Soneto ' à la Drummond '

Tania Montandon


Esvanecida no espaço, a aura escura
Coisa que já sente, porque não é, entanto
Fonte de dor a jazer, só se escusa
Azul que já emanava como encanto

Coisa torta que desvia, coisa dura
O azul instante pondo a alma em pranto
Força que o amor aceso já procura
Vê-se a foz transcorrendo um bom tanto.

Memórias voltam a encher a tina
Dolentes formas, vozes de outro mundo…
E o instinto sombrio que isso ensina…

O cérebro, muito há de conter
Sombras lembradas, do puro ao profundo
Apesar de passado, é eterno.


Sobre o soneto:

Na busca solitária, tornam à mente lembranças fluentes, forças terríveis, o azul d`outro mundo é desejo. Recordações maltratam o viver, pois sofrer marca. A vontade de amar no encanto azul dum extramundo, melhor mestra do amor que o Cristianismo ensina, confunde a mente com o passado que insiste em ficar, à revelia,  sombrio, e a fugaz luta pelo desejo puro, profundo a não se poder ter exatidão, tenta manter a singela ainda que parca luz de esperança pro destino, eterno em paz serene.

Um soneto não é um simples jogo de idéias ou palavras. Para alcançar tal resultado, emprega-se uma técnica condizente com o tema, com a estrutura, sem prescindir de música, valores sonoros, aquilo que Mathew Arnol chamava "imaginação auditiva", o tipo de imaginação que T.S Eliot observou na visão poética de Milton.

Drummond foi considerado o mestre do soneto moderno. Este possui valores tradicionais e é moderno pela interioridade do movimento estilístico, pela realidade estimulante nos versos, palavras, pela penetração psicológica, compreensão do que já não é por haver sido em demasia. O romântico o considera o "homem é um Deus quando sonha e um mendigo quando pensa". No moderno, Holderlin inverteu a fórmula: "o homem é um mendigo quando sonha e um Deus quando pensa."

 Melhor seria tomar como valores idênticos o sonhar e o pensar. Ao oposto do que se pensa, a melhor poesia moderna está profundamente penetrada de pensamento. Mesmo sendo o sentimento a fonte do criador. A maioria dos sonetos escritos atualmente e rotulados de modernos não são mais do que exercícios verbais sobre estruturas e formas por demais gastas.

Penetrando não encontraria o sentido recôndito. Há de importar as rimas belas, raras e perfeitas, como "conter/eterno", que parece encerrar todo o significado do poema, a necessidade que anunciam, conter do eterno o material do passado ao instante fugaz, do puro ao profundo de todo o tempo no pequeno espaço dos versos, palavras, poema.

Mundo mágico que aprende mesmo é com os mais velhos, como Shakespeare e Camões. Velho no sentido de estilo, não da idade.

A estrutura do soneto moderno de verdade não deixa de ser afetada pelas alegrias e dores dos que sofrem, embora deteste a vulgaridade burguesa, que é um dos encantos valorizados pela sociedade brasileira de hoje.

 Mas a realidade não deve ser contemplada com olhos demasiadamente abertos. Ver não dói. O que dói é a excessiva lucidez da realidade que nos circunda. Realidade excessiva é insuportável pela espécie humana, advertia já o poeta dos "Four Quartets".

 

 

 

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