O carnaval e os
primeiros folguedos carnavalescos foram introduzidos pelos
colonizadores portugueses, nos séculos XV e XVI. Dentre os folguedos
mais populares, encontrava-se a serração da velha. Em Portugal, ele
era encenado na noite da quarta-feira que precedia o terceiro
domingo da Quaresma. A serração da velha representava uma espécie de
pausa no rigor do jejum e da penitência quaresmal. Neste sentido, os
jovens realizavam desfiles nas ruas usando máscaras e fantasias,
coletavam dinheiro e doces, declamavam poesias, cantavam e dançavam.
Tudo isso, ao som do triquelitraque - um instrumento constituído por
uma tábua e várias fileiras de martelinhos que nela batiam,
produzindo um barulho sui generis - e de latas arrastadas.
A leitura do testamento da velha era uma prática corrente,
levando-se ao conhecimento público os beneficiários na partilha dos
bens. Em seguida, um jovem - sempre alguém do sexo masculino -
erguia o instrumento de suplício (no caso, o serrote), sobre um
pedaço de madeira, de tábua ou um espantalho de pano e, mediante o
vai-e-vem do braço, fazia de conta que serrava a velha, enquanto os
demais participantes cantavam:
Estamos no meio da Quaresma,
sem provarmos o café,
Vamos serrar esta velha,
para o altar de S. José.
Estamos no meio da Quaresma,
sem vermos nado [sic] do teu amor,
Vamos serrar esta velha,
para o altar de Nosso Senhor.
Ferre-se a velha,
Força no serrote,
Serre-se a velha,
Dentro do pipote.
Esta velha tem malícia,
Esta velha vai morrer,
Venha ver serrar a velha,
Minha gente, venha ver.
Serra, serra, serra a velha
Puxa a serra, serrador,
Que esta velha deu na neta,
Por lhe ouvir falar de amor.
As pessoas que assistiam ao folguedo repetiam: serra a velha, serra
a velha, serra a velha! Ou: "serre-se a velha em postas de cinco
centímetros".
Ao que o serrador continuava perguntando:
Que castigo merece a velha, dizei-me, senhores?
E o público, como em um julgamento coletivo, respondia:
Serre-se a velha! Força no serrote! Serre-se a velha! Força no
serrote!
Às vezes, a folia terminava em tragédia, quando os jovens decidiam
“serrar” determinada senhora da localidade, e seus familiares
reagiam jogando água quente no grupo. Em Portugal, durante a
encenação, era costume se oferecer aos participantes um prato de
doces. Então, os jovens agradeciam com aplausos e gritos de alegria,
e se dirigiam para outras ruas, repetindo a brincadeira.
A serração da velha representava uma válvula de escape da juventude,
frente a determinados pontos que visavam: 1) relaxar o controle dos
cardápios dos dias santos, que exigiam os tradicionais jejuns e
penitências (o folguedo rompia com a austeridade da Semana Santa, e
com o código de restrição alimentar e o jejum conventual, peculiar à
Quaresma, em memória ao sofrimento de Jesus Cristo; 2) reivindicar
maior liberdade nos namoros - as moças eram muito reprimidas, sendo
subjugadas por mães, avós, tias e madrinhas, tidas como guardiãs da
honra e dos bons costumes; 3) incentivar o surgimento de um modelo
feminino mais libertário, que possuísse mais direitos; e 4) aliviar
as tensões sociais existentes entre as gerações.
Não se pode afirmar, com precisão, quando e como essas folias
começaram a ser encenadas no Brasil, mas, embora com pouca
freqüência, elas foram registradas em crônicas do começo do século
XVIII.
Câmara Cascudo (1979) ressaltou a serração da velha no Nordeste, no
final do século XIX, afirmando que o folguedo fazia parte do
calendário religioso da Quaresma - embora haja indicações de sua
ocorrência fora desse período – e que era utilizado, inclusive, com
intenções políticas, em demonstrações de desagrado, na residência de
algum governante decaído ou candidato derrotado em eleições. De
acordo com o folclorista, um grupo de foliões serrava uma tábua, aos
gritos estridentes e prantos intermináveis, fingindo serrar uma
velha que, representada ou não por algum dos vadios da banda,
lamentava-se através de um berreiro ensurdecedor. Câmara Cascudo
localizou, também, expressões de desagrado em relação à folia,
provenientes de pessoas que se sentiam ameaçadas por ela, e
assinalou que, em fins do século XIX, o Código de Posturas de Papari,
(hoje, Nísia da Floresta, no Rio Grande do Norte) já proibira sua
representação naquela localidade.
Durante os séculos XVIII e XIX, o folguedo era encenado no litoral
sul do Rio de Janeiro, e em algumas cidades do interior nordestino.
No presente, porém, restam pouquíssimas lembranças dessa folia em
pequenos municípios da Região Nordeste. Quando muito, apenas meros
resquícios da serração da velha: uns detalhes tão pequenos que o
próprio passar do tempo tem se encarregado de eliminar por completo.
Recife, 21 de janeiro de 2008.
Fontes consultadas:
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Paulo: Melhoramentos; [Brasília]: Instituto Nacional do Livro, 1979.
______. __________.9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954.
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em:http://www.pime.org.br/missaojovem/mjhistbrasilcarnaval.htm
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Acesso em: 20 ago 2007.
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Acesso em: 18 jun. 2007.
NICOLAU, Mário. Justiça popular na calada da noite. Disponível em:http://www.asbeiras.pt/?area=coimbra&numero=13953&ed=19032004
Acesso em: 20 ago. 2007.
PORTUGAL: Alto Minho – Distrito de Viana do Castelo – Concelho de
Viana do Castelo – Freguesia de AFIFE. Disponível em:
. Acesso em 20 ago. 2007.
A QUARESMA e a Semana Santa. Disponível em:.
Acesso em 4 set. 2007.
RITUAIS de vida e morte. Disponível em:
Acesso em: 20 ago. 2007.
SERRAÇÃO da velha. Disponível em: Acesso em: 18
jun. 2007.
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Acesso em: 18 jun. 2007.
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Acesso em: 18 jun. 2007.
VAZ, Anabela. Serração da velha juntou mais de uma centena de
pessoas. Disponível em:
Acesso em: 20 ago. 2007.