Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
Formatação: Iara Melo
Aristides de Sousa Mendes, diplomata
português, nasceu em Cabanas de Viriato
(Carregal do Sal) a 19 de Julho de 1886.
Cônsul de Portugal em Bordéus (França),
foi reformado compulsivamente pelo
governo de Salazar por ter concedido
vistos para e entrada em Portugal a
judeus fugidos à perseguição nazi,
contrariando as directivas de Lisboa. A
sua memória tem sido enaltecida em todo
o Mundo. Em Portugal foi condecorado com
a Ordem da Liberdade, em 1987, e
reintegrado, a título póstumo, na
carreira diplomática em 1988.
Aristides de Sousa Mendes - Fonte:
RTP1 "Grandes Portugueses" pelo
jornalista Ferreira Fernandes
Os homens são do tamanho dos valores que
defendem. Aristides de Sousa Mendes foi,
talvez por isso, um dos poucos heróis
nacionais do século XX e o maior símbolo
português saído da II Guerra Mundial. Em
1940, quando era cônsul em Bordéus,
protagonizou a "desobediência justa".
Não acatou a proibição de Salazar de se
passarem vistos a refugiados:
transgrediu e passou 30 mil, sobretudo a
judeus. Foi demitido compulsivamente. A
sua vida estilhaçou-se por completo. "É
o herói vulgar. Não estava preso a
causas. Estava preso a uma questão
fundamental: a sua consciência", afirma
o jornalista Ferreira Fernandes.
Aristides de Sousa Mendes foi o
"Schindler português" muito antes de o
alemão começar a sua actividade
humanitária em prol dos judeus.
Atendendo à verdade histórica, Oskar
Schindler é que foi o Aristides alemão.
De uma coisa ninguém tem dúvidas:
Aristides de Sousa Mendes é um dos
maiores símbolos nacionais da II Guerra
Mundial. Foi o homem como metáfora do
humanismo. Em 1940, Aristides era cônsul
de Portugal em Bordéus e, indo contra
uma directiva expressa de Salazar para
não se concederem vistos a refugiados
que quisessem atravessar a França para
chegar a Portugal, desobedeceu e passou
30 mil vistos. "Na vida de cada pessoa
há uma ou outra oportunidade para se
revelar, para mostrar aquilo em que
acredita e levar isso até às últimas
consequências", diz D. Manuel Clemente,
bispo auxiliar de Lisboa. "Ele revelou
um sentido de rasgo, um sentido de
risco."
No século XX português não há outra
figura que tenha mudado tanto -
objectiva e materialmente - a vida de
milhares pessoas. "Ele representa a
desobediência justa", refere António
Costa Pinto, historiador e professor do
Instituto de Ciências Sociais. "É o
exemplo de solidariedade. A sua figura é
muito associada ao humanismo do século
XX."
No momento crucial da vida na Europa e
no mundo, Aristides de Sousa Mendes foi
capaz de distinguir o essencial do
acessório. "Percebeu que não poderia
ficar indiferente à sorte de milhares de
pessoas que foram aparecendo no
Consulado de Portugal em Bordéus", diz
José de Sousa Mendes, sobrinho de
Aristides.
Nascido numa abastada família de antigos
fidalgos de província, de Cabanas de
Viriato, perto de Viseu, Aristides e o
irmão gémeo cursam Direito em Coimbra e
seguem a carreira diplomática.
Perseguido pelo regime sidonista e a I
República em geral, após o golpe de 28
de Maio de 1926 é colocado em Vigo, num
posto prestigiante e de confiança. A
seguir é transferido para Antuérpia,
outro posto de confiança, onde ficará
nove anos. Com 50 anos é o decano do
corpo diplomático.
Em 1938, após Salazar recusar o seu
pedido para permanecer na Bélgica, é
colocado em Bordéus. Em 1939, com o
rebentar da II Guerra Mundial e, em
1940, devido à invasão da França pelas
tropas alemãs, milhares de refugiados
fogem para sul. Os jardins do Consulado
e as ruas vizinhas servem de local de
acampamento a milhares de pessoas, das
mais variadas nacionalidades, sobretudo
judeus, que fogem da perseguição nazi,
mas também gente que foge somente da
guerra.
Com a proibição de Salazar - que além de
presidente do Conselho de Ministros era
ministro dos Negócios Estrangeiros - de
se passarem vistos a refugiados,
sobretudo a "israelitas", Aristides de
Sousa Mendes segue a sua formação
humanista e católica e desobedece. Passa
(com dois dos seus filhos mais velhos)
milhares e milhares de vistos àqueles
fugitivos, entre os dias 17 e 19 de
Junho de 1940. Terão sido passados cerca
de 30 mil, nesses escassos dias.
"Concede vistos sem olhar a
nacionalidades, etnias ou religiões.
Graças a ele, Portugal ficou na história
como um país que apoiou os refugiados
durante a II Guerra Mundial", lembra a
historiadora Irene Pimentel. "Aristides
marca de forma indelével a história de
Portugal porque permitiu reconciliar-nos
com a nossa dignidade. Mais do que
qualquer outra pessoa da sua época,
dignificou o que era ser-se humano e
ser-se português", diz Fernando Nobre,
presidente da Fundação AMI.
O mais atraente na história de Aristides
de Sousa Mendes é ele ser uma espécie de
herói vulgar, que está preso "apenas" à
sua consciência. Quando se deu a
ocupação do Consulado, fechou-se num
quarto para reflectir o que deveria
fazer. Numa alucinante inquietação,
ficou apenas ele e o seu dilema:
respeitaria as ordens superiores - o
que, aliás, havia feito toda a vida - ou
responderia à sua consciência?
"Aristides de Sousa Mendes era um homem
vulgar, um funcionário ordeiro, com mais
de 50 anos e 12 filhos, que nunca se
tinha oposto ao regime ditatorial
existente em Portugal", conta o
jornalista Ferreira Fernandes. "Mas
naquela hora respondeu à sua
consciência. E isso foi extraordinário."
Continuando a desobedecer às ordens
superiores, provou que não tinha vocação
de capacho. Pela inacção dos colegas de
Bayonne e de Hendaye, desloca-se a estas
cidades nos dias seguintes e ele próprio
emite mais alguns milhares de vistos.
"Segue a sua consciência humanista
universal", refere Medeiros Ferreira,
historiador e professor universitário.
"Opta nitidamente pela desobediência
civil. Opta por salvar aquelas milhares
de pessoas que estavam nas escadarias do
Consulado à espera de um visto
salvador."
As perspectivas dos seus actos não se
limitavam a ser sombrias. Excediam em
perigo mais do que a imaginação humana
pudesse conceber. "Fez tudo o que estava
ao seu alcance, mesmo que isso lhe
custasse a carreira, a vida e o
bem-estar da sua família", conta José de
Sousa Mendes. No dia 24 de Junho recebe
um telegrama de Salazar ordenando-lhe o
regresso imediato a Lisboa. "Enfrentou a
ira de Salazar, que não podia permitir
que um diplomata desobedecesse às suas
ordens", relata Irene Pimentel. Após 32
anos de serviço, Aristides de Sousa
Mendes (com uma família de 12 filhos) é
demitido compulsivamente sem direito a
qualquer reforma ou indemnização. Além
disto, é interditado de exercer
advocacia e os filhos de frequentarem a
universidade. O irmão também é demitido
do serviço diplomático. A sua vida
estilhaça-se por completo: desmorona-se
em prol de um ideal. "Mas quem atinge
assim o pico, atinge a glória", afirma
D. Manuel Clemente.
Há uma grande presença de Deus na sua
vida. O cônsul coloca o seu catolicismo
acima de tudo. "Viveu a vida como
responsabilidade, a vida como encargo, a
vida como compaixão. Actuou de maneira
exemplar na história portuguesa e da
Humanidade", resume D. Manuel Clemente.
Foi um homem conservador, que se
adaptara ao regime do Estado Novo, e que
levou o seu cristianismo até às últimas
consequências.
Alberga no seu palácio de Cabanas de
Viriato muitas famílias de refugiados,
hipotecando para o efeito todo o
recheio. Já na miséria, é auxiliado pela
Comunidade Israelita de Lisboa a partir
de 1941, sendo muitos dos seus filhos
chamados por aqueles que haviam sido
salvos, sobretudo a partir dos Estados
Unidos e do Canadá. "Aquilo que mais
admiro foi a capacidade de ter aguentado
a vida nos quase 14 anos que se seguiram
àquele acontecimento", sublinha José de
Sousa Mendes. "O seu mundo desabou
totalmente."
Em 1945, terminada a Guerra, tendo feito
uma exposição para tentativa de
reapreciação do seu processo, não recebe
resposta. A situação de miséria
agrava-se. Em 3 de Abril de 1954 morre,
no Hospital da Ordem Terceira, em
Lisboa, desonrado e sozinho (os filhos
já tinham todos emigrado para a
América), acompanhado apenas por uma
sobrinha.
Ainda hoje a figura de Aristides de
Sousa Mendes é controversa. "A nível da
diplomacia, há quem diga que o dever de
obediência deveria estar acima da sua
atitude humanitária", conta Irene
Pimentel. "Eu acho que não. É
precisamente nestas alturas que se vê a
postura dos seres humanos." Pormenor
importante: por incrível que pareça,
Aristides de Sousa Mendes só foi
reabilitado nos anos 80 do século XX - e
muito por pressão exterior. Foi primeiro
elogiado nos Estados Unidos e em Israel.
É considerado o justo entre os justos.
"Em 1987, reencontrei um dos filhos dele
que emigrou para o Canadá, numa
homenagem a Aristides, na Alameda dos
Justos, em Jerusalém, onde há uma árvore
dedicada a cada um dos justos que ajudou
os judeus durante a guerra. Fomos
convidados para regar essa árvore",
conta, emocionado, José de Sousa Mendes.
"Aristides não tem um monumento em
Portugal. Mais do que um monumento,
deveria haver simplesmente uma lei que
dissesse: 'A nuvem - aquela coisa
efémera -, a nuvem mais bonita em
Portugal, todos os dias, deveria
chamar-se Aristides de Sousa Mendes'",
remata Ferreira Fernandes.
Trabalho e pesquisa de Carlos
Leite Ribeiro – Marinha Grande –
Portugal
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