A tuberculose acompanha o homem
desde a história conhecida. Existem
relatos dos médicos clássicos da
Grécia e de Roma sobre a doença e,
em estudos mais recentes,
pesquisadores encontraram lesões da
tuberculose em múmias do antigo
Egipto. Somente na segunda metade do
século XIX foi possível conhecer o
micróbio causador da doença, o
Mycobacterium tuberculosis, que foi
isolado pelo pesquisador alemão
Robert Koch em 1882. Por isso o
bacilo da tuberculose ficou
conhecido como bacilo de Koch (BK).
Sessenta e dois anos depois, em
1944, foram descobertos os primeiros
medicamentos capazes de eliminar o
bacilo da tuberculose.
Apesar de acompanhar a Humanidade há
muitos séculos, a tuberculose
continua sendo motivo de
preocupações até os dias de hoje. A
maior parte dos nossos medos em
relação à tuberculose se deve à
falta de informação, que ainda
temos, sobre as questões de saúde de
modo geral.
Cada ano, no dia 24 de Março,
o Dia Mundial da Tuberculose lembra
a necessidade de focarmos as nossas
atenções e recursos nos desafios
para vencer a tuberculose e nos
objectivos a traçar antes que seja
possível controlar esta doença
mortal com sucesso. O dia Mundial da
Tuberculose permite uma oportunidade
para reconhecermos aos
investigadores, trabalhadores de
Saúde e autoridades sanitárias que
fizeram grandes progressos na
compreensão da doença e no
desenvolvimento de novas e melhores
intervenções.
A tuberculose é uma doença
contagiosa, transmissível, que ataca
o homem e compromete principalmente
os pulmões, embora possa se
localizar em qualquer parte do
corpo. A transmissão se dá de pessoa
a pessoa, através da tosse, pela
qual o doente elimina bacilos no ar.
Os bacilos são aspirados por outra
pessoa e vão se instalar no pulmão,
onde podem desenvolver o foco
inicial da doença. No primeiro
contacto com o bacilo da tuberculose
não é comum que ocorra a doença. Na
grande maioria das vezes o organismo
consegue se defender bem nesse
primeiro contacto, conhecido como
primo-infecção.
A primo-infecção é mais comum
na infância, quando a criança começa
a ampliar o seu ambiente e a
conviver com outras pessoas, além de
seus familiares. Os sintomas da
primo-infecção são discretos e se
parecem com os do resfriado comum:
mal-estar, febre baixa e tosse. O
quadro dura perto de 2 semanas e a
criança logo melhora. Esta melhora
significa que o organismo criou
defesas contra o bacilo e dominou a
infecção. Os bacilos ficam
"adormecidos" no organismo da
pessoa, agora, infectada.
Infecção e doença são coisas
diferentes. A pessoa infectada é
aquela que se contaminou com o
bacilo da tuberculose, mas não
chegou a desenvolver a doença.
Doente é a pessoa que se contaminou
e apresenta os sintomas gerais da
tuberculose: febre, canseira,
emagrecimento, tosse e suadeira à
noite.
Nos casos em que a tuberculose
compromete outros órgãos que não
sejam os pulmões (tuberculose
extra-pulmonar), os sintomas vão
depender da localização da doença.
Na tuberculose intestinal podem
aparecer, além dos sintomas gerais,
queixas relacionadas com o aparelho
digestivo. Na tuberculose urinária
aparecem sintomas relacionados com o
aparelho urinário e assim por
diante.
É comum ouvir falar que sangue
na expectoração (hemoptise) é sinal
de tuberculose do pulmão. É
importante saber que não é só a
tuberculose que faz aparecer sangue
no catarro e, que nem sempre a
tuberculose "sangra". Ou seja, "nem
tudo que reluz é ouro...". A
hemoptise não significa maior
comprometimento do pulmão pela
doença. Sangue no catarro significa
apenas que a doença, em fase inicial
ou avançada, se localiza perto de
uma veia, por isso sangra.
Apesar de um esforço global a
Tuberculose (causada pela bactéria
Mycobacterium tuberculosis) continua
a matar mais de 2 milhões de pessoas
por ano. Estas mortes ocorrem em
cerca de 8 milhões de novos casos de
Tuberculose que se desenvolvem de um
reservatório estimado de cerca de 2
biliões de pessoas infectadas em
todo o mundo. Estes números mostram
claramente o sério problema que a
tuberculose levanta em todo o mundo.
O número crescente de doentes com
tuberculose é devido a vários
factores entre os quais a pandemia
de VIH/SIDA e o aparecimento de
estirpes resistentes aos
antibacilares o que, em vários
lugares limitou a eficácia dos
medicamentos usados para a
tuberculose.
Tendo em vista a redução do
crescimento da tuberculose vários
esforços foram feitos em todo o
mundo no sentido de desenvolver
medicamentos mais eficazes que
permitam encurtar os tratamentos e
torná-los menos complexos. A última
arma que poderá conter a epidemia
será uma vacina eficaz que possa
prevenir a infecção e o
desenvolvimento da doença.
Todos os investigadores de
tuberculose dependem da criação de
uma base sólida de conhecimento
científico acerca do M. tuberculosis
e uma compreensão de como a
tuberculose se desenvolve depois da
infecção com esta bactéria. O The
National Institute of Allergy and
Infectious Diseases (NIAID) tem um
papel importante nesta luta global
contra a tuberculose conduzindo e
suportando investigação que permita
compreender a tuberculose e passar
os conhecimentos de ciência básica
para a aplicação médica na
terapêutica, no diagnóstico e nas
vacinas. O NIAID suporta este
ambicioso projecto em colaboração
com parceiros de, entre outros, o
México, Brasil, Peru, Uganda,
Tanzânia e África do Sul.
Nos últimos anos estas
colaborações sinérgicas
multinacionais resultaram num enorme
retorno de compromissos na luta
contra a tuberculose, não só em
termos de resultados de investigação
mas também no desenvolvimento de
novas capacidades de investigação em
todo o mundo. Os avanços científicos
facilitaram a criação de novos
medicamentos, de novos regimes
terapêuticos e de substâncias
candidatas a vacinas que rapidamente
entraram em estudos no ser humano.
Por exemplo, três das novas vacinas
que foram desenvolvidas podem entrar
em estudos no homem e o valor dos
novos regimes terapêuticos foram
avaliados.
O NIH e os seus cientistas
conseguiram com sucesso transportar
os conhecimentos básicos na criação
de uma vacina, de novos medicamentos
e testes diagnósticos que apoiem uma
avaliação clínica. Agora, parcerias
com o sector privado podem ser muito
importantes para avaliar a
possibilidade de criar orientações
técnicas específicas para a produção
e avaliação desses projectos.
Portanto, com estas novas
intervenções que aumentam, devemos
poder avaliar com a comunidade
global dedicada à Saúde Pública como
é que esses produtos poderão
implementar e ser implementadas
pelas novas estratégias de controlo
da tuberculose.
Mas os números são alarmantes.
Daqui a duas décadas, nada menos que
35 milhões de pessoas vão morrer
vítimas da tuberculose. Além dos
mortos, outras 200 milhões de
pessoas vão adoecer, infectadas pelo
bacilo. O mal se alastra
principalmente entre os portadores
de Aids e nos países pobres. Ao
contrário do que muita gente pensa,
a tuberculose não é uma doença do
passado.
A cada segundo, uma pessoa se
contagia com o bacilo da
tuberculose, no mundo. Ao final de
um dia, quase nove mil pessoas
estarão fadadas a desenvolver a
doença. As estatísticas não deixam
dúvida e servem de alerta para o
problema. A própria Organização
Mundial de Saúde prevê uma
verdadeira tragédia nas próximas
duas décadas com quase um bilhão de
pessoas infectadas pelo bacilo
causador da tuberculose. Ao todo,
serão 200 milhões de doentes e 35
milhões de mortos.
Fonte: Maria de Lourdes Antunes, A.
Fonseca Antunes
Direcção Geral da Saúde, Lisboa,
Portugal.
Em Portugal construiu-se o
primeiro Sanatório para tratamento
da tuberculose (TB) em 1862 no
Funchal. Em 1899, a Rainha D. Amélia
patrocinou uma fundação com uma rede
de dispensários, hospitais,
sanatórios e preventórios onde
doentes e familiares e outros
conviventes de tuberculose eram
acolhidos para vigilância e
tratamento. Esta fundação tornou-se
um instituto público em 1946. A Luta
Contra a Tuberculose beneficiou
sempre de grande apoio político,
social e público e de generosos
financiamentos para toda a
assistência gratuita, incluindo o
fornecimento dos antibacilares mais
recentes: Estreptomicina que foi
introduzida em 1949, Rifampicina em
1966, e esquemas de tratamento curto
em 1979.
A vigilância epidemiológica
iniciou-se em 1951. O sistema de
avaliação evoluiu do processo manual
para um sistema de cartão perfurado
e depois para um processamento
rudimentar usando um computador
central. A ficha estandardizada
incluía dados sobre identificação
com local de residência, localização
da doença, extensão radiológica nos
casos pulmonares, resultados dos
exames bacteriológicos,
classificação como caso novo ou
recidiva, dados da vacina BCG e
teste de Mantoux assim como o
resultado do tratamento. Como os
casos eram tratados no sistema
público e só raramente no sector
privado, os dados estatísticos eram
fiáveis e representativos da
situação epidemiológica. Aceitava-se
que mais de 95% dos casos
diagnosticados e tratados eram
registados.
A integração do Programa
Nacional de Luta Antituberculosa nos
Cuidados de Saúde Primários, que se
fez formalmente em 1984, não foi
inteiramente satisfatória. O sistema
de notificação oficial foi mantido e
ainda fornece informação suficiente
de todos os doentes diagnosticados.
Relatórios anuais têm sido
publicados desde 1988 (1).
Em 1991 foi desenvolvido um
programa informático para melhorar o
sistema existente usando as
definições da Organização Mundial de
Saúde (2). Este programa permitiu
informação mais detalhada sobre os
casos, troca de informação mais
rápida e mais fácil e a
possibilidade de delinear medidas
correctoras à execução do programa.
A publicação das orientações
técnicas para o tratamento da TB
define um regime nacional de
tratamento com três a quatro
fármacos, Isoniazida, Rifampicina,
Pyrazinamida, Etambutol ou
Estreptomicina (HRZ/E ou S)
administrados diariamente sob
supervisão, onde possível, nos
primeiros dois meses, seguidos de
quatro meses de Isoniazida e
Rifampicina (HR) administrados
diária ou intermitentemente. Algumas
variações a este esquema básico são
admitidas. O diagnóstico é
confirmado por exame bacteriológico
directo e cultural, a identificação
da estirpe é feita em todos os casos
mas os testes de sensibilidade são
realizados apenas para os casos de
recidiva e nos insucessos
terapêuticos, isto é, nos casos que
mantêm baciloscopia positiva ao fim
de cinco meses de tratamento. Existe
um laboratório de referência
nacional, que é sobretudo
responsável pelo controlo de
qualidade. O exame histológico de
biopsias é especialmente usado nas
formas extrapulmonares. Na
prevenção, a vacinação pelo BCG, de
acordo com "Expanded Programe of
Immunization" da Organização Mundial
de Saúde, é feita em todos os recém
-nascidos e entre os 5 e 6 anos e os
11 e 13 anos de idade quando não são
reactivos ao teste de Mantoux. O
programa de prevenção da TB inclui
ainda o rastreio de grupos de alto
risco e de contactos de doentes
bacilíferos, com instituição de
quimioprofilaxia nas crianças com
menos de 5 anos de idade. O rastreio
dos contactos tem sido deficiente e
a quimioprofilaxia tem sido pouco
usada. A avaliação do programa de
prevenção da TB tem sido
implementada, mas os progressos são
lentos.
A TB continua a ser um
problema importante de saúde pública
em algumas regiões de Portugal
apesar dos avanços já conseguidos.
Observou-se um declínio médio anual
de 9% no final da década de 60 e
início da de 70 (1). A revolução, a
degradação social e o regresso em
massa de cerca de 500 000 cidadãos
das ex-colónias de África em
precárias condições socioeconómicas
e vindas de regiões com alta
prevalência de TB, aumentou o número
de casos em 1975 com manutenção nos
anos seguintes, apesar dos regimes
de tratamento adequados,
fornecimento de medicamentos eficaz
e orientações técnicas específicas.
A Tuberculose em Portugal
Em 1994, 75% dos 5619 casos
notificados em Portugal, diziam
respeito a apenas cinco distritos -
Aveiro, Braga, Lisboa, Porto e
Setúbal, todos no litoral. Os
distritos de Lisboa e Porto contam,
cada um, com cerca de 25% do total
(figura 2). A doença é muito menos
comum no interior, onde, nas
crianças a incidência é ainda muito
mais baixa.
Os casos no sexo masculino contaram
com 65% do total. A incidência
específica por grupos etários foi
francamente maior nos grupos dos
adultos jovens, como se verifica nos
países em desenvolvimento, com taxas
também elevadas nos idosos, segundo
um padrão de distribuição que se
mantém sobreponível ao dos últimos
cinco anos (figura 3).
A cobertura vacinal pelo BCG nos
recém-nascidos elevou-se, a nível
nacional, para 91% a par da melhoria
de outros importantes indicadores de
saúde infantil. A incidência da TB
nas crianças com menos de 15 anos
foi de 21/100 000 enquanto a da
população geral foi de 51/100 000.
A confirmação bacteriológica
foi obtida em 63% dos casos em geral
e em 74% dos casos de localização
pulmonar. A incidência de casos
bacilíferos foi de 23/100 000, sendo
de 24/100 000 em Lisboa e 37/100 000
no Porto. O distrito do Porto
apresenta a pior situação
epidemiológica do país, com taxas
muito elevadas em algumas freguesias
da cidade e algumas comunidades
pobres piscatórias ou industriais. A
análise epidemiológica revela a
existência de fontes de infecção
ocultas nestas comunidades,
responsáveis pela transmissão da
doença apesar da elevada taxa de
cura registada neste distrito (83%).
Os casos de recidiva foram cerca de
10% do total, tal como nos anos
anteriores. Nas crianças com menos
de 5 anos foram diagnosticados um
caso de TB miliar e sete de
meningite tuberculosa, tendo um
falecido durante o tratamento. Nos
menores de 15 anos ocorreram 15
casos de meningite tuberculosa
enquanto que em 1992 e 1993 a
incidência foi de 5 casos/ano. A
incidência de meningite teve um
acréscimo de 1,6 vezes e a da TB
miliar duplicou na população em
geral com especial concentração nos
grupos etários entre 25 e 44 anos
onde ocorreram 50% dos casos. Estes
casos estão principalmente
relacionados com a SIDA, uma vez que
as duas doenças estão altamente
relacionadas em Portugal. A TB
ocorreu em 54% dos 567 casos de SIDA
diagnosticados em 1994. Em Lisboa, o
distrito mais afectado pela epidemia
da SIDA, 15% dos 1256 casos de TB
foram HIV positivos. Dos casos de
tuberculose associada a SIDA, 82%
têm idades entre os 25 e os 44 anos,
sendo 52% toxicodependentes, 24%
homossexuais e 21% homo/bissexuais.
A proporção destes grupos na SIDA
isoladamente é de, respectivamente,
40, 33 e 21%.
A taxa de mortalidade por
tuberculose foi de 2,5/100 000 ou
seja 242 casos, tendo na maior parte
mais de 55 anos.
A análise por corte revelou uma taxa
de cura de 71% a nível nacional,
3,8% foram perdidos de vista e 1,3%
tornaram-se casos crónicos.
Um estudo prospectivo sobre
resistência às drogas começou em
1995, proposto e patrocinado pela
Organização Mundial de Saúde.
Os resultados preliminares dos 634
doentes avaliados, mostrou que 3,5%
dos casos em que se identificou o
Mycobacterium Tuberculosis
apresentaram multirresistente ou
seja, resistência a pelo menos à
Isoniazida e à Rifampicina.
Conclusões
A integração incompleta e
deficientemente planeada do Programa
de Luta Antituberculosa nos Cuidados
de Saúde Primários pode ter
contribuído para o atraso da solução
do problema da TB, a par da lenta
recuperação económica ao esforço da
guerra de África e a migração
subsequente para bairros degradados
e superlotados das grandes cidades
do Litoral. Como a TB continua um
importante problema de saúde em
Portugal, necessita de uma forte
intervenção da Saúde Pública a nível
local e distrital nas áreas mais
afectadas, particularmente nos
distritos de Lisboa e Porto.
Portugal é o pior da Europa
Portugal continua a ser o país da
Europa ocidental com a maior
incidência de tuberculose, apesar de
ter registado uma descida do número
de casos no ano passado, indicam os
dados divulgados pela Direcção-Geral
de Saúde (DGS), a propósito do Dia
Mundial da Tuberculose que
quinta-feira se assinala.
A doença está longe de ter o impacto
de outros tempos, mas fenómenos como
a toxicodependência e a infecção de
VIH/Sida têm criado novos entraves
ao seu combate.
No último ano a tuberculose matou
dois milhões de pessoas em todo o
mundo.
Como motivo para algum optimismo
fica a notícia da descida do número
de novos casos em Portugal em 2004,
bem como uma «redução significativa
do problema da multi-resistência».
Segundo a DGS, foram notificados no
ano passado 3 511 casos novos e 271
casos recorrentes (incluem os casos
de reincidência, os casos
recuperados após insucesso e após
interrupção ou abandono do
tratamento).
No mesmo período foram notificados
33,7 novos casos de tuberculose por
cada cem mil habitantes, mantendo-se
«a tendência decrescente nas últimas
décadas».
Segundo a DGS, a situação é
«preocupante» nas grandes áreas
metropolitanas de Lisboa, Porto e
Setúbal.
Estes três distritos - que têm em
comum taxas de incidência médias
anuais superiores a 40 casos por 100
mil habitantes - concentram a maior
parte dos casos.
O ritmo de declínio da doença nestes
distritos é ainda «muito lento»,
incidindo «com particular
intensidade os mais determinantes
factores de risco, com consequente
impacto negativo no sucesso
terapêutico e aumento da resistência
aos fármacos».
A DGS apurou «uma redução global» da
tuberculose enquanto doença endémica,
ou seja, com causas exclusivamente
locais, com uma «evidente redução da
prevalência da resistência aos
antibióticos específicos».
A DGS frisa que «a tuberculose é uma
emergência global, encontrando-se
sem controlo em muitas partes do
mundo».
Em todo o mundo, ocorrem anualmente
nove milhões de novos casos de
tuberculose, dos quais dois milhões
são fatais.
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite
Ribeiro – Marinha Grande - Portugal