Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
Formatação: Iara Melo
Diz a tradição que foi
Pedro Álvares Cabral
que
em 22 de Abril de 1500, descobriu o
Brasil.
Este navegador era um
fidalgo ainda novo e muito culto, e
assim, D. Manuel lº teria lhe
confiado um armada que de caminho
para a Índia, passou pelo Brasil.
Cabral nasceu em Belmonte,
em 1467 ou 68, e era filho de Fernão
Cabral, alcaide-mor dos castelos de
Belmonte e da Guarda, e de D. Isabel
de Gouveia, filha de João Gouveia,
alcaide-mor de Castelo Rodrigo.
Brasão da Família Cabral
O rei confiou-lhe 13
navios, com os quais partiu para a
viagem, em princípios de Março de
1500.
Pedro Álvares Cabral
seguiu a rota de Vasco da Gama, que
na sua descoberta do Caminho
Marítimo para a Índia, teria estado
a cerca de duas mil milhas das
costas brasileira. Quer dizer que
seguiu até Cabo Verde, mas, a partir
daí afastou-se muito da costa
africana, a tal ponto que começaram
a ver-se sinais de terra, no lado
oposto do oceano, no dia 22 de
Abril.
No dia seguinte,
ancoraram
num ilhéu de águas calmas, e
desembarcaram na baía hoje conhecida
pelo nome de Cabrália (hoje Ilhéu de
Coroa Vermelha). Pedro Álvares
Cabral, depois de um primeiro
contacto com os índios Aymoré, tomou
posse da nova terra e mandou e 26 de
Abril de 1500, rezar missa no local
e lá ergueu uma cruz, tendo dado a
essa terra o nome de Vera Cruz, o
qual se transformou depois em Santa
Cruz e, ainda mais tarde, em BRASIL.
Quando o navegador
desembarcou, verificou que se
tratava de um território com muita
vegetação e que os seus poucos
habitantes tinham a pele
avermelhada.
Pedro Álvares Cabral
apressou-se a mandar novas da sua
descoberta ao rei de Portugal, para
o que enviou de pronto uma caravela
portadora de uma mensagem em que
relatava este facto.
Ainda hoje não se sabe, ao
certo, se o Brasil foi, na
realidade, descoberto por Pedro
Álvares Cabral nesta data, ou se a
sua existência já era anteriormente
conhecida dos portugueses ... o que
a ser verdade, teria sido mantido em
rigoroso segredo ... (*).
Do Brasil, Pedro Álvares
Cabral seguiu para a Índia.
Presentemente, seu corpo encontra-se
num túmulo no Panteão da Família
Cabral, em Belmonte.
Túmulo de
  
Pedro Álvares Cabral Castelo e
Pelourinho em Belmonte
(*) A dúvida mantém-se ...
O Brasil teria sido
descoberto por Pedro Álvares Cabral
?...
Ou
teria sido descoberto pelo ignorado
(por amor a el-rei e por interesses
de Portugal) navegador e astrólogo
português Duarte Pacheco Pereira,
cerca de 30 de Novembro de 1498 ?...
Também
parece que o espanhol Vicente Pinzón
teria estado em Janeiro de 1500, na
foz do Amazonas, onde teria
encontrado um marco de pedra
português.
Tudo isto porque no
Tratado de Tordesilhas, Portugal e
Espanha definiram o meridiano que
separaria as futuras colónias
portuguesas e espanholas a 370º a
Oeste do arquipélago de Cabo Verde.
Neste caso, o Brasil teria sido uma
colónia espanhola.
PEDRO ÁLVARES CABRAL
Pedro Álvares Cabral
(1467-1517) é o segundo filho dos
senhores do Castelo e das terras de
vila Belmonte, na Beira-Baixa. A
história de sua família é semelhante
à da maioria da nobreza portuguesa:
cavaleiros e soldados, inclusive
mercenários, que conquistam títulos
e terras na luta pela reconquista do
território aos muçulmanos e, num
segundo momento, nas guerras contra
Castela que levam a casa de Avis ao
trono português. Pedro Álvares
muda-se para a corte aos 11 anos.
Estuda literatura, história e
ciências, cosmografia, marinharia e
as artes militares. Aos 16 anos é
nomeado fidalgo da corte de dom João
II. No reinado de dom Manuel, passa
a integrar o Conselho do Rei, é
admitido na Ordem de Cristo – uma
distinção entre os nobres – e recebe
uma pensão anual. Aos 33 anos é
escolhido para comandar a segunda
expedição às Índias. Depois de
alcançar as terras brasileiras,
retoma a rota de Vasco da Gama.
Aporta em várias reinos africanos,
estabelece relações com os poderosos
locais e chega a Calicute em 13 de
setembro de 1500. Ao voltar a
Lisboa, dia 6 de junho de 1501, é
aclamado herói. Sua glória dura
pouco. Desentende-se com o rei sobre
o comando da próxima expedição às
Índias, programada para 1502. Vasco
da Gama é escolhido para comandar a
esquadra, e Cabral desaparece do
cenário político.
Esquadra de Cabral –
Cabral comanda a maior e mais bem
equipada frota a zarpar dos portos
ibéricos até então. Com dez naus e
três caravelas, leva 1.500 homens,
quase 3% da população de Lisboa, na
época com cerca de 50 mil
habitantes. São representantes da
nobreza, comerciantes, artesãos,
religiosos, alguns degredados e
soldados. Participa da expedição um
banqueiro florentino, Bartholomeu
Marquione, elo de ligação entre a
Coroa portuguesa e Lourenço de
Medici, o senhor de Florença. É essa
expedição que descobre o Brasil, dia
22 de abril de 1500.
Os pilotos – A esquadra
inclui alguns dos mais experientes
navegadores da época. Um deles é
Bartolomeu Dias, o primeiro a
contornar o cabo da Boa Esperança e
a descobrir a passagem marítima para
a Ásia, em 1485. Outro é Duarte
Pacheco Pereira, apontado pelos
historiadores como um dos mais
completos cartógrafos e pilotos da
Marinha portuguesa do período.
Bartolomeu Dias não chega às Índias.
Morre quando seu navio naufraga
justamente ao cruzar o cabo da Boa
Esperança, que conquistara 12 anos
antes.
O polémico desvio de rota
Por muito tempo, o
descobrimento do Brasil, ou "achamento",
como registra o escrivão Pero Vaz de
Caminha, é considerado simples
acaso, resultado de um desvio de
rota. A partir de 1940 vários
historiadores brasileiros e
portugueses passam a defender a tese
da intencionalidade da descoberta,
hoje amplamente aceita.
Descoberta intencional –
Os historiadores argumentam que, no
final do século XV, Portugal já sabe
da existência de uma grande área de
terra firme a oeste do Atlântico.
Pode ter sido avistada por seus
pilotos que navegaram para regiões
ao sul do golfo da Guiné. Até o
golfo, as correntes marinhas são
descendentes e é possível fazer uma
navegação costeira. Do golfo da
Guiné para baixo, as correntes se
invertem. Para atingir o sul da
África é preciso afastar-se da costa
para evitar os ventos e correntes
que ali têm ascendente (corrente de
Benguela), navegar para o ocidente
até pegar a "volta do mar", hoje
chamada corrente do Brasil : ventos
e correntes descendentes que passam
pelo nordeste brasileiro e levam ao
sul do continente africano. O
primeiro a fazer isso é Diogo Cão,
em 1482, seguido depois por
Bartolomeu Dias e Vasco da Gama ao
contornarem o cabo da Boa Esperança.
A "quarta parte" – Em 1498
o rei dom Manuel manda o cosmógrafo
e navegante Duarte Pacheco Pereira
percorrer a mesma rota de Vasco da
Gama e explorar a chamada "quarta
parte", o quadrante oeste do
Atlântico sul. Em seu livro
Esmeraldo de situ orbi, o navegante
relata suas descobertas: "...temos
sabido e visto donde nos vossa
alteza mandou descobrir a parte
ocidental, passando além da grandeza
do mar Oceano, onde foi achada e
navegada uma tão grande terra firme,
com muitas e grandes ilhas
adjacentes..." Mais dois navegantes
espanhóis, Vicente Pinzón e Diego de
Lepe, também teriam aportado nessas
terras, respectivamente em janeiro e
fevereiro de 1500. Não tomam posse
do território por saberem estar na
área portuguesa demarcada pelo
Tratado de Tordesilhas.
CARTA DE PÊRO VAZ DE
CAMINHA
(Carta enviada a D. Manuel
1º, depois do Descobrimento do
Brasil)
Senhor,
Posto que o Capitão-mor
desta Vossa frota, e assim os outros
capitães escrevam a Vossa Alteza a
notícia do achamento desta Vossa
terra nova, que se agora nesta
navegação achou, não deixarei de
também dar disso minha conta a Vossa
Alteza, assim como eu melhor puder,
ainda que - para o bem contar e
falar - o saiba pior que todos
fazer!
Todavia, tome Vossa
Alteza minha ignorância por boa
vontade, a qual bem certo creia que,
para aformosentar nem afear, aqui
não há de pôr mais do que aquilo que
vi e me pareceu.
Da marinhagem e das
singraduras do caminho não darei
aqui conta a Vossa Alteza - porque o
não saberei fazer - e os pilotos
devem ter este cuidado.
E portanto, Senhor, do que
hei-de falar começo:
E digo quê:
A partida de Belém foi,
como Vossa Alteza sabe,
segunda-feira 9 de Março. E sábado,
14 do dito mês, entre as 8 e 9
horas, nos achámos entre as
Canárias, mais perto da Grande
Canária. E ali andámos todo aquele
dia em calma, à vista delas, obra de
três a quatro léguas. E domingo, 22
do dito mês, às dez horas mais ou
menos, houvemos vista das ilhas de
Cabo Verde, a saber da ilha de São
Nicolau, segundo o dito de Pero
Escolar, piloto.
Na noite seguinte à
segunda-feira amanheceu, se perdeu
da frota Vasco de Ataíde com a sua
nau, sem haver tempo forte ou
contrário para poder ser!
Fez o capitão suas
diligências para o achar, em umas e
outras partes. Mas... não apareceu
mais!
E assim seguimos nosso
caminho, por este mar de longo, até
que terça-feira das Oitavas de
Páscoa, que foram 21 dias de Abril,
topámos alguns sinais de terra,
estando da dita Ilha - segundo os
pilotos diziam, obra de 660 ou 670
léguas - os quais eram muita
quantidade de ervas compridas, a que
os mareantes chamam botelho, e assim
mesmo outras a que dão o nome de
rabo-de-asno. E quarta-feira
seguinte, pela manhã, topámos aves a
que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a horas
de véspera, houvemos vista de terra!
A saber, primeiramente de um grande
monte, muito alto e redondo; e de
outras serras mais baixas ao sul
dele; e de terra chã, com grandes
arvoredos; ao qual monte alto o
capitão pôs o nome de O Monte
Pascoal e à terra A Terra de Vera
Cruz!
Mandou lançar o prumo.
Acharam vinte e cinco braças. E ao
sol-posto umas seis léguas da terra,
lançámos ancoras, em dezanove braças
- ancoragem limpa. Ali ficámo-nos
toda aquela noite. E quinta-feira,
pela manhã, fizemos vela e seguimos
em direitura à terra, indo os navios
pequenos diante - por dezassete,
dezasseis, quinze, catorze, doze,
nove braças - até meia légua da
terra, onde todos lançámos ancoras,
em frente da boca de um rio. E
chegaríamos a esta ancoragem às dez
horas, pouco mais ou menos.
E dali avistámos homens
que andavam pela praia, uns sete ou
oito, segundo disseram os navios
pequenos que chegaram primeiro.
Então lançámos fora os
batéis e esquifes. E logo vieram
todos os capitães das naus a esta
nau do Capitão-mor. E ali falaram. E
o Capitão mandou em terra a Nicolau
Coelho para ver aquele rio. E tanto
que ele começou a ir-se para lá,
acudiram pela praia homens aos dois
e aos três, de maneira que, quando o
batel chegou à boca do rio, já lá
estavam dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa
alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e
suas setas. Vinham todos rijamente
em direcção ao batel. E Nicolau
Coelho lhes fez sinal que pousassem
os arcos. E eles os depuseram. Mas
não pôde deles haver fala nem
entendimento que aproveitasse, por o
mar quebrar na costa. Somente
arremessou-lhe um barrete vermelho e
uma carapuça de linho que levava na
cabeça, e um sombreiro preto. E um
deles lhe arremessou um sombreiro de
penas de ave, compridas, com uma
copazinha de penas vermelhas e
pardas, como de papagaio. E outro
lhe deu um ramal grande de continhas
brancas, miúdas que querem parecer
de aljôfar, as quais peças creio que
o Capitão manda a Vossa Alteza. E
com isto se volveu às naus por ser
tarde e não poder haver deles mais
fala, por causa do mar.
À noite seguinte, ventou
tanto sueste com chuvaceiros que fez
caçar as naus. E especialmente a
Capitaina. E sexta pela manhã, às
oito horas, pouco mais ou menos, por
conselho dos pilotos, mandou o
Capitão levantar âncoras e fazer
vela. E fomos de longo da costa, com
os batéis e esquifes amarrados na
popa, em direcção norte, para ver se
achávamos alguma abrigada e bom
pouso, onde nós ficássemos, para
tomar água e lenha. Não por nos já
minguar, mas por nos prevenirmos
aqui. E quando fizemos vela estariam
já na praia assentados perto do rio
obra de sessenta ou setenta homens
que se haviam juntado ali aos
poucos. Fomos ao longo, e mandou o
Capitão aos navios pequenos que
fossem mais chegados à terra e, se
achassem pouso seguro para as naus,
que amainassem.
E velejando nós pela
costa, na distância de dez léguas do
sítio onde tínhamos levantado ferro,
acharam os ditos navios pequenos um
recife com um porto dentro, muito
bom e muito seguro, com uma mui
larga entrada. E meteram-se dentro e
amainaram. E as naus foram-se
chegando, atrás deles. E um pouco
antes de sol-pôsto amainaram também,
talvez a uma légua do recife, e
ancoraram a onze braças.
E estando Afonso Lopez,
nosso piloto, em um daqueles navios
pequenos, foi, por mandado do
Capitão, por ser homem vivo e destro
para isso, meter-se logo no esquife
a sondar o porto dentro. E tomou
dois daqueles homens da terra que
estavam numa almadia: mancebos e de
bons corpos. Um deles trazia um
arco, e seis ou sete setas. E na
praia andavam muitos com seus arcos
e setas; mas não os aproveitou.
Logo, já de noite, levou-os à
Capitaina, onde foram recebidos com
muito prazer e festa.
A feição deles é serem
pardos, um tanto avermelhados, de
bons rostos e bons narizes, bem
feitos. Andam nus, sem cobertura
alguma. Nem fazem mais caso de
encobrir ou deixa de encobrir suas
vergonhas do que de mostrar a cara.
Acerca disso são de grande
inocência. Ambos traziam o beiço de
baixo furado e metido nele um osso
verdadeiro, de comprimento de uma
mão travessa, e da grossura de um
fuso de algodão, agudo na ponta como
um furador. Metem-nos pela parte de
dentro do beiço; e a parte que lhes
fica entre o beiço e os dentes é
feita a modo de roque de xadrez. E
trazem-no ali encaixado de sorte que
não os magoa, nem lhes põe estorvo
no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são
corredios. E andavam tosquiados, de
tosquia alta antes do que
sobre-pente, de boa grandeza,
rapados todavia por cima das
orelhas. E um deles trazia por baixo
da solapa, de fonte a fonte, na
parte detrás, uma espécie de
cabeleira, de penas de ave amarela,
que seria do comprimento de um coto,
mui basta e mui cerrada, que lhe
cobria o toutiço e as orelhas. E
andava pegada aos cabelos, pena por
pena, com uma confeição branda como,
de maneira tal que a cabeleira era
mui redonda e mui basta, e mui
igual, e não fazia míngua mais
lavagem para alevantar.
O Capitão, quando eles
vieram, estava sentado em uma
cadeira, aos pés uma alcatifa por
estrado; e bem vestido, com um colar
de ouro, mui grande, ao pescoço. E
Sancho de Tovar, e Simão de Miranda,
e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e
nós outros que aqui na nau com ele
íamos, sentados no chão, nessa
alcatifa. Acenderam-se tochas. E
eles entraram. Mas nem sinal de
cortesia fizeram, nem de falar ao
Capitão; nem a alguém. Todavia um
deles fitou o colar do Capitão, e
começou a fazer acenos com a mão em
direcção à terra, e depois para o
colar, como se quisesse dizer-nos
que havia ouro na terra. E também
olhou para um castiçal de prata e
assim mesmo acenava para a terra e
novamente para o castiçal, como se
lá também houvesse prata!
Mostraram-lhes um papagaio
pardo que o Capitão traz consigo;
tomaram-no logo na mão e acenaram
para a terra, como se os houvesse
ali.
Mostraram-lhes um
carneiro; não fizeram caso dele.
Mostraram-lhes uma
galinha; quase tiveram medo dela, e
não lhe queriam pôr a mão. Depois
lhe pegaram, mas como espantados.
Deram-lhes ali de comer:
pão e peixe cozido, confeitos,
fartéis, mel, figos passados. Não
quiseram comer daquilo quase nada;
e, se provavam alguma coisa, logo a
lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em
uma taça; mal lhe puseram a boca;
não gostaram dele nada, nem quiseram
mais.
Trouxeram-lhes água em uma
albarrada, provaram cada um o seu
bochecho, mas não beberam; apenas
lavaram as bocas e lançaram-na fora.
Viu um deles umas contas
de rosário, brancas; fez sinal que
lhas dessem, e folgou muito com
elas, e lançou-as ao pescoço; e
depois tirou-as e meteu-as em volta
do braço, e acenava para a terra e
novamente para as contas e para o
colar do Capitão, como se dariam
ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós nesse
sentido, por assim o desejarmos! Mas
se ele queria dizer que levaria as
contas e mais o colar, isto não
queríamos nós entender, por que lho
não havíamos de dar! E depois tornou
as contas a quem lhas dera. E então
estiraram-se de costas na alcatifa,
a dormir sem procurarem maneiras de
encobrir suas vergonhas, as quais
não eram fanadas; e as cabeleiras
delas estavam bem rapadas e feitas.
O Capitão mandou pôr por
baixo da cabeça de cada um seu
coxim; e o da cabeleira esforçava-se
por não a estragar. E deitaram um
manto por cima deles; e consentindo,
aconchegaram-se e adormeceram.
Sábado pela manhã mandou o
Capitão fazer vela, fomos demandar a
entrada, a qual era mui larga e
tinha seis a sete braças de fundo. E
entraram todas as naus dentro, e
ancoraram em cinco ou seis braças -
ancoradouro que é tão grande e tão
formoso de dentro, e tão seguro que
podem ficar nele mais de duzentos
navios e naus. E tanto que as naus
foram distribuídas e ancoradas,
vieram os capitães todos a esta nau
do Capitão-mor. E daqui mandou o
Capitão que Nicolau Coelho e
Bartolomeu Dias fossem em terra e
levassem aqueles dois homens, e os
deixassem ir com seu arco e setas,
aos quais mandou dar a cada um uma
camisa nova e uma carapuça vermelha
e um rosário de contas brancas de
osso, que foram levando nos braços,
e um cascavel e uma campainha. E
mandou com eles, para lá ficar, um
mancebo degredado, criado de dom
João Telo, de nome Afonso Ribeiro,
para lá andar com eles e saber de
seu viver e maneiras. E a mim mandou
que fosse com Nicolau Coelho. Fomos
assim de frecha direitos à praia.
Ali acudiram logo perto de duzentos
homens, todos nus, com arcos e setas
nas mãos. Aqueles que nós levámos
acenaram-lhes que se afastassem e
depusessem os arcos. E eles os
depuseram. Mas não se afastaram
muito. E mal tinham pousado seus
arcos quando saíram os que nós
levávamos, e o mancebo degredado com
eles. E saídos não pararam mais; nem
esperavam um pelo outro, mas antes
corriam a quem mais correria. E
passaram um rio que aí corre, de
água doce, de muita água que lhes
dava pela braga. E muitos outros com
eles. E foram assim correndo para
além do rio entre umas moitas de
palmeiras onde estavam outros. E ali
pararam. E naquilo tinha ido o
degredado com um homem que, logo ao
sair do batel, o agasalhou e levou
até lá. Mas logo o tornaram a nós. E
com ele vieram os outros que nós
leváramos, os quais vinham já nus e
sem carapuças.
E então se começaram de
chegar muitos; e entravam pela beira
do mar para os batéis, até que mais
não podiam. E traziam cabaças
d'água, e tomavam alguns barris que
nós levávamos e enchiam-nos de água
e traziam-nos aos batéis. Não que
eles de todo chegassem a bordo do
batel. Mas junto a ele, lançavam-nos
da mão. E nós tomávamo-los. E pediam
que lhes dessem alguma coisa.
Levava Nicolau Coelho
cascavéis e manilhas. E a uns dava
um cascavel, e a outros uma manilha,
de maneira que com aquela encarna
quase que nos queriam dar a mão.
Davam-nos daqueles arcos e setas em
troca de sombreiros e carapuças de
linho, e de qualquer coisa que a
gente lhes queria dar.
Dali se partiram os
outros, dois mancebos, que não os
vimos mais.
Dos que ali andavam,
muitos - quase a maior parte -
traziam aqueles bicos de osso nos
beiços.
E alguns, que andavam sem
eles, traziam os beiços furados e
nos buracos traziam uns espelhos de
pau, que pareciam espelhos de
borracha. E alguns deles traziam
três daqueles bicos, a saber um no
meio, e os dois nos cabos.
E andavam lá outros,
quartejados de cores, a saber,
metade deles da sua própria cor, e
metade de tintura preta, um tanto
azulada; e outros quartejados d'escaques.
Ali andavam entre eles
três ou quatro moças, bem novinhas e
gentis, com cabelos muito pretos e
compridos pelas costas; e suas
vergonhas, tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das
cabeleiras que, de as nós muito bem
olharmos, não se envergonhavam.
Ali por então não houve
mais fala ou entendimento com eles,
por a barbana deles ser tamanha que
se não entendia nem ouvia ninguém.
Acenámos-lhes que se fossem. E assim
o fizeram e passaram-se para além do
rio. E saíram três ou quatro homens
nossos dos batéis, e encheram não
sei quantos barris d'água que nós
levávamos. E tornámo-nos às naus. E
quando assim vínhamos, acenaram-nos
que voltássemos. Voltámos, e eles
mandaram o degredado e não quiseram
que ficasse lá com eles, o qual
levava uma bacia pequena e duas ou
três carapuças vermelhas para lá as
dar ao senhor, se o lá houvesse. Não
trataram de lhe tirar coisa alguma,
antes mandaram-no com tudo. Mas
então Bartolomeu Dias o fez outra
vez tornar, que lhe desse aquilo. E
ele tornou e deu aquilo, em vista de
nós, a aquele que o da primeira
agasalhara. E então veio-se, e nós
levámo-lo.
Esse que o agasalhou era
já de idade, e andava por
galanteria, cheio de penas, pegadas
pelo corpo, que parecia seteado como
São Sebastião. Outros traziam
carapuças de penas amarelas; e
outros, de vermelhas; e outros de
verdes. E uma daquelas moças era
toda tingida de baixo a cima,
daquela tintura e certo era tão bem
feita e tão redonda, e sua vergonha
tão graciosa que a muitas mulheres
de nossa terra, vendo-lhe tais
feições envergonhara, por não terem
as suas como ela. Nenhum deles era
fanado, mas todos assim como nós.
E com isto nos tornámos, e
eles foram-se.
À tarde, saiu o
Capitão-mor em seu batel com todos
nós outros capitães das naus em seus
batéis a folgar pela baía, perto da
praia. Mas ninguém saiu em terra,
por o Capitão o não querer, apesar
de ninguém estar nela. Apenas saiu -
ele com todos nós - em um ilhéu
grande que está na baía, o qual,
aquando baixamar, fica mui vazio.
Com tudo está de todas as partes
cercado de água, de sorte que
ninguém lá pode ir, a não ser de
barco ou a nado. Ali folgou ele, e
todos nós, bem uma hora e meia. E
pescaram lá, andando alguns
marinheiros com um chinchorro; e
mataram peixe miúdo, não muito. E
depois volvemo-nos às naus, já bem
noite.
Ao domingo de Pascoela
pela manhã, determinou o Capitão ir
ouvir missa e sermão naquele ilhéu.
E mandou a todos os capitães que se
arranjassem nos batéis e fossem com
ele. E assim foi feito. Mandou armar
um pavilhão naquele ilhéu, e dentro
levantar um altar mui bem arranjado.
E ali com todos nós outros fez dizer
missa, a qual disse o padre frei
Henrique, em voz entoada, e oficiada
com aquela mesma voz pelos outros
padres e sacerdotes que todos
assistiram, a qual missa, segundo
meu parecer, foi ouvida por todos
com muito prazer e devoção.
Ali estava com o Capitão a
bandeira de Cristo, com que saíra de
Belém, a qual esteve sempre bem
alta, da parte do Evangelho.
Acabada a missa,
desvestiu-se o padre e subiu a uma
cadeira alta; e nós todos lançados
por essa areia. E pregou uma solene
e proveitosa pregação, da história
evangélica; e no fim tratou da nossa
vida, e do achamento desta terra,
referindo-se à Cruz, sob cuja
obediência viemos, que veio muito a
propósito, e fez muita devoção.
Enquanto assistimos à
missa e ao sermão, estaria na praia
outra tanta gente, pouco mais ou
menos, como a de ontem, com seus
arcos e setas, e andava folgando. E
olhando-nos, sentaram. E depois de
acabada a missa, quando nós sentados
atendíamos a pregação, levantaram-se
muitos deles e tangeram corno ou
buzina e começaram a saltar e dançar
um pedaço. E alguns deles se metiam
em almadias - duas ou três que lá
tinham as quais não são feitas como
as que eu vi; apenas são três
traves, atadas juntas. E ali se
metiam quatro ou cinco, ou esses que
queriam, não se afastando quase nada
da terra, só até onde podiam tomar
pé.
Acabada a pregação
encaminhou-se o Capitão, com todos
nós, para os batéis, com nossa
bandeira alta. Embarcámos e fomos
indo todos em direcção à terra para
passarmos ao longo por onde eles
estavam, indo na dianteira, por
ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em
seu esquife, com um pau de uma
almadia que lhes o mar levara, para
o entregar a eles. E nós todos trás
dele, a distância de um tiro de
pedra.
Como viram o esquife de
Bartolomeu Dias, chegaram-se logo
todos à água, metendo-se nela até
onde mais podiam. Acenaram-lhes que
pousassem os arcos e muitos deles os
iam logo pôr em terra; e outros não
os punham.
Andava lá um que falava
muito aos outros, que se afastassem.
Mas não já que a mim me parecesse
que lhe tinham respeito ou medo.
Este que os assim andava afastando
trazia seu arco e setas. Estava
tinto de tintura vermelha pelos
peitos e costas e pelos quadris,
coxas e pernas até baixo, mas os
vazios com a barriga e estômago eram
de sua própria cor. E a tintura era
tão vermelha que a água lha não
comia nem desfazia. Antes, quando
saía da água, era mais vermelho.
Saiu um homem do esquife de
Bartolomeu Dias e andava no meio
deles, sem implicarem nada com ele,
e muito menos ainda pensavam em
fazer-lhe mal. Apenas lhe davam
cabaças d'água; e acenavam aos do
esquife que saíssem em terra. Com
isto se volveu Bartolomeu Dias ao
Capitão. E viemo-nos às naus, a
comer, tangendo trombetas e gaitas,
sem os mais constranger. E eles
tornaram-se a sentar na praia, e
assim por então ficaram.
Neste ilhéu, onde fomos
ouvir missa e sermão, espraia muito
a água e descobre muita areia e
muito cascalho. Enquanto lá
estávamos foram alguns buscar
marisco e não no acharam. Mas
acharam alguns camarões grossos e
curtos, entre os quais vinha um
muito grande e muito grosso; que em
nenhum tempo o vi tamanho. Também
acharam cascas de berbigões e de
amêijoas, mas não toparam com
nenhuma peça inteira. E depois de
termos comido vieram logo todos os
capitães a esta nau, por ordem do
Capitão-mor, com os quais ele se
aportou; e eu na companhia. E
perguntou a todos se nos parecia bem
mandar a nova do achamento desta
terra a Vossa Alteza pelo navio dos
mantimentos, para a melhor mandar
descobrir e saber dela mais do que
nós podíamos saber, por irmos na
nossa viagem.
E entre muitas falas que
sobre o caso se fizeram foi dito,
por todos ou a maior parte, que
seria muito bem. E nisto
concordaram. E logo que a resolução
foi tomada, perguntou mais, se seria
bem tomar aqui por força um par
destes homens para os mandar a Vossa
Alteza, deixando aqui em lugar deles
outros dois destes degredados.
E concordaram em que não
era necessário tomar por força
homens, porque costume era dos que
assim à força levavam para alguma
parte dizerem que há de tudo quanto
lhes perguntam; e que melhor e muito
melhor informação da terra dariam
dois homens desses degredados que
aqui deixássemos do que eles dariam
se os levassem por ser gente que
ninguém entende. Nem eles cedo
aprenderiam a falar para o saberem
tão bem dizer que muito melhor
estoutros o não digam quando cá
Vossa Alteza mandar.
E que portanto não
cuidássemos de aqui por força tomar
ninguém, nem fazer escândalo; mas
sim, para os de todo amansar e
apaziguar, unicamente de deixar aqui
os dois degredados quando daqui
partíssemos.
E assim ficou determinado
por parecer melhor a todos.
Acabado isto, disse o
Capitão que fôssemos nos batéis em
terra. E ver-se-ia bem, quejando era
o rio. Mas também para folgarmos.
Fomos todos nos batéis em
terra, armados; e a bandeira
connosco. Eles andavam ali na praia,
à boca do rio, para onde nós íamos;
e, antes que chegássemos, pelo
ensino que dantes tinham, puseram
todos os arcos, e acenaram que
saíssemos. Mas, tanto que os batéis
puseram as proas em terra,
passaram-se logo todos além do rio,
o qual não é mais ancho que um jogo
de mancal. E tanto que desembarcámos,
alguns dos nossos passaram logo o
rio, e meteram-se entre eles. E
alguns aguardavam; e outros se
afastavam. Com tudo, a coisa era de
maneira que todos andavam
misturados. Eles davam desses arcos
com suas setas por sombreiros e
carapuças de linho, e por qualquer
coisa que lhes davam. Passaram além
tantos dos nossos e andaram assim
misturados com eles, que eles se
esquivavam, e afastavam-se; e iam
alguns para cima, onde outros
estavam. E então o Capitão fez que o
tomassem ao colo dois homens e
passou o rio, e fez tornar a todos.
A gente que ali estava não seria
mais que aquela do costume. Mas logo
que o Capitão chamou todos para
trás, alguns se chegaram a ele, não
por o reconhecerem por Senhor, mas
porque a gente, nossa, já passava
para aquém do rio. Ali falavam e
traziam muitos arcos e continhas,
daquelas já ditas, e resgatavam-nas
por qualquer coisa, de tal maneira
que os nossos levavam dali para as
naus muitos arcos, e setas e contas.
E então tornou-se o
Capitão para aquém do rio. E logo
acudiram muitos à beira dele.
Ali veríeis galantes,
pintados de preto e vermelho, e
quartejados, assim pelos corpos como
pelas pernas, que, certo, assim
pareciam bem. Também andavam entre
eles quatro ou cinco mulheres,
novas, que assim nuas, não pareciam
mal. Entre elas andava uma, com uma
coxa, do joelho até o quadril e a
nádega, toda tingida daquela tintura
preta; e todo o resto da sua cor
natural. Outra trazia ambos os
joelhos com as curvas assim tintas,
e também os colos dos pés; e suas
vergonhas tão nuas, e com tanta
inocência assim descobertas, que não
havia nisso desvergonha nenhuma.
Também andava lá outra
mulher, nova, com um menino ou
menina, atado com um pano aos
peitos, de modo que não se lhe viam
senão as perninhas. Mas nas pernas
da mãe, e no resto, não havia pano
algum.
Em seguida o Capitão foi
subindo ao longo do rio, que corre
rente à praia. E ali esperou por um
velho que trazia na mão uma pá de
almadia. Falou, enquanto o Capitão
estava com ele, na presença de todos
nós; mas ninguém o entendia, nem ele
a nós, por mais coisas que a gente
lhe perguntava com respeito a ouro,
porque desejávamos saber se o havia
na terra.
Trazia este velho o beiço
tão furado que lhe cabia pelo buraco
um grosso dedo polegar. E trazia
metido no buraco uma pedra verde, de
nenhum valor, que fechava por fora
aquele buraco. E o Capitão lha fez
tirar. E ele não sei que diabo
falava e ia com ela para a boca do
Capitão para lha meter. Estivemos
rindo um pouco e dizendo chalaças
sobre isso. E então enfadou-se o
Capitão, e deixou-o. E um dos nossos
deu-lhe pela pedra um sombreiro
velho; não por ela valer alguma
coisa, mas para amostra. E depois
houve-a o Capitão, creio, para
mandar com as outras coisas a Vossa
Alteza.
Andámos por aí vendo o
ribeiro, o qual é de muita água e
muito boa. Ao longo dele há muitas
palmeiras, não muito altas; e muito
bons palmitos. Colhemos e comemos
muitos deles.
Depois tornou-se o Capitão
para baixo para a boca do rio, onde
tínhamos desembarcado.
E além do rio andavam
muitos deles dançando e folgando,
uns diante os outros, sem se tomarem
pelas mãos. E faziam-no bem.
Passou-se então para a outra banda
do rio Diogo Dias, que fora
almoxarife de Sacavém, o qual é
homem gracioso e de prazer. E levou
consigo um gaiteiro nosso com sua
gaita. E meteu-se a dançar com eles,
tomando-os pelas mãos; e eles
folgavam e riam e andavam com ele
muito bem ao som da gaita. Depois de
dançarem fez ali muitas voltas
ligeiras, andando no chão, e salto
real, de que se eles espantavam e
riam e folgavam muito. E conquanto
com aquilo os segurou e afagou
muito, tomavam logo uma esquiveza
como de animais monteses, e foram-se
para cima.
E então passou o rio o
Capitão com todos nós, e fomos pela
praia, de longo, ao passo que os
batéis iam rentes à terra. E
chegámos a uma grande lagoa de água
doce que está perto da praia, porque
toda aquela ribeira do mar é
apaulada por cima e sai a água por
muitos lugares.
E depois de passarmos o
rio, foram uns sete ou oito deles
meter-se entre os marinheiros que se
recolhiam aos batéis. E levaram dali
um tubarão que Bartolomeu Dias
matou. E levavam-lho; e lançou-o na
praia.
Bastará que até aqui, como
quer que se lhes em alguma parte
amansassem, logo de uma mão para
outra se esquivavam, como pardais do
cevadouro. Ninguém não lhes ousa
falar de rijo para não se esquivarem
mais. E tudo se passa como eles
querem - para os bem amansarmos!
Ao velho com quem o
Capitão havia falado, deu-lhe uma
carapuça vermelha. E com toda a
conversa que com ele houve, e com a
carapuça que lhe deu tanto que se
despediu e começou a passar o rio,
foi-se logo recatando. E não quis
mais tornar do rio para aquém. Os
outros dois o Capitão teve nas naus,
aos quais deu o que já ficou dito,
nunca mais aqui apareceram - factos
de que deduzo que é gente bestial e
de pouco saber, e por isso tão
esquiva. Mas apesar de tudo isso
andam bem curados, e muito limpos. E
naquilo ainda mais me convenço que
são como aves, ou alimárias
montesinhas, as quais o ar faz
melhores penas e melhor cabelo que
às mansas, porque os seus corpos são
tão limpos e tão gordos e tão
formosos que não pode ser mais! E
isto me faz presumir que não tem
casas nem moradias em que se
recolham; e o ar em que se criam os
faz tais. Nós pelo menos não vimos
até agora nenhumas casas, nem coisa
que se pareça com elas.
Mandou o Capitão aquele
degredado, Afonso Ribeiro, que se
fosse outra vez com eles. E foi; e
andou lá um bom pedaço, mas à tarde
regressou, que o fizeram eles vir: e
não o quiseram lá consentir. E
deram-lhe arcos e setas; e não lhe
tomaram nada do seu. Antes, disse
ele, que lhe tomara um deles umas
continhas amarelas que levava e
fugia com elas, e ele se queixou e
os outros foram logo após ele, e
lhas tomaram e tornaram-lhas a dar;
e então mandaram-no vir. Disse que
não vira lá entre eles senão umas
choupaninhas de rama verde e de
feteiras muito grandes, como as de
Entre-Douro-e-Minho. E assim nos
tornámos às naus, já quase noite, a
dormir.
Segunda-feira, depois de
comer, saímos todos em terra a tomar
água. Ali vieram então muitos; mas
não tantos como as outras vezes. E
traziam já muito poucos arcos. E
estiveram um pouco afastados de nós;
mas depois pouco a pouco
misturaram-se connosco; e
abraçavam-nos e folgavam; mas alguns
deles se esquivavam logo. Ali davam
alguns arcos por folhas de papel e
por alguma carapucinha velha e por
qualquer coisa. E de tal maneira se
passou a coisa que bem vinte ou
trinta pessoas das nossas se foram
com eles para onde outros muitos
deles estavam com moças e mulheres.
E trouxeram de lá muitos arcos e
barretes de penas de aves, uns
verdes, outros amarelos, dos quais
creio que o Capitão há de mandar uma
amostra a Vossa Alteza.
E segundo diziam esses que
lá tinham ido, brincaram com eles.
Neste dia os vimos mais de perto e
mais à nossa vontade, por andarmos
quase todos misturados: uns andavam
quartejados daquelas tinturas,
outros de metades, outros de tanta
feição como em pano de rás, e todos
com os beiços furados, muitos com os
ossos neles, e bastantes sem ossos.
Alguns traziam uns ouriços verdes,
de árvores, que na cor queriam
parecer de castanheiras, embora
fossem muito mais pequenos. E
estavam cheios de uns grãos
vermelhos, pequeninos que,
esmagando-se entre os dedos, se
desfaziam na tinta muito vermelha de
que andavam tingidos. E quanto mais
se molhavam, tanto mais vermelhos
ficavam.
Todos andam rapados até
por cima das orelhas; assim mesmo de
sobrancelhas e pestanas.
Trazem todos as testas, de
fonte a fonte, tintas de tintura
preta, que parece uma fita preta da
largura de dois dedos.
E o Capitão mandou aquele
degredado Afonso Ribeiro e a outros
dois degredados que fossem meter-se
entre eles; e assim mesmo a Diogo
Dias, por ser homem alegre, com que
eles folgavam. E aos degredados
ordenou que ficassem lá esta noite.
Foram-se lá todos; e
andaram entre eles. E segundo depois
diziam, foram bem uma légua e meia a
uma povoação, em que haveria nove ou
dez casas, as quais diziam que eram
tão compridas, cada uma, como esta
nau capitaina. E eram de madeira, e
das ilhargas de tábuas, e cobertas
de palha, de razoável altura; e
todas de um só espaço, sem
repartição alguma, tinham de dentro
muitos esteios; e de esteio a esteio
uma rede atada com cabos em cada
esteio, altas, em que dormiam. E de
baixo, para se aquentarem, faziam
seus fogos. E tinha cada casa duas
portas pequenas, uma numa
extremidade, e outra na oposta. E
diziam que em cada casa se recolhiam
trinta ou quarenta pessoas, e que
assim os encontraram; e que lhes
deram de comer dos alimentos que
tinham, a saber muito inhame, e
outras sementes que na terra dá, que
eles comem. E como se fazia tarde
fizeram-nos logo todos tornar; e não
quiseram que lá ficasse nenhum. E
ainda, segundo diziam, queriam vir
com eles. Resgataram lá por
cascavéis e outras coisinhas de
pouco valor, que levavam, papagaios
vermelhos, muito grandes e formosos,
e dois verdes pequeninos, e
carapuças de penas verdes, e um pano
de penas de muitas cores, espécie de
tecido assaz belo, segundo Vossa
Alteza todas estas coisas verá,
porque o Capitão vo-las há-de
mandar, segundo ele disse. E com
isto vieram; e nós tornamo-nos às
naus.
Terça-feira, depois de
comer, fomos em terra, fazer lenha,
e para lavar roupa. Estavam na
praia, quando chegámos, uns sessenta
ou setenta, sem arcos e sem nada.
Tanto que chegámos, vieram logo para
nós, sem se esquivarem. E depois
acudiram muitos, que seriam bem
duzentos, todos sem arcos. E
misturaram-se todos tanto connosco
que uns nos ajudavam a acarretar
lenha e metê-las nos batéis. E
lutavam com os nossos, e tomavam com
prazer. E enquanto fazíamos a lenha,
construíam dois carpinteiros uma
grande cruz de um pau que se ontem
para isso cortara. Muitos deles
vinham ali estar com os
carpinteiros. E creio que o faziam
mais para verem a ferramenta de
ferro com que a faziam do que para
verem a cruz, porque eles não tem
coisa que de ferro seja, e cortam
sua madeira e paus com pedras feitas
como cunhas, metidas em um pau entre
duas talas, mui bem atadas e por tal
maneira que andam fortes, porque
lhas viram lá. Era já a conversação
deles connosco tanta que quase nos
estorvavam no que havíamos de fazer.
E o Capitão mandou a dois
degredados e a Diogo Dias que fossem
lá à aldeia e que de modo algum
viessem a dormir às naus, ainda que
os mandassem embora. E assim se
foram.
Enquanto andávamos nessa
mata a cortar lenha, atravessavam
alguns papagaios essas árvores;
verdes uns, e pardos, outros,
grandes e pequenos, de sorte que me
parece que haverá muitos nesta
terra. Todavia os que vi não seriam
mais que nove ou dez, quando muito.
Outras aves não vimos então, a não
ser algumas pombas-seixeiras, e
pareceram-me maiores bastante do que
as de Portugal. Vários diziam que
viram rolas, mas eu não as vi.
Todavia, segundo os arvoredos são
mui muitos e grandes, e de infinitas
espécies, não duvido que por esse
sertão haja muitas aves!
E cerca da noite nós
volvemos para as naus com nossa
lenha.
Eu creio, Senhor, que não
dei ainda conta aqui a Vossa Alteza
do feitio de seus arcos e setas. Os
arcos são pretos e compridos, e as
setas compridas; e os ferros delas
são canas aparadas, conforme Vossa
Alteza verá alguns que creio que o
Capitão a Ela há de enviar.
Quarta-feira não fomos em
terra, porque o Capitão andou todo o
dia no navio dos mantimentos a
despejá-lo e fazer levar às naus
isso que cada um podia levar. Eles
acudiram à praia, muitos, segundo
das naus vimos. Seriam perto de
trezentos, segundo Sancho de Tovar
que para lá foi. Diogo Dias e Afonso
Ribeiro, o degredado, aos quais o
Capitão ontem ordenara que de toda
maneira lá dormissem, tinham voltado
já de noite, por eles não quererem
que lá ficassem. E traziam papagaios
verdes; e outras aves pretas, quase
como pegas, com a diferença de terem
o bico branco e rabos curtos. E
quando Sancho de Tovar recolheu à
nau, queriam vir com ele, alguns;
mas ele não admitiu senão dois
mancebos, bem dispostos e homens de
prol. Mandou pensar e curá-los mui
bem essa noite. E comeram toda a
ração que lhes deram, e mandou
dar-lhes cama de lençóis, segundo
ele disse. E dormiram e folgaram
aquela noite. E não houve mais este
dia que para escrever seja.
Quinta-feira, derradeiro
de Abril, comemos logo, quase pela
manhã, e fomos em terra por mais
lenha e água. E em querendo o
Capitão sair desta nau, chegou
Sancho de Tovar com seus dois
hóspedes. E por ele ainda não ter
comido, puseram-lhe toalhas, e
veio-lhe comida. E comeu. Os
hóspedes, sentaram-no cada um em sua
cadeira. E de tudo quanto lhes
deram, comeram mui bem,
especialmente lacão cozido frio, e
arroz. Não lhes deram vinho por
Sancho de Tovar dizer que o não
bebiam bem.
Acabado o comer,
metemo-nos todos no batel, e eles
connosco. Deu um grumete a um deles
uma armadura grande de porco montês,
bem revolta. E logo que a tomou
meteu-a no beiço; e porque se lhe
não queria segurar, deram-lhe uma
pouca de cera vermelha. E ele
ajeitou-lhe seu adereço da parte de
trás de sorte que segurasse, e
meteu-a no beiço, assim revolta para
cima; e ia tão contente com ela,
como se tivesse uma grande jóia. E
tanto que saímos em terra, foi-se
logo com ela. E não tornou a
aparecer lá.
Andariam na praia, quando
saímos, oito ou dez deles; e de aí a
pouco começaram a vir. E parece-me
que viriam este dia à praia
quatrocentos ou quatrocentos e
cinquenta. Alguns deles traziam
arcos e setas; e deram tudo em troca
de carapuças e por qualquer coisa
que lhes davam. Comiam connosco do
que lhes dávamos, e alguns deles
bebiam vinho, ao passo que outros o
não podiam beber. Mas quer-me
parecer que, se os acostumarem, o
hão-de beber de boa vontade! Andavam
todos tão bem dispostos e tão bem
feitos e galantes com suas pinturas
que agradavam. Acarretavam dessa
lenha quanta podiam, com mil boas
vontades, e levavam-na aos batéis. E
estavam já mais mansos e seguros
entre nós do que nós estávamos entre
eles.
Foi o Capitão com alguns
de nós um pedaço por este arvoredo
até um ribeiro grande, e de muita
água, que ao nosso parecer é o mesmo
que vem ter à praia, em que nós
tomámos água. Ali descansámos um
pedaço, bebendo e folgando, ao longo
dele, entre esse arvoredo que é
tanto e tamanho e tão basto e de
tanta qualidade de folhagem que não
se pode calcular. Há lá muitas
palmeiras, de que colhemos muitos e
bons palmitos.
Ao sairmos do batel, disse
o Capitão que seria bom irmos em
direitura à cruz que estava
encostada a uma árvore, junto ao
rio, a fim de ser colocada amanhã,
sexta-feira, e que nos puséssemos
todos de joelhos e a beijássemos
para eles verem o acatamento que lhe
tínhamos. E assim fizemos. E a esses
dez ou doze que lá estavam,
acenaram-lhes que fizessem o mesmo;
e logo foram todos beijá-la.
Parece-me gente de tal
inocência que, se nós entendêssemos
a sua fala e eles a nossa, seriam
logo cristãos, visto que não têm nem
entendem crença alguma, segundo as
aparências. E, portanto, se os
degredados que aqui hão-de ficar
aprenderem bem a sua fala e os
entenderem, não duvido que eles,
segundo a santa tenção de Vossa
Alteza, se farão cristãos e hão de
crer na nossa santa fé, à qual praza
a Nosso Senhor que os traga, porque
certamente esta gente é boa e de
bela simplicidade. E imprimir- se-á
facilmente neles qualquer cunho que
lhe quiserem dar, uma vez que Nosso
Senhor lhes deu bons corpos e bons
rostos, como a homens bons. E o Ele
nos para aqui trazer creio que não
foi sem causa. E portanto Vossa
Alteza, pois tanto deseja
acrescentar a santa fé católica,
deve cuidar da salvação deles. E
prazerá a Deus que com pouco
trabalho seja assim!
Eles não lavram nem criam.
Nem há aqui boi ou vaca, cabra,
ovelha ou galinha, ou qualquer outro
animal que esteja acostumado ao
viver do homem. E não comem senão
deste inhame, de que aqui há muito,
e dessas sementes e frutos que a
terra e as árvores de si deitam. E
com isto andam tais e tão rijos e
tão nédios que o não somos nós
tanto, com quanto trigo e legumes
comemos.
Nesse dia, enquanto ali
andavam, dançaram e bailaram sempre
com os nossos, ao som de um tamboril
nosso, como se fossem mais amigos
nossos do que nós seus. Se lhes a
gente acenava, se queriam vir às
naus, aprontavam-se logo para isso,
de modo tal, que se os convidáramos
a todos, todos vieram. Porém não
levámos esta noite às naus senão
quatro ou cinco; a saber, o
Capitão-mor, dois; e Simão de
Miranda, um que já trazia por pajem;
e Aires Gomes a outro, pajem também.
Os que o Capitão trazia, era um
deles um dos seus hóspedes que lhe
haviam trazido a primeira vez quando
aqui chegámos - o qual veio hoje
aqui vestido na sua camisa, e com
ele um seu irmão; e foram esta noite
mui bem agasalhados tanto de comida
como de cama, de colchões e lençóis,
para os mais amansar.
E hoje que é sexta-feira,
primeiro dia de Maio, pela manhã,
saímos em terra com nossa bandeira;
e fomos desembarcar acima do rio,
contra o sul onde nos pareceu que
seria melhor arvorar a cruz, para
melhor ser vista. E ali marcou o
Capitão o sítio onde haviam de fazer
a cova para a fincar. E enquanto a
iam abrindo, ele com todos nós
outros fomos pela cruz, rio abaixo
onde ela estava. E com os religiosos
e sacerdotes que cantavam, à frente,
fomos trazendo-a dali, a modo de
procissão. Eram já aí quantidade
deles, uns setenta ou oitenta; e
quando nos assim viram chegar,
alguns se foram meter debaixo dela,
ajudar-nos. Passámos o rio, ao longo
da praia; e fomos colocá-la onde
havia de ficar, que será obra de
dois tiros de besta do rio.
Andando-se ali nisto, viriam bem
cento cinquenta, ou mais. Plantada a
cruz, com as armas e a divisa de
Vossa Alteza, que primeiro lhe
haviam pregado, armaram altar ao pé
dela. Ali disse missa o padre frei
Henrique, a qual foi cantada e
oficiada por esses já ditos. Ali
estiveram connosco, a ela, perto de
cinquenta ou sessenta deles,
assentados todos de joelho assim
como nós. E quando se veio ao
Evangelho, que nos erguemos todos em
pé, com as mãos levantadas, eles se
levantaram connosco, e alçaram as
mãos, estando assim até se chegar ao
fim; e então tornaram-se a assentar,
como nós. E quando levantaram a
Deus, que nos pusemos de joelhos,
eles se puseram assim como nós
estávamos, com as mãos levantadas, e
em tal maneira sossegados que
certifico a Vossa Alteza que nos fez
muita devoção.
Estiveram assim connosco
até acabada a comunhão; e depois da
comunhão, comungaram esses
religiosos e sacerdotes; e o Capitão
com alguns de nós outros. E alguns
deles, por o Sol ser grande,
levantaram-se enquanto estávamos
comungando, e outros estiveram e
ficaram. Um deles, homem de
cinquenta ou cinquenta e cinco anos,
se conservou ali com aqueles que
ficaram. Esse, enquanto assim
estávamos, juntava aqueles que ali
tinham ficado, e ainda chamava
outros. E andando assim entre eles,
falando-lhes, acenou com o dedo para
o altar, e depois mostrou com o dedo
para o céu, como se lhes dissesse
alguma coisa de bem; e nós assim o
tomámos!
Acabada a missa, tirou o
padre a vestimenta de cima, e ficou
na alva; e assim se subiu, junto ao
altar, em uma cadeira; e ali nos
pregou o Evangelho e dos Apóstolos
cujo é o dia, tratando no fim da
pregação desse vosso prosseguimento
tão santo e virtuoso, que nos causou
mais devoção.
Esses que estiveram sempre
à pregação estavam assim como nós
olhando para ele. E aquele que digo,
chamava alguns, que viessem ali.
Alguns vinham e outros iam-se; e
acabada a pregação, trazia Nicolau
Coelho muitas cruzes de estanho com
crucifixos, que lhe ficaram ainda da
outra vinda. E houveram por bem que
lançassem a cada um sua ao pescoço.
Por essa causa se assentou o padre
frei Henrique ao pé da cruz; e ali
lançava a sua a todos - um a um - ao
pescoço, atada em um fio,
fazendo-lha primeiro beijar e
levantar as mãos. Vinham a isso
muitos; e lançavam-nas todas, que
seriam obra de quarenta ou cinquenta.
E isto acabado - era já bem uma hora
depois do meio dia - viemos às naus
a comer, onde o Capitão trouxe
consigo aquele mesmo que fez aos
outros aquele gesto para o altar e
para o céu, (e um seu irmão com
ele). A aquele fez muita honra e
deu-lhe uma camisa mourisca; e ao
outro uma camisa destoutras.
E segundo o que a mim e a
todos pareceu, esta gente, não lhes
falece outra coisa para ser toda
cristã, do que entenderem-nos,
porque assim tomavam aquilo que nos
viam fazer como nós mesmos; por onde
pareceu a todos que nenhuma
idolatria nem adoração têm. E bem
creio que, se Vossa Alteza aqui
mandar quem entre eles mais devagar
ande, que todos serão tornados e
convertidos ao desejo de Vossa
Alteza. E por isso, se alguém vier,
não deixe logo de vir clérigo para
os baptizar; porque já então terão
mais conhecimentos de nossa fé,
pelos dois degredados que aqui entre
eles ficam, os quais hoje também
comungaram.
Entre todos estes que hoje
vieram não veio mais que uma mulher,
moça, a qual esteve sempre à missa,
à qual deram um pano com que se
cobrisse; e puseram-lho em volta
dela. Todavia, ao sentar-se, não se
lembrava de o estender muito para se
cobrir. Assim, Senhor, a inocência
desta gente é tal que a de Adão não
seria maior - com respeito ao pudor.
Ora veja Vossa Alteza quem
em tal inocência vive se se
convertera, ou não, se lhe ensinarem
o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos
perante eles beijar a cruz. E
despedimo-nos e fomos comer.
Creio, Senhor, que, com
estes dois degredados que aqui
ficam, ficarão mais dois grumetes,
que esta noite se saíram em terra,
desta nau, no esquife, fugidos, os
quais não vieram mais. E cremos que
ficarão aqui porque de manhã,
prazendo a Deus fazemos nossa
partida daqui.
Esta terra, Senhor,
parece-me que, da ponta que mais
contra o sul vimos, até à outra
ponta que contra o norte vem, de que
nós deste porto houvemos vista, será
tamanha que haverá nela bem vinte ou
vinte e cinco léguas de costa. Traz
ao longo do mar em algumas partes
grandes barreiras, umas vermelhas, e
outras brancas; e a terra de cima
toda chã e muito cheia de grandes
arvoredos. De ponta a ponta é toda
praia... muito chã e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do
mar, muito grande; porque a estender
olhos, não podíamos ver senão terra
e arvoredos -- terra que nos parecia
muito extensa.
Até agora não pudemos
saber se há ouro ou prata nela, ou
outra coisa de metal, ou ferro; nem
lha vimos. Contudo a terra em si é
de muito bons ares frescos e
temperados como os de Entre-Douro-e-
-Minho, porque neste tempo d'agora
assim os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infinitas. Em tal
maneira é graciosa que, querendo-a
aproveitar, dar-se-á nela tudo; por
causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto
que dela se pode tirar parece-me que
será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa
Alteza em ela deve lançar. E que não
houvesse mais do que ter Vossa
Alteza aqui esta pousada para essa
navegação de Calicute bastava.
Quanto mais, disposição para se nela
cumprir e fazer o que Vossa Alteza
tanto deseja, a saber,
acrescentamento da nossa fé!
E desta maneira dou aqui a
Vossa Alteza conta do que nesta
Vossa terra vi. E se a um pouco
alonguei, Ela me perdoe. Porque o
desejo que tinha de Vos tudo dizer,
mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é
certo que tanto neste cargo que levo
como em outra qualquer coisa que de
Vosso serviço for, Vossa Alteza
há-de ser de mim muito bem servida,
a Ela peço que, por me fazer
singular mercê, mande vir da ilha de
São Tomé a Jorge de Osório, meu
genro - o que d'Ela receberei em
muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa
Alteza.
Deste Porto Seguro, da
Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje,
sexta-feira, primeiro dia de Maio de
1500.
PÊRO VAZ DE CAMINHA
Trabalho e pesquisa de Carlos
Leite Ribeiro – Marinha Grande -
Portugal
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