No dia 1 de Fevereiro de 1908,
de deu-se um crime monstruoso
em Lisboa: o assassínio de D.
Carlos e do Príncipe herdeiro,
D. Luís Filipe , no Terreiro do
Paço, quando no dia 1 de
Fevereiro de 1908, regressavam
de Vila Viçosa , com a Família
Real.
Em virtude deste lamentável e
repugnante acontecimento, subiu
ao trono o Infante D. Manuel,
filho segundo de D. Carlos.
Regicídio - (Do diário de D.
Manuel II)
«No dia 1 de Fevereiro
regressavam suas Majestades
EI-Rei D. Carlos I, a rainha, a
Senhora Dona Amélia, e Sua
Alteza o Príncipe Real, de Vila
Viçosa onde ainda tinham ficado.
Eu tinha vindo cedo (uns dias
antes) por causa dos meus
estudos de preparação para a
Escola Naval. [...] Na capital
estava tudo num estado de
excitação extraordinária. [...]
Depois do almoço estive a tocar
piano muito contente porque
naquele dia dava-se pela
primeira vez o Tristão e Isolda
de Wagner no teatro de S.
Carlos. [...] Pouco depois
recebi um telegrama da minha
adorada Mãe dizendo-me que tinha
havido um descarrilamento na
Casa Branca, que não tinha
acontecido nada, mas que vinham
com três quartos de hora de
atraso. [...] Dei graças a Deus,
mas nem me passou pela mente,
como bem se pode calcular, o que
havia de acontecer. [...J
«Um pouco depois das 4 horas sal
do Paço das Necessidades num
landau com o visconde de Asseca
em direcção ao Terreiro do Paço.
[...] Finalmente chegou o barco
em que vinham meus pais e meu
irmão. Abracei-os e viemos
seguindo até à porta [...],
entrámos para a carruagem os
quatro.
No fundo a minha adorada Mãe
dando a esquerda ao meu pobre
Pai. O meu chorado Irmão diante
do meu Pai e eu diante da minha
Mãe. O que agora vou escrever é
o que me custa mais: ao pensar
no momento horroroso que passei
confundem-se-me as ideias. Que
tarde e que noite mais atroz!
Saímos da estação bastante
devagar. Minha Mãe vinha-me a
contar como se passou o
descarrilamento na Casa Branca
quando se ouviu o primeiro tiro
no meio do Terreiro do Paço, mas
que eu não ouvi. Era sem dúvida
o sinal para começar aquela
monstruosidade. [...]
«Eu estava olhando para o lado
da estátua de D. José e vi um
homem de barba preta com um
grande gabão. Vi esse homem
abrir a capa e tirar uma
carabina. Estava tão longe de
pensar num horror destes que
disse para mim mesmo: «Que má
brincadeira.» O homem saiu do
passeio e veio pôr-se atrás da
carruagem e começou a fazer
fogo. [...] Logo depois de o
Buiça ter feito fogo (que eu não
sei se acertou) começou uma
perfeita fuzilada como numa
batida às feras. [...] Saiu de
baixo da arcada do Ministério um
outro homem que desfechou uns
poucos de tiros à queima-roupa
sobre o meu pobre Pai. Uma das
balas entrou pelas costas e
outra pela nuca, o que o matou
instantaneamente. [...] Depois
disto não me lembro quase do
resto: foi tão rápido! Lembro-me
perfeitamente de ver minha
adorada e heróica Mãe de pé na
carruagem com um ramo de flores
na mão gritando àqueles malvados
animais: "Infames, infames."
«A confusão era enorme. [...] Vi
o meu Irmão em pé dentro da
carruagem com uma pistola na
mão. [...]
«De repente, já na rua do
Arsenal, olhei para o meu
queridíssimo Irmão. Vi-o caído
para o lado direito com uma
ferida enorme na face esquerda,
de onde o sangue jorrava como de
uma fonte. Tirei um lenço da
algibeira para ver se lhe
estancava o sangue. Mas que
podia eu fazer? O lenço ficou
logo como uma esponja. [...]
Eu também fui ferido num braço
por uma bala. Faz o efeito de
uma pancada e um pouco de uma
chicotada. [...]
«Agora que penso neste pavoroso
dia e no medonho atentado
parece-me e tenho quase a
certeza (não quero afirmar
porque nestes momentos
angustiosos perde-se a noção das
coisas) que eu escapei por ter
feito um movimento instintivo
para o lado esquerdo. [...]»
O atentado ficou-se a dever ao
progressivo desgaste do sistema
político português, vigente
desde a Regeneração, em parte
devido à erosão política
originada pela alternância de
dois partidos no Poder: o
Progressista e o Regenerador. O
Rei, como árbitro do sistema
político, papel que lhe era
atribuído pela constituição,
havia designado João Franco para
o lugar de Presidente do
Conselho de Ministros (chefe do
Governo). Este, dissidente do
Partido Regenerador, solicitou
ao Rei o encerramento do
Parlamento para poder
implementar uma série de medidas
com vista à moralização da vida
política. Com esta medida
acirrou-se toda a oposição, não
só a republicana (bastante
activa em Lisboa), mas também a
monárquica, liderada pelos
políticos rivais de Franco. O
Rei tornou-se então no alvo de
todas as críticas, que acusavam
Franco de governar em Ditadura.
A questão dos Adiantamentos à
Casa Real (regilarização das
dívidas régias ao estado, sendo
que a Lista Civil da Casa Real
não era revista há mais de
cinquenta anos), e a assinatura
do Decreto de 30 de Janeiro de
1908, que previa a expulsão
sumária para as colónias dos
envolvidos numa intentona
republicana ocorrida dois dias
antes, precipitaram os
acontecimentos. O Rei, a Rainha
e o Príncipe Real encontravam-se
então em Vila Viçosa, no
Alentejo, onde costumavam passar
uma temporada de caça no
inverno. Os acontecimentos acima
descritos levaram D.Carlos a
antecipar o regresso a Lisboa,
tomando o comboio, na estação de
Vila Viçosa, na manhã do dia 1
de Fevereiro. A comitiva régia
chegou ao Barreiro ao final da
tarde, onde tomou o vapor
D.Luís, com destino ao Terreiro
do Paço, em Lisbou, onde
desembarcaram, na Estação
Fluvial Sul e Sueste, por volta
das 17 horas da tarde. Apesar do
clima de grande tensão, o rei
optou por seguir em carruagem
aberta, com uma reduzida
escolta, para demonstrar
normalidade. Enquanto saudavam a
multidão presente na Praça, a
carruagem foi atacada por vários
disparos. Um tiro de carabina
atravessou o pescoço do Rei,
matando-o imediatamente.
Seguiram-se vários disparos,
sendo que o Príncipe Real
conseguiu ainda alvejar um dos
atacantes, sendo em seguida
atingido na face por um outro
disparo. A rainha, de pé,
defende-se com o ramo de flores
que lhe fora oferecido,
fustigando um dos atacantes, que
subira o estribo da carruagem. O
infante D.Manuel é também
atingido num braço. Dois dos
regicidas, Manuel Buíça,
professor primário expulso do
Exército e Alfredo Costa,
empregado do comércio e editor
de obras de escândalo, são
mortos no local. Outros fogem. A
carruagem entra no Arsenal da
Marinha, onde se verifica o
óbito do Rei e o do Herdeiro do
Trono, não se tendo praticado
autópsias O infante
sobrevivente, D.Manuel II,
reinaria até 1910. Após o
atentado, pediu a demissão o
Governo de João Franco, que não
impedira a morte do Rei. O
Governo "de Acalmação" lançou um
rigoroso inquérito, primeiro
presidido pelos juízes Alves
Ferreira e depois por José da
Silva Monteiro e dr. Almeida e
Azevedo que ao longo dos dois
anos seguintes veio a apurar que
o atentado, fora cometido por
membros da Carbonária, que
pretendia liquidar a Monarquia.
O processo de investigação
estava concluído nas vésperas do
5 de Outubro. Entretanto, tinham
sido descobertos mais suspeitos
do assassinato como Alberto
Costa (Pad Zé), Aquilino
Ribeiro, Virgílio de Sá,
Domingos Fernandes e outros.
Alguns dos elementos estavam
refugiado no Brasil e em França,
e dois pelo menos foram mortos
pela Carbonária. O regicídio de
1908 acabou por abreviar a
monarquia ao colocar no trono o
jovem D.Manuel II e lançando os
partidos monárquicos uns contra
os outros, com gáudio dos
republicanos. A Europa ficou
revoltada com este atentado, uma
vez que D.Carlos era estimado
pelos restantes chefes de estado
europeus. Logo a seguir à
proclamação da República, o Juiz
Almeida e Azevedo entregou o
referido processo ao Dr. José
Barbosa, membro do Governo
provisório que o levou a Afonso
Costa, Ministro da Justiça do
Governo Provisório.
O regicida Buiça
Na madrugada do dia 1 de
Fevereiro de 1908, Manuel Buíça
reúne-se com Alfredo Costa e
outros carbonários na Quinta do
Xexé, aos Olivais, onde planeiam
o atentado. No mesmo dia pelas
cinco horas da tarde: almoça com
Alfredo Costa e mais três
desconhecidos, numa mesa a um
canto do Café Gelo, que fica
perto da porta para a cozinha;
saiem estes para dar lugar a um
outro que se senta à mesma mesa,
com quem os regicidas conversam
baixo. Consta que durante esta
conversa Buíça terá dito, em tom
jocoso, a um outro freguês do
mesmo café sentado numa mesa à
parte, o seguinte dito muito
banal na altura: “Estamos aqui,
estamos em Timor...”,
relacionado já com a empresa que
ia tomar em mãos. Findo o
diálogo, Buíça é o primeiro a se
levantar, diz aos outros dois
que vai buscar o varino e o
resto, seria muito provavelmente
a carabina winchester, modelo
1907, nº 2137, importada da
Alemanha por Heitor Ferreira;
com que alvejaria dali a algumas
horas o rei Dom Carlos I e o
princípe-herdeiro D.Luís Filipe.
Pelas quatro horas da tarde, do
mesmo dia, Manuel Buíça com:
Domingos Ribeiro e José Maria
Nunes, posiciona-se no Terreiro
do Paço, perto da estátua de D.
José, ficando o primeiro perto
duma árvore, frente ao
Ministério do Reino, junto a um
quiosque. Alfredo Costa,
Fabrício de Lemos e Ximenes
assumem posições debaixo da
arcada do mesmo ministério; os
seis aguardam a chegada do
monarca. Misturados com a
população que espera o
desembarque da família real,
acompanham atentamente a
atracagem do navio a vapor: D.
Luís, onde seguia a mesma.
Sensivelmente às cinco horas e
vinte minutos, Manuel Buíça,
avançando da placa central do
Terreiro do Paço, a cinco ou
oito metros de distância do
landau régio, descobre a
carabina, assenta um joelho em
terra e abre fogo à retaguarda
do mesmo: atinge o rei no
pescoço, partindo-lhe a coluna
vertebral, que o vitima
instantaneamente; Buíça alveja o
rei uma segunda vez, desta
feita, no ombro esquerdo. No
príncipe herdeiro também é
desfechado um projéctil, que lhe
atravessa a face esquerda,
saindo-lhe pela nuca.
Finalmente, o Tenente Figueira,
que escoltava o assassino real,
abate Manuel Buíça com uma
estocada, não sem antes ser
ainda atingido por este numa
coxa.