CULINÁRIA BRASILEIRA
Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da
Fundação Joaquim Nabuco
Cada povo possui um tipo de culinária, um modo peculiar de
preparar seus alimentos. Do ponto de vista da cultura folclórica
percebe-se que, através de diferentes formas, misturas,
temperaturas, odores e cores, os povos vão transformando os
alimentos em uma atração. Comer é conhecer, diz um antigo
ditado. Desse modo, todas as culinárias do mundo representam
formas de conhecimento. São sinais culturais transmitidos por
meio do paladar, da visão, do olfato. São gostos, sensações,
texturas, ou toques, que aguçam os desejos.
O Brasil possui uma culinária original e expressiva. Ao longo de
500 anos, o brasileiro assimilou e transformou a cozinha
européia, principalmente a portuguesa, as especiarias que o
colonizador trouxe do Oriente (China e Índia), adicionando-lhe
ingredientes das culinárias africana e indígena (a dos índios da
Amazônia e do Pantanal Mato-Grossense). Essa última, uma festa
permanente de peixes moqueados, de caças e de frutas da estação,
já estava presente quando o País foi descoberto. Tudo isso, sem
jamais agredir ou colocar em risco a estabilidade do meio
ambiente. Foram as trocas alimentares, portanto, a união de
distintos caminhos e experiências de vida, de etnias e de
culturas, a miscigenação de gostos, formas e aromas, que geraram
uma nova e rica culinária: a brasileira.
Essa culinária assimilou, dos índios, a farinha de mandioca, os
alimentos cozidos ou assados em folhas de bananeira, as comidas
feitas com milho, a paçoca (peixe ou carne pilados e misturados
com farinha). Herdou-se dos indígenas, ainda, a moderação no uso
do sal e dos condimentos, a cozinha com forno e fogão, a
utilização de utensílios de cerâmica, as virtudes do consumo de
alimentos frescos, e as comidas temperadas pelas mãos das índias
nativas. Sem isso, a cozinha nacional seria hoje muito pobre.
Além do refinamento, o colonizador português introduziu alguns
ingredientes importantes na culinária brasileira: o coco
(trazido da Índia), o sal, e a canela em pó misturada com
açúcar. O sarapatel, o sarrabulho, a panelada, a buchada, o
cozido, não fazem parte da culinária africana, mas, sim,
portuguesa. Os dois primeiros vieram, também, da Índia através
dos colonizadores. A doçaria lusa trouxe: pudim de iaiá, arrufos
de sinhá, bolo de noiva, pudim de veludo. Vieram, ainda, muitos
quitutes mouriscos e africanos, como o alfenim e o cuscuz, e
frutas como a manga, a jaca, a fruta-pão e a carambola, que
foram trazidas do Oriente. Do já famoso cozido português é que
partiu a idéia de se incluir feijão preto ou mulatinho, carnes e
muitas verduras, a fim de fazer um prato único: a feijoada.
A feijoada é um prato que pode ser preparado à moda carioca,
baiana e nortista. A típica feijoada brasileira, porém, comporta
muitas iguarias: feijão preto, toucinho de fumeiro, paio,
lingüiças portuguesa e/ou calabresa, outras carnes de porco
salgadas e/ou defumadas (orelhas, rabo, pés, costelas) e carnes
secas (de charque), temperos frescos e secos. A feijoada é
acompanhada de arroz branco, farinha de mandioca, rodelas de
laranja, torresmo, folhas de couve (bem fininhas) fritas no alho
e óleo, e uma boa cachaça da terra.
A presença africana na mesa brasileira tem no dendê e na pimenta
(não as nativas, usadas pelos índios, mas a malagueta, trazida
pelos negros da África) os seus grandes representantes. A
palmeira de onde se extrai o azeite veio da África para o
Brasil, nas primeiras décadas do século XVI. Todos os pratos
trazidos do continente africano foram, então, reelaborados e
recriados pelos brasileiros, que passaram a usar o azeite de
dendê e os elementos locais.
Embora africano, o inhame era conhecido em Portugal. O caruru,
por sua vez, tal como é conhecido, é um prato africano, que
manteve a denominação indígena, mas adquiriu um outro conteúdo:
galinha, peixe, carne de boi, ou crustáceo. Ao chegar ao País, a
escrava negra já era cozinheira. Aprendendo com as portuguesas e
suplantando-as pela diversidade de temperos que soube manejar,
as africanas competiram com as indígenas quanto ao segredo da
boa mesa.
Na atualidade, cada região brasileira possui os seus pratos
típicos. No Norte, devido à presença de florestas, à influência
indígena, e às generosas bacias hidrográficas (o rio Amazonas e
seus afluentes, em particular), predomina o consumo de peixes de
água doce (acari, auanã, cascudo, surubim, pirapitinga,
piranambu, tucunaré, tambaqui, pirarucu, tainha, camurupim, itui,
jandiá, xaréu, curimatá, cangati, piranha, entre outros); de
mandioca e de frutas: açaí, bacaca, buriti, taperebá, ginja,
pupunha, murici, uamari, cupuaçu, bacuri, camapu, uxi, angá,
piquiá, camutim, cutitiribá, grumixama, cubiu, guaraná.
A culinária nortista, tropical e ecológica, é acompanhada por
uma grande variedade de pimentas: cajurana, mata-frade, murupi,
camapu, murici, olho-de-peixe, ova de aruana, pimenta de-cheiro,
e olho-de-pomba. Nessa região, consomem-se muitas outras
iguarias: maniçoba, caldeirada de jaraqui, pato no tucupi,
tambaqui assado na brasa, cuia de tacacá, mujanguê (a famosa
farofa de ovos de tartaruga), e vários tipos de tartarugas
(juruá-açu, capitari, tracajá, matamatá, cabeçudo, pitiú), os
cremes de bacuri e de cupuaçu.
No Nordeste, encontram-se os pratos à base de feijões, inhame,
macaxeira (chamada aipim, no sul do País), leite de coco, azeite
de dendê, peixes, crustáceos e frutas nativas. Na região,
pode-se destacar inúmeras iguarias: buchada, sarapatel,
arroz-doce, tapioca, caldo de cana, além de doces e/ou sorvetes
de frutas regionais: mamão (verde), goiaba, caju, pinha, sapoti,
banana, tangerina, mangaba, coco, manga, umbu, jaca, abacaxi,
araçá.
Da culinária nordestina fazem parte, ainda, os seguintes pratos:
dobradinha (feijão branco cozinhado com bucho de boi), galinha
de cabidela, mão-de-vaca, quibebe (pirão de jerimum),
carne-de-sol (servida com farofa e feijão verde), peixes e
crustáceos ao leite de coco, feijão e arroz ao coco, amendoim
torrado e cozinhado, canjica, pamonha, munguzá, cuscuz, milho
cozido e assado, acarajé, abará, caruru, vatapá, bolos de
macaxeira e de mandioca, pé-de-moleque, bolo Souza Leão,
umbuzada (feita com umbu, leite e açúcar), entre outros.
No Sul e no Sudeste, onde se encontram grandes rebanhos bovinos
e ovinos, a população consome churrasco de carne e lingüiças
assadas na brasa, acompanhadas por arroz branco, salada de
maionese, farinha de mandioca torrada, macaxeira cozida, saladas
verdes e pão. Outros pratos tradicionais são os seguintes:
guisado no pau, boi atascado, pernil de cordeiro, costelão,
churrasco de ovelha, tripa grossa, e outros. Os gaúchos, em
particular, consomem bastante o chimarrão, um chá quente feito
com as folhas de mate amargo trituradas.
Alguns pratos típicos dos outros estados são os seguintes: a
feijoada carioca (com feijão preto), no Rio de Janeiro; o cuscuz
salgado, conhecido como cuscuz paulista, em São Paulo; e uma
grande variedade de produtos derivados do leite (como o famoso
queijo de Minas, requeijões, iogurtes, manteigas e doces de
leite), além de pães de queijo, biscoitos de polvilho e goiabada
cascão, em Minas Gerais. Lá, é apreciado o tutu à mineira e o
feijão-de-tropeiro (uma homenagem aos desbravadores de sertões
que inclui feijão, toucinho e carne-de-vento ou seca,
acompanhados por farinha de mandioca). E, no Espírito Santo, são
populares os pratos de peixe preparados com urucum, assim como a
moqueca capixaba.
Devido às características cosmopolitas do Sul e do Sudeste, é
possível encontrar nessas regiões uma grande variedade de
culinárias: italiana, japonesa, chinesa, coreana, vietnamita,
alemã, húngara, francesa, polonesa, russa, ucraniana. A pizza e
o macarrão, por exemplo, são heranças dos italianos que já foram
incorporadas à alimentação de muitos brasileiros. Os italianos
inventaram, inclusive, o salsichão e o espeto corrido.
No Centro-Oeste, predominam os pratos à base de carne, devido
aos grandes rebanhos. É comum o consumo de peixes de água doce,
aves e caça do Pantanal, frutas do cerrado (como o pequi) e
erva-mate.
Encontra-se, hoje, na culinária brasileira, inúmeros pratos que
utilizam o leite de coco, o azeite de dendê, a farinha de
mandioca, o sal, as pimentas, as frutas, as moquecas, os
assados, os guisados, os doces, os sucos, enfim, dezenas de
ingredientes e de modos de fazer que moldaram a chamada cozinha
tradicional do País.
FEIJOADA BRASILEIRA
(para seis pessoas)
Ingredientes:
500g de feijão preto, 300g de
charque, 80g de toucinho, 200g de carne bovina, 120g de rabo de
porco, 120g de orelha de porco, 200g de carne de porco, 240g de
pé de porco, 200g de costela de porco defumada, 240g de lingüiça
ou paio, 250g de cebola (cortada em pedacinhos), 4 dentes de
alho (moídos), 2 cebolinhas (cortadas em pedacinhos pequenos), 2
folhas de louro, 4 colheres (sopa) de azeite de oliva, sal e
pimenta-do-reino (moída) a gosto.
Modo de fazer:
Lavar bem todas as carnes
salgadas e aferventá-las para retirar o sal. Colocar o pé de
porco para cozinhar em uma panela, apenas com água e folha de
louro, durante cerca de 30 minutos. Acrescentar o feijão
(previamente lavado) e o restante das carnes. Deixar no fogo até
que ambos amoleçam, adicionando sempre a água que for
necessária. Em uma frigideira, fritar a cebola e a cebolinha no
azeite de oliva. Quando estiverem dourando, adicionar o alho e a
pimenta-do-reino. Deixar alguns segundos no fogo para refogar
bem a mistura. Colocar esses temperos dentro da feijoada,
deixando ferver por 5 minutos. Provar um pouco do caldo para
verificar o teor de sal. Caso ele falte, adicionar um pouco mais
(sempre provando). Caso tenha ficado salgado, colocar algumas
batatas inglesas (grandes) para cozinhar dentro da feijoada:
elas reterão todo o excesso de sal. Com a ajuda de uma
escumadeira, separar as carnes do feijão, arrumando-os em
recipientes distintos. Servir com farinha de mandioca, arroz
branco, couve à mineira, rodelas de laranja, molho de pimenta e
uma boa cachaça da terra.
Tempo de cozimento: 2 1/2 horas.
Fontes consultadas:
A CULINÁRIA baiana no restaurante do SENAC Pelourinho. Rio de
Janeiro: Editora Senac Nacional, 1999.
A CULINÁRIA mineira no hotel Senac Grogotó. Rio de Janeiro:
Editora Senac Nacional, 1998.
CULINÁRIA amazônica: o sabor da natureza. Rio de Janeiro:
Editora Senac Nacional, 2000.
DO pampa à serra: os sabores da terra gaúcha. Rio de Janeiro:
Editora Senac Nacional, 1999.
LIMA, Claudia. Tachos e panelas: etnografia da cozinha
brasileira. Recife: Ed. da Autora, 1999.
LODY, Raul. Cozinha brasileira: uma aventura de 500 anos. In:
FORMAÇÃO da culinária brasileira. Rio de Janeiro: Senac
CNC-Sesc, [s.d.].
MELO, Veríssimo de. Folclore brasileiro: Rio Grande do
Norte. Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1977.
OLIVEIRA, Nóe Mendes de. Folclore brasileiro: Piauí.
Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1977.
ROCHA, José Maria Tenório. Folclore brasileiro: Alagoas.
Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1977.
SERAINE, Florival. Folclore brasileiro: Ceará. Rio de
Janeiro: MEC/FUNARTE, 1978.
SOUTO MAIOR, Mário. Comes e bebes do Nordeste. Recife:
Fundaj, Ed. Massangana, 1984.
VALENTE, Waldemar. Folclore brasileiro: Pernambuco. Rio
de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1979.