 1557 começa a haver uma incessante atividade teatral, praticada não só pelos jesuítas e indígenas como também pelos próprios colonos, seduzidos pelas mensagens moralistas e pela beleza dos eventos, que eram realizados em datas festivas e ocasiões especiais. Inicialmente, encenavam-se autos e peças religiosas trazidas de Portugal, porém logo deu-se início a uma produção dramaturgica local. Movidos mais pelo espírito missionário do que pelo desejo de reconhecimento artístico, boa parte dessas obras não era assinada, e pouco cuidado se dedicava à sua conservação. Porisso, o que nos chegou desse período foram uns poucos manuscritos, atribuídos ao padre José de Anchieta, e duas cartas do padre Fernão Cardim, datadas de 1590. Nessas cartas há descrições detalhadas de inúmeras apresentações teatrais na Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e outros locais, tendo como platéias não só os indígenas e os colonos como também as famílias que aqui iam se constituindo e as autoridades políticas e religiosas. Esses relatos surpreendem por descreverem encenações extremamente sofisticadas para a época e condições em que aconteciam, envolvendo grande número de participantes, cenários, instrumentos musicais, fogos de artifício, etc. Num! !relatório de atividades enviado aos superiores da Companhia de Jesus, um outro padre narra a grande comoção que essas encenações causavam no público. Entre textos, cuja autoria é atribuída ao padre José de Anchieta, figuram diversos autos, como o "Auto da Pregação Universal", representado diversas vezes, o "Auto da Crisma", o "Auto das Onze Mil Virgens", e aquele que é tido como sua obra-prima: "Na festa de São Lourenço", composto por cerca de 1.500 versos em tupi (a maior parte), espanhol, português e guarani. Paralelamente a esse teatro com finalidades de catequese e de doutrinação, os jesuítas mantinham também uma atividade teatral em latim, praticada pelos estudantes dos colégios da Companhia de Jesus. Em todos os casos, as peças eram sempre revestidas de valores morais. Raras foram as comédias e tragédias representadas nesse período. Não havia qualquer tipo de alusão ao amor profano, e as personagens femininas (geralmente as santas) eram sempre interpretadas por homens travestidos, já que as mulheres eram terminantemente proibidas de participarem das encenações, para se evitar excessos de entusiasmo nos jovens. Como não existiam locais destinados às representações teatrais, estas aconteciam nas praças, nas ruas e dentro dos colégios e igrejas. Algumas encenações foram feitas nas praias, utilizando a própria natureza como cenário. O envolvimento e a paixão dos jesuítas pelo teatro era tamanha que o bispo Fernandes Sardinha chegou a declarar-se assustado com o que ele chamou de "excessos teatrais" dos missionários, que, além de escrever os textos e coordenar as montagens, não hesitavam em representar, cantar e até dançar. Por causa desses tais excessos, vários missionários foram censurados publicamente pelo bispo, entre eles o padre Manuel da Nóbrega. Algumas das suas poesias, de temática religiosa, e o que de prosa escreveu, em forma de carta, aos Superiores da Companhia, em Portugal, prosa esta repleta de indicações de história, linguística e problemas pedagógicos, indiferentemente escrita em português, espanhol ou latim. A sua obra literária é vasta e diversificada, dividida em vários blocos: "Primeiras Letras" -;- Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões" -;- "Arte da Gramática da Língua mais Usada no Costa do Brasil, de 1595" -;- "Poema da Bem-Aventurada Virgem mãe de Deus Maria" -;- "Poesias" -;- "De Gestis Mendi de Saa" -;- e outros.

          Um grande escritor esquecido em Portugal - (notícia de 1998 - fonte Jornal de Notícias)
          Congresso Internacional evoca, em Coimbra, a vida e a obra do padre José de Anchieta, nos 450 anos do "Colégio das Artes"
          A vida e a obra do que é considerado o "pai" da literatura brasileira, o padre José de Anchieta, estão desde ontem a ser debatidas em Coimbra, num congresso internacional que reúne meio milhar de especialistas de vários países. A iniciativa (do Instituto de Estudos Clássicos e Brasileiros e do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras) prolonga-se até quinta.feira, e assinala um duplo aniversário: os 450 anos da matrícula, em 1548, de Anchieta no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra e da fundação, poucos meses antes, do Colégio (a futura Universidade de Coimbra). Mestre da língua e linguista, prosador e poeta, dramaturgo e missionário, Anchieta foi aluno do Colégio das Artes dos 14 aos 19 anos. Em Coimbra, a sensibilidade poética do jovem Anchieta tornou-o conhecido entre os companheiros da academia conimbricence pelo apelido de "Canário de Coimbra". Nascido em Santa Cruz de Tenerife (Canárias), foi em Coimbra que recebeu a parte mais importante da sua formação clássica, aprendendo o latim e cultura clássica, e aperfeiçoando ainda o português. Aos 17 anos, descobriu a sua vocação religiosa, tendo ingressado na Companhia de Jesus que o enviou posteriormente, como missionário para o Brasil. A sua vastíssima obra, escrita em quatro línguas (português, latim - o latim renascentista de Anchieta é considerado do melhor da sua época -, castelhano e tupi - que aprendeu com os índios do Brasil -, inclui teatro, cartas, sermões, poemas líricos, catecismos e uma epopeia, a primeira produzida nas Américas. Anchieta introduz na literatura brasileira dois traços estruturantes: interligação entre o tupi e o português. Além da sua importância para as letras, o Padre José de Anchieta é das mais proeminentes figuras da história luso-brasileira, refere uma nota da comissão organizadora. Fundador da cidade de São Paulo com o Padre Manuel da Nóbrega, ficou como refém dos índios tamóios, aliados dos franceses, enquanto era negociada a paz com os portugueses. O seu nome, dado a uma cidade do Estado do Espírito Santo, é um topónimo frequente em terras brasileiras. "É o primeiro dramaturgo, o primeiro gramático, o primeiro poeta épico do Brasil e poderá vir a ser o seu primeiro santo, uma vez que o seu processo de canonização continua em curso", adianta a nota. Resgatar do "estranho e injusto esquecimento" a sua obra literária em Portugal é um dos objectivos do congresso, em que participam cerca de 450 estudiosos, oriundos do Brasil, Portugal, Argentina, Paraguai, França, Estados Unidos, Espanha, Itália, Alemanha, Nigéria e Polónia. Ontem intervieram na primeira sessão plenária, além do prof. Sebastião Tavares de Pinho, presidente do Congresso, os profs. Francisco Gonzalez Luis (Universidade de La Laguna, Tenerife), Américo da Costa Ramalho (Universidade de Coimbra) e Cleonice Berardinelli (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
          © 1998 Jornal de Notícias

          Nota: Chegou ao Brasil em 1553, na comitiva do governador-geral Duarte da Costa, e em 1554, ao lado do Padre Manoel da Nóbrega, fundou a vila de São Paulo, tendo, inclusive, participado ativamente da sua defesa quando da invasão dos índios tamoios, logo após a fundação. Participou, também, da expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, em 1567. A fundação de São Paulo insere-se no processo de ocupação e exploração das terras americanas pelos portugueses, a partir do século XVI. Inicialmente, os colonizadores fundaram a Vila de Santo André da Borda do Campo (1553), constantemente ameaçada pelos povos indígenas da região. Nessa época, um grupo de padres da Companhia de Jesus, da qual faziam parte José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, escalaram a serra do mar chegando ao planalto de Piratininga onde encontraram "ares frios e temperados como os de Espanha" e "uma terra mui sadia, fresca e de boas águas". Do ponto de vista da segurança, a localização topográfica de São Paulo era perfeita: situava-se numa colina alta e plana, cercada por dois rios, o Tamanduateí e o Anhangabaú.
         
          O jesuíta Manuel da Nóbrega exaspera-se. Dispõe de apenas cinco auxiliares para a missão de cristianizar as tribos indígenas, educar os filhos dos colonos e zelar pelo respeito à moral. Precisa de reforços com urgência. Sabe, porém, que o Brasil não desperta o menor interesse da corte numa época em que se vive a "febre das especiarias". Conformado, sem poder exigir muito, roga a seus superiores de Lisboa que lhe enviem quaisquer missionários, nem que sejam "os fracos do engenho" e "doentes do corpo". Chega-lhe em 1553 um espanhol de 19 anos que mais parece uma ruína, pronta à tombar. Vítima de deslocamento na espinha dorsal, o jovem sofre de dores agonizantes, só caminha apoiado sobre um bastão e envolve o tronco em faixas na vã tentativa de disfarçar a corcunda. Seu nome é José de Anchieta.
          Quarenta e cinco anos depois, quando é apanhado pela morte no Espírito Santo, o padre Anchieta deixa atrás de si um enorme legado. Percorrendo a pé e descalço toda a colônia, pacificara tribos revoltosas, fundara São Paulo e Rio de Janeiro, convertera índios, contribuíra para expulsão dos franceses e coordenara o trabalho jesuíta no país.
          -"Ocupo-me em ensinar gramática em três classes diferentes. E, às vezes, estando eu dormindo, me vêm despertar para fazerem-me perguntas. E em tudo isso parece que saro. E assim é, porque em fazendo conta que não estava enfermo, comecei a estar são", escreve aos superiores. Robustecido, o jovem Anchieta atravessa as noites em claro, copiando várias vezes a mesma lição para suprir a inexistência de livros. Dedica-se com afinco ao estudo do tupi, a ponto de compor uma gramática do idioma. Maneja a língua nativa para compor canções, poemas e peças teatrais de cunho sacro, isca infalível para atrair os índios ao catolicismo.
          No poeta coexiste o aventureiro. Certa ocasião, ele e Nóbrega viajam até a aldeia de Iperoig para negociar a paz com os tamoios. As discussões se arrastam por meses. Estando os dois na praia, um grupo se aproxima para matá-los. Com os índios no encalço, correm até perder o fôlego. Acabam ajoelhados numa choupana, rezando abraçados. Surpresos com a cena, os agressores recuam. Anchieta aproveita a hesitação para, em altos brados, começar uma pregação em tupi. Um dia, um cacique decide sacrificar Anchieta, culpando-o pela falta de caça. Calmamente, o religioso diz-lhe que volte a olhar as armadilhas. Os índios obedecem e encontram-nas repletas de animais. O jesuíta está salvo. Sete meses depois, a pacificação dos tamoios é finalmente obtida. Anchieta retorna a São Vicente. Senta-se e anota, de um jorro só, 4.172 versos dedicados à Virgem. Havia composto o poema em Iperoig, escrevendo na areia com o bastão e agora reproduz de memória. Conhecido como "o grande pihay" (supremo pajé branco), José de Anchieta nasceu na ilha de Tenerife, no arquipélago das Canárias, em 1534. Iniciou sua caminhada religiosa com 14 anos, quando foi para o colégio em Coimbra. Sua saúde sempre inspirou cuidados e para evitar tantos padecimentos, seus superiores acharam por bem, enviá-lo para um clima mais ameno: o das Índias brasílicas. Chegou à Salvador, na Bahia, depois de dois meses de penosa viagem, exatamente em 13 de julho de 1553. Manoel da Nóbrega, vice-provincial da Capitania de São Vicente, onde se encontrava a aldeia de Piratininga, já o aguardava. Ele tinha conhecimento da sua competência em ler e escrever e os jesuítas necessitavam de tradutores e intérpretes para falar a língua dos índios locais. Para chegar ao seu destino, teve que percorrer o "pior caminho do mundo", picadas em meio à Mata Atlântica, trajeto que Anchieta fez muitas vezes à pé. Mas apesar de tanto desconforto, ele admirou-se com a luxuriante beleza da Serra do Mar e escreveu mais tarde um tratado sobre as espécies de animais e vegetais por ele observadas. Um mês depois de sua chegada, em 25 de janeiro de 1554, foi inaugurado o Colégio jesuíta de Vila de Piratininga, data hoje comemorada como a fundação de São Paulo. Anchieta só dormia de quatro a cinco horas por noite, subia e descia montanhas, catequizava, batizava e ensinava. Reza uma lenda que argumentava que ele costumava abrigar-se para dormir em uma pedra, conhecida como "cama de Anchieta", em Itanhaém.
          Quando morreu, em 9 de julho de 1597, aos 63 anos, na aldeia de Reritiba (hoje Anchieta), no Espírito Santo, por ele fundada, os índios disputaram com os portugueses a honra de carregar seu corpo até a Igreja de São Tiago. O jesuíta acaba beatificado em Junho de 1980 pelo papa João Paulo II.
         
          José de Anchieta foi batizado em 07 de abril de 1534 em São Cristovão da Laguna - Ilha de Tenerife, que é uma das 13 e a maior das ilhas, que constituem o arquipélago geográfico africano das Canárias no Mar Atlântico que foram disputadas entre Portugal e Espanha durante os séculos XIV e XV e foram cedidas definitivamente à Espanha, em 1479, pelo tratado de Alcáçovas. José era o terceiro filho de dez irmãos do segundo matrimônio de sua mãe que tinha mais dois filhos do primeiro matrimônio. Seus pais foram nobres e ricos. O pai de Anchieta era varão natural de Biscaia, descendente da casa dos Anchietas, de parentes maiores em Guipúscua. Desta casa se diz que algum tempo andou encontrada com a dos Loiolas, solar do santo patriarca Inácio que mais tarde vieram a unir-se num só espírito de religião: os dos ramos maiores de tão altas prosápias e descendentes de progênie nobre e rica. Pela parte paterna: os avós Lope (ou Lopez) de Anchieta e Maria Ayala, pais de João Lopez de Anchieta que casou-se em 1531 com a viuva (do Bacharel Nuno Nuñez de Villavicêncio), Dona Mência Dias Clavijo Y Llarena, filha de Sebastião de Llarena (sobrinho do Capitão D. Fernando de Llarena, um dos primeiros conquistadores de Tenerife) e de Ana Martin de Castillejo. Por parte de seu avô materno, José de Anchieta, era bisneto de "Cristãos Novos" (isto é, convertidos do judaísmo) do Reino de Castela. Tais antecedentes, justificam sua ida mais tarde para Coimbra. José foi criado na casa de seus pais, realizou seus primeiros estudos na terra natal e provavelmente nas escolas dos padres dominicanos. Aos 14 anos, em 1548, depois de saber ler, escrever e alguns princípios de gramática, em companhia do seu irmão mais velho, foi enviado ao colégio das artes, anexo à Universidade de Coimbra para se aperfeiçoar na língua latina e aprender mais sobre ciências. Aplicado e estudioso, José destacou-se como um dos melhores alunos de sua classe. Com grandes revelações poéticas, foi apelidado pelos colegas como "Canário de Coimbra" apelido também aludido à sua pátria. Ingressou como noviço Jesuíta na Companhia de Jesus em 01 de maio de 1551, versou nas escolas dos Padres Jesuítas e cresceu nelas de maneira que em breve tempo, com apenas 17 anos, foi consumado em todo o gênero de humanidades. Passou no curso de filosofia e penetrou com não menor engenho aquelas sutilezas, que foram sempre alvo de habilidades. Ao iniciar-se na Companhia de Jesus, costumava ajudar na igreja, durante as missas, sempre que podia. Geralmente participava de oito missas por dia. No dia 8 de maio de 1553, com vinte anos de idade, o então missionário Anchieta troca o velho pelo novo mundo. Deixa o Tejo em Lisboa e parte para o Brasil, terra recentemente descoberta pelos portugueses e que carecia de apoios religiosos. Este era o terceiro socorro de missionários que a Companhia de Jesus enviava ao Brasil depois de 1549. Vieram em companhia do segundo Governador Geral da Colônia, D. Duarte da Costa. A comitiva era chefiada pelo Padre Luiz da Grã, mais outros 6 Jesuítas, 2 padres e 4 noviços. Um deles, era o Irmão José de Anchieta. Após dois meses de viagem, em 13 de julho de 1553 desembarcava José de Anchieta e seus companheiros na cidade de São Salvador na Bahia - Capital do Brasil. Lá, a Companhia de Jesus tinha uma simples residência com um sacerdote e dois irmãos. A maior parte dos religiosos trabalhavam em partes muito afastadas, principalmente na Capitania de São Vicente, onde se achava também o Superior de todos, o virtuoso e benemérito Padre Manoel da Nóbrega. Na Bahia de São Salvador, onde permaneceu por quase 3 meses, Anchieta iniciou os seus primeiros ensaios de catequese e estudou a língua geral, o idioma falado pelos índios tupis que residiam por toda a costa brasileira, de norte a sul. Em princípios de outubro de 1553, partiram da Bahia para o planalto da Capitania de São Vicente o Irmão José de Anchieta e outros com o Padre Leonardo Nunes que viera busca-lo nesta localidade, onde hoje se agiganta a cidade de São Paulo. Passaram por Caravelas, Vitória (hoje Capital do Espírito Santo) e desembarcaram em São Vicente na véspera do Natal de 24 de dezembro de 1553. Nesta época já havia no planalto duas povoações: a Vila de Santo André da Borda do Campo às margens do Guapituba e a Aldeia de Piratininga. Encontra-se com o Padre Manoel de Nóbrega que lhe dá as boas vindas. Nóbrega preparava a fundação de um colégio, designando para este fim 13 religiosos, entre eles o Irmão José para mestre e o Padre Manoel de Paiva para o cargo de superior de todos. Escolheram um local, acomodaram-se e ali rezaram a primeira missa, em 25 de janeiro de 1554, dia da conversão do sagrado Apóstolo São Paulo, cujo nome se denominou então a casa e depois a Vila. José ensinava a língua latina, aprendia a dos índios e atendia o bem das almas. Aqui o seu primitivo abrigo era "uma casinha de palha com uma esteira de cana por porta", dita pelo próprio Anchieta. As camas eram redes típicas que os índios usavam. Os cobertores eram o fogo, para o qual os irmãos pegavam lenha no mato para passarem as noites frias. A roupagem era muito pouca e pobre. Faziam alpercatas de cardos bravos, que lhes serviam de sapatos. Era pouco o de comer. Não tinham nada além do que os índios lhe davam, como alguma esmola de farinha e por vezes, mas raramente, alguns peixinhos do rio e alguma caça do mato. Nesta extremada pobreza se abriu aqui, a segunda classe de gramática que teve o Brasil, (pois a primeira tinha sido na Bahia). No modesto colégio íam-se reunindo pouco a pouco numerosos filhos de portugueses e mamelucos de Santo André e da própria São Paulo de Piratininga, para onde começaram a afluir desde logo os colonos. Este colégio de São Vicente foi fundado pelo Padre Nóbrega, outros Jesuítas e o Irmão José de Anchieta e ficava numa imponente colina, entre o Rio Tamanduateí e o Riacho Anhangabaú, a meia légua de Piratininga. O colégio media: 14 passos de comprimento por 10 de largura e tinha como dependências: o refeitório, a cozinha, a despensa, a enfermaria e o dormitório. Habitavam usualmente os noviços da Companhia de Jesus, diversos catecúmenos e alguns filhos de colonos. Fizera-se também o Professor José de Anchieta, discípulo de seus discípulos, estudando a língua indígena, que dentro de alguns meses havia composto uma gramática e principiado um vocabulário, além de ter composto não só aqui, mas em várias partes do Brasil, muitas obras poéticas. Ao redor do colégio outras casas foram surgindo e aumentando a população. Habitavam as cercanias do interior de Piratininga, algumas tribos indígenas: Os Tiberiçá, que estabeleciam-se no Anhangabaú, Caiubí em Tabatinguera, Carijós, Tupis e Guaianazes se concentravam em Jeribatiba, São Miguel, Pinheiros e Ibirapuera ou Santo Amaro. A partir de São Vicente, deu-se então a peregrinação de Anchieta pelas terras brasileiras. Correram os anos de 1556 à 1565, as obras maravilhosas do Padre José de Anchieta e a rebelião dos Tamoios. Foi muito difícil o trabalho dos jesuítas com os índios (aliados dos franceses). Anchieta presenciou, em princípios de março de 1565, a fundação do Rio de Janeiro e como testemunha, acompanhou grande parte destes acontecimentos com seus conselhos, exortações e trabalhos. Em 20 de janeiro de 1567 volta ao Rio de Janeiro e vê os combates finais de Mem de Sá aos franceses. Anchieta retorna à São Vicente e exerce por seis anos a reitoria do Colégio São Paulo e por lá permanece de 1568 à 1577, percorrendo toda a Capitania. De 1577 à 1587, foi superior dos jesuítas no Brasil Provincial. Deslocava-se assiduamente ao longo da costa num pequeno navio, o "Santa Úrsula", visitando as casas da Ordem de Pernambuco à São Vicente. Em 1586 Anchieta foi residir no Colégio do Rio de Janeiro. Poucos eram os padres e muitos os trabalhos na cidade como nas aldeias. Adoeceu, mas não podendo suportar a aflição de seus irmãos, disse a alguns deles: "ninguém se entristeça no colégio, porque eu não morrerei desta vez, nem nesta cidade. No Espírito Santo me esperam meus últimos dias". Em 1587, Anchieta foi para a Capitania do Espírito Santo e fez residência em uma das aldeias chamada Reritiba, onde viveu parte final de sua vida e o mausoléu derradeiro de sua morte. Tinha na época como fundador e senhorio Vasco Fernandes Coutinho, fidalgo de muito valor e nobreza e um dos mais ilustres e antigos solares de Portugal. Nesta aldeia, começou a ajudar o Padre Diogo Fernandes na doutrina dos índios, com os quais se dava melhor que com os portugueses. Desta aldeia escreveu várias cartas que mostraram bem os quilates de seu grande espírito. Em 1592, foi chamado a assistir à congregação provincial da Bahia e pouco depois foi enviado pelo Padre Marçal Belliarte à visitar as casas do Rio de Janeiro e de São Vicente. Recolheu-se finalmente, em 1594, na Capitania do Espírito Santo na Aldeia de Reritiba, onde era tão fértil de trabalhos, como de índios que eram milhares, reduzidos à quatro aldeias: Reritiba, Guaraparí, São João e Reis Magos, que estavam sujeitas ao superior da vila, além dos portugueses que haviam de ser doutrinados. Em 1596, atendendo ao chamado do Superior do Colégio do Espírito Santo, dirigiu-se à Guaraparí e em seguida para Vitória, onde o Padre Provincial foi nomeado Superior da Casa até que chegasse o Padre Soares, destinado para este cargo. Depois de cinco ou seis meses, tendo o padre entregue o governo da casa ao novo superior, retornou para Reritiba e foi recebido com alegria pelos índios vindos do sertão. Comoveu-se o bom padre que sabia ter chegado a sua última hora. Nada fazia enfraquecer o Padre José de Anchieta. Nos trabalhos e mais trabalhos, apenas as forças do corpo que gemiam, à vista dos horrores dos caminhos difíceis. Agravaram-se tantos os sofrimentos que se viu obrigado a deitar-se. Durante a enfermidade foi necessário fazer-se um remédio para outro enfermo. Não havia quem o soubesse preparar com acerto e o padre, que mal podia ter-se em pé, foi à cozinha, mas tão fraco estava que lhe sobreveio um desmaio. Dali o levaram de novo à cama, com poucas esperanças de vida. Tornado a si, começou a suspirar pela morte e com palavras muito devotas e enternecedoras abraçava as imagens de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem. Como se sentisse que perdia as forças, pediu e recebeu o Santo e a Extrema Unção; entrou logo em artigo de morte, assistido por cinco religiosos da Companhia de Jesus que residiam nas aldeias dos índios. Esteve agonizando por cerca de meia hora, com tanta paz e quietação, como se estivesse rezando, e ao mesmo tempo agradecendo com os olhos aos que procuravam dispô-lo para se apresentar diante de Deus. Finalmente, pronunciando os dulcíssimos nomes de Jesus e Maria, adormeceu placidamente no Senhor, em um domingo, 9 de junho de 1597, aos 63 anos de idade. Quarenta e quatro anos antes, ao desembarcar no Brasil, encontrara apenas uns vinte religiosos da Companhia de Jesus, trabalhando e missionando dispersos desde Pernambuco até São Vicente. Já no fim do seu provincialado, graças, em grande parte aos seus esforços, aos seus exemplos e à benção que do céu lhe atraíam tantas virtudes, via o apóstolo 140 jesuítas, dos quais 68 sacerdotes, 37 estudantes e 35 irmãos coadjutores, divididos pelos 3 colégios de Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro e pelas 5 residências de Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Vicente e Piratininga. Anchieta foi sepultado na Capela de São Tiago, Igreja do Colégio do Espírito Santo, onde permaneceram os santos despojos até o ano de 1611. Por ordem do Padre Geral Cláudio Acquaviva, os despojos foram em parte, transportados para o Colégio da Bahia. (nesta mesma ocasião se enviaram a Roma um fêmur e alguns ossos). Na sacristia da Bahia estiveram até o ano de 1704, quando o Padre Provincial João Pereira os mandou recolher ao quarto dos provinciais. O mesmo padre levou deles um osso, que se conservou no quarto dos Reitores de Coimbra. Consta que em 1759, alguns ossos foram remetidos da Bahia ao Marquês de Pombal com duas túnicas do Venerável Padre Anchieta. Que fim lhes deu o perseguidor dos jesuítas, nunca se soube. No fim do século passado, conservava-se ainda no Palácio do Governo do Espírito Santo (antigo Colégio da Companhia de Jesus), uma caixa com um osso. Parte foi dada a S. M. I. D. Pedro II e outro fragmento para o Dr. Barbosa Rodrigues, que depois foi roubado. Finalmente a última parte foi, em 1888, entregue a alguns irmãos de Anchieta que por ali passaram e hoje a conservam na cela do Padre Anchieta, na antiga Aldeia de Reritiba e atual cidade de Anchieta. Em 1913, por época da demolição da antiga Igreja de São Tiago, acharam debaixo da lápide de Anchieta alguns ossos, vértebras e falsas costelas, que foram transportados todos, juntamente com a lousa sepulcral, para o monumento que ali perto se levantou. Com a morte do apóstolo taumaturgo não cessaram os prodígios: continuaram e continuam até nossos dias os favores celestiais que ele obtinha em vida aos que recorriam à sua intercessão. O Padre José de Anchieta tinha estatura medíocre, diminuto em carnes, testa larga, nariz comprido, barba rala, mas no semblante inteiro era alegre e amável.
          Em 1617, com pedidos feitos pelos jesuítas do Brasil, foram iniciados os processos de beatificação e canonização.
          Em 1730, os escritos de Anchieta são remetidos a Roma para serem examinados.
          No dia 10 de agosto de 1736, o Papa Clemente XII declarou o Padre Anchieta "Venerável".
          Em 1760, quatro ossos de Anchieta são remetidos ao Marquês de Pombal, em Lisboa.
          Em 1773, com a supressão da Ordem dos Jesuítas, por ordem do Papa Clemente XIV, foram também suspensos os processos de beatificação e canonização dos jesuítas, falecidos em conceito de santidade.
          Os séculos passaram. A Companhia de Jesus foi expulsa do Brasil, extinta no mundo, exceto na Rússia. Ressurgiu novamente e hoje estão em toda parte. Em 22 de junho de 1980, aconteceu a beatificação do Padre José de Anchieta, celebrada pelo Papa João Paulo II.
          O Padre Anchieta é o mais antigo vulto da literatura brasileira (dito por Sílvio Romero) e seus títulos são: a Gramática, o Dicionário e o Catecismo na língua dos Tupis e dos Miramomis, o Poema da Virgem nas praias de Iperoig (hoje Ubatuba) e os seus numerosos e devotos Cantos. Anchieta é também o primeiro poeta e dramaturgo do Brasil. Anchieta, o escritor minucioso e fiel de extensas informações e de numerosas cartas, é o biógrafo dos seus companheiros de luta e de apostolado, o historiador da fundação de São Paulo e do Rio de Janeiro, da Confederação dos Tamoios, do Armistício de Iperoig, de Tibiriçá, de Pindobuçú e de Ararigbóia. Por Varnhagen e St. Hilaire pode ser contado entre os homens mais extraordinários do seu tempo.
          O Venerável Padre José de Anchieta, foi um homem que viveu um universo heróico, pelos sacrifícios a que se submeteu, pelo ideal de luta representando a fé que o alimentou e iluminou.
          BIBLIOGRAFIA:
          - A Ordem - Órgão do Centro D. Vital - número 50 - abril de 1934.
          - Vida do Venerável Padre José de Anchieta - por Simão de Vasconcelos - primeiro volume.
          - Vida Ilustrada do Venerável Padre Anchieta S. J. - Apóstolo do Brasil - por Padre José da Frota Gentil, S. J. - 1962 - VI Edição.
          - Anchieta o Apóstolo do Brasil - por Padre Hélio Abranches Viotti, S. J. - segunda edição - 1980.
          - José de Anchieta - Seu Perfil e Sua Vida - por Roque Schneider - terceira edição em 1994.
          - Mais alguns dados que o autor desta matéria extraiu através pesquisas na documentação do arquivo da Biblioteca Nacional e também por informações prestadas pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal
                                                                                                                                 

 

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