Dia de Santo António - 13 de Junho

Chamam a Santo António (o santo Casamenteiro)

 

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro

 

Arte Final: Iara Melo

 

 

 

 

 

 

Na noite de 12 para 13 de Junho, Lisboa vai para a rua comemorar o Dia de Santo António !

Nos bairros tradicionais, organizam arraiais populares. Na Avenida da Liberdade, entre o Marquês de Pombal e os Restauradores (1 Km) desfilam as Marchas Populares do Bairros. É luz, é alegria, são lindos os trajos dos marchantes. Não tem a sumptuosidade dos desfiles carnavalescos do Brasil, mas são muito bonitos.

Para terem uma melhor percepção do que são estas marchas, podem ir até ao meu site:

http://www.carlosleiteribeiro.caestamosnos.org/Marchas_Populares/Lisboa.html



SINFONIA DE LISBOA

 Música de Raúl Ferrão - Versos de Norberto de Araújo         
"Lisboa é sempre / Namoradeira, / Tantos derriços / Que até fazem já fileira.
Não digas sim, / Não me digas não; / Amar é destino, / Cantar é condão
Uma cantiga, / Uma aguarela, / Um cravo aberto / Debruçado da janela / Debruçado da janela. / Lisboa linda,
/ Do meu bairro antigo, / Dá-me o teu bracinho, / Vem bailar comigo
(Estribilho – refrão)
Lisboa nasceu / Pertinho do céu / Toda embalada na fé. / Lavou-se no rio, / Ai, ai, ai, menina / Foi baptizada na Sé.
Já se fez mulher / E hoje o que ela quer / É trovar e dar ao pé. / Anda em desvario / Ai. Ai. Ai, menina /

Mas que linda que ela é !.
Ó noite de Santa António ! Ó Lisboa de encantar ! / De alcachofras a florir / De foguetes a estoirar./
Enquanto os bairros cantarem, / Enquanto houver arraiais, / Enquanto houver Santo António / Lisboa não morre mais.
Toda a cidade flutua / No mar da minha canção / Passeiam na rua / Retalhos da lua / Que caem do meu balão. /
Deixem Lisboa folgar, / Não há mal que me arrefeça, / A rir, a cantar, / Cabeça no ar, / Eu hoje perco a cabeça.

 

Lenda de Santo António
Diz a lenda, que numa pequena aldeia, havia uma imagem de Santo António milagroso. Uma rapariga habitante de lá da aldeia, depois do seu casamento, colocou nos ombros de Santo António, um manto azul bordado a ouro que prometera. O casamento não lhe trouxe a felicidade que tanto desejara, pois o marido era mais velho que ela e tratava-a mal. O tempo passou e o casal acabou por ter uma menina. Com oito anos, a menina já se tinha apercebido da infelicidade vivida entre os seus pais. Um dia, cansada de ouvir os gritos do pai e de ver a sua mãe a chorar, resolveu dirigir-se ao nicho de Santo António. A menina ajoelhou-se perante o santo e prometeu que se Ele tornasse a sua família feliz, nunca lhe faltariam flores aos pés. Uns minutos mais tarde, um homem aproximou-se dela e perguntou-lhe porque chorava, dizendo-lhe também que tinha fome e cansaço. Sem hesitar, a menina conduziu e acompanhou o homem até sua casa. Como de costume, o pai não gostou do gesto da filha. O homem, vendo a situação, dirigiu-se ao pai da menina e disse-lhe que estava a agir mal para com a mulher e a filha e que o melhor que tinha a fazer, era ajudá-las enquanto preparavam o jantar em silêncio. O pai da menina assim fez e quando os três voltaram da cozinha, não viram o homem, apenas viram uma pequena e brilhante imagem de Santo António, igual á imagem que se encontrava no nicho. Desde esse dia, por ter reinado paz naquela casa, o homem desconhecido ficou a ser reconhecido como o Santo António casamenteiro.


          Na noite de Santo António,
          É que se tomam amores,
          Que está o trigo granando,
          E o campo cheio de flores.

          Ó meu rico Santo António,
          P'ro teu altar dou dinheiro
          Arranja-me um lindo par,
          Pois não quero ficar solteiro.
         
          Ó meu Padre Santo António,
          Casai-me que bem podeis,
          Com um moço de vinte anos,
          Que eu já tenho dezasseis.

          Ó meu rico Santo António
          Meu Santo casamenteiro,
          Casai as minhas amigas
          Mas casai-me a mim primeiro. 


Conhecido, carinhosamente, como Antoninho, Santo António tem fama de casamenteiro. Dizem que as simpatias evocadas em seu nome dão certo. Claro que tudo isso faz parte das superstições bem características do povo brasileiro. Talvez pela mistura de raças e crenças, não sabemos, mas a posição que temos diante dessas brincadeiras, vamos chamar assim, é a grande necessidade das pessoas conseguirem uma fórmula para tudo na vida.
          1 – Quem deseja descobrir o nome do futuro companheiro deve comprar um facão e, à meia-noite do dia 12 de junho, cravá-lo numa bananeira. O líquido que escorrer da planta deve formar a letra do futuro amor.
          2 – Uma das mais antigas tradições diz que, para descobrir o futuro companheiro, é preciso escrever os nomes dos candidatos em vários papéis. Um deles deve ser deixado em branco. À meia-noite do dia 12 de junho, eles devem ser colocados em cima de um prato com água, que passará a madrugada ao relento. No dia seguinte, o que estiver mais aberto indicará o escolhido.
          3 – Aqueles que têm pressa em arranjar um namorado devem comprar uma pequena imagem do santo. E para agilizar a conquista do pedido, fazer dois procedimentos: tirar o Menino Jesus do colo do religioso, dizendo que só devolverá quando conseguir um namorado, ou ainda, virar o Santo António de cabeça para baixo.
          4 – O mais afoito tem ainda outro recurso. Deve ir a um casamento e dar de presente aos noivos uma imagem de Santo António, sem o Menino Jesus. Depois, pedir no altar para se casar com alguém, especial ou não. Assim que a graça for alcançada, deve retornar à igreja e lá depositar a imagem do Menino Jesus.
          5 – Os que já estão acompanhados, mas ainda não subiram no altar, também possuem práticas específicas. A pessoa deve amarrar um fio de cabelo seu ao do namorado. Eles devem ser colocados aos pés do santo, que, logo, logo, resolve a questão.
          6 – À meia-noite do dia 12 de junho, quebre um ovo dentro de um copo com água e o coloque no sereno. No dia seguinte, interprete o desenho que se formou. Se aparecer algo semelhante a um vestido de noiva, véu ou grinalda, o casamento está próximo.
          7 – Para a pessoa saber se o futuro companheiro será jovem ou mais velho, é preciso arranjar um ramo de pimenteira. De olhos fechados, ela deve pegar uma das pimenteiras. Se a escolhida for verde, ele será jovem. Caso contrário, o casamento acontecerá com alguém de idade avançada.
          8 – A tradição popular acredita que há uma forma especial de fazer as pazes entre casais brigados. Para isso, é preciso um cravo e uma rosa. Os talos devem ser amarrados juntos com uma fita verde, na qual serão dados 13 nós. Durante o procedimento, o devoto deve pensar que Santo António vai uni-los outra vez.
          9 – Para descobrir se falta muitos anos para a grande data, na véspera do dia 13 de junho, à meia-noite, amarre uma aliança – que pode ser de qualquer parente – numa linha ou num fio. Coloque um copo sobre a mesa e segure o fio de modo que a aliança esteja dentro do copo. Pergunte, então, quantos anos faltam para o casório. O número de batidas informa quantos anos ainda restam para o Dia D. 
          
Santo António de Pádua também é conhecido como Santo António de Lisboa, cidade em que nasceu no ano de 1195. Foi registrado e baptizado com o nome de Fernando de Bulhões y Taveira de Azevedo. A mãe dele chamava-se Maria Teresa de Taveiro e o pai, Martinho de Bulhões. Foi contemporâneo de são Francisco de Assis. 
António ou Fernando de Bulhões foi cónego regular em Portugal até os 25 anos, quando soube que cinco frades franciscanos tinham sido martirizados em Marrocos por causa da tentativa de evangelizar pessoas que não tinham fé em Deus. Conta-se que ele decidiu seguir esses religiosos, como missionário. 
Ele entrou na ordem dos frades franciscanos e, pouco tempo depois, foi enviado para a missão entre muçulmanos de Marrocos. Mas, com problemas de saúde, foi obrigado a retornar para a Europa, vivendo na Itália, onde foi professor e orador, visitando regiões também da França, para pregar o Evangelho. 
Dizem que António sabia de cor todos Evangelhos (são quatro: de São Mateus, São João, São Marcos e São Lucas). Em 1231, no auge de sua missão de pregador, foi acometido uma doença inesperada e morreu, em 13 de junho daquele mesmo ano, aos 36 anos. Foi canonizado pelo papa Gregório IX em 30 de maio de 1232. É um santo muito popular principalmente na América Latina. Os católicos recorrem a ele para que interceda por matrimónios e para encontrar objectos perdidos. 
Santo António de Pádua (ou de Lisboa) - Do "O Mensageiro de Santo António". A mãe dele chamava-se Maria Teresa de Taveiro e o pai, Martinho de Bulhões. 
Em 15 de agosto de 1195 foi de grande alegria para a família Bulhões quando se anunciou: "Nasceu o Bebé. É um menino!" Todos queriam - ao menos um pouquinho - pegá-lo ao colo. Não demorou muito e os pais levaram-no à pia baptismal. Moravam bem perto da Catedral da Sé de Lisboa. Era só atravessar a rua. Deram-lhe o nome de Fernando, Fernando de Bulhões. Os pais eram gente boa, de fé cristã, de posses e também preocupada com a educação dos filhos em todos os sentidos. Por isso, chegando à idade escolar, Fernando começou a frequentar a Escola dos Cónegos da Catedral de Lisboa. Ali, junto com as ciências propriamente escolares, ele teve uma profunda educação religiosa, de acordo com o seu tempo. Seus pais, muito religiosos, seguiam-no com muito carinho. Mas não deixaram de ficar surpresos quando, numa tarde, voltando das aulas - já tinha 15 anos - Fernando, meio sério, meio emocionado, disse: 
- Mãe, eu vou ser padre! 
À noite, quando o pai chegou e soube da conversa de Fernando com a mãe, chamou-o de lado e lhe disse: 
- Filho, você sabe o que está fazendo? Eu sempre sonhei para você carreira militar. Você sabe: eu sou oficial do exército. A nossa família é descendente dos primeiros cruzados que iam à Terra Santa libertar os lugares sagrados onde Jesus viveu, morreu e ressuscitou. Por que você não segue a carreira de Cavaleiro? Vai lhe dar muita fama. E também dinheiro, é claro. Aliás, dinheiro não é problema. Eu pago todos os estudos que for preciso fazer. Fernando ficou um momento em silêncio e abaixou a cabeça. Depois, olhou para o pai, olhou para o teto da casa como que procurando as melhores palavras para esclarecer que a sua decisão tinha sido amadurecida durante muito tempo, a sua decisão era firme e não era nenhuma ilusão. Ficaram - pai e filho - conversando por mais de uma hora. A mãe também entrou na conversa. Finalmente ficou decidido que o jovem Fernando iria, no fim do Verão, entrar para o seminário dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, ali mesmo, na periferia da cidade de Lisboa, num lugar chamado São Vicente de Fora. E de facto entrou. Foram mais ou menos 10 anos de estudos. Aliás, não só de estudos, mas também de lutas, sacrifícios, dúvidas e tentações. Com efeito, embora os pais não quisessem contrariar o filho, também não escondiam que ficariam bem mais contentes (pobre pensar humano, tão distante do pensar de Deus!) se Fernando se preparasse para ser cavaleiro, a profissão em moda na época. Pais são sempre pais: um pouco... bastante egoístas! Querem decidir pelos filhos. Pensam que o que eles mesmos querem é que vai fazer a felicidade dos filhos. Um biógrafo de Santo António escrevia: "...O pai que sonhara para este filho um luminoso futuro de cavaleiro nunca teria imaginado que a vocação abraçada pelo filho lhe procuraria uma glória, também terrena, que jamais teria alcançado na carreira que seu pai tanto desejava e sonhava" (Santo António de Pádua, Pádua, 1977, p.3). Nesses tempos - por incrível que pareça - os pais e amigos faziam força e torciam para que Fernando desistisse do seminário. Inclusive, sendo Fernando um jovem bonito e simpático, as moças e jovens da época assediavam-no insistentemente com tentativas de namoricas, noivados e ... até casamento. Foram anos difíceis para Fernando, mas anos também fecundos que o fizeram reflectir sobre sua vocação. Foram anos que acabaram por iluminar e fortalecer o seu querer e por levá-lo a acertar os passos. Perseverou. Renunciou a muita coisa, e tudo para abraçar a Deus e seu serviço. Ao terminar os estudos de filosofia, teve que tomar uma decisão: a bem de sua vocação, para ter um pouco mais de paz e de tempo para seus estudos, de acordo com seus superiores, deixou sua cidade natal (Lisboa) e foi para Coimbra, naquela época capital do Reino de Portugal. Ali havia uma abadia dos Agostinhos: o Mosteiro de Santa Cruz. 
Em Coimbra, o jovem Fernando fez seus estudos de Teologia e foi ordenado sacerdote. Foi uma festa e tanto! Pais e parentes vieram e amigos chegaram de todas as partes para abraçar aquele jovem que estava alcançando uma etapa importante na vida. Passados os dias de festa, Fernando continuou os estudos e foi se especializando, sobretudo nas Sagradas Escrituras de que ele tanto gostava. Lendo hoje os seus "Sermões",* percebe-se a sua grande profundidade e familiaridade com a Bíblia Sagrada. Graças também, é claro, a esses anos passados em severos estudos sob os arcos do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Já então padre, Fernando estudava muito. Um certo dia, vêm bater à porta do convento 5 pessoas. Este encontro haveria de marcá-lo profundamente. Aliás, daria uma volta de 180 graus em sua vida. Eram 5 frades franciscanos: frei Otto, frei Berardo, frei Acúrsio, frei Adiuto e frei Pedro. Estavam ali em Coimbra vindos da Itália, mandados por um tal frei Francisco de Assis, homem mui santo, "católico e todo apostólico". Viviam no alto de um morro ali perto, chamado Santo Antão dos Olivais (onde até hoje há um convento em que vivem os frades menores conventuais), no meio do mato, numa casinha humilde, preparando-se na oração e na penitência para uma "aventura" missionária na África. Mais exactamente, iriam a Marrocos, entre os muçulmanos para pregar o Evangelho. Levavam ainda vivas no coração as últimas palavras do seráfico Pai Francisco: "Vão e anunciem aos homens a paz e a penitência para o perdão dos pecados. Sejam pacientes na perseguição, certos de que o Senhor cumprirá o seu desígnio e manterá as suas promessas. Respondam com humildade a quem lhes perguntar, abençoem a quem os perseguir, agradeçam a quem os injuriar e caluniar, porque em troca nos é preparado o reino eterno". E ressoavam lhes ainda, no ouvido e na alma as palavras que cada um, prostrado aos pés do Pobrezinho e por ele abraçado, o ouviu dizer: "Coloque a sua confiança no Senhor e ele o haverá de sustentar"... (1 Cel.12,29). Aqueles 5 fradinhos vieram ao Mosteiro de Santa Cruz a fim de pedir esmola em forma de comida. Hábitos singelos, pés no chão, simplicidade, alegria... pobreza. Tudo aquilo impressionou por demais o padre Fernando que, imediatamente, os convidou a entrar e os levou ao refeitório para partilharem da mesa comum. Tais encontros se repetiram várias vezes. Fernando sempre aproveitava para pedir informações, especular sobre a vida deles, sobre o tal frei Francisco de Assis que vivia lá na Itália, mas cuja fama já chegara a Portugal como fundador de um grupo de "irmãos penitentes". Algumas vezes, mais tarde, chegou até a visitá-los lá em cima no morro de Santo Antão dos Olivais. Um dia os frades partiram. Partiram para a África. Viu, os cinco, alegres, pés no chão a desaparecerem na última curva da estrada que os levaria a Lisboa e, dali, para Marrocos. Mas a imagem viva daqueles fradinhos passou dos olhos para o coração do monge Fernando. Aquela vida, pobre e singela, alegre e cheia de simplicidade e fé, contrastava com a sua que lhe parecia, então, tão medíocre, cómoda, longe dos problemas do povo cristão e não cristão. Algo de novo começou a brilhar. Primeiro, no pensamento. Depois, no coração. E o monge Fernando passou a reflectir... 
Em Fevereiro de 1220. Uma notícia corre de boca em boca por toda Coimbra. E chega também aos ouvidos de Fernando. Cinco missionários franciscanos que tinham ido à África, estavam de volta... mortos! Após cruéis sofrimentos, tinham sido assassinados por pregarem o Evangelho de N.S.Jesus Cristo em terras de África. As relíquias deles tinham sido piedosamente recolhidas pelos cristãos e, por ordem do irmão do rei de Portugal, transportadas para Coimbra a fim de serem veladas na Igreja de Santa Cruz, junto ao mosteiro onde vivia Fernando. Este, ao saber da notícia, falava consigo mesmo: "Não, não é possível! Eu os vi partirem sorridentes e alegres dois meses atrás. E agora estão mortos! Não posso acreditar!..." Bem depressa correu ao encontro da procissão que se aproximava da igreja, ao repicar de sinos que mais pareciam de festa do que de luto. E lá vinham sendo transportados com singela devoção cinco caixões trazendo os cinco corpos dos primeiros mártires franciscanos. Fernando os acompanhou. Olhava, silencioso e meditativo, para aqueles cinco corpos inertes mas palpitantes de uma viva mensagem: tinham dado a vida pela fé em Jesus Cristo! Frei Otto era tão simples e bom! Frei Berardo, o superior, sempre sorridente! Frei Acúrsio, tão disposto e disponível para qualquer obra! Frei Adiuto, alto, magro, tão dado à oração! Frei Pedro sempre ocupado, sempre fazendo alguma coisa! A partir daí, algo que já anteriormente lhe brotara no coração, ia tomando contornos mais precisos, ia começando a se delinear de forma mais clara: "Eu também quero ser missionário. Eu também quero ser mártir. Eu também quero derramar meu sangue por Jesus. Eu também quero pregar o Evangelho aos povos pagãos. Não quero ficar mais aqui fechado entre as paredes do mosteiro. Mas como?..." Esta última pergunta atormentava a mente e o coração de Fernando. "Mas como?"... 
Um dia, vieram bater à porta do mosteiro os franciscanos de Santo Antão dos Olivais. Fernando aproveitou então para abrir-lhes a mente e o coração e revelar-lhes um sonho que há meses vinha acariciando: ele queria ser missionário, queria pregar o evangelho de N.S.Jesus Cristo a povos que não O conhecessem. Possivelmente em Marrocos, para onde eles tinham-se dirigido e de onde tinham voltado como mártires da fé. Para tanto Fernando interrogava-os sobre a possibilidade de se tornar franciscanos, a fim de realizar esse seu projecto. Foram dias de muito diálogo, de muitas dificuldades, de muitos problemas, interiores e exteriores. O próprio superior do Mosteiro de Santa Cruz não entendia aquela atitude de Fernando. No fim, porém, convencido da sinceridade e lealdade do jovem monge, deu - lhe a licença pedida. Fernando vestiu o hábito franciscano e abandonou para sempre o mosteiro de Santa Cruz. Então, deixou o nome civil de Fernando e passou a chamar-se António. Era o início de uma vida nova. Meio desapontado, sem nem mesmo saber o que dizer, frei António despediu-se dos frades e daquele grupinho de cristãos africanos tão simpáticos, alegres e prestativos. Subiu ao navio que deveria atravessar o Mar com destino a Lisboa. Mudo, a contemplar o movimento ondulado das águas, enquanto a embarcação se afastava do porto, seu olhar ia longe, para além daquela paisagem de casinhas brancas do litoral à sua frente. 
"Será que acabou tudo para mim?", perguntava-se. 
E fez-se noite. Frei António retirou-se para descansar. A viagem seguiu tranquila por vários dias. Já estavam acima da cidade de Tanger, às portas do Estreito de Gibraltar, diante do Mar Mediterrâneo, quando uma violenta tempestade de vento, seguida de trovões e uma chuva torrencial, levou a frágil embarcação à deriva. O capitão, marinheiro hábil e experiente, deu ordens para que a nau se dirigisse ao largo, evitando aproximar-se da costa para não bater contra as rochas do litoral. E assim foi-se o navio, mar Mediterrâneo adentro, qual casca de noz levada a solavancos pelas águas agitadas do oceano bravio. Por vários dias ficaram à mercê das ondas. Mais um fato que deixava frei António intrigado com o plano de Deus! Mais uma vez ele se vê à beira da morte, no perigo quase certo de ser agora tragado pelas ondas do mar. Como se sentiu pequenino diante do gigantesco poder do mar! E como saiu espontâneo do profundo íntimo do seu ser: "Senhor, ajudai-me. Senhor, ajudai-nos!". Todos, viajantes e tripulação, estavam apavorados. Até os marinheiros mais velhos e experientes juravam jamais ter visto tempestade semelhante. Frei António - já perturbado por tantos fatos, que nós chamamos sinistros, acontecidos nos últimos meses de sua vida, - ainda conseguia ter forças para aconselhar, animar e a acalmar os companheiros de viagem. Grande foi o alívio quando, ao amanhecer do dia, o sol começou a aparecer na linha do horizonte e as águas, mansas de novo, a se oferecerem de espelho para o astro rei. Maior foi a alegria quando puderam divisar ao longe os contornos de um porto e de uma cidade. Um grito de júbilo saiu do peito de todos os passageiros. O dia tinha serenado e envolvia na mesma paz as águas verde-profundas do oceano. O navio deslizava mansamente como se estivesse chegando à própria casa. Só que ele não chegara à Espanha. Menos ainda a Portugal. Batido pelo vento, levado pelas correntezas marítimas, chegara às costas da Ilha da Sicília, na Itália. O navio tinha atravessado - sem perceber - quase todo o Mar Mediterrâneo. Tendo chegado sãos e salvos ao porto de Milão, todos davam graças a Deus. Sentiam-se renascidos. Também frei António. Estavam em terra firme, mas... em terra estrangeira. 

No início de abril de 1221, a primavera italiana - na Sicília - estava extremamente generosa: flores, sol e o povo a cantar e a receber carinhosamente os passageiros salvos da tempestade. Frei António, em italiano misturado ao português, informa-se e, mais ou menos, fica sabendo que não muito longe dali, na cidade chamada Messina, havia um convento de franciscanos. Aproveitando da bondade de uma família que o acolhera gentilmente, pegou seu alforje e partiu rumo à casa religiosa. Foi uma bênção do céu. Frei António contou toda sua história desde Coimbra até a África e depois a tempestade, talvez mais com gestos do que com palavras, pois ainda não sabia o italiano, que aos poucos, sobretudo, nas regiões mais longínquas, ia se afastando do latim, língua dos centros mais cultos. Os frades o acolheram como irmão e como novo membro da comunidade. À medida em que os dias iam passando, ele sentia que também as forças lhe voltavam. Um dia, durante a refeição, frei António ouviu que o Seráfico Pai Francisco, voltando de uma longa viagem, havia convocado para Assis os frades de todas as partes do mundo de então. Era o assim chamado Capítulo da Ordem. Iria se realizar em fins de maio, na festa de Pentecostes. António até parou de comer. Uma sensação de alegria tomou conta de seu íntimo. "Que lindo!", dizia para si mesmo. "Poder encontrar-me com os frades do mundo inteiro!... Com Francisco de Assis!... É uma graça grande demais!..." António não podia perder a ocasião. O entusiasmo que a notícia-convite lhe despertou fê-lo sentir-se também plenamente restabelecido da saúde. Queria ir até Assis. A pé. Os frades, porém, mais prudentes, aconselharam-no a ir, juntamente com o superior mais ancião, de navio, saindo de Messina, passado por Napolis e até Anzio. Contra a vontade, frei Antônio aceitou, contando que fosse a Assis. Os demais frades, mais ou menos 20 dias. Tal era o costume da gente pobre daquele tempo. E assim aconteceu.... Tudo tinha sido tão inesperado. Tão de repente. Frei António, no final da grande reunião dos frades chamada Capítulo das Esteiras, estava sozinho, num canto de sua cabana, pensativo e meditando sobre o que tinha acontecido naqueles dias. De repente, ele sente alguém puxar-lhe pela manga do hábito. Gira-se e vê frei Graciano, Superior dos frades da região de Romana que, com delicadeza, lhe pergunta o nome, a proveniência, seus planos. E frei António, resumidamente, lhe conta sua história de monge ... frade ... desejo de martírio ... doença... tempestade... desembarque na Sicília. 
- E os seus planos?, pergunta frei Graciano. 
- Planos? responde frei António. Na verdade, eu não tenho plano nenhum. Sinto-me bastante confuso. Eu queria mesmo é ser mártir da fé na África. Fracassei... e agora nem sei o que fazer, para dizer a verdade. 
- Eu sei!, atalhou frei Graciano. 
- Mas eu não conheço o povo daqui, não sei direito a língua, começou a objectar frei António. 
- Você é padre? Perguntou frei Graciano. 
- Sou. Pela graça de Deus eu sou sacerdote. 
- Então, para alguma coisa você serve. Se chegou a ser padre, você vai conseguir também conhecer a gente daqui, os costumes, a língua... Já sei! Você vai comigo para a minha Província da Romania. 
E sem que frei António pudesse esboçar um... ali !, o superior, em voz alta, a seus frades que naquele momento o estavam procurando para combinarem juntos o dia da volta, foi dizendo: 
Irmãos! Olhem aqui o que nós ganhamos: mais um frade para nossa família! 
No mesmo instante, frei António se viu rodeado e abraçado por uns dez frades numa algazarra digna de velhos conhecidos. 
No dia seguinte todos deixaram a planície de Assis e se dirigiram ao norte, rumo a Romania, nos montes Apeninos. Durante a caminhada sempre a pé - a amizade entre os frades e Frei António foi crescendo. Sabendo que ele era padre, seis frades que moravam num pequeno convento em cima de um morro - hoje o famoso convento de Monte Paulo - perto da cidade de Forli - pediram ao superior que deixasse frei António ir morar com eles, ao menos para rezar a missa. Frei Graciano, o superior, que durante a viagem vinha pensando o que fazer com aquele frade que lhe parecera tão tímido e medroso, desengonçado e inculto, aquiesceu imediatamente. 
Para lá foi frei António. Como já dissemos, o convento situava-se num lugar solitário, em cima do Monte Paulo, a uns 400 metros de altura, no meio de um bosque de pinheiros, onde havia muitas grutas de pedra. Os frades ocupavam a maior parte do dia e da noite na oração, mas não deixavam de cultivar a terra cuidando da horta, do jardim e da criação de alguns animais domésticos. E frei António entra no mesmo ritmo de vida: reza, cuida dos animais, trabalha na horta e no jardim. De manhãzinha, ao despontar do sol, celebra a missa para os frades. E, por certo período, tem tempo suficiente para se retirar a uma gruta e se dedicar à contemplação, à oração - leva sempre consigo um pedaço de pão e uma vasilha de água e, às vezes, nem com isso se alimenta. Mais de uma vez - apesar das recomendações do superior - os frades o encontram caído no chão. Certamente pelo jejum e peIas vigílias. Mas ele sempre se reanima, sorri, diz que não é nada e retoma a vida normal quase procurando esconder - e como conseguiu! - seus dotes de contemplação, de oração e de união com Deus. 
Entre as suas andanças na pregação da palavra de Deus, Santo Antônio chegou um dia à cidade de Rímini. Sua fama já o havia precedido naquele lugar. Mas Rímini era também uma cidade de hereges, isto é, de gente que não gostava da Igreja Católica e ensinava ao povo muitas doutrinas contrárias. Era justamente o caso dos Cátaros, de quem já falamos mais acima. Eles se sentiam bastante fortes naquele lugar: convenceram o povo a não ir escutar as palavras daquele "freizinho a toa". E o povo foi na onda. Na praça da Catedral, onde era costume fazer-se pregações, havia pouquíssima gente, algumas pessoas mais corajosas, que não tinham se deixado amedrontar pelos hereges Cátaros. Frei António conversou um pouco com eles e disse que viria no dia seguinte. Alguns quiseram dissuadi-lo de pregar ali porque o clima estava pesado e os hereges estavam dispostos a tudo. Inclusive, mais tarde, sabemos que o padre Aldebrando, depois bispo de Fossombrone, teve que fugir para a torre da igreja, ficar lá meio dia e sair de mansinho pelos fundos para não ser morto pelo povo bem pouco cordial. Combinado o horário do dia seguinte e incentivando as pessoas a convidarem mais outras, frei António voltou para casa. Passou a noite inteira em oração pensando o que iria falar, como iria fazer a pregação... No outro dia encontrou, além das pessoas do dia anterior, outras pessoas ainda, mas desta vez, os próprios hereges. E ali, por vários dias, teve várias discussões com eles sobre Jesus Cristo, sobre a Bíblia, etc., sobre tudo aquilo que expusemos acima e que constituía o modo de pensar dos Cátaros. Não houve jeito. Mais António falava, explicava, rebatia, mais eles ficavam duros, empedernidos e... não quiseram mais ouvi-lo. Um dia, frei António - certamente por inspiração divina - foi caminhar à beira do mar (o Mar Adriático) na foz do Rio Marecchia. Algumas pessoas o acompanhavam. De repente, frei António pára, ergue as mãos e grita com voz forte olhando para as águas: "Ouçam a palavra de Deus, vocês, peixes do mar e do rio". 
- Ele está doido, sussurrou alguém. 
- Eu acho que sim, respondeu um outro. 
Mas qual não foi o espanto de todos quando viram... 
Vamos acompanhar o relato deste fato como no-lo apresentam os "Fioretti" no sabor original de seu linguajar franciscano. É o capítulo 40 do livro, pg. 1160ss das Fontes Franciscanas, Ed. Vozes, 1981. 
"Querendo Cristo bendito demonstrar a grande santidade do seu fidelíssimo servo Santo António, e como devotamente devia ser ouvida sua pregação e sua doutrina santa, pelos animais irracionais, uma vez entre outras, isto é, pelos peixes, repreendeu a insensatez dos infiéis heréticos, como antigamente no Antigo Testamento, pela boca da jumenta repreendera a ignorância de Balaão. Pelo que, estando uma vez Santo António em Rímini, onde havia grande multidão de heréticos, querendo conduzi-los ao lume da verdadeira fé e ao caminho da verdade, por muitos dias lhes pregou e disputou sobre a fé cristã e a santa Escritura; no entanto eles não consentindo em suas santas palavras e mesmo como endurecidos e obstinados não querendo ouvi-lo, Santo António, um dia, por divina inspiração, dirigiu-se à foz do rio junto do mar e estando assim na praia entre o mar e o rio, começou a dizer a modo de prédica, da parte de Deus, aos peixes: 'Ouvi a palavra de Deus, vós, peixes do mar e do rio, pois que os infiéis heréticos esquivam-se de ouvi-Ia'. E dito que foi, subitamente aproximou-se dele na praia tal multidão de peixes grandes, pequenos e médios, como nunca naquele mar e naquele rio foi vista outra multidão tão grande, e todos tinham a cabeça fora da água e todos estavam atentos para a face de Santo António e todos em grandíssima paz ; porque na frente e mais perto da praia estavam os peixinhos menores e atrás deles estavam os peixes médios; depois ainda mais atrás onde era a água mais profunda estavam os peixes maiores. Estando pois em tal ordem e disposição colocados os peixes, Santo António começou a pregar solenemente e a dizer assim: 'Meus irmãos peixes, muito obrigados estais segundo a vossa possibilidade, a agradecer ao nosso criador que vos deu tão nobre elemento para vossa habitação, porque como for do vosso agrado, tendes água doce e salgada; deu-vos muitos refúgios para fugirdes das tempestades; deu-vos ainda elemento claro e transparente e comida pelo qual podeis viver. Deus vosso criador cortês e benigno quando vos criou, deu-vos o mandamento de crescentes e multiplicardes e deu-vos a sua bênção; pois quando foi do dilúvio geral, todos os outros animais morrendo, a vós somente Deus conservou sem dano. E ainda vos deu barbatanas para irdes aonde for do vosso agrado. A vós foi concedido por ordem de Deus conservar Jonas e depois do terceiro dia lançá-lo em terra são e salvo. Oferecestes o censo a Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual como pobrezinho não tinha com que pagar. Depois servisses de alimento ao eterno rei Jesus Cristo antes e depois da ressurreição, por singular mistério. Pelas quais coisas todos muito deveis louvar e bendizer a Deus que vos deu tantos e tais benefícios mais do que às outras criaturas'. A tais e semelhantes palavras e ensinamentos de Santo António começaram os peixes a abrir as bocas e inclinar as cabeças e com estes e outros sinais de reverência, segundo o modo que puderam, louvaram a Deus. Então Santo António, vendo tanta reverência dos peixes para com Deus Criador, rejubilando-se em espírito, em alta voz disse: 'Bendito seja Deus eterno porque mais o honram os peixes aquáticos do que os homens heréticos e melhor escutam a sua palavra os animais do que os homens infiéis'. E tanto Santo António mais pregava quanto a multidão dos peixes mais crescia e nenhum se partia do lugar que ocupara. A este milagre começou a ocorrer o povo da cidade, vieram mesmo os sobreditos heréticos. Os quais, vendo milagres tão maravilhosos e manifestos, compungidos em seus corações, todos se lançaram aos pés de Santo António para ouvir-lhe a prédica. Então, Santo António começou a pregar sobre a fé católica e tão nobremente pregou que a todos aqueles hereges converteu e os fez voltar à verdadeira fé cristã; e todos os fiéis ficaram com grandíssima alegria, confortados e fortificados pela fé. Feito isso, Santo António despediu os peixes com a bênção de Deus e todos se partiram com maravilhosos actos de alegria e do mesmo modo o povo. E depois Santo António esteve em Rímini por muitos dias pregando e fazendo muito fruto espiritual de almas. 
Quanto ao primeiro milagre - Santo António prega aos peixes - reza a lenda que estando a pregar aos hereges em Rimini, estes não o quiseram escutar e viraram-lhe as costas. Sem desanimar, Santo António vai até à beira da água, onde o rio conflui com o mar, e insta os peixes a escutá-lo, já que os homens não o querem ouvir. Dá-se então o milagre: multidões de peixes aproximam-se com a cabeça fora de água em atitude de escuta. Os hereges terão ficado tão impressionados que logo se converteram. este milagre encontra-se citado por diversos autores, tendo sido mesmo objecto de um sermão do Padre António Vieira que é considerado uma das obras-primas da literatura portuguesa.

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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