SEBO LITERÁRIO
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Isabel Cristina Silva Vargas |
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CONTOS
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Ritual
Levanto-me,
arrumo
a
roupa,
como
alguma
coisa
e
saio,
não
sem
antes
pegar
meus
objetos
indispensáveis
para
a
peregrinação
diária-
a
bíblia,
o
terço.
e o
meu
crucifixo.
Gosto
de
ler
as
passagens,
os
salmos
, de
cantar
os
hinos
de
louvor
a
Deus
.Gosto
daqueles
mais
tradicionais,
mais
solenes
.
Hoje
têm
algumas
em
ritmo
mais
moderno
que
eu
acho
até
desrespeitoso
com
Deus,
Jesus,
Maria
e os
santos
em
geral.
Modéstia
à
parte,
tenho
boa
voz,
canto
bem
e
alto.
.Tanto
que
às
vezes
pego
as
pessoas
me
olhando
um
tanto
desconfiadas
-
isto
quando
dá o
acaso
de
cruzar
o
olhar,
porque
não
fico
me
exibindo,
nem
olhando
para
os
outros.
Devem
achar
que
sou
louco.
Mal
sabem
que
eu
também
já
pensei
isso.
Mas
foi
em
outros
tempos.
Sou
assim,
meio
bicho
do
mato,
de
pouca
conversa
e
poucos
olhares.
Vivo
dentro
da
linha
que
tracei
para
minha
vida.
Pelo
menos
acho
que
fui
eu.
Cumpro
um
ritual
diário.
Vou
à
missa
todos
os
dias.
Antes
fico
ali
horas
a
fio.
Passeio
na
volta,
olhando
cada
detalhe
da
parte
de
fora,
até
porque
tem
hora
para
abrir.
O
interior
conheço
cada
detalhe.
É
como
se
fosse
minha
casa.
Acompanhei
as
poucas
mudanças
que
ocorreram.
Vou
ali
desde
pequeno,
antes
de
sair
a
correr
mundo
à
procura
de
explicações
para
coisas
inexplicáveis
ou
para
fugir
dos
caras
que
me
procuravam.
Quando
voltei
e
ainda
não
podia
me
expor
muito,
era
onde
eu
ficava.
Chego
cedo,
fico
sentado
no
banco
embaixo
da
árvore,
bem
de
frente
para
a
porta.
Leio,
peço
perdão,
rezo.
O
terço
todinho.
Enquanto
isso
vai
me
subindo
um
sentimento
que
não
sei
explicar
e me
lembro
de
onde
e
como
eu
poderia
estar
e
tenho
vontade
de
beijar
os
pés
de
Jesus
por
me
permitir
andar
por
tudo
. É
quando
eu
me
ajoelho
e
beijo
o
chão
e
fico
de
braços
abertos
agradecendo
por
esse
mundão
todo
à
minha
disposição.
Em
outras
ocasiões
fico
de
pé
todo
o
tempo,
afinal
sacrifício,
penitência
e
jejum
limpam
as
impurezas
da
alma.
Fico
ali
desafiando
os
postes
para
ver
quem
permanece
mais
tempo
durinho,
estaqueado
só
olhando
para
cima
com
aquele
olhar
de
Jesus
Cristo,
só
olhando
pro
pai,
menos
na
hora
algoz,
claro,
quando
ele
não
agüentava
mais
e
baixou
os
olhos
de
tão
desanimado.
Sei
bem
como
é
isso.
Agora
não
baixo
mais
os
olhos.
Ando
sempre
empertigado.
O
olhar
sempre
num
ponto
fixo.
Sempre
olhando
para
frente,
reto,
sem
virar
para
trás
nem
para
os
lados.
Só
para
cima
e
para
dentro
de
mim.
Talvez
por
saber
tanto
do
Dele
e
tudo
que
ele
deve
ter
sentido
que
ao
me
olhar
no
espelho
até
me
acho
parecido
com
ele.
Quando
não
tinham
me
cortado
o
cabelo
e a
barba
então,
era
mais
ainda.
Quase
igual.
Aí
depois
de
todo
esse
ritual
diário
sento
na
porta
da
igreja,
coloco
a
caixinha
do
meu
lado
e a
fico
até
a
hora
de
assistir
a
missa
e
encerrar
meu
dia,
até
recomeçar
tudo
de
novo.
Isabel
Vargas
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Sentimento
amordaçado
Tenho que manter
muita coerência
entre o que
penso, digo e
realizo. Será
que tenho mesmo?
As contradições
não fazem parte
da nossa
humanidade?
Não posso me
deixar levar por
desespero nem
cultivar a
desesperança. É
preciso manter o
equilíbrio e
saber aceitar
momentos de
dificuldades
como invitáveis.
Não posso ter a
pretensão de
acreditar que
este momento não
chegaria. Ele
chega para todos
nós. Tinha muito
medo de
enfrentá-lo. Não
sabia como
reagiria que
sentimento
apareceria.
Quando foi com
meu pai ainda
era jovem. Foi
diferente. As
emoções se
misturavam. Era
um misto de dor
e insegurança,
mas o futuro se
descortinava na
minha frente.
Acreditei que o
tempo me faria
entender muitas
coisas.
Agora, apesar da
enfermidade que
já se instalara
e da qual eu
procurei me
manter afastada
- pela minha
incapacidade de
lidar com ela -
por antever a
morte, percebo
que fugi a vida
inteira da única
certeza da vida.
Como outrora os
sentimentos
continuam
misturando-se em
minha cabeça(ou
no coração?) Por
que só penso?
Por que
racionalizar
tudo? Devia me
deixar sentir,
esgotar os
sentimentos até
a última gota.
De que? Se nem
choro...
Sei que devia
chorar. Por que
não consigo?
Sei que a dor é
grande. Ou devia
ser?
Sinto que me
arrancaram as
raízes.
Pairo solta no
espaço.
Isabel
Vargas |
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Sexta-feira da
Paixão
Ano: 1987. Mês:
Abril. Planos:
Ir à Procissão
na Sexta-Feira
Santa rezar,
agradecer pela
vida e saúde das
meninas e pedir
proteção para
ter um bom parto
já que a data se
aproximava.
Ao amanhecer,
trabalho de
parto iniciado,
lá fui eu para o
hospital.
Antes das 9
horas daquela
Sexta-feira da
Paixão, já
estava com meu
menino nos
braços. Parto
rápido, feliz,
muito feliz,
como foram os 23
anos que se
seguiram.
Amado por toda a
família, amigos,
colegas, alunos,
todos que com
ele conviviam.
Ano: 2010. Nas
primeiras horas
de uma
sexta-feira de
maio, Jesus que
tinha me
emprestado um
anjo de doces
olhos azuis por
inesquecíveis 23
anos o tomou de
volta
tragicamente.
Meu calvário
teve início.
Isabel
Vargas
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Sorte
selada
“O
Tempo
me
ensinou
a
não
acreditar
demais
na
morte
nem
desistir
da
vida”
Lya
Luft
Era
uma
tarde
de
sol
muito
quente.
Dava
uma
lerdeza
danada
no
corpo.
Só o
que
andava
rápido
e
solto
era
o
pensamento.
Tudo
mais
parecia
se
arrastar.Avida...
Os
dias
todos
muito
iguais,
repetidos,
arrepiantes
de
tão
chatos.
Novidade...
Até
esquecera
o
que
era
uma
novidade.
Já
nem
sabia
por
onde
andava
aquela
menina
moleca
que
sonhava
com
uma
vida
muito
diferente
daquela.
Queria
aprender
música,
tocar
em
locais
distantes
dali,
brilhar
nos
saraus,
casar
com
aquele
seu
professor
de
piano
e
com
ele
ganhar
esse
mundão
de
Deus.
Aliás,
nem
sabia
se
ela
existira
realmente.
Ou
se
tendo
existido
já
estava
morta.
Não
tivera
escolha,
a
pobre.
Quando
percebera
o
pai
já
tinha
decidido.
Fora
escolhida
para
casar
com
o
primo.
Coisas
de
conveniências,
manterem
patrimônio,
essas
idéias
práticas,
lógica
de
homem
pela
qual
ela
nem
se
interessava
muito.
Sua
sorte
fora
selada
tal
qual
dos
bois
da
fazenda.
Uns
para
corte,
outros
para
a
lida.
Todos
marcados,
no
couro
e no
destino.
Sentia-se
igualzinha
a
eles.
Todo
dia
fazia
a
mesma
coisa.
E os
sonhos?Já
nem
lembrava
se
os
tivera
mesmo.
Se
eram
seus.
Olhava-se
no
espelho
e
não
se
reconhecia.
Era
o
fantasma
de
si
mesmo.
Esse
fantasma
que
a
aterrorizava
e
mostrava
que
a
morte
dos
sonhos
era
a
morte
da
alma.
Então...
morta
ela
se
sentia...
Sentia-se
igual
a
tudo
em
sua
volta.
Propriedade
alheia.
Sem
passado,
sem
presente,
sem
alma,
sem
futuro.
Foi,
então,
que
o
alarde
das
crianças
lhe
tirou
do
torpor
em
que
se
encontrava.
Não
é
que
algo
estava
acontecendo
lá
fora?
E o
que
se
passou
diante
de
seus
olhos
gelou
o
sangue
em
suas
veias,
embora
o
calor
reinante
lá
fora.
Não
é
que
Cabiúna,
o
boi
que
ganhara
o
mundo
tinha
voltado?
Como
pudera
ter
voltado
depois
de
sentir
o
gosto
da
liberdade?De
viver
sem
patrão?
De
pastar
em
outras
pradarias?
De
estar
livre
da
canga
e do
relho?
Será
que
não
sabia
mais
viver
por
sua
própria
conta?Será
que
precisava
que
lhe
dessem
um
sentido
para
sua
existência?Será
que
só
tinha
vida
a
serviço
do
seu
dono?
Não
tinha
vida
fora
disso?
E o
pior
estava
acontecendo
ali.
Estavam
tirando-lhe
o
que
restava
de
vida.
Podia
o
homem
ser
o
Senhor
da
Vida
e da
Morte?
Sentiu
as
lágrimas
escorrerem
em
sua
face.
Sentia-se
tal
qual
o
boi
velho.
Onde
estava
o
sentido
de
tudo?
Na
vida?
Na
morte?
Nos
dois?
Em
nenhum
dos
dois?
Percebeu
que
o
sentido
de
tudo
talvez
estivesse
nela
mesmo.
Em
reencontrar
a
vida
dentro
dela.
Foi
preciso
um
choque
para
lhe
mostrar
que
tudo
dependia
dela.
No
que
podia
fazer
daqui
para
frente.
Reencontrou
o
que
julgara
perdido
para
sempre.
A
esperança...
Não
ia
esperar
para
tirarem-lhe
o
couro
também.
Isabel
Vargas |
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Vírgulas
"A
vida
é um
grande
e
complexo
texto
que
precisa
de
muitas
vírgulas
para
ser
escrito,
ainda
que
essas
vírgulas
assumam
em
alguns
momentos
o
formato
de
lágrimas.”
Augusto
Cury
Manhã
de
muito
calor.
Paradouro
de
estrada.
Meus
familiares
entram
para
lanchar.
Escolho
uma
mesa
na
área
externa
e
acomodo-me
à
sombra.
Providencio
água
e
comida
para
meu
cachorro
que
viaja
conosco.
Chega
uma
moto
com
duas
pessoas,
quase
simultaneamente.
Ao
tirarem
os
respectivos
capacetes
e se
acomodarem
à
mesa
em
frente
à
que
me
encontro
constato
que
se
trata
de
um
homem
jovem
e
uma
senhora
idosa.
Ela
permanece
ali.
Sorri
para
mim
e
ele
entra
no
estabelecimento.
Retorna
com
refrigerante
gelado
para
ambos.
Trocam
algumas
palavras,
viram-se
para
mim,
como
à
espera
que
eu
participe
da
conversa.
Faço
algum
comentário
sobre
o
calor.
É o
sinal
para
que
a
conversa
se
estabeleça.
O
rapaz
conta-me
que
se
dirigem
par
uma
localidade
próxima,
no
interior
do
município,
percorrendo
uma
estrada
de
terra.
Mostra-se
otimista
com
as
notícias
de
jornal
que
informam
ter
sido
disponibilizada
verba
pelo
governo
para
asfaltar
aquela
região.
Está
na
última
semana
de
férias
e
como
não
gosta
de
ficar
parado
está
indo
prestar
ajuda
aos
cunhados
na
colheita
do
fumo.
A
sua
mulher
que
não
pode
tirar
férias
do
trabalho
na
mesma
época
permanecera
em
casa
com
o
filho
de
14
anos.
A
senhora,
pequenina,
franzina,
de
cabelos
brancos
bem
curtinhos,
sogra
do
rapaz,
conta-me
que
também
pretende
ajudar
os
filhos
em
suas
tarefas.
Fala-me
de
suas
manias,
seus
gostos
e
preferências,
entre
elas
a de
que
deseja
permanecer
morando
sozinha
enquanto
sua
saúde
assim
o
permitir.
A
cada
coisa
que
fala
enfatiza
que
o
genro
é
sua
testemunha.
Até
então,
falávamos
de
amenidades,
como
em
uma
ante-sala
de
conhecimento.
Quando
ela
começou
a
discorrer
sobre
coisas
mais
profundas
é
que
fiquei
a
pensar
na
sua
força
interior,
na
sua
tenacidade,
gosto
pela
vida,
na
enorme
capacidade
de
resiliência,
inimaginável
para
quem
se
detém
só
nas
aparências.
Havia
perdido
um
filho
em
um
acidente
de
moto
anos
atrás.
Uma
perda
desta
natureza
abate
qualquer
pessoa.
Em
se
tratando
de
uma
mãe,
não
existe,
certamente,
dor
maior
que
esta.
Difícil
aceitação,
recuperação
e
superação
Quem
permanece
vivo,
muitas
vezes
parece
moribundo,
tentando
equilibrar-se
entre
a
dor,
a
vontade
de
resistir
ou
deixar-se
abater,
procurando
sublimar
a
dor
para
poder
sobreviver.
Mas
não
era
só
isto
não.
Só?
Não
é
possível,
pelo
menos
para
mim,
referir-se
a
algo
tão
intenso
de
maneira
tão
desproporcional
ao
seu
impacto
emocional.
Tinha
mais
e
isto
ela
contou
para
meu
marido,
quando
ele
veio
trocar
de
lugar
comigo:
Havia
perdido
outro
filho
entre
o
Natal
e o
Ano
Novo.
Fiquei
horrorizada
ao
saber
do
fato.
Dissera
ela
que
a
morte
é
inevitável.
Cada
um
tem
sua
hora
e
que
nada
podemos
fazer.
Ao
saber
disso
não
pude
deixar
de
lembrar
o
livro
que
lia,
sobre
Inteligência
Multifocal
de
Augusto
Cury
que
diz
que
só é
grande
quem
consegue
desvendar
os
caminhos
internos,
o
seu
eu e
desenvolver
o
gosto
e o
encanto
pela
vida,
apesar
das
dores
mais
profundas.
Vi
naquela
pequena
grande
mulher,
um
pouco
do
Vendedor
de
Sonhos
do
mesmo
autor,
que
oferece
vírgulas
para
cada
um
continuar
sua
história,
enriquecer
sua
existência
e
encantar
a
todos.
Os
pontos
são
definitivos,
egoístas,
encerram-se
em
si
mesmo,
não
partilham
histórias,
tempo,
experiências
e
encantamento.
Eles
me
pareceram
exímios
em
colocar
vírgulas
nas
suas
vidas,
estabelecer
pontes
por
onde
passam
cortesia,
amabilidade,
generosidade
(ao
ver-me
sem
uma
bebida,
apesar
do
calor,
ao
chegarem,
ofereceram
para
dividir
a
sua
comigo),
sabedoria
e
resiliência
que
é a
capacidade
de
se
recompor
a
cada
pressão
sofrida.
Suas
palavras
para
mim,
antes
de
partir
foram:-
É
isto
que
gosto,
que
acredito
importante:
conhecer
pessoas,
conversar,
trocar
idéias,
experiências.
O
resto,
não
levamos
conosco.
Isabel
Vargas
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