JIQUIÁ
Jiquiá é o nome de um bairro que havia no Recife, e que ficava situado
um pouco além de Afogados. Como tantos outros bairros da cidade, ele
possui uma história entrelaçada com o desenvolvimento do feudo
açucareiro de Pernambuco, durante o período do Brasil Colônia.
Infelizmente, por causa das demolições e da destruição do próprio tempo,
nada existe hoje das construções centenárias presentes naquela
localidade: a casa de vivenda, a capela e os edifícios do engenho. Não
se pode mais apreciar, também, os tradicionais viveiros de peixes que, a
cada ano, durante a Semana Santa, atraíam famosas pescarias; e tampouco
observar o campo do Zepelim, onde foi edificada a primeira estação
aeronáutica para dirigíveis da América do Sul.
A demarcação judicial das terras do Jiquiá - local onde havia,
primeiramente, um engenho de açúcar - foi procedida pelo ouvidor Jorge
Camelo, no dia 12 de outubro de 1598, e efetuada em atenção a uma carta
de sesmaria, conferida pelos donatários da capitania, que deduziu o
começo daquele feudo açucareiro em cerca de dois quilômetros de
Afogados.
Existem referências de que o fidalgo madeirense Francisco Berenguer de
Andrade foi o verdadeiro fundador da localidade. Em 1639, ele teria
tomado parte de um movimento de rebeldia contra o Governo holandês,
juntamente com Pedro da Cunha Andrade (senhor de engenho, na Várzea),
Filipe Pais Barreto (senhor do morgado do Cabo) e João Carneiro Maria
(senhor do engenho Ipojuca), entre outros. Antes da invasão holandesa,
Berenguer teria vendido a fábrica de açúcar (e grande parte de suas
terras) a Antônio Fernandes Pessoa, filho de um abastado colono que
possuía ainda o engenho Sibiró, em Ipojuca. Este último conseguira
aumentar bastante o perímetro de sua propriedade, através da anexação,
por meio de compra, das terras de João Gonçalves Carpinteiro e de
Jerônimo Pais (senhor do engenho Casa Forte), assim como de outras
terras que herdara do seu pai.
Devido à importância estratégica do engenho, porém, um local muito
disputado durante o período da invasão holandesa, Antônio Fernandes foi
obrigado a retirar-se para Ipojuca, com sua família, deixando Jiquiá no
ano 1637 em completo abandono, ou, como se dizia na época: de fogo
morto. Somente em 1654, com o fim da guerra contra os holandeses, o
engenho pôde ser reparado dos danos sofridos e ter os trabalhos
reiniciados.
Na ocasião foi construído um trapiche de embarque de açúcar, junto à
própria foz do rio Jiquiá, visando servir de acostagem aos pequenos
barcos, que traziam mercadorias para os engenhos e povoações das
proximidades. O trapiche servia de ponto de embarque de açúcar,
madeiras, e outros artigos de comércio que se destinavam à praça do
Recife. Servia de depósito, ainda, para a recepção de diversas
mercadorias que chegavam de outros engenhos e povoados das imediações.
Um grande cruzeiro de mármore granítico existia, também, em frente ao
Passo, bem como um sobrado de vivenda (dos proprietários do Passo) e
várias casas de moradores.
Alguns anos depois, com a morte de Antônio Fernandes e de sua esposa,
Ana de Luís da Silva - a filha deles - herdou as terras, mas decidiu
vendê-las ao capitão Antônio Borges Uchoa, o que foi feito mediante uma
escritura lavrada no dia 3 de março de 1657. A localidade, na época,
chamava-se Engenho de Santo Antônio do Jiquiá.
Passados cerca de cinqüenta anos, conforme consta de uma vistoria
judicial empreendida no ano 1705, os irmãos Álvaro e Antônio Barbalho
Uchoa apareceram como os legítimos proprietários do engenho, seguindo-se
a eles Antônio Correia, capitão-mor da Vila do Recife. Na ocasião, o
engenho Santo Antônio do Jiquiá pertencia à freguesia da Várzea, sendo
uma moderna fábrica movida por animais.
Uma outra iniciativa foi a construção de um grande armazém de açúcar (e
de outras mercadorias), chamado Passo de Santa Cruz do Jiquiá, que
garantia o abastecimento da população suburbana. Isto deu uma grande
projeção à região, embora o Passo não pertencesse ao proprietário do
engenho e das terras de Jiquiá.
Jiquiá tornou-se uma bela e animada povoação, com vários sítios de
cultura e uma importante propriedade rural situada nas imediações de
Afogados, por onde passavam trens e circulavam bondes elétricos.
Do Passo, por sua vez, constituído na época como Vínculo ou Morgado, a
notícia mais antiga que se tem refere-se ao testamento do Padre João de
Lima Abreu, falecido em 1697, que dizia: Declaro que entre os mais bens
que possuo é o maior o Passo de Santa Cruz de Jiquiá, com todos os seus
pertences e logradouros, com o qual instituo três capelas de missas, as
quais se dirão por minha alma em cada ano e estas dirão meus sobrinhos,
filhos de minha irmã Grácia Gomes,etc., etc. (GUERRA, 1970, p. 203).
Após o falecimento do padre, a propriedade passou às mãos de seis
administradores, que foram coagidos judicialmente a prestar contas de
suas administrações.
O último administrador foi Vicente Ferreira da Meira Lima. O governador
Luís do Rego Barreto, no ano de 1819, objetivando construir uma estrada
geral do centro até Santo Antão (hoje, Vitória de Santo Antão), passando
por Jaboatão, determinou o aterro da estrada do Jiquiá.
Em 1829, havia uma grande olaria na Camboa do Jiquiá, com porto de
embarque. De suas terras saíam barro para a fabricação de telhas e
tijolos, e uma lagoa de água doce fornecia água para os amassadores.
Somando-se a isso, com a lei imperial de 1835, decretando a extinção dos
Vínculos e Morgados, ocorreu a distribuição dos bens e das terras entre
os vários co-senhores, e a propriedade decaiu.
Até o próprio cruzeiro de granito ficou completamente abandonado. Por
acidente, ele foi encontrado em 1868, fora do seu pedestal e coberto por
uma espessa vegetação. Um dos missionários católicos, no entanto,
seguido pelo povo, conduziu o cruzeiro em procissão para Afogados. Lá,
erguido sobre um pedestal, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Paz,
ele permaneceu até os dias atuais. E, por incrível que possa parecer,
excetuando-se a fonte documental existente, aquele cruzeiro representa o
único vestígio palpável da existência de Jiquiá.
Fontes consultadas:
COSTA, F. A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de
Cultura Cidade do Recife, 1981.
GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. Recife: Fundação
Guararapes, 1970.
Semira Adler Vainsencher