Algumas tradições natalinas, tais como
a árvore de Natal, o presépio, a lapinha ou pastoril ainda estão bem
conservados, em particular no Nordeste do Brasil.
O presépio, de acordo com Câmara Cascudo, é a cena de adoração ao Menino
Jesus na manjedoura de Belém. Em torno de Jesus estão Nossa Senhora, São
José, alguns pastores e animais. Depois do dia 6 de janeiro, é que
aparecem os três reis Magos – Baltazar, Gaspar e Belchior. Baltazar, rei
da Etiópia, traz o incenso aromático, símbolo da divindade de Cristo;
Gaspar, o rei de Tarso, traz a mirra, significando que Cristo é Deus e
homem e que, como homem, irá morrer; e Belchior, rei da Arábia e da
Núbia, é o portador do ouro, que simboliza o poder.
Cabe registrar que a palavra presépio advém de praesepe ou presepium
que, em latim, significa estábulo, curral, ou seja, a representação do
estábulo de Belém. O presépio representa um legítimo auto natalino,
estando relacionado, intimamente, à história do nascimento de Jesus.
Até hoje, não se pode afirmar, com toda a certeza, a data em que Jesus
nasceu e morreu. Presume-se que tenha sido no mês de nisã que, no
calendário judaico, encontra-se entre os meses de março e abril, período
onde os judeus celebram a sua libertação da escravidão do Egito, bem
como a longa sobrevivência no deserto. Sabe-se que o dia do nascimento
de Jesus, 25 de dezembro, foi estipulado pelo abade, teólogo, matemático
e astrólogo Dionísio (500 – 560 d.C.).
Os rituais religiosos, como o culto à Virgem Maria, adquiriram uma força
maior no século IV d. C., inspirados nas deusas virgens pagãs
greco-romanas, que eram adoradas em florestas, rios e grutas. Segundo a
lenda budista da Natividade, por exemplo, a jovem Rainha Maya também era
virgem, e carregou o Buda em seu ventre durante dez meses lunares.
Atribui-se a São Francisco de Assis, por volta do ano 1223, a idéia de
montar o primeiro presépio, em uma gruta de Gréccio, na Itália. Ao
representá-lo, ele colocou os bois, a vaca, o burro, os três Reis Magos
com seus camelos e alguns pastores. A presença dos animais, na cena da
Natividade, seria justificada pelo fato de os mesmos representarem, na
mitologia egípcia, os animais simbólicos dos irmãos rivais Seth e
Osíris. Neste sentido, sua inclusão no presépio dar-se-ia,
principalmente, para reconciliar os opostos, segundo a concepção de
Jesus Cristo: Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos (Mateus
5:44).
Em Lisboa, cabe salientar, o primeiro presépio de que se tem registro
foi armado em 1391, pelas freiras do Salvador. Na Região Nordeste, por
sua vez, os estudiosos atribuem ao franciscano Frei Gaspar de Santo
Agostinho, no século XVII, a introdução do primeiro presépio na cidade
de Olinda. Somente por volta do século XVI, ou seja, três séculos depois
de ter sido criada a simbologia do presépio, é que a dramatização da
Natividade teve o seu início.
Acredita-se que a ênfase na virgindade de Maria levou os jesuítas a
criarem versos, para os presépios, a fim de que os índios catequizados
pudessem entender o referido mistério. Em um desses versos, há um
diálogo entre caboclos e índios e, no final, os últimos explicam como
ocorreu aquele milagre.
Pastores – Quem são vocês?
Índios – Caboclinhos de aldeia.
Pastores – Aonde vão?
Índios – Vamos a Belém.
Pastores – A ver o que?
Índios – Jesus nosso bem.
Passa o sol pela vidraça
Já passou sem tocar nela
Assim foi a Virgem Pura
Levou Luz ficou donzela.
Existe a tradição de se queimar os presépios no dia 6 de janeiro, para
não correrem o risco de ser profanados. Na Região Sul do país, nesse
mesmo dia, os presépios são jogados em rios ou riachos. É possível se
perceber, desse modo, o respeito que os homens ainda possuem ao fogo e à
água - elementos da natureza que os vêm desafiando e fascinando desde os
primórdios da civilização - e que impediriam, segundo a crença, a
profanação do sagrado.
As lapinhas (ou pastoris), do final do século XVIII até o princípio do
século XX, exibiam-se diante dos presépios, em igrejas ou residências
particulares, divididas pelos cordões encarnado e azul.
Os primeiros presépios difundidos pelos franciscanos e dominicanos foram
elaborados em terracota ou madeira. Mas, encontram-se presépios feitos
com os seguintes tipos de materiais: porcelana, barro, resina, madeira,
bambu, palha de milho, vidro, esponja, fibras e outros. No Estado de
Pernambuco, em especial nos pólos artesanais de Caruaru, Olinda,
Tracunhaém e Petrolina, os presépios são feitos em barro e colocados no
forno para queimar. Alguns deles são pintados depois.
Na cidade do Recife, ficou bastante conhecido o Presépio dos Irmãos
Valença (João e Raul), quando eles reconstituíram todo o espetáculo que,
pela primeira vez, fora encenado por seu avô - João Bernardo do Rêgo
Valença - no ano de 1865, tempo da guerra do Paraguai. O pai daqueles
músicos continuou a tradição e encenou o presépio durante muitos anos.
Os irmãos Valença, por sua vez, acompanhados por seus familiares
(filhos, sobrinhos, primos) encenaram o elenco dramático do presépio em
algumas casas de espetáculo do Estado, a exemplo do Teatro Santa Isabel,
do Teatro da Capunga e do Teatro do Barro. De 1928 a 1952, o presépio
foi apresentado duas vezes no Sítio da Trindade, e uma outra vez no
Canal 6.
Existem vários compositores de músicas e de letras para presépios, em
Pernambuco, a exemplo do maestro José de Souza e do diretor de teatro
Pedro Baptista de Santa Rosa. Vale salientar que algumas das músicas dos
presépios foram feitas através de arranjos elaboradas com trechos de
óperas e operetas, tais como o Guarani e Sinos de Corneville.
Na Idade Média, afirmava-se que Jesus havia nascido em uma lapa, uma
espécie de gruta ou caverna, ou a morada dos primeiros homens. Por essa
razão, foram criadas as lapinhas. Estas, que eram populares no país,
segundo Câmara Cascudo, perderam a religiosidade de outrora, passando a
incluir danças modernas e cantos estranhos ao auto. Hoje, ressalta o
folclorista, os termos lapinha (ou pastoril) e presépio são considerados
como sinônimos.
Fontes consultadas:
BENJAMIN, Roberto. Pequeno dicionário do Natal. Recife: Sociedade
Pró-Cultura, 1999.
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Suplemento Cultural, D. O. PE, Recife, ano 15, p.3-4, dez. 2000.
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GUTEMBERG, Luiz. Auto da lapinha mágica. Cultura, Brasília, DF, ano 3,
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SILVA, Leny de Amorim (Org.). Em louvor do Natal. Recife: Academia
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VALENTE, Waldemar. O presépio dos Valença. Recife: Centro de Estudos
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Folclore, n. 79).
________. Pastoris do Recife antigo e outros ensaios. Organização e
apresentação de Mário Souto Maior. Recife: 20-20 Comunicação e Editora,
1995.
Semira Adler Vainsencher