Meu pai, meu herói na guerra e na paz

 

 

 

 

Vânia Maria de Souza Ennes

 

 

Foi em 1944 que meu pai, Hely Marés de Souza, aquele jovem estudante secundarista do Colégio São José, que vivia pacatamente com seus pais e oito irmãos em União da Vitória – PR foi subitamente convocado para integrar a Força Expedicionária Brasileira, para a II Grande Guerra Mundial. Dentro da antiga educação e dos bons princípios morais, não fugiu da responsabilidade, encarou-a resolutamente.

Diante da apreensão da família e apesar de uma dimensão que poderia ser assustadora, preparou-se com coragem e convicção que lhe encheu a alma, na certeza de que este era seu caminho e sua melhor contribuição para tentar trazer de volta a harmonia, o ajuste econômico e melhores condições de vida para o povo brasileiro já então conturbado e ameaçado pela força de inimigos, que traiçoeiramente torpedeavam navios mercantes nas costas brasileiras, matando civis e militares covardemente.

Imbuído, então, de extremada vontade de vencer servindo sua Pátria, após passar por rigorosos exames de saúde, físicos e emocionais, feitos por médicos do Hospital Militar e treinamentos diários quase massacrantes, percebeu que já era hora de partir para os campos da Itália, junto com mais 25.000 valentes soldados brasileiros.

Sua forte personalidade, revestida de alto espírito de patriotismo, o impulsionava para frente em altos vôos de pensamentos que o levavam a imaginar, tão somente, a vitória final.

Aquela noite era sua despedida, entre os amigos mais chegados, no Bar Stuart, em Curitiba, antes de atirar-se à luta pela grandeza de sua Pátria.

Entre outros e além da presença especial de seu pai Astolpho Macedo Souza, fazendeiro e Industrial, na época prefeito de União da Vitória, estava, também, ali presente, seu grande e velho amigo Dr. Heitor Stockler de França, poeta, jornalista e industrial, que depois de muitas conversas e emocionado com o fato, no final da noite proferiu algumas palavras de estímulo, incentivo e força que ficaram marcadas na memória daquele novo guerreiro.

“É chegada a hora da partida! Já não podemos mais conter a instabilidade interna. No momento em que o nosso Brasil hipotecou sua solidariedade aos EUA e rompeu relações com os países do eixo, ele o escolheu, lhe delegando esta nobre missão na defesa da liberdade dos povos e contra a tirania nazi-fascista. Você não poderia mesmo ficar omisso! Seu espírito e seus ideais clamam pela justiça! A união faz a força, a vitória é certa e a luta é digna! Defenda o Brasil com todas as suas forças!

Vá com calma, mas vá com garra!

Vá com Deus meu jovem e volte com orgulho, jubiloso, para se casar aqui, na sua terra, com uma moça digna das suas meritórias atitudes e inestimável valor...”

Naquele momento de despedida e movido essencialmente pelo coração, Heitor jamais imaginou que Hely realmente voltaria e que alguns anos depois se apaixonaria por uma de suas filhas, a Ariane, para se casar e formar um lar que daria origem a mais três de seus netos e mais oito de seus bisnetos, o que para ele foi motivo de mais algumas dezenas de poesias e versos.

Foi aí que a cobra fumou.

Dizem que tudo que a gente pensa para o bem, os anjos lá do Céu dizem amém.

Hely partiu no dia seguinte. Em solo europeu, as noites muitas vezes eram frias, com neves violentas e a temperatura caía até 20º abaixo de zero. Depois de longos e exaustivos dias, o sono era geralmente cortado por estrondos, explosões e relâmpagos. Os bombardeios eram constantes e os estampidos medonhos, vindos de todos os lados.

Nosso pracinha sofreu bastante, mas teve forças inesgotáveis.

Participou juntamente com o II Grupo de Artilharia nas operações de guerra das conquistas brasileiras de Belvedere, Gorgolesco, Monte Castelo, Abetaia, Monte Della Castelina, Cavucuolo, Bela Vista, Pietra Colina etc., apesar da forte resistência do inimigo.

Elogiado individualmente pelo comandante da BIA, Sr.cap. Paulo Teixeira da Silva, segundo consta nos arquivos do Exército, pois nos momentos decisivos e mais difíceis, foi norma de conduta, equilíbrio, bom senso e clareza de pensamentos, fossem quais fossem as circunstâncias em que os acontecimentos da guerra o enquadrassem.

Foi alto este tributo, tudo pela soberania do Brasil!

Assim foi Hely, que pelo altruísmo de suas ações e pelo grande espírito de justiça ingressou mais tarde na Universidade, formando-se em Direito pela UFPR. Trabalhou por muitos anos para o Governo do Paraná, onde ocupou o cargo de Procurador do Estado.

Foi um dos fundadores da Casa do Expedicionário de Curitiba, sócio número vinte e dois, dos quase dois mil e quinhentos registrados, e presidente por cinco gestões, onde dedicou sempre seu esforço em prol de ex-combatentes menos favorecidos, levantando até hoje essa bandeira.

Desejei manifestar hoje os meus sentimentos, porque penso eu que este homem, meu pai, foi gigantesco quando enobreceu a nossa Pátria, pelo amor, dedicação e sacrifício que nunca alegou, pondo em troca sua vida, se preciso fosse, pela vitória do Brasil, ajudando a abrir novamente as portas da paz, tão desejada. Esta paz que deveria ser mantida eternamente, por toda a humanidade.

Querido pai, saiba que todos nós o amamos e temos muito orgulho de você.

 

 

 Jornal Gazeta do Povo, Curitiba, domingo, 1º/09/1996.