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ESPLANADA DOS PROSADORES -
SETEMBRO DE 2011
Participação de Vários Autores
Edição e Arte Final:
Iara Melo

A BOLSA DE
RETALHOS
Glória Marreiros
O aroma das
palavras chegava numa bolsa de retalhos.
Estávamos em
1937. Eu morava na encosta da serra onde
a Natureza falava com as giestas e o
aroma dessas palavras entrava no meu
corpo, trazido pela brisa matinal.
A grande
ribeira, calma e esverdeada como uma
cobra ao sol, ficava próximo da minha
casa. Nessa altura ainda se podia ver,
nas poças maiores, cardumes de bordalos,
tencas e algumas enguias que se
alimentavam de girinos e coisas
apodrecidas. Nos anos em que havia seca,
a ribeira minguava deixando à mostra as
margens ressequidas. Havia raízes
amareladas pelo Sol que se espalhavam
dentro da água que ainda restava nalguns
charcos, onde as crianças brincavam
sobre eles, patinhando descalças e
explorando um amontoado de exóticos
tesouros: pedras muito polidas e de
cores variadas, cacos de louça e, com
muita sorte, a couraça de algum
sapo-concho.
Os meus pais
eram trabalhadores rurais por conta de
outrem, sofriam privações de ordem
económica, o que me entristecia. Assim
não podia desfrutar do aroma das
palavras de uma telefonia, objecto
mágico que só as pessoas mais abastadas
se davam ao luxo de saborear...
Não havia nada
de original na minha vida, a não ser
quando, de tempos a tempos, a Ti Antoina
Moita chegava àquele íngreme lugar,
levando a escassa correspondência na sua
velha bolsa de retalhos. Aí sim! Era
como se o céu se abrisse e eu subisse
para ele por uma escada de amor.
Aquela bolsa de
retalhos trazia-me a magia aromática que
o meu namorado, o Vicente, me mandava de
França, onde estava imigrado afim de
fazer fortuna para nos casarmos. Era
como se uma alma nova fosse capaz de dar
cor à tela descolorida da minha vida.
A bolsa da Ti
Antoina Moita transportava cartas e
postais com palavras que continham a
fragrância das lúcidas e calmas
Primaveras. Outras vezes era o
contrário, o céu ensombrava-se com os
amargos aromas das palavras contidas
nalgumas cartas e os corpos e as almas
tremiam sobre o frio duma madrugada
gélida.
A Ti
Antoina Moita era uma velhinha
ternurenta. A sua grande alma pressentia
quando transportava, sem saber, algum
aroma amargo. Era querida e muito
estimada por toda a gente daquelas
redondezas. Eu conhecia a sua humilde
casa feita de adobe e pintada com as
cores do tempo. Com pincéis molhados na
paleta da Natureza. Tinha uma única
divisão. A parede da frente estava
ornamentada com um prego onde, ela,
pendurava, depois da tarefa cumprida, a
bolsa de retalhos. Junto à lareira tinha
um mocho redondo que lhe servia de mesa
e do lado oposto podia ver-se o enxergão
bem atulhado de palha de milho. Conheci
a casa da Ti Antoina Moita quando eu e o
Vicente descíamos ao povo para irmos à
escola. Foi assim que ambos concluímos a
terceira classe. Depois comecei a
trabalhar no campo. O Vicente partiu,
jurando-me amor eterno.
Vivi, nessa
altura, somente para me embriagar com o
aroma das palavras que traziam as cartas
que vinham de França.
- Olá Marizinha!
Era o aroma da voz da Ti Antoina Moita.
Trazia o semblante mais carregado do que
era costume.
- Traz carta para
mim?
- Não, trago só um postal
para o Zé do Morgado. É verdade, há já
muito tempo que o Vicente não te
escreve.
Tremi.
Senti nas palavras da velha senhora o
aroma, indefinido, dumas flores a que
chamávamos despedidas-de-verão. Imaginei
ver o futuro tremido e desfocado como as
imagens de um sonho. O aroma nostálgico
das folhas secas dum Outono sem fim
instalou-se na minha alma.
Durante anos li
e reli as cartas do Vicente,
obscurecidas por uma mancha de azeite,
fazendo a tinta sangrar no papel um
violeta carregado na cor e no aroma das
palavras de amor. Uma mancha ainda maior
borra a maior parte do que se segue, se
bem que algumas palavras permaneçam
legíveis e o aroma da saudade se
intensifique cada vez mais.
A ti Antoina
Moita continuou a levar a
correspondência na bolsa de retalhos,
pelas encostas da serra que, ainda hoje,
são para mim uma cena na imobilidade de
um quadro, cujo brilho dourado pela
nostalgia emana o aroma das palavras que
guardei no coração sem as puder dizer,
como um soluço, frágil, de exaustão.
Depois de
alguns anos sem receber notícias do
Vicente, parti para o (naquela altura)
Ultramar Português, com a minha tia
Eugénia, que já lá tinha o marido.
Encontrei, de
novo, o aroma das palavras na bondade e
no carinho do homem que veio a ser meu
marido. Consegui manter, durante o tempo
em que vivi com ele, uma aparente e
enganadora calma. Imaginava ver, em
sonhos, naquelas terras quentes, de céu
púrpura-cinzento, a Ti Antoina Moita a
abrir a bolsa de retalhos e a
entregar-me uma carta do Vicente. O
aroma desses sonhos sufocava-me porque
tinham um cheiro parecido ao das bagas
que eu, em criança, apanhava da terra
cavada de fresco e comia, depois de as
assar nas queimadas que o meu pai fazia.
Depois da Revolução de 25 de Abril,
parti para o Brasil, onde a minha vida
prosperou. Contudo, a minha mente nunca
deixou de ouvir o barulho sedoso da água
a bater contra as margens da ribeira da
minha infância, entoando sons
misteriosos e balbúcios de palavras com
cheiro a rosas silvestres.
Há três meses
que regressei à minha terra. Sinto-me
velha e cansada, mas contente por,
tantas vezes, ter adormecido os meus
netos com as minhas cantigas, onde as
palavras continham sentimentos
aromatizados pela memória dos hinos do
tempo que passa. É claro que a memória
de uma pessoa é bastante subjectiva. É,
talvez, por isso que sinto virem-me as
lágrimas aos olhos, quando me lembro do
aroma das palavras que não me foram
ditas...
A povoação de
outrora é agora uma Vila muito
desenvolvida. Tem Mercado Municipal,
Igreja, Correios e Hospital. Tem,
também, alguns Ginásios desportivos onde
as pessoas se torturam para porem em
forma aquilo a que não conseguem dar
forma.
- Mãe, hoje há
um leilão, de objectos muito antigos,
nos Correios. Venha comigo!
- Não penso
adquirir sucatas, por isso vale mais
ficar em casa.
- Não se isole, há
sempre uma fragrância especial em cada
palavra que se ouve, até mesmo na voz do
leiloeiro.
Enfileirei os
meus pensamentos como peças de dominó,
uns atrás dos outros, e fui com a minha
filha.
Reparei que
existiam coisas muito antigas que
atingiram preços elevados e certamente
eram para grandes coleccionadores de
antiquidades.
Quando o leilão
estava quase a terminar, disse à minha
filha que queria regressar a casa. De
repente senti que as palavras do
leiloeiro exalavam um aroma
sobrenatural. O chão tremeu de baixo dos
meus pés e os meus olhos encheram-se de
um riso estival.
- Quem dá mais?... Esta bolsa de
retalhos tem mais de um século... levou,
por muitos anos, palavras com aromas
doces, amargos e salgados às pessoas que
viviam isoladas nas encostas da serra.
Ergueu-se lá do fundo, ainda com
agilidade, um ancião mais ou menos da
minha idade, e disse:
- Eu tapo o
lance!
Era ele! Apesar de
muitos anos e dissabores, identifiquei o
aroma das suas palavras.
Respondi:
- Não, Vicente,
taparei todos os lances! A bolsa de
retalhos da Ti Antoina Moita é minha,
porque guarda o aroma das palavras que
me escreveste e guarda, em simultâneo, o
aroma das palavras que tanto esperei,
mas que nunca me escreveste.
Senti-me como
uma bolha flutuando no vazio.

UMA TRAMA
PERFEITA?!
Ilda Maria Costa Brasil
Louise e Gabrielle, insatisfeitas com a
postura de Pietra e Giovanna, decidiram
aprontar-lhes uma peça. No sítio dos
avós de Louise, havia um casarão
abandonado. Esse só era usado em épocas
de vacinas e banhos dos animais. Suas
paredes eram altas e largas; tinha
muitos quartos, um vasto sótão e um
sinistro porão.
Louise e Gabrielle convidaram Pietra e
Giovanna para passarem um fim de semana
no sítio. As duas, de imediato,
aceitaram o convite. Mal sabiam que as
colegas haviam planejado um passeio ao
casarão, onde as deixariam, por uma
noite, trancadas.
Banho de açude, trilha a cavalo,
brincadeiras alegres, visita ao casarão.
Após circularem pelos aposentos, as
anfitriãs, Louise e Gabrielle, levaram
suas convidadas para conhecerem o sótão,
onde os avós guardavam móveis antigos da
família. Correndo, subiram as escadas.
Gabrielle abriu a porta e, com uma
lanterna na mão, procurou o interruptor
para acender a luz. Frente à claridade,
morcegos começaram a voar em direção da
porta. Apavorada, Gabrielle deixou a
lanterna cair. Louise, ao tentar
ajudá-la, bateu com o cotovelo na porta,
a qual se fechou. Sem luz e, estando a
chave no lado de fora, as meninas
passaram a noite presas no sótão. Logo
que o dia começou a clarear, localizaram
uma minúscula janela por onde saíram
Pietra e Giovanna que eram muito magras.
Louise e Gabrielle tiveram que aguardar
a chegada dos caseiros.
A trama, que parecia perfeita, foi-lhes
uma armadilha!

E
ASSIM...
Ilda Maria Costa Brasil
Agitado, ele iniciou o seu dia. Algo o
inquietava. Não sabia o que era? Um
anseio exacerbado? Um desejo? Um
compromisso não lembrado? Talvez!...
Ultimamente, suas ações e pensamentos
seguiam ritmos bastante enlouquecidos.
Em alguns momentos, queria abarcar tudo;
noutros demonstrava-se frio e
indiferente. Havia quem dissesse que era
cansaço; todavia, sentia-se em forma;
logo, o porquê era outro.
Durante um passeio, num parque,
surpreendeu-se ao não se encantar com o
canto dos pássaros nem com o voo das
borboletas nem com o colorido das
flores. Outrora, ficaria melancólico e
suspiraria de saudades de sua amada?
Amada? Por onde andaria ela? De um dia
para o outro saiu da sua vida, sem
sequer, dizer-lhe adeus.
Qual seria a verdadeira causa de suas
mudanças? E assim, sentia-se fração, e
não, inteiro!
Retrato
brasileiro
IZABEL ERI
CAMARGO
CRÔNICA
Em janeiro de 2011, visitei a cidade das
pontes, como é chamada Recife. Pisei no
chão batizado com a origem da historia
brasileira. Convivi no dia a dia com o
resquício da escravidão e com a
miscigenação retratada também pelas
invasões holandesas. Ao passear pelas
ruas, frequentemente encontrava o nome
de Maurício de Nassau estampado nos
estabelecimentos comerciais importantes.
A representação da Corte chegada ao
Brasil está exposta no Instituto Ricardo
Brennand e a qualidade da arte confunde
a visão com pessoas vivas. Lá, estão
fotos e esculturas das batalhas
travadas, com a cavalaria em bronze. A
Casa de Cultura de Recife guarda arte,
beleza e tradição. O artesanato mantém
as características dos pernambucanos, é
a historia materializada, falando. Os
trabalhos manuais, o artesanato em
geral, encantam pelo gosto refinado; são
roupas trabalhadas com criações
diferenciadas, desde o bordado, a
pintura, o crivo, as rendas entre outros
trabalhos. As pessoas têm a
historia na ponta da língua. Falam com
naturalidade, tanto do passado como do
presente. Os escritores mostram com
orgulho a paixão pela literatura.
Conheci uma cordelista que passou
algumas horas visitando-me na residência
da escritora que me hospedou; nota-se o
destaque dado a esse tipo de arte. Foi
fantástico conviver por dez dias com
hábitos e costumes nordestinos. Conheci
e saboreei a culinária bem brasileira -
o caju, a tapioca, o beiju, o cuscuz, o
feijão verde, o pirão com caldo de
galinha, a macaxeira, o queijo assado, o
milho verde, o bolo de rolo, o suco de
goiaba e variadas qualidades de
frutas. Conheci um pé de jaca e outro de
buriti. Para minha alegria, cumprimentei
o rio Capibaribe, que passa na frente do
prédio onde eu estava. Paralelo ao rio
há uma trilha, um espaço público, para
caminhadas. Nós caminhávamos, pela
manhã, conversando sobre literatura e
filosofia. De repente estávamos
cantando, eram cantigas de roda, paramos
e nos questionamos sobre a autoria da
música. Ouvi o grito: “Catulo da Paixão
Cearense”! A alegria e as cantigas
continuaram com exercício físico e
mental banhado de sabedoria. Visitamos
Shoppings, onde encontrei a Livraria
Cultura e, na internet, a relação dos
meus sete livros. O tempo foi elástico,
pois até um filme em 3D pude assistir. A
programação feita pelos meus anfitriões
foi intensa, parece que a eficácia
substituiu a melhor empresa de turismo.
Em determinada manhã, saímos de carro,
com eficiente motorista da família, em
direção a Olinda. A cidade é
conservadora, com as características da
época em que chegaram os europeus e,
encantados, disseram: Oh! Linda!
Realmente, pode-se conferir os elos da
historia, ruelas muito estreitas,
casarios, onde as casas são pintadas com
cores quentes; é arte viva e artesanato
por todos os cantos. O mar e o céu azul
dão um show, contrastando com o verde. O
Convento de São Bento é algo
indescritível. Assistimos à Missa,
olhando para o adorno do altar de ouro,
acompanhamos as preces e observei a
demonstração de fé daquele povo. Os
padres beneditinos permanecem em estado
de oração, mesmo fora do horário da
Missa. Revisei a historia e recebi
lições de brasilidade. Este relato é
pequeno, considerando tudo o que lá está
registrado e exposto, como o Monte dos
Guararapes e os engenhos de cana – de -
açúcar. Este País tem o privilegio da
diversidade territorial, econômica e
social.
Viver e conhecer as moradas do homem é
um presente de Deus.
Entrelaçamento
Lígia
Antunes Leivas
Sentaram-se tão entrelaçados um com
o outro, que só
puderam desfazer o laço após a
lassidão do
mais ardente encontro de profundo
amor.
***
Uma
história de amor
Lígia Antunes Leivas
Era
uma menina. Dezessete anos apenas.
Tinha
um grande amor. "Por ti esqueço até
a minha própria vida", ela dizia a
ele enquanto mergulhava em diálogos
imaginários. Não compreendia como
ele era tão distante, tão
indiferente. Se ela o amava tanto,
por que o mesmo não acontecia com
ele? Não sabia como lhe dizer tudo
que pensava, que sentia, que
queria... tudo que precisava,
enfim...
Um dia,
em um papel lindo que sempre
guardara, escreveu pra ele. Criou
coragem. Fez sua confissão de amor.
Perdeu a vergonha. Deixou de lado a
timidez. Preparou-se para o
inesperado, o desconhecido em
relação ao sentimento dele. 'Seja o
que Deus quiser. Posso enfrentar
qualquer resultado.' Escreveu a
primeira, a segunda... várias
cartas. Não veio resposta. Esperou.
Achava que assim deveria fazer...
esperar.
Passeou por
vários dias pela beira do rio.
Não veio resposta.
Compreendeu. Desencantou-se.
Alguma
coisa se modificou dentro dela.
litterisll@yahoo.com.br
Pelotas, RS,BR
O Mar
Oceano e mais algumas historietas
virgínia f. além mar
Na
foto, meu pai segurava minha cabeça
pois eu não queria perder uma onda
sequer, o que havia de mais
impressionante da minha existência
até então; tanta água, as ondas
brancas, a espuma mágica, o som que
calava vozes humanas, enfim este era
o mar! A tal viagem à praia motivo
de minha mãe andar ansiosa,
arrumando tantas malas, reunindo
estoques de mantimentos e andar mais
impaciente que o normal, comigo
semanas antes da partida. Certo que
tinha muito a organizar além
providenciar alguém de confiança
para cuidar a casa em Novo Hamburgo
e assim garantir que as plantas
fossem regadas durante nossa
ausência. Longa ausência da rua São
Jacó e dos amigos; Pedrinho, Iara,
Rita, Ruth e Richard, de tia Ilse e
do tio Lauro, que haviam passado o
Natal conosco...
Neste dia, o da foto
em questão chorei, não queria sair
da frente do mar, levei muito tempo
para entender que retornaríamos no
dia seguinte, no qual repeti a cena
lacrimejante na hora de
retornar à casa para o almoço. Nos
dias que sucederam-se continuem
desesperando-me no momento de
despedirr-me das liberdades e
alegrias de nas águas banhar-me.
Levou muito, muito tempo mesmo para
que assimilasse a idéia de que o mar
sempre estaria ali para mim e, que
meu pai nos levaria constantemente
para perto das grandes e belas
águas!
Nesta época meu pai tinha uma
DKW conversível, acreditem ou não,
lembro da volta da praia. Chegando a
Novo Hamburgo, entrávamos pela rua
Joaquim Nabuco e, já na entrada
exclamei; "que cheirinho de quiicoca"!
Pois sabia que passaríamos em frente
da Igreja Matriz São Luiz onde
estava o pipoqueiro! Foi aí que meu
pai riu de demais de alegria e
surpresa pela minha esperteza,
senso de orientação com apenas um
ano e meio incompletos. Ali chegando
estacionou e fomos comer pipocas. Eu
gostava da doce, em forma de
tablete sabor de framboesa.
Dali em diante todas as vezes que
retornávamos de viagens repetia-se o
fato que tornou-se motivo de
boas risadas e gozação. Anos
depois na puberdade, eu no caso, meu
pai ainda na BR 116, ao
avistar a cidade dizia "ai que
cheirinho de "quicoca" rindo muito
e, obviamente sugerindo a pausa para
a pipocagem. Era
divertido, extraordinário! Meu pai
era simplesmente maravilhoso conosco,
filhos pequenos eram seu paraíso,
exercia seu talento de despertar o
gosto pela natureza e o respeito a
ela, afinal respeitamos e amamos o
que conhecemos profundamente.
Dizia-nos, olhem a paisagem, fiquem
em silêncio, apreciem, observem e,
assim pelo menos eu o fazia.
Atividades tais como nadar, brincar,
pescar, viajar, navegar, conhecer
lugares inusitados faziam parte
importante dos compromissos. Às
vezes em pleno dia de semana ele
reunia-nos e mais os amiguinhos e
íamos ver como estava o rio dos
Sinos, guardava seu barco no abrigo
do clube de navegante Humaitá, e se
o clima e o rio estavam de bom
humor, lá íamos. Fora esta exceções
costumávamos meu , pai e eu
percorrer as águas e ouvir o canto
dos pássaros que habitavam a
vegetação ciliar.
Fomos certa vez conhecer uma
aldeia indígena, jamais esqueci
deveria ter quatro anos de idade...
Já nas Emboabas íamos comprar
artesanato dos remanescentes
indígenas. Viviam em meio as areias
quentes amareladas que realçavam a
beleza das lagoas e
açudes naturais de um azul
indescritível. As casas eram
precárias e distantes. Chegar até lá
era uma verdadeira epopéia;
Atolávamos na areia, pois não havia
estrada ou sequer caminho. Cada vez
que íamos tínhamos que criar um,
pois as dunas de areia, assim
como nos desertos estão em constante
mutação, são levadas pelo vento.
Adoro areia, terra fina,
cristais mínimos que absorvem o
calor solar assim como refletem sua
cor em nos grãos, nestes se bem
observados, pode ver-se o amplo
espectro de cores. No conjunto, as
dunas possuem um aroma da flora
local muito peculiar.
Em certa ocasião encontramos um
filhote de jacaré, perdido e
adotamos, foi de mais, na rua S.
João em Tramandaí, litoral gaúcho,
foi a atração. Após sua recuperação
retornamos para devolvê-lo ao seu
habitat natural. No
litoral as noites eram festivas,
vizinhos reuniam-se nas varandas e
jardins, conversavam os adultos e
nós crianças brincávamos até tarde
da noite. Meu pai adorava
surpreender, algumas vezes virava
artista, vestia-se de mendigo e
aparecia nas casas dos amigos que
aperitivavam, assim procedia só para
testar suas reações... Levaram
muito. tempo para descobrir que
aquele era o Baldoíno.
Saímos adultos e crianças em
comitiva à fim de saudar amigos
novos, conhecidos na praia, vindos
de outras localidades dos estados e
até de Países próximos; Uruguai ,
Argentina e Paraguai. As saudações
eram em forma de serenatas.
Nós mais jovens de até 7 anos
dormíamos à tarde para que
pudéssemos acompanhar os pais
e aprender as canções. Recordo de
uma muito bonita - “Palmeiras,
a beira mar...” entre outras. Porque
adorava coqueiros e palmeiras... Meu
irmão também, esta é uma história à
parte que talvez algum dia conte.
São tantas histórias,
tantos piqueniques, convescotes, na
serra gaúcha. Idas em busca do
melhor vinho... Viajando por
interiores atrás do melhor mel, numa
ocasião conhecemos o Sr. “Meldoró”
caboclo, assim denominado por seu
jeito simples de falar, misturando
palavras e letras, meldeoró ,
traduzindo; o melmelhor.
Frenético, abissal era quando
íamos visitar meus avós maternos ao
oeste do estado ou quando íamos
à Santa Catarina, estrada de chão na
época, meu irmão alérgico à
poeira e, tínhamos que trancar os
vidros, e eu amante do vento,
resmungava, mas suas razões eram
incontestáveis. Piorava quando
chovia a estrada virava um “sabão”
o carro dava os tais "cavalo
de pau", rodopiava, dançava, perto
dos precipícios! Minha mãe ficava
apavorada, sempre foi cheia de
medos, rígid, ao contrário de meu
pai ousado, pesquisador nato,
ecologista, um homem à frente de seu
tempo...
virgínia fulber *além mar
poetinha

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