Uma cena e muitas emoções

 

 

Ilda Maria Costa Brasil

 

 

 

 

 

 

         Numa belíssima tarde do mês de outubro, fiz uma visita a ex-colegas do Julinho que trabalham na Biblioteca e, enquanto conversávamos, ouvi de Carmem Lúcia o relato do que lhe ocorrera, no mês de setembro, em uma tarde fria e chuvosa. Ao descer, calmamente, a avenida João Pessoa e passar embaixo do Viaduto Loureiro da Silva, um fato rouba-lhe os pensamentos e a concentração.

       Uma senhora, vestida humildemente, que não tinha jeito de ser mendiga, observava-a, com certa discrição. Seu olhar, um tanto vago e distante, chamou-lhe atenção. Ao passar por ela, ouviu sussurradamente "Me dá uma moeda!". Ignorou o pedido e continuou caminhando em direção à parada de ônibus; porém, uma sensação de já ter visto algo ou vivenciado uma situação semelhante que se repetia, naquele momento, fê-la virar-se e olhar para trás. O sorriso e a dança eram um misto de uma doce alegria, associado ao pudor. Não era uma dança frenética, mas passos levemente ondulados; era criança e mulher que, ao brincar de esconde-esconde, deixa uma brecha na sombra para vermos que ali está.

       De repente, uma parte do filme de sua história familiar foi revivida. Viu, naquela mulher, sua progenitora dançando e nas ruas, catando papéis, catando sonhos, como os sorrisos dos loucos, gestos de loucos, mas com a história mais sofrida que, num flecback, pôde rever. Levada por  fortes emoções, voltou o corpo, os olhos  e o passado... abriu a bolsa, recolheu as moedas que dispunha e  chamou-a, baixinho, mas com receio que não a ouvisse. Deu-lhe, discretamente, as moedas, as quais ela colocou numa bolsinha de crochê, de multicores, onde um cordãozinho simples fazia um arremate no mundo misterioso de sua loucura.  Mais uma vez a olhou, e ela voltou à sua dança. Seus movimentos eram harmônicos e suaves, uma bailaina-menina, num palco, empenhando-se para oferecer à sua platéia um belíssimo espetáculo.

       Iara, Selma, Ivan e eu, enquanto ouvíamos nossa amiga, pudemos constatar no seu olhar e nas suas palavras uma intensa ternura e amor. Carmem Lúcia era toda doçura e compaixão!

       Via-se, com clareza, que o fato mexera com o mais profundo de nossa narradora e que estivera atenta e sensível àquela cena, ao seu passado familiar e aos pensamentos que percorreram, naquele dia, e que percorrem, ainda hoje, sua mente. Por ser uma pessoa extremamente generosa, fraterna e solidária que é, deixou-nos transparecer grande carinho e preocupação com os esquizofrênicos os quais, conseqüentemente, perdem a noção de realidade, tornando-se ilhas.

 

    “A beleza das imagens e a riqueza das sinestesias são de responsabilidade da narradora, que é portadora de extrema sensibilidade e soube tão bem lhes dar vida."

 
 
 
 
 
 

Fundo Musical: Abismo de Rosas

Compositores: Canhoto e João do Sul

Webdesigner: Iara Melo

Resolução do Ecrã: 1024 * 768

 

 
 
 

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