Machado de Assis
Nasceu a 21 de Junho de 1839



          Joaquim Maria Machado de Assis é considerado um dos mais importantes escritores da literatura brasileira. Nasceu no Rio de Janeiro em 21 de Junho de 1839, filho de uma família muito pobre. Mulato e vítima de preconceito, perdeu na infância sua mãe e foi criado pela madrasta. Superou todas as dificuldades da época e tornou-se um grande escritor.
          Na infância, estudou numa escola pública durante o primário e aprendeu francês e latim. Trabalhou como aprendiz de tipógrafo, foi revisor e funcionário público.
          Publicou seu primeiro poema intitulado Ela, na revista Marmota Fluminense. Trabalhou como colaborador de algumas revistas e jornais do Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de letras e seu primeiro presidente.
           
          Machado de Assis, é o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o mais extraordinário contista de Língua Portuguesa e um dos raros romancistas de carácter universal, não tanto pela temática, mas pela análise certeira e perene da alma humana. Nasceu no Rio de Janeiro numa humildíssima família: o pai, mulato carioca, era pintor de paredes e a mãe imigrante açoreana. Obrigado a trabalhar desde a infância, frequentou apenas a escola primária. Foi, portanto, um autodidacta, que se formou na biblioteca do Gabinete Português de Leitura, sendo aprendiz de tipógrafo e, mais tarde, revisor. Publicou a primeira poesia aos dezasseis anos e obteve êxito prematuro com contos e romances sem originalidade. A lucidez crítica e o depuramento de gosto que sempre se exigiu, porém, impediram que a sua obra futura fosse prejudicada e, assim, aos quarenta e dois anos, de súbito, ao publicar as "Memórias Póstumas de Brás Cubas", elevou-se ao mais alto cume da literatura brasileira revelando um genial poder de análise psicológica. A par da pureza de linguagem, Machado de Assis adquiriu o seu direito de "primeiro de todos" pela originalidade de concepção, agudeza de conceitos e análise penetrante de sentimentos que permitiram tornar as personagens da sua obra representativas das paixões humanas universais. Influenciado literariamente por Almeida Garrett, exerceu sobre Eça de Queirós uma crítica construtiva, hoje reconhecida por todos os estudiosos, através de correspondência onde fez a crítica de "O Crime do Padre Amado", possibilitando a Eça de Queirós a magistral concepção novelesca de "Os Maias".
           
          Machado de Assis critica Eça de Queirós: -
          "Um dos bons e vivazes talentos da atual geração portuguesa, o Sr. Eça de Queirós, acaba de publicar o seu segundo romance, O Primo Basílio. O primeiro, O Crime do Padre Amaro, não foi decerto a sua estréia literária. De ambos os lados do Atlântico, apreciávamos há muito o estilo vigoroso e brilhante do colaborador do Sr. Ramalho Ortigão, naquelas agudas Farpas, em que aliás os dois notáveis escritores formaram um só. Foi a estréia no romance, e tão ruidosa estréia, que a crítica e o público, de mãos dadas, puseram desde logo o nome do autor na primeira galeria dos contemporâneos. Estava obrigado a prosseguir na carreira encetada; digamos melhor, a colher a palma do triunfo. Que é, e completo e incontestável. 
          Mas esse triunfo é somente devido ao trabalho real do autor? O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso, já da obra em si, já das doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias. 
          Que o sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de Queirós, porque ele a tinha, e tem, e a manifesta de modo afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu motivo ao maior defeito na concepção do Crime do Padre Amaro. O Sr. Eça dc Queirós alterou naturalmente as circunstâncias que rodeavam o padre Mouret, administrador espiritual de uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e ríspido; o padre Amaro vive numa cidade de província, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo de influência e consideração. Sendo assim, não se compreende o terror do padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende que o mate. Das duas forças que lutam na alma do padre Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade; a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa. Haverá aí alguma verdade moral? 
          Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação do Crime do Padre Amaro. Era realismo implacável, conseqüente, lógico, levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, unia tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o - digamos o próprio termo, pois tratamos de repelir a doutrina, não o talento, e menos o homem, - em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. A gente de gosto leu com prazer alguns quadros, excelentemente acabados, em que o Sr. Eça de Queirós esquecia por minutos as preocupações da escola; e, ainda nos quadros que lhe destoavam, achou mais de um rasgo feliz, mais de uma expressão verdadeira a maioria, porém, atirou-se ao inventário. Pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. Quanto à ação em si, e os episódios que a esmaltam, foram um dos atrativos do Crime do Padre Amaro, e o maior deles; tinham o mérito do pomo defeso. E tudo isso, saindo das mãos de um homem de talento, produziu o sucesso da obra. 
          Certo da vitória, o Sr. Eça de Queirós reincidiu no gênero, e trouxe-nos o Primo Basílio, cujo êxito é evidentemente maior que o do primeiro romance, sem que, aliás, a ação seja mais intensa, mais interessante ou vivaz, nem mais perfeito o estilo. A que atribuir a maior aceitação deste livro? Ao próprio fato da reincidência, e, outrossim, ao requinte de certos lances, que não destoaram do paladar público. Talvez o autor se enganou em um ponto. Uma das passagens que maior impressão fizeram, no Crime do Padre Amaro, foi a palavra de calculado cinismo, dita pelo herói. O herói do Primo Basílio remata o livro com um dito análogo; e, se no primeiro romance é ele característico e novo, no segundo é já rebuscado, tem um ar de clichê; enfastia. Excluído esse lugar, a reprodução dos lances e do estilo é feita com o artifício necessário, para lhes dar novo aspecto e igual impressão. 
          Vejamos o que é o Primo Basílio e comecemos por uma palavra que há nele. Um dos personagens, Sebastião, conta a outro o caso de Basílio, que, tendo namorado Luísa em solteira, estivera para casar com ela; mas falindo o pai, veio para o Brasil, donde escreveu desfazendo o casamento. - Mas é a Eugênia Grandet! exclama o outro. O Sr. Eça de Queirós incumbiu-se de nos dar o fio da sua concepção. Disse talvez consigo: - Balzac separa os dois primos, depois de um beijo (aliás, o mais casto ios beijos). Carlos vai para a América; a outra fica, e fica solteira. Se a casássemos com outro, qual seria o resultado do encontro dos dois na Europa? - se tal foi a reflexão do autor, devo dizer, desde já, que de nenhum modo plagiou os personagens de Balzac. A Eugênia deste, a provinciana singela e boa, cujo corpo, aliás robusto, encerra uma alma apaixonada e sublime, nada tem com a Luísa do Sr. Eça de Queirós. Na Eugênia, há uma personalidade acentuada, uma figura moral, que por isso mesmo nos interessa e prende; a Luísa - força é dizê-lo - a Luísa é um caráter negativo, e no meio da ação ideada pelo autor, é antes um títere do que uma pessoa moral. 
          Repito, é um títere; não quero dizer que não tenha nervos e músculos; não tem mesmo outra coisa; não lhe peçam paixões nem remorsos; menos ainda consciência. 
          Casada com Jorge, faz este uma viagem ao Alentejo, ficando ela sozinha em Lisboa; aparece-lhe o primo Basílio, que a amou em solteira. Ela já o não ama; quando leu a notícia da chegada dele, doze dias antes, ficou muito "admirada"; depois foi cuidar dos coletes do marido. Agora, que o vê, começa por ficar nervosa; ele lhe fala das viagens, do patriarca de Jerusalém, do papa, das luvas de oito botões, de um rosário e dos namoros de outro tempo; diz-lhe que estimara ter vindo justamente na ocasião de estar o marido ausente. Era uma injúria: Luísa fez-se escarlate; mas à despedida dá-lhe a mão a beijar, dá-lhe até a entender que o espera no dia seguinte. ele sai; Luísa sente-se "afogueada, cansada", vai despir-se diante de um espelho, "olhando-se muito, gostando de se ver branca". A tarde e a noite gasta-as a pensar ora no primo, ora no marido. Tal é o intróito, de uma queda, que nenhuma razão moral explica, nenhuma paixão, sublime ou subalterna, nenhum amor, nenhum despeito, nenhuma perversão sequer. Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência; Basílio não faz mais do que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Uma vez rolada ao erro, como nenhuma flama espiritual a alenta, não acha ali a saciedade das grandes paixões criminosas: rebolca-se simplesmente. Assim, essa ligação de algumas semanas, que é o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar. Que tem o leitor do livro com essas duas criaturas sem ocupação nem sentimentos? Positivamente nada. 
          E aqui chegamos ao defeito capital da concepção do Sr. Eça de Queirós. A situação tende a acabar, porque o marido está prestes a voltar do Alentejo, e Basílio começa a enfastiar-se, e, já por isso, já porque o instiga um companheiro seu, não tardará a trasladar-se a Paris. Interveio, neste ponto, uma criada. Juliana, o caráter mais completo e verdadeiro do livro; Juliana está enfadada de servir; espreita um meio de enriquecer depressa; logra apoderar-se de quatro cartas; é o triunfo, é a opulência. Um dia em que a ama lhe ralha com aspereza, Juliana denuncia as armas que possui. Luísa resolve fugir com o primo; prepara um saco de viagem, mete dentro alguns objetos, entre eles um retrato do marido. Ignoro inteiramente a razão fisiológica ou psicológica desta precaução de ternura conjugal: deve haver alguma; em todo caso, não é aparente. Não se efetua a fuga, porque o primo rejeita essa complicação; limita-se a oferecer o dinheiro para reaver as cartas, - dinheiro que a prima recusa - despede-se e retira-se de Lisboa. Daí em diante o cordel que move a alma inerte de Luísa passa das mãos de Basílio para as da criada. Juliana, com a ameaça nas mãos, obtém de Luísa tudo, que lhe dê roupa, que lhe troque a alcova, que lha forre de palhinha, que a dispense de trabalhar. Faz mais: obriga-a a varrer, a engomar, a desempenhar outros misteres imundos. Um dia Luísa não se contém; confia tudo a um amigo de casa, que ameaça a criada com a polícia e a prisão, e obtém assim as fatais letras. Juliana sucumbe a um aneurisma; Luísa, que já padecia com a longa ameaça e perpétua humilhação, expira alguns dias depois. 
          Um leitor perspicaz terá já visto a incongruência da concepção do Sr. Eça de Queirós, e a inanidade do caráter da heroína. Suponhamos que tais cartas não eram descobertas, ou que Juliana não tinha a malícia de as procurar, ou enfim que não havia semelhante fâmula em casa, nem outra da mesma índole. Estava acabado o romance, porque o primo enfastiado seguiria para França, e Jorge regressaria do Alentejo; os dois esposos voltavam à vida exterior. Para obviar a esse inconveniente, o autor inventou a criada e o episódio das cartas, as ameaças, as humilhações, as angústias e logo a doença, e a morte da heroína. Como é que um espírito tão esclarecido, como o do autor, não viu que semelhante concepção era a coisa menos congruente e interessante do mundo? Que temos nós com essa luta intestina entre a ama e a criada, e em que nos pode interessar a doença de uma e a morte de ambas? Cá fora, uma senhora que sucumbisse às hostilidades de pessoa de seu serviço, em conseqüência de cartas extraviadas, despertaria certamente grande interesse, e imensa curiosidade; e, ou a condenássemos, ou lhe perdoássemos, era sempre um caso digno de lástima. No livro é outra coisa, Para que Luísa me atraia e me prenda, é preciso que as tribulações que a afligem venham dela mesma; seja uma rebelde ou uma arrependida; tenha remorsos ou imprecações; mas, por Deus! dê-me a sua pessoa moral. Gastar o aço da paciência a fazer tapar a boca de uma cobiça subalterna, a substituí-la nos misteres ínfimos, a defendê-la dos ralhos do marido, é cortar todo o vínculo moral entre ela e nós. Já nenhum há, quando Luísa adoece e morre. Por quê? porque sabemos que a catástrofe é o resultado de uma circunstância fortuita, e nada mais; e conseqüentemente por esta razão capital: Luísa não tem remorsos tem medo. 
          Se o autor, visto que o Realismo também inculca vocação social e apostólica, intentou dar no seu romance algum ensinamento ou demonstrar com ele alguma tese, força é confessar que o não conseguiu, a menos de supor que a tese ou ensinamento seja isto: - A boa escolha dos fâmulos é uma condição de paz no adultério. A um escritor esclarecido e de boa fé, como o Sr. Eça de Queirós, não seria lícito contestar que, por mais singular que pareça a conclusão, não há outra no seu livro. Mas o autor poderia retorquir: - Não, não quis formular nenhuma lição social ou moral; quis somente escrever uma hipótese; adoto o realismo, porque é a verdadeira forma da arte e a única própria do nosso tempo e adiantamento mental; mas não me proponho a lecionar ou curar; exerço a patologia, não a terapêutica. A isso responderia eu com vantagem: - Se escreveis uma hipótese dai-me a hipótese lógica, humana, verdadeira. Sabemos todos que é aflitivo o espetáculo de uma grande dor física; e, não obstante, é máxima corrente em arte, que semelhante espetáculo, no teatro, não comove a ninguém; ali vale somente a dor moral. Ora bem; aplicai esta máxima ao vosso realismo, e sobretudo proporcionai o efeito à causa, e não exijais a minha comoção a troco de um equívoco. 
          E passemos agora ao mais grave, ao gravíssimo. 
          Parece que o Sr. Eça de Queirós quis dar-nos na heroína um produto da educação frívola e da vida ociosa; não obstante, há aí traços que fazem supor, à primeira vista, uma vocação sensual. A razão disso é a fatalidade das obras do Sr. Eça de Queirós - ou, noutros termos, do seu realismo sem condescendência: é a sensação física. Os exemplos acumulam-se de página a página; apontá-los, seria reuni-los e agravar o que há neles desvendado e cru. Os que de boa fé supõem defender o livro, dizendo que podia ser expurgado de algumas cenas, para só ficar o pensamento moral ou social que o engendrou, esquecem ou não reparam que isso é justamente a medula da composição. Há episódios mais crus do que outros. Que importa eliminá-los? Não poderíamos eliminar o tom do livro. Ora, o tom é o espetáculo dos ardores, exigências e perversões físicas. Quando o fato lhe não parece bastante caracterizado com o termo próprio, o autor acrescenta-lhe outro impróprio. De uma carvoeira, à porta da loja, diz ele que apresentava a "gravidez bestial". Bestial por quê? Naturalmente, porque o adjetivo avoluma o substantivo e o autor não vê ali o sinal da maternidade humana; vê um fenômeno animal, nada mais. 
          Com tais preocupações de escola, não admira que a pena do autor chegue ao extremo de correr o reposteiro conjugal; que nos talhe as suas mulheres pelos aspectos e trejeitos da concupiscência; que escreva reminiscências e alusões de um erotismo, que Proudhon chamaria onissexual e onímodo; que no meio das tribulações que assaltam a heroína, não lhe infunda no coração, em relação ao esposo, as esperanças de um sentimento superior, mas somente os cálculos da sensualidade e os "ímpetos de concubina"; que nos dê as cenas repugnantes do Paraíso; que não esqueça sequer os desenhos torpes de um corredor de teatro. Não admira; é fatal; tão fatal como a outra preocupação correlativa. Ruim moléstia é o catarro; mas por que hão de padecer dela os personagens do Sr. Eça de Queirós? No Crime do Padre Amaro há bastantes afetados de tal achaque; no Primo Basílio fala-se apenas de um caso: um indivíduo que morreu de catarro na bexiga. Em compensação há infinitos "jactos escuros de saliva". Quanto à preocupação constante do acessório, bastará citar as confidências de Sebastião a Juliana, feitas casualmente à porta e dentro de uma confeitaria, para termos ocasião de ver reproduzidos o mostrador e as suas pirâmides de doces, os bancos, as mesas, um sujeito que lê um jornal e cospe a miúdo, o choque das bolas de bilhar, uma rixa interior, e outro sujeito que sai a vociferar contra o parceiro; bastará citar o longo jantar do conselheiro Acácio (transcrição do personagem de Henri Monier); finalmente, o capítulo do Teatro de S. Carlos, quase no fim do livro. Quando todo o interesse se concentra em casa de Luísa, onde Sebastião trata de reaver as cartas subtraídas pela criada, descreve-nos o autor uma noite inteira de espetáculos, a platéia, os camarotes, a cena, uma altercação de espectadores. 
          Que os três quadros estão acabados com muita arte, sobretudo o primeiro, é coisa que a crítica imparcial deve reconhecer; mas, por que avolumar tais acessórios até o ponto de abafar o principal? 
          Talvez estes reparos sejam menos atendíveis, desde que o nosso ponto de vista é diferente. O Sr. Eça de Queirós não quer ser realista mitigado, mas intenso e completo; e daí vem que o tom carregado das tintas, que nos assusta, para ele é simplesmente o tom próprio. Dado, porém, que a doutrina do Sr. Eça de Queirós fosse verdadeira, ainda assim cumpria não acumular tanto as cores, nem acentuar tanto as linhas; e quem o diz é o próprio chefe da escola, de quem li, há pouco, e não sem pasmo, que o perigo do movimento realista é haver quem suponha que o traço grosso é o traço exato. Digo isto no interesse do talento do Sr. Eça de Queirós, não no da doutrina que lhe é adversa; porque a esta o que mais importa é que o Sr. Eça de Queirós escreva outros livros como o Primo Basílio. Se tal suceder; o Realismo na nossa língua será estrangulado no berço; e a arte pura, apropriando-se do que ele contiver aproveitável (Porque o há; quando se não despenha no excessivo, no tedioso, no obsceno, e até no ridículo), a arte pura, digo eu, voltará a beber aquelas águas sadias do Monge de Cister, do Arco de Sant'Ana e do Guarani. 
          A atual literatura portuguesa é assaz rica de força e talento para podermos afiançar que este resultado será certo, e que a herança de Garrett se transmitirá intata às mãos da geração vindoura".
           
          Gentileza Academia Brasileira de Letras www.academia.org.br   
          Machado de Assis (Joaquim Maria M. de A.), jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908. É o fundador da Cadeira n. 23 da Academia Brasileira de Letras. Velho amigo e admirador de José de Alencar, que morrera cerca de vinte anos antes da fundação da ABL, era natural que Machado escolhesse o nome do autor de O Guarani para seu patrono. Ocupou por mais de dez anos a presidência da Academia, que passou a ser chamada também de Casa de Machado de Assis.
          Filho do operário Francisco José Machado de Assis e de Leopoldina Machado de Assis, perdeu a mãe muito cedo, pouco mais se conhecendo de sua infância e início da adolescência. Foi criado no morro do Livramento e ajudou missa na igreja da Lampadosa. Sem meios para cursos regulares, estudou como pôde e, em 1855, com 16 anos incompletos, publicou o primeiro trabalho literário, o poema "Ela", na Marmota Fluminense, jornal de Francisco de Paula Brito, número datado de 12 de janeiro de 1855. No ano seguinte, entrou para a Imprensa Nacional, como aprendiz de tipógrafo, e lá conheceu Manuel Antônio de Almeida, que se tornou seu protetor. Em 1859, era revisor e colaborador no Correio Mercantil e, em 60, a convite de Quintino Bocaiúva, passou a pertencer à redação do Diário do Rio de Janeiro. Escrevia regularmente também para a revista O Espelho, onde estreou como crítico teatral, A Semana Ilustrada, de 16 de dezembro de 1860 até, pelo menos, 4 de julho de 1875, Jornal das Famílias, no qual publicou de preferência contos.
          O primeiro volume de Machado de Assis foi impresso, em 1861, na tipografia de Paula Brito, com o título Queda que as mulheres têm para os tolos, mas o nome de Machado aparecia aí como tradutor. Em 1862, era censor teatral, cargo não remunerado, mas que lhe dava ingresso livre nos teatros. Começou também a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura esposa. Seu primeiro livro de poesias, Crisálidas, saiu em 1864. Em 1867, foi nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial. Em agosto de 69, morreu Faustino Xavier de Novais e, menos de três meses depois (12 de novembro de 1869), Machado de Assis se casou com a irmã do amigo, Carolina Augusta Xavier de Novais. Foi companheira perfeita durante 35 anos, tendo-lhe revelado os clássicos portugueses e vários autores de língua inglesa. O primeiro romance de Machado, Ressurreição, saiu em 1872. Pouco depois, o escritor foi nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, iniciando assim a carreira de burocrata que lhe seria até o fim o meio principal de sobrevivência. Em 1874, começou a publicar, em O Globo de então (jornal de Quintino Bocaiúva), em folhetins, o romance A mão e a luva. Intensificou a colaboração em jornais e revistas, como O Cruzeiro, A Estação, Revista Brasileira (ainda na fase Midosi), escrevendo crônicas, contos, poesia, romances, que iam saindo em folhetins e depois eram publicados em livros. Uma de suas peças, Tu, só tu, puro amor, foi levada à cena no Imperial Teatro Dom Pedro II (junho de 1880), por ocasião das festas organizadas pelo Real Gabinete Português de Leitura para comemorar o tricentenário de Camões, e para essa celebração especialmente escrita. De 1881 a 1897, publicou na Gazeta de Notícias as suas melhores crônicas. Em 1881, o poeta Pedro Luís Pereira de Sousa assumiu o cargo de ministro interino da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e convidou Machado de Assis para seu oficial de gabinete (ele já estivera no posto, antes, no gabinete de Manuel Buarque de Macedo). Nesse ano de 1881 saiu também o livro que daria uma nova direção à carreira literária de Machado de Assis - Memórias póstumas de Brás Cubas, que ele publicara em folhetins na Revista Brasileira de 15 de março de 1879 a 15 de dezembro de 1880. Revelou-se também extraordinário contista em Papéis avulsos (1882) e nas várias coletâneas de contos que se seguiram. Em 1889, foi promovido a diretor da Diretoria do Comércio no Ministério em que servia.
          Grande amigo de José Veríssimo, continuou colaborando na Revista Brasileira também na fase dirigida pelo escritor paraense. Do grupo de intelectuais que se reunia na Redação da Revista, e principalmente de Lúcio de Mendonça, partiu a idéia da criação da Academia Brasileira de Letras, projeto que Machado de Assis apoiou desde o início. Comparecia às reuniões preparatórias e, no dia 28 de janeiro de 1879, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituição, à qual ele se devotou até o fim da vida.
          A obra de Machado de Assis abrange, praticamente, todos os gêneros literários. Na poesia, inicia com o Romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em Americanas (1875), e o Parnasianismo em Ocidentais (1897-1880). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Contos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873); os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), considerados como pertencentes ao seu período romântico. A partir daí, Machado de Assis entrou na grande fase das obras-primas, que fogem a qualquer denominação de escola literária e que o tornaram o escritor maior das letras brasileiras e um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa.
          Obras: Desencantos, comédia (1861); Queda que as mulheres têm para os tolos, sátira em prosa (1861); Teatro, volume que se compõe de duas comédias, O protocolo e O caminho da porta (1863); Quase ministro, comédia (s.d.); Crisálidas, poesia (1864); Os deuses de casaca, comédia (1866); Falenas, poesia (1870); Contos fluminenses (1870); Ressurreição, romance (1872); Histórias da meia-noite, contos (1873); A mão e a luva, romance (1874); Americanas, poesia (1875); Helena, romance (1876); Iaiá Garcia, romance (1878); Memórias póstumas de Brás Cubas, romance (1881); Tu, só tu, puro amor, comédia (1881); Papéis avulsos, contos (1882); Histórias sem data (1884); Quincas Borba, romance (1891); Várias histórias (1896); Páginas recolhidas, contos, ensaios, teatro (1899); Dom Casmurro, romance (1899); Poesias completas (1901); Esaú e Jacó, romance (1904); Relíquias da casa velha, contos, crítica, teatro (1906); Memorial de Aires, romance (1908). Publicações póstumas: Crítica (1910); Outras relíquias, contos, crítica, teatro (1932); Crônicas, quatro volumes (1937) ; Correspondência (1932); Crítica literária (1937); Páginas escolhidas (1921); Casa velha (1944). A obra de Machado de Assis foi, em vida do Autor, editada pela Livraria Garnier, desde 1869; em 1936, W. M. Jackson, do Rio de Janeiro, publicou as Obras completas, em 31 volumes. Raimundo Magalhães Júnior organizou e publicou, pela Civilização Brasileira, os seguintes volumes de Machado de Assis: Contos e crônicas (1958); Contos esparsos (1966); Contos esquecidos (1966); Contos recolhidos (1966); Contos avulsos (1966); Contos sem data (1966); Crônicas de Lélio (1966); Diálogos e reflexões de um relojoeiro (1966). Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura e encabeçada pelo presidente da Academia Brasileira de Letras, organizou e publicou, também pela Civilização Brasileira, as Edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes, reunindo contos, romances e poesias desse escritor máximo da literatura brasileira.
           
          De saúde frágil, epiléptico, gago, sabe-se pouco de sua infância e início da juventude. Criado no morro do Livramento, consta que ajudava a missa na igreja da Lampadosa. Com a morte do pai, em 1851, Maria Inês, à época morando em São Cristóvão, emprega-se como doceira num colégio do bairro, e Machadinho, como era chamado, torna-se vendedor de doces. No colégio tem contacto com professores e alunos e é até provável que assistisse às aulas nas ocasiões em que não estava trabalhando.
          Mesmo sem ter acesso a cursos regulares, empenhou-se em aprender. Consta que, em São Cristóvão, conheceu uma senhora francesa, proprietária de uma padaria, cujo forneiro lhe deu as primeiras lições de Francês. Contava, também, com a protecção da madrinha D. Maria José de Mendonça Barroso, viúva do Brigadeiro e Senador do Império Bento Barroso Pereira, proprietária da Quinta do Livramento, onde foram agregados seus pais.
          Aos 16 anos, publica em 12-01-1885 seu primeiro trabalho literário, o poema "Ela", na revista Marmota Fluminense, de Francisco de Paula Brito. A Livraria Paula Brito acolhia novos talentos da época, tendo publicado o citado poema e feito de Machado de Assis seu colaborador efectivo. 
          Com 17 anos, consegue emprego como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, e começa a escrever durante o tempo livre. Conhece o então director do órgão, Manuel António de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias, que se torna seu protector.
          Em 1858 volta à Livraria Paulo Brito, como revisor e colaborador da Marmota, e ali integra-se à sociedade lítero-humorística Petalógica, fundada por Paula Brito. Lá constrói o seu círculo de amigos, do qual faziam parte Joaquim Manoel de Macedo, Manoel António de Almeida, José de Alencar e Gonçalves Dias.
          Começa a publicar obras românticas e, em 1859, era revisor e colaborava com o jornal Correio Mercantil. Em 1860, a convite de Quintino Bocaiúva, passa a fazer parte da redacção do jornal Diário do Rio de Janeiro. Além desse, escrevia também para a revista O Espelho (como crítico teatral, inicialmente), A Semana Ilustrada(onde, além do nome, usava o pseudónimo de Dr. Semana) e Jornal das Famílias.
          Seu primeiro livro foi impresso em 1861, com o título Queda que as mulheres têm para os tolos, onde aparece como tradutor. No ano de 1862 era censor teatral, cargo que não rendia qualquer remuneração, mas o possibilitava a ter acesso livre aos teatros. Nessa época, passa a colaborar em O Futuro, órgão sob a direcção do irmão de sua futura esposa, Faustino Xavier de Novais.
          Publica seu primeiro livro de poesias em 1864, sob o título de Crisálidas.
          Em 1867, é nomeado ajudante do director de publicação do Diário Oficial.
          Agosto de 1869 marca a data da morte de seu amigo Faustino Xavier de Novais, e, menos de três meses depois, em 12 de novembro de 1869, casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novais.
          Nessa época, o escritor era um típico homem de letras brasileiro bem sucedido, confortavelmente amparado por um cargo público e por um casamento feliz que durou 35 anos. D. Carolina, mulher culta, apresenta Machado aos clássicos portugueses e a vários autores da língua inglesa.
          Sua união foi feliz, mas sem filhos. A morte de sua esposa, em 1904, é uma sentida perda, tendo o marido dedicado à falecida o soneto Carolina, que a celebrizou.
          Seu primeiro romance, Ressurreição, foi publicado em 1872. Com a nomeação para o cargo de primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, estabiliza-se na carreira burocrática que seria o seu principal meio de subsistência durante toda sua vida.
          No O Globo de então (1874), jornal de Quintino Bocaiúva, começa a publicar em folhetins o romance A mão e a luva. Escreveu crónicas, contos, poesias e romances para as revistas O Cruzeiro, A Estação e Revista Brasileira.
          Sua primeira peça teatral é encenada no Imperial Teatro Dom Pedro II em junho de 1880, escrita especialmente para a comemoração do tricentenário de Camões, em festividades programadas pelo Real Gabinete Português de Leitura.
          Na Gazeta de Notícias, no período de 1881 a 1897, publica aquelas que foram consideradas suas melhores crónicas.
          Em 1881, com a posse como ministro interino da Agricultura, Comércio Obras Públicas do poeta Pedro Luís Pereira de Sousa, Machado assume o cargo de oficial de gabinete.
          Publica, nesse ano, um livro extremamente original , pouco convencional para o estilo da época: Memórias Póstumas de Brás Cubas -- que foi considerado, juntamente com O Mulato, de Aluísio de Azevedo, o marco do realismo na literatura brasileira.
          Extraordinário contista, publica Papéis Avulsos em 1882, Histórias sem data (1884), Vária Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1889), e Relíquias da casa velha (1906).
          Torna-se director da Diretoria do Comércio no Ministério em que servia, no ano de 1889.
          Grande amigo do escritor paraense José Veríssimo, que dirigia a Revista Brasileira, em sua redacção promoviam reuniões os intelectuais que se identificaram com a ideia de Lúcio de Mendonça de criar uma Academia Brasileira de Letras. Machado desde o princípio apoiou a ideia e compareceu às reuniões preparatórias e, no dia 28 de janeiro de 1897, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituição, cargo que ocupou até sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1908. Sua oração fúnebre foi proferida pelo académico Rui Barbosa.
          É o fundador da cadeira nº. 23, e escolheu o nome de José de Alencar, seu grande amigo, para ser seu patrono.
          Por sua importância, a Academia Brasileira de Letras passou a ser chamada de Casa de Machado de Assis.
          Dizem os críticos que Machado era "urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico, ignorou questões sociais como a independência do Brasil e a abolição da escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo ambientado suas histórias sempre no Rio, como se não houvesse outro lugar. ... A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como um mestre da observação psicológica. ... Sua obra divide-se em duas fases, uma romântica e outra parnasiano-realista, quando desenvolveu inconfundível estilo desiludido, sarcástico e amargo. O domínio da linguagem é sutil e o estilo é preciso, reticente. O humor pessimista e a complexidade do pensamento, além da desconfiança na razão (no seu sentido cartesiano e iluminista), fazem com que se afaste de seus contemporâneos."

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal
                                                                                                                                 

 

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