Dia
da Lei do Ventre Livre
28 de Setembro de 1885 |
Pela lei de 28 de Setembro de 1871 do ministro José Maria da Silva Paranhos (o visconde
do Rio Branco), declaravam-se livres todos os filhos de mãe escrava nascidos a partir da
promulgação da lei.
Visconde do Rio Branco
Todavia, o menino nascido sob tutela do senhor de sua mãe até o oitavo aniversário,
quando então o ''senhor'' poderia optar entre receber uma indemnização do governo ou
utilizar-se do trabalho desse negro até os 21 anos completos, percebe-se que esta foi uma
lei meramente contemporizadora, não resolvendo em nada o problema do negro escravo.
O projecto da Lei do Ventre Livre
foi proposto pelo gabinete conservador presidido pelo visconde do Rio Branco em 27 de Maio
de 1871. Por vários meses, os deputados dos partidos Conservador e Liberal discutiram a
proposta. Em 28 de Setembro de 1871 a lei nº 2040 após ter sido aprovada pela Câmara,
foi também aprovado pelo Senado. Embora tenha sido objecto de grandes controvérsias no
Parlamento, a lei representou, na prática, um passo tímido na direcção do fim da
escravatura.
"Declara de condição livre
os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da
Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e
sobre a libertação anual de escravos.
A princesa imperial regente, em
nome de Sua Majestade o imperador o senhor D. Pedro 2º, faz saber a todos os súbditos do
Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1o: Os filhos da mulher
escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição
livre.
§1o: Os ditos filhos menores
ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão
obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o
filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a
indemnização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21
anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em
conformidade da presente lei. A indemnização pecuniária acima fixada será paga em
títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de
trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar
daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará
entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
§2o: Qualquer desses menores
poderá remir-se do ónus de servir, mediante prévia indemnização pecuniária, que por
si ou por outrem ofereça ao senhor de sua mãe, procedendo-se à avaliação dos
serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre o quantum da
mesma indemnização.
§3o: Cabe também aos senhores
criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquelas
estiverem prestando serviço. Tal obrigação, porém, cessará logo que findar a
prestação dos serviços das mães. Se estas falecerem dentro daquele prazo, seus filhos
poderão ser postos à disposição do governo.
§4o: Se a mulher escrava obtiver
liberdade, os filhos menores de oito anos que estejam em poder do senhor dela, por virtude
do §1o, lhe serão entregues, excepto se preferir deixá-los e o senhor anuir a ficar com
eles.
§5o: No caso de alienação da
mulher escrava, seus filhos livres, menores de doze anos, a acompanharão, ficando o novo
senhor da mesma escrava sub-rogado nos direitos e obrigações do antecessor.
§6o: Cessa a prestação dos
serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no §1o, se, por sentença do
juízo criminal, reconhecer-se que os senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes
castigos excessivos.
§7o: O direito conferido aos
senhores no §1o transfere-se nos casos de sucessão necessária, devendo o filho da
escrava prestar serviços à pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.
Art. 2o: O governo poderá entregar
a associações por ele autorizadas os filhos das escravas, nascidos desde a data desta
lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em
virtude do Art. 1o, §6o.
§1o Aditas associações
terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos e
poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:
1o: A criar e tratar os mesmos
menores.
2o: A constituir para cada um deles
um pecúlio, consistente na quota que para este fim for reservada nos respectivos
estatutos.
3o: A procurar-lhes, findo o tempo
de serviço, apropriada colocação.
§2o: As associações de que trata
o parágrafo antecedente serão sujeitas à inspecção dos juízes de órfãos, quanto
aos menores.
§3o: A disposição deste artigo
é aplicável às casas de expostos e às pessoas a quem os juízes de órfãos
encarregarem a educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos
criados para tal fim.
§4o: Fica salvo ao governo o
direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos públicos,
transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o §1o impõe às
associações autorizadas.
Art. 3o: Serão anualmente
libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota
anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação.
§1o: O fundo da
emancipação compõe-se:
1º: Da taxa de escravos.
2º: Dos impostos gerais
sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3º: Do produto de seis
lotarias anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que forem concedidas
dora em diante para correrem na capital do Império.
4º: Das multas impostas em
virtude desta lei.
5º: Das quotas que sejam
marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais.
6º: De subscrições,
doações e legados com esse destino.
§2º: As quotas marcadas nos
orçamentos provinciais e municipais, assim como as subscrições, doações e legados com
destino local, serão aplicadas à emancipação nas províncias, comarcas, municípios e
freguesias designadas.
Art. 4º: É permitido ao escravo a
formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o
que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O governo
providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio.
§1º: Por morte do escravo,
metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade
se transmitirá aos seus herdeiros, na forma de lei civil. Na falta de herdeiros, o
pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação de que trata o art. 3º.
§2º: O escravo que, por
meio de seu pecúlio, obtiver meios para indemnização de seu valor, tem direito à
alforria. Se a indemnização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas
vendas judiciais ou nos inventários o preço da alforria será o da avaliação.
§3º: É, outrossim,
permitido ao escravo, em favor da sua liberdade, contratar com terceiro a prestação de
futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos, mediante o consentimento do
senhor e aprovação do juiz de órfãos.
§4º: O escravo que
pertencer a condóminos, e for libertado por um destes, terá direito à sua alforria,
indemnizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer. Esta indemnização
poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos, em
conformidade do parágrafo antecedente.
§5º: A alforria com a
cláusula de serviços durante certo tempo não ficará anulada pela falta de implemento
da mesma cláusula, mas o liberto será compelido a cumpri-la por meio de trabalho nos
estabelecimentos públicos ou por contratos de serviços a particulares.
§6º: As alforrias, quer
gratuitas, quer a título oneroso, serão isentas de quaisquer direitos, emolumentos ou
despesas.
§7º: Em qualquer caso de
alienação ou transmissão de escravos é proibido, sob pena de nulidade, separar os
cônjuges, e os filhos menores de doze anos, do pai ou mãe.
§8º: Se a divisão de bens
entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum deles
preferir conservá-la sob o seu domínio, mediante reposição da quinta parte dos outros
interessados, será a mesma família vendida e o seu produto rateado.
§9º: Fica derrogada a ord.
liv. 4º, tít. 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.
Art. 5º: Serão sujeitas à
inspecção dos juízes de órfãos as sociedades de emancipação já organizadas e que
de futuro se organizarem.
Parágrafo único: As ditas
sociedades terão privilégio sobre os serviços dos escravos que libertarem, para
indemnização do preço da compra.
Art. 6º: Serão declarados
libertos:
§1º: Os escravos
pertencentes à Nação, dando-lhes o governo a ocupação que julgar conveniente.
§2º: Os escravos dados em
usufruto à Coroa.
§3º: Os escravos das
heranças vagas.
§4º: Os escravos
abandonados por seus senhores. Se estes os abandonarem por inválidos, serão obrigados a
alimentá-los, salvo caso de penúria, sendo os alimentos taxados pelo juiz de órfãos.
§5º: Em geral os escravos
libertados em virtude desta lei ficam durante cinco anos sob a inspecção do governo.
Eles são obrigados a contratar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem
vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos. Cessará, porém, o constrangimento do
trabalho sempre que o liberto exibir contrato de serviço.
Art. 7º: Nas causas em favor da
liberdade:
§1º: O processo será
sumário.
§2º: Haverá apelações
ex-oficio quando as decisões forem contrárias à liberdade.
Art. 8º: O governo mandará
proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes no Império, com
declaração de nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se
for conhecida.
§1º: O prazo em que deve
começar e encerrar-se a matrícula será convencionado com a maior antecedência
possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserida a disposição do
parágrafo seguinte.
§2º: Os escravos que, por
culpa ou omissão dos interessados, não forem dados a matrícula, até um ano depois do
encerramento desta, serão por este fato considerados libertos.
§3º: Pela matrícula de
cada escravo pagará o senhor por uma vez somente o emolumento de quinhentos réis, se o
fizer dentro do prazo marcado, e de mil réis, se exceder o dito prazo. O provento deste
emolumento será destinado a despesas da matrícula, e o excedente ao fundo de
emergência.
§4º: Serão também
matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava que por esta lei ficam livres.
Incorrerão os senhores omissos, por negligência, na multa de cem mil réis a duzentos
mil réis, repetidas tantas vezes quantos forem os indivíduos omitidos, e por fraude, nas
penas do artigo 179 do Código Criminal.
§5º: Os párocos serão
obrigados a ter livros especiais para o registro dos nascimentos e óbitos dos filhos de
escravas nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos a multa de
cem mil réis.
Art. 9º: O governo em seus
regulamentos poderá impor multas até cem mil réis e penas de prisão simples até um
mês.
Art. 10: Ficam revogadas as
disposições em contrário. Manda portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento
e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão
inteiramente como nela se contém. O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas a façam imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de
Janeiro, aos vinte e oito de Setembro de mil oitocentos setenta e um, quinquagésimo da
Independência e do Império.
Princesa imperial Regente.
D. Isabel Cristina Leopoldina de Bragança e Bourbon
Theodoro Machado Freire Pereira da Silva.
Carta de lei pela qual Vossa
Alteza Imperial manda executar o decreto da Assembleia Geral, que houve por bem sancionar,
declarando de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta
lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providenciando sobre a criação e
tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos, como nela se
declara.
Para Vossa Alteza Imperial ver.
O Conselheiro José Agostinho
Moreira Guimarães a fez.
Chancelaria-mor do Império.
Francisco de Paula de Negreiros
Sayão Lobato.
Transitou em 28 de Setembro de
1871.
André Augusto de Pádua Fleury.
Publicada na Secretaria de Estado
dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 28 de Setembro de 1871.
José Agostinho
A Lei do Sexagenários, a do
Ventre-Livre, a extinção da pena de açoite, a proibição de se venderem para senhores
diferentes membros da mesma família escrava e outras são mecanismos que protegem mais a
propriedade do senhor do que a pessoa do negro escravo. A Lei do Sexagenários, por
exemplo, serviu para descartar a população escrava não produtiva, que apenas existia
como sucata e dava despesas aos seus senhores. A Lei do Ventre-Livre condicionava
praticamente o ingénuo a viver até os vinte anos numa escravidão disfarçada
trabalhando para o senhor.
A crise do sistema escravista
entrava em sua última fase. Do ponto de vista estritamente económico, capitais de
nações europeias mais desenvolvidas no sistema capitalista investiam nos ramos
fundamentais, como transportes, iluminação, portos e bancos, criando uma contradição
que irá aguçando-se progressivamente entre o trabalho livre e o escravo. Tudo isto irá
culminar com a Guerra do Paraguai, na qual os negros serão envolvidos na sua grande
maioria compulsoriamente, nela morrendo cerca de 90 000. Aqueles que fugiam ao cativeiro,
apresentando-se como voluntários, acreditando na promessa imperial de libertá-los após
o conflito, foram muitos deles reescravizados.
Essa grande sucção de
mão-de-obra negra, provocada pela Guerra do Paraguai, abriu espaços ainda maiores para
que o imigrante fosse aproveitado como trabalhador. Essa táctica de enviar negros à
guerra serviu, de um lado, para branquear a população brasileira e, de outro, para
justificar a política imigrantista que era patrocinada por parcelas significativas do
capitalismo nativo e pelo governo de D. Pedro II.
Nessa fase poderemos ver duas
tendências demográficas da população negra, escrava e livre: decréscimo numérico em
consequência da guerra e do envelhecimento e falecimento de grande parte dos seus
membros; concentração dessa população nas províncias de Minas, Rio de Janeiro e São
Paulo.
Nas demais províncias vemos uma
economia estagnada, com uma população negra incorporando-se aos tipos regionais de
exploração camponesa, pois os senhores não tinham excedentes monetários para investir
na dinamização dessa economia decadente.
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite
Ribeiro - Marinha Grande - Portugal
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