Antero Tarquínio
de Quental
Faleceu
a 11 de Setembro de
1891
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
Formatação: Iara Melo
Antero de Quental, escritor português, nasceu em
18 de Abril de 1842 em Ponta Delgada, na Ilha de
São Miguel, nos Açores. Em 1864 forma-se em Direito,
na Universidade de Coimbra, em cujo meio estudantil
se impusera encabeçando os movimentos que se opunham
ao conservantismo universitário. É por essa altura
que desencadeia, com a célebre “Carta a Castilho”,
em 1865: a “Questão do Bom Senso e Bom Gosto”,
também conhecida por “Questão Coimbrã (*), polémica
que veio opor o novo espírito cientifico europeu e
um novo lirismo social, humanitário e crítico ao
velho sentimento do Ultra-Romantismo, iniciando o
espírito contemporâneo nas letras portuguesas.
Em 1866, depois de ter trabalhado durante alguns
meses como operário na Imprensa Nacional, parte para
Paris, onde trabalha igualmente como tipógrafo.
Regressado a Portugal, em 1867, funda com José
Fontana a Associação Fraternidade Operária e,
torna-se, até 1871, a figura central do “Cenáculo”,
grupo de intelectuais, entre os quais se cantavam
Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Jaime Batalha
Reis, a que se ficaram a dever as célebres
“Conferências do Casino”.
Depois da morte do pai, em 1873, regressa aos Açores
e por essa época elabora o “Programa para os
Trabalhos da Geração Nova”, que destrói.
Já então a sua saúde precária se agravara. Em 1875,
encontra-se com Jaime Batalha Reis à frente da
“Revista Ocidental” e em 1890, preside à Liga
Patriótica do Norte, demitindo-se pouco depois. Em
Junho de 1891 regressa aos Açores, após um período
de isolamento em Vila do Conde com duas pupilas
órfãs de um amigo seu que morrera, e, em 11 de
Setembro suicida-se com dois tiros de pistola na
boca, num banco de jardim de Ponta Delgada.
Místico, não obstante ter perdido a fé em que fora
educado, literário boémio seduzido pela poesia
romântica, pela metafísica alemã, pela crítica
francesa, pelo socialismo, pelo naturalismo e pelos
grandes pessimistas, Antero de Quental, romântico à
velha maneira, ainda em “Primaveras Românticas” ou
em “Raios de Extinta Luz”, mostra-se nas “Odes
Modernas”, um poeta cheio de preocupações sociais,
morais e filosóficas, mas a verdadeira medida da sua
força, essa dá-no-la nos seus “Sonetos”, livro
único entre nós pela sua lucidez crítica e
imaginação metafísica.
(*) “Questão Coimbrã” foi o primeiro sinal de
renovação ideológica do século XIX entre os
defensores do status quo, desactualizados em relação
à cultura europeia, e um grupo de jovens escritores
estudantes em Coimbra, que tinham assimilado as
ideias novas.
Castilho tornara-se um padrinho oficial dos
escritores mais novos, tais como Ernesto Biester,
Tomás Ribeiro ou Manuel Joaquim Pinheiro Chagas.
Dispunha de influência e relações que lhe permitiam
facilitar a vida literária a muitos estreantes,
serviço que estes lhe pagavam em elogios.
Em redor de Castilho formou-se assim um grupo em que
o academismo e o formalismo vazio das produções
literárias correspondia à hipocrisia das relações
humanas, e em que todo o realismo desaparecia, grupo
que Antero de Quental chamaria de «escola de elogio
mútuo». Em 1865, solicitado a apadrinhar com um
posfácio o Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas,
Castilho aproveitou a ocasião para, sob a forma de
uma Carta ao Editor António Maria Pereira, censurar
um grupo de jovens de Coimbra, que acusava de
exibicionismo, de obscuridade propositada e de
tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia,
acusava-os de ter também falta de bom senso e de bom
gosto. Os escritores mencionados eram Teófilo Braga,
autor dos poemas Visão dos Tempos e Tempestades
Sonoras; Antero de Quental, que então publicara as
Odes Modernas, e um escritor em prosa, Vieira de
Castro, o único que Castilho distinguia.
Antero de Quental respondeu com uma Carta com o
titulo "Bom senso e bom gosto" a Castilho, que saiu
em folheto. Nela defendia a independência dos jovens
escritores; apontava a gravidade da missão dos
poetas da época de grandes transformações em curso e
a necessidade de eles serem os arautos dos grandes
problemas ideológicos da actualidade, e metia a
ridículo a futilidade e insignificância da poesia de
Castilho.
Ao mesmo tempo, Teófilo Braga solidarizava-se com
Antero no folheto Teocracias Literárias, onde
afirmava que Castilho devia a celebridade à
circunstância de ser cego. Pouco depois Antero
desenvolvia as ideias já expostas na Carta a
Castilho no folheto A Dignidade das Letras e
Literaturas Oficiais, evidenciando a necessidade de
criar uma literatura que estivesse à altura de
tratar os temas mais importantes da actualidade.
Seguiram-se intervenções de uma parte e de outra, em
que o problema levantado por Antero ficou esquecido.
Provocou grande celeuma o tom irreverente com que
Antero se dirigiu aos cabelos brancos do velho
escritor, e a referência de Teófilo à cegueira dele.
Foi isto o que mais impressionou Ramalho Ortigão,
que num opúsculo intitulado A Literatura de Hoje,
1866, censurava aos rapazes as suas inconveniências,
ao mesmo tempo que afirmava não saber o que
realmente estava em discussão. Este opúsculo deu
lugar a um duelo do autor com Antero. Mas outro
escrito, este de Camilo Castelo Branco, favorável a
Castilho — Vaidades Irritadas e Irritantes — não
suscitou reacções. Na realidade nada foi
acrescentado aos dois folhetos de Antero durante os
longos meses que a polémica durou ainda. Eça de
Queiroz, em O crime do padre Amaro, de forma
implícita, toma parte dos jovens literários.
Sua Obra:
Sonetos de Antero, 1861 -;- Beatrice e Fiat Lux 1863
-;- Odes Modernas 1865 (na origem da polémica
Questão Coimbrã) -;-Bom Senso e Bom Gosto 1865
(opúsculos) -;- A Dignidade das Letras e as
Literaturas Oficiais 1865 (na origem da polémica
Questão Coimbrã) -;- Defesa da Carta Encíclica de
Sua Santidade Pio IX 1865 -;- Portugal perante a
Revolução de Espanha 1868 -;-Primaveras Românticas
1872 -;- Considerações sobre a Filosofia da História
Literária Portuguesa 1872 -;- A Poesia na
Actualidade 1881 -;- Sonetos Completos 1886 -;- A
Filosofia da Natureza dos Naturistas 1886 -;-
Tendências Gerais da filosofia na Segunda Metade do
Século XIX 1890 -;- Raios de extinta luz 1892 -;-
Prosas.
A UM POETA
Surge et ambula!
Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
JUSTITIA MATER
Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:
No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
Dum Deus que luta, poderoso e inculto.
Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue mádida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,
Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!
TESE E ANTÍTESE
I
Já não sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!
Sanguinolento o olhar se lhe incendeia...
Respira fumo e fogo embriagada...
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!
Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus...
Mas a ideia é num mundo inalterável,
Num cristalino Céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!
II
Num Céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino:
Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante...
Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...
A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!
Combatei pois na terra árida e bruta,
Té que a revolva o remoinhar da luta,
Té que fecunde o sangue dos heróis.