Revista "HAIKAI - com Amor" Ano II - Nº 07
Outubro de 2007

 

Editora: Benedita Azevedo

Formatação e Arte: Iara Melo

 

Caríssimos leitores!
 
Dedicamos este número ao 19º Encontro Brasileiro de Haicai, organizado pelo Grêmio Haicai Ipê. Aos autores que o compõem e a todos os participantes deste “Grande Desafio”. Na seção Nº 01, mostraremos a Maravilhosa Palestra proferida pelo haicaísta Edson Kenji Iura, que, ao lado da também haicaísta Teruko Oda coordena o Grêmio, em substituição ao Mestre H. Masuda Goga que, aos 96 anos, embora esteja lúcido e escrevendo ainda seus haicais, já não se locomove com tanta facilidade. Aos mestres adjuntos, meus respeitos e admiração pela missão que tão bem têm desempenhado. O sucesso do 19º Encontro é prova disso. Na seção Nº 02, teremos uma antologia de haicais de autores das mais variadas localidades brasileiras. Na seção nº 03, algumas notícias sobre o haicai. Queremos agradecer ao Presidente Carlos Leite Ribeiro e à Vice-Presidente Iara Melo por nos concederem a oportunidade de divulgação de nossos trabalhos haicaísticos e pela bela formatação de nossa webmaster.

 

Seção 01 – Palestra de Edson Kenji Iura,
19º Encontro Brasileiro de Haicai
 
MUNDANISMO E TRANSCENDÊNCIA NO HAICAI DE BASHÔ
Por Edson Kenji Iura – do Grêmio Haicai Ipê
 
Os haicais de Matsuo Bashô
(Japão, 1644-1694)


Bashô definiu o haicai como gênero literário. Já se escrevia haicai antes dele, mas os parâmetros estéticos que só ele estabeleceu são seguidos ainda hoje no Japão e no Brasil. Até o século XIV, não existia o haicai como nós o conhecemos. O que existia era o passatempo denominado renga [o r é pronunciado como em areia] (poemas encadeados):
Um grupo de nobres e samurais se reunia durante um dia inteiro para compor pequenas estrofes individuais (nos tamanhos de 17 e 14 sílabas) que se encaixavam umas nas outras para formar um grande poema coletivo. O primeiro poema do renga tinha 17 sílabas (5-7-5) e era chamado de hokku (estrofe inicial).  Com o tempo, os poetas passaram a compor o hokku com antecedência, levando-o pronto para as reuniões. O renga era um passatempo sério, que prezava a elegância e a beleza acima de tudo. Uma variação menos séria chamada haikai-renga.  Surgiu para descontração após o renga “sério”.
No século XIX, Masaoka Shiki (1867-1902) inventou a palavra haiku para referir-se à primeira estrofe do renga, hoje praticada como gênero literário distinto: haikai + hokku = haiku
No Brasil, se diz haicai (forma de dicionário) em vez de haiku ou haikai. A partir de agora, utilizaremos a grafia haikai para nos referirmos à literatura criada em torno do haikai-renga e hokku para nos referirmos ao poema individual.
Historicamente, a ascensão do haikai deu-se com as mudanças econômicas da era Edo (século XVII). O xogunato Tokugawa unificou o Japão pondo fim a séculos de guerras.  O crescimento econômico impulsionado pela paz levou à ascensão social de comerciantes e samurais pouco letrados.
 
O MARCO CULTURAL
Condições para a popularização do haikai-renga./Enxugamento de suas complexas regras de encadeamento./Mudança de linguagem do japonês clássico para o japonês comum.
 
Duração reduzida
Renga: até 1000 estrofes./Haikai-renga: até 100 estrofes./Haikai-renga preferido de Bashô: 36 estrofes.
 
O haikai-renga passou a introduzir elementos da cultura urbana/Gíria /Palavras chinesas/Paródias da cultura clássica. A nova linguagem passava a se chamar linguagem de haikai, em contraste com a linguagem clássica. O humor do haikai nascia através de Jogos de palavras, paródia da cultura clássica, apelo à vulgaridade e ao erotismo.
 
Um exemplo de hokku (Kyûho): harusame wa yanagi no kami no abura kana
 
Chuva de primavera
É o sebo escorrendo
Dos cabelos do salgueiro!
 
AO TEMPO DE BASHÔ, AS PRINCIPAIS ESCOLAS DE HAIKAI ERAM:
 
TEIMON (séria): Contra a vulgaridade/Moralista/Linguagem controlada/Valorizava a cultura clássica
 
DANRIN (frívola): Valorizava o humor/Linguagem popular/Temas do cotidiano
 
O SURGIMENTO DE BASHÔ
Bashô não queria apenas fazer graça.  Queria transformar o haikai em literatura. Valorizava a cultura clássica. Valorizava também a ligação do haikai com a cultura popular. Suas características distintivas eram: a) Deixou de lado a paródia e a sátira. b) Não rebaixava nem ridicularizava o que era refinado. c) Almejava elevar o que era mundano até o nível da tradição.
Bashô ressaltava o aspecto nobre que podia ser encontrado dentro da realidade mundana, a riqueza espiritual que podia existir num cenário de pobreza material e os aspectos humanos e naturais que não eram considerados pela tradição literária.  Os procedimentos do haikai de Bashô têm o objetivo de transformar palavras comuns em palavras poéticas.  O haikai de Bashô procurou unir a linguagem clássica e a linguagem popular em busca de um ideal poético. Ao unir os dois mundos, Bashô promovia a regeneração do que era mundano, criando uma nova tradição.
 
Dez Hokkus de Bashô
 
1. kare-eda ni karasu no tomarikeri aki no kure
 
Sobre o galho seco
um corvo pousado –
Entardecer de outono.
 
Uma lenda diz que Kigin, Bashô e Sodô se encontraram para tomar chá e discutir um novo caminho para o haikai, longe dos excessos da Escola Danrin.   O resultado foi este poema, que é uma descrição muito simples, a mais simples possível de se fazer, mas que transmite uma idéia de solidão desolada e quietude.
A primeira versão enfatizava o instante em que a ave pousa, perturbando levemente o cenário. Oito anos depois, uma nova versão, empregando uma conjugação verbal diferente, mostra a ave parada no galho, num cenário de silêncio.
“Entardecer de outono” é um tópico sazonal tradicional associado à solidão silenciosa e meditativa,  que também pode ser entendido como “fim de outono”, forma o cenário para o corvo que pousa sobre o galho seco. Por outro lado, corvos pousados sobe galhos secos eram um tema popular de pintura suiboku-ga (sumiê), originária da China.
 
Um poema que pode ter inspirado Bashô foi este tanka de Saigyô (1118-1190):
 
Na velha fazenda
Sobre uma árvore
O pombo
Chama por um amigo
Ao entardecer.
 
Bashô, fazendo uma montagem, justapôs um tópico da poesia medieval (tarde de outono) com um motivo de pintura chinesa. Os dois temas, ligados por afinidades, ressonam quando acoplados.
 
 
2. bashô nowaki shite tarai ni ame o kiku yo kana
 
Bananeira ao vendaval de outono –
Noite de ouvir a chuva
pingando na bacia.
 
Bashô, que ainda adotava o nome literário de Tôsei, mudou-se para uma cabana próxima ao delta do rio Sumida e à atual baía de Tóquio, muito suscetível a tufões. Um discípulo presenteou-o com uma bananeira, conhecida por bashô. O poeta gostou tanto da planta que adotou o nome de Bashô. A bananeira de que falamos não é a bananeira tropical, Musa paradisíaca, que dá frutos. Trata-se da Musa basjoo, uma planta do mesmo gênero, resistente ao clima frio do Japão, mas que, em compensação, não dá frutos. No verão adquire folhagem exuberante, mas no outono, com as tempestades da estação, assume aspecto miserável, com sua folhagem totalmente destruída. Este aspecto fez com que a bananeira bashô se transformasse em símbolo de impermanência em textos budistas e na poesia, na China e no Japão.
Bashô não ouviu o som das folhas sendo rasgadas, pois a essa altura a bananeira já era. Ele só conseguiu ouvir o som de uma goteira caindo dentro de uma bacia em sua pobre choupana, um cenário totalmente mundano. Ter uma goteira dentro de casa sendo aparada por uma bacia já indica que a casa não é um local seguro, isto é, traduz a idéia da impermanência.  Através da descrição de uma cena absolutamente vulgar, Bashô fez um comentário auto-depreciativo de suas condições de vida. Mas ao evocar a bananeira de outono, trouxe para sua choupana o mundo espiritual dos poetas chineses. Essa alusão não é feita para rebaixar e ridicularizar a cultura clássica, como era do feitio do haikai pré-Bashô. A alusão tem o papel de elevar o que era originalmente vulgar até o nível da cultura clássica.
 
3. furuike ya kawazu tobikomu mizu no oto
 
O velho lago –
O salto da rã,
Barulho d’água
 
É o hokku mais famoso de Bashô, mas não é considerado o melhor. Segundo a tradição, Bashô estava reunido com seus discípulos quando compôs os seguintes versos: “o salto da rã/ barulho d’água”.
Bashô pediu que alguém completasse o primeiro verso. Um de seus discípulos propôs “yamabuki”
 
(Kerria japonica, rosa japonesa, quérria).
 
Ao invés disso, Bashô saiu-se com “o velho lago”, causando espanto a todos.
 
Desde a antiguidade, a rã era admirada por seu canto na primavera. Por outro lado, a partir da era Heian (794-1185), a rã passou a ser associada à quérria, como no poema a seguir:
 
Onde cantam as rãs,
As quérrias já caíram.
Ah se eu lá estivesse
Enquanto ainda floriam!
(Anônimo, século 10)
 
A sugestão do discípulo faria o poema de Bashô se alinhar com o passado clássico. Mas ele preferiu romper com esse passado. Ao invés do canto da rã às margens de um límpido riacho, ao lado de quérrias, apenas o ruído da rã saltando em um lago de água estagnada. O lago tem uma conotação de quietude e hibernação. A rã é um tema clássico de primavera, que implica um dia de temperatura agradável, povoado pelos sons dos seres que despertam para a vida. O som da água apenas reforça a sugestão de silêncio que aparece no poema. O súbito movimento da rã sugere o despertar da vida na primavera, contrastando com a quietude invernal implícita no velho lago. A rã, ao simplesmente saltar na água ao invés de cantar, eliminou as velhas associações que tinha com a poesia clássica.
 
4. haru nare ya na mo naki yama no usugasumi
 
É primavera –
Uma colina sem nome
Sob a fina névoa.
 
Na literatura clássica existe a figura dos lugares famosos, que são fonte de inspiração poética. O Monte Kagu, perto de Nara, a primeira capital do Japão, é um destes locais, guardando significação poética e religiosa. Existe uma maneira certa de serem citados lugares famosos, fazendo associações tradicionais. Na primavera, com o degelo da neve, a umidade do ar está alta, causando névoa. O monte Kagu está sempre associado à névoa da primavera.
 
Nesta tarde
Sob o céu de Hisakata,
O Monte Kagu
Envolto em névoa.
A primavera está chegando.
 
Kakimoto Hitomaro (século 8)
 
Bashô está em viagem, chegando a Nara. Ele também quer ver o monte Kagu, mas ainda não chegou até lá. Enquanto relembra os poemas do passado, encontra uma colina desconhecida. Naquele instante, mesmo a colina desconhecida lhe parece tão bela quanto o mítico monte Kagu.  Na poesia clássica, apenas os lugares famosos podiam ser cantados em sua beleza. Bashô quis dizer que mesmo uma colina sem nome merecia ser registrada em poesia.
 
5. takotsubo ya hakanaki yume o natsu no tsuki
 
O polvo num pote –
É tão breve o sonho
sob a lua de verão.
 
A lua de verão é um tema da literatura clássica. No verão, as noites são mais curtas do que nas outras estações, o que leva à idéia da transitoriedade, da brevidade da vida. Um exemplo de uso na literatura clássica poderia ser a descrição do encontro de um casal de amantes, que só pode se ver durante as poucas horas de uma noite de verão. Quanto ao hokku, ele foi escrito em Akashi, perto da atual Kobe.
Os pescadores de lá tinham um sistema de pesca que consistia em jogar ao mar potes de barro amarrados por uma corda. As armadilhas eram baixadas à tarde e levantadas na manhã seguinte.  Os polvos, pensando que fossem abrigos seguros, metiam-se nos potes sem desconfiar de nada e lá passavam a noite.
O polvo do hokku pode estar tendo um sonho breve como a noite de verão, sem saber que vai ser colhido no dia seguinte. O sonho também pode ser o do próprio Bashô ou dos antigos guerreiros que passaram por Akashi nas cenas descritas nos Contos de Heike.
O hokku fala de humor, pois substitui as associações tradicionais por um polvo prosaico e ignorante. Porém, o hokku também fala de compaixão, ao se referir a um polvo imerso em sonhos que ignora o seu próprio destino, como os homens. No hokku de Bashô, as armadilhas de polvos são ferramentas de trabalho dos pescadores, representando o universo mundano. Ao juntar um item do mundo comum com outro do mundo clássico, Bashô injeta ar fresco no clichê da lua de verão, dando-lhe uma nova perspectiva. Em troca, a frase clássica (lua de verão), com suas alusões tradicionais, resgata a palavra mundana, emprestando-lhe um pouco do seu valor e transformando-a em poesia.
 
6. yuku haru ya tori naki uo no me wa namida
 
Vai-se a primavera –
Lágrimas no olho do peixe
E choram as aves.
 
Parte do diário de viagem Sendas de Oku (Trilha estreita aos confins). Bashô achava importante ver os locais famosos com os próprios olhos. O hokku é uma metáfora da partida de Bashô (a primavera) e dos discípulos (peixe e pássaros) que ficam. Os olhos brilhantes do peixe exposto no mercado sugerem que choram. Em japonês, o cantar dos pássaros é homófono de chorar (naki). A primavera é vista também como uma viajante, através da construção “vai se a primavera”.
“Meses e dias são viajantes da eternidade. O ano que se vai e o ano que vem são igualmente viajantes. Os que atravessam a vida sobre seus barcos, e também aqueles que envelhecem segurando os arreios de seus cavalos fazem da própria viagem a sua morada. Os antigos não raro pereciam durante suas viagens. Eu mesmo há muito tempo tentado pelo vento que arrasta as nuvens, tenho sido acossado pelo desejo de vagar sem rumo”.  (trecho de “Trilha estreita aos confins”)
 
7. natsugusa ya tsuwamono domo ga yume no ato
 
Capim de verão —
Dos sonhos dos guerreiros
Tudo o que restou.
 
Escrito durante a visita de Bashô a um antigo campo de batalha. Trata-se de uma sangrenta batalha ocorrida no século 12, durante a guerra entre os clãs Taira e Minamoto e descrita nos “Contos de Heike”.
Onde havia um castelo, só encontrou algumas ruínas, campos de arroz e capim. Como nas peças de teatro nô, Bashô é o monge viajante que visita o velho campo de guerra. Nesse local, ele passa a ouvir em sonho os fantasmas dos mortos na batalha rememorando seus feitos heróicos.
 
O país está destruído
Rios e montanhas permanecem
A primavera surge entre as ruínas do castelo
Capim e árvores verdejam.
 
Tu Fu (China, Século 8)
 
Yume quer dizer sonho e também ambição. O capim de verão é alto, espesso e luxuriante. Capim de verão é uma expressa sazonal clássica que quer dizer crescimento vigoroso. Os sonhos dos guerreiros representam todas as ambições terrenas de poder e glória dos poderosos que habitaram o local. A única coisa que cresce vigorosa, séculos depois, é o capim.
 
8. hatsushigure saru mo komino o hoshigenari
 
Primeira chuva de inverno –
O macaco talvez queira
uma capinha de palha.
 
A chuva de inverno é uma chuva fina, fria e passageira, que ocorre entre o fim do outono e o início do inverno. O adjetivo “primeira” anuncia a súbita percepção de passagem do tempo e a chegada incontestável da nova estação. Desde a antiguidade, a chuva de inverno associa-se a sentimentos de efemeridade, solidão e melancolia.
 
Viver neste mundo
É algo doloroso.
Primeira chuva de inverno,
Suave, passageira,
Sobre a casa de tábuas.
Nijôin Sanuki (século 13)
 
Bashô, durante uma de suas viagens, foi surpreendido por essa chuva. Ele não expressou seus sentimentos de melancolia ou resignação perante a transitoriedade do mundo, como faria um poeta clássico. Ele se lembrou de todos os poemas do passado que cantaram a chuva de inverno e simplesmente curtiu aquele instante de introspecção proporcionado pela natureza. Ao olhar à sua volta, Bashô viu, sobre uma árvore, um macaco que, como ele, parecia estar apreciando aquele momento. A única coisa que Bashô conseguiu pensar foi perguntar se o macaco não gostaria de vestir uma capa de palha para ficar mais à vontade sob a chuva. Bashô tornou-se cúmplice do macaco. Desaparecem as fronteiras entre o observador e o observado, entre o sujeito e o objeto, entre macacos e humanos. Tudo faz parte da mesma natureza.
 
9. neko no koi yamu toki neya no oborozuki
 
Findo o namoro dos gatos,
A lua enevoada
dentro da alcova.
 
Gatos fazem sua algazarra típica enquanto namoram. Quando tudo termina, o ambiente fica silencioso. Tudo o que se consegue perceber é a luz da lua enevoada que invade o quarto. Este hokku justapõe a algazarra dos gatos com o silêncio contemplativo da lua enevoada, ambos temas de caráter erótico. Na primavera, a umidade do ar faz com que a lua apareça embaçada ou enevoada. É um tópico ligado ao amor e à juventude. O amor dos gatos, como tema sazonal de primavera, tornou-se popular no tempo de Bashô. Amor de gatos é uma expressão de haikai, não de poesia clássica.
Se o gato é um animal de haikai, qual é o animal correspondente no passado clássico? O veado que procura por uma companheira era um dos temas preferidos para expressar o amor nos poemas clássicos.
No outono, ao entardecer, quando dentro do castelo, um nobre ouvia o bramido distante e tristonho de um veado, ele podia escrever algo como o poema abaixo:
 
Chega o tempo de ouvir,
Nas montanhas distantes,
O bramir do veado a pisar
Um denso tapete de folhas.
É triste o outono.
Anônimo (Século 10)
 
Em contraste com a elegância clássica, o namoro dos gatos, fazendo arruaça pelas ruas da cidade, com seus miados imitando o choro de crianças, incorporava o caráter humorístico e mundano do tema sazonal.
 
10. aki fukaki tonari wa nani o suru hito zo
 
O outono se aprofunda –
Meu vizinho
O que faz para viver?
 
Outono se aprofunda: frase da poesia clássica. Traz a idéia do silêncio e do sentimento de solidão que se aprofundam com o passar do tempo. Pode ser lido tanto como uma ambientação do hokku como uma metáfora da situação. A curiosidade para com o vizinho pode expressar o isolamento: Do viajante em uma pousada procurando por companhia. De alguém que vive sozinho. Dos habitantes de uma sociedade urbana, que vivem próximos mas nem se conhecem. Da solidão da velhice. Todos esses aspectos fazem coro com o fim do outono. Este hokku opõe a dicção clássica (outono se aprofunda) e a linguagem coloquial (meu vizinho, o que faz para viver). Este hokku captura o ritmo da natureza e o transforma em uma metáfora do sentimento humano. Frases de Bashô: “O que é do pinheiro aprenda do pinheiro”. “O que é do bambu aprenda do bambu”. “Não siga os antigos; procure o que eles procuraram”.
 
Para continuar estudando
 
FRANCHETTI, Paulo, org. Haikai; antologia e história. 3ª. Ed. Campinas, SP, Ed. da Unicamp, 1996.
SHIRANE, Haruo. Traces of dreams; landscape, cultural memory and the poetry of Bashô. Stanford, Stanford University Press, 1998. 384 p.
UEDA, Makoto. Bashô and his interpreters; selected Hokku with commentary. Stanford, Stanford University Press,1992. 462 p
UEDA, Makoto. Matsuo Bashô. Tóquio, Kodansha International, 1989, 196 p. ISBN 0-87011-553-7.

 


Edson Kenji Iura no momento da  Palestra

 

Seção 02 – Antologia de Haicai de autores brasileiros
 
Um bando de pombos,
No parque de primavera,
Brinca com crianças.
H. Masuda Goga
 
Manhã de primavera
Na lagoa iluminada
O banho do pássaro.
Teruko Oda
 
Reflexos do céu
Em alvos flocos de espuma
Rio de primavera.
Edson Kenji Yura
 
Da  página aberta
Salta a pétala seca
E a primavera antiga.
Zuleika dos Reis
 
No espelho d’agua
Oculta sua face, tímida,
A lua nublada.
Douglas Éden Brotto
 
Abismo flutua
Em névoa de algodão.
Estradas de Santos.
Francisco Handa
 
Porão de navio
Canta saudades da terra
Tristonho canário.
Alberto Murata
 
Abraça o presente
Neste Dia da Criança
Menino de rua.
Hazel de São Francisco.
 
Deslizando cisnes
Entre coloridas pétalas.
Rio de primavera.

Fanny Dupré

Natureza – Berço do Haicai (H. Masuda Goga e Teruko. Oda)

Canteiro esquecido –
O esvoaçar das mutucas
Nas flores sem nome.
Neide Rocha Portugal
 
Dançando quadrilha
Em meio a laços de fita –
O primeiro beijo.
Beneazevedo
 
Na ponta do galho
Dois japins tecem o ninho –
O vento balança.
Beneazevedo
 
Festa na escola,
Recreio o tempo inteiro –
Dia da criança.
Reneu do Amaral Berni
 
Dos cachos em flor
Exala perfume intenso!
Frésia amarela
Iraí Verdan.
 
No palco da escola
Lobo Mau e vovozinha...
Dia da Criança.
Regina Alonso
 
Nippo-Brasil de (03 a 09/10/07)
 
No pé de amoreira
Nem mesmo talos de folha!
Só bicho-da-seda
Maria Madalena Ferreira
 
Na Festa do Peão
Nova rainha desfila;
Aplausos do povo.
Regina Célia de Andrade.
 
Nippo- Brasil (25 a 31 /10/06)
 
O velho paiol
Já virou uma tapera.
Um ninho de Vespa.
Sérgio Pichorim
Nippo-Brasil (10 a 14/11/06)
 
Com estardalhaço,
A ave defende a ninhada,
Mas ninguém à vista.
Nelson Savioli
Nippo-Brasil 27/09/06
 
Setembro esparrama
Na entrada da varanda
Um cordel de flores.
Isnelda Weise


 

Seção 03 – Notícias

 
O 19º Encontro ofereceu, além da palestra de Edson Kenji Iura, a segunda palestra, também apresentada de maneira brilhante, intitulada "Mangá, Super-heróis e a Cultura Pop Japonesa", foi proferida no período da tarde por Alexandre Nagado, quadrinista, ilustrador e pesquisador, autor do livro "Almanaque da Cultura Pop Japonesa". Foi oferecida uma perspectiva histórica sobre a chamada cultura pop japonesa, tendo sido apresentadas várias curiosidades sobre o tema.
Uma equipe de ex-alunos de Alexandre Nagado, pertencentes à ONG Constelação, permaneceu durante todo o evento realizando caricaturas dos presentes, divertindo a todos.

 

 

19o Encontro Brasileiro de Haicai
Os vencedores do Grande Desafio
No Grande Desafio, os participantes foram solicitados a compor um haicai no prazo de 20 minutos, escolhendo apenas um dos dois temas propostos, amora/amoreira ou andorinha. Crianças e adultos disputaram em uma única categoria. Findo o prazo, os trabalhos foram recolhidos e submetidos ao júri que, no decorrer de aproximadamente uma hora, escolheu dez classificados, anunciados e premiados em seguida.

O júri
* Eunice Arruda * Edson Kenji Iura * Guin Ga Eden  * Regina Alonso
 
 
1o lugar
Casa abandonada.
E no beiral do telhado
só uma andorinha...
Analice Feitoza de Lima
São Paulo, SP

2o lugar
Na cidade cinza
Amoreira na calçada.
Frutos pelo chão.
Márcia Aparecida Francisco Soares
São Paulo, SP

3o lugar
Amora colhida
Cultivada pelo pai
Saudad saudade.
Silvio Gargano Jr.
Batatais, SP

4o lugar
Na casa sem pomar
Os galhos da amoreira
Transpassados do vizinho.
João Toloi
Guarulhos, SP

5o lugar
Casa da Vovó --
No quintal um pé de amoras
Pretinhas, pretinhas.
Celso Pestana
Rio de Janeiro, RJ

6o lugar
Desenhos no céu
Chega da longa jornada
Bando de andorinhas
Carol Ribeiro
São Paulo, SP

7o lugar
Cochilo do avô --
No canto da boca aberta
Tinta de amora.
Sônia Adarias Soares Bruno
Santos, SP

8o lugar
Tarde de domingo
Na amoreira da vizinha
Crianças em festa!
Rosa Yuka Sato Chubaci
São Paulo, SP
 
9o lugar
Tarde de verão
No jardim da mamãe
Avistei uma andorinha.
Luan da Silva Lacerda
São Paulo, SP

10o lugar
Amora atiça
Criançada no parque
Diversão de domingo
Luci Tiho Ikari
São Paulo, SP
 
 
 


A Professora Benedita Azevedo Ministrou Oficinas de Haicai na Confederação das Academias de Letras e Artes do Brasil, numa parceria  InBrasCI ( Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais) e GHSABIÁ (Grêmio Haicai Sabiá).
 
Praia do Anil, Magé – RJ, 20 /10 / 2007
Benedita Azevedo

 

 

FORMATAÇÃO E ARTE: IARA MELO