
|
Portal CEN - "Cá
Estamos Nós"
Revista Novos Tempos
Maio 2013
Quinto Bloco

|

|
Maria João Brito de Sousa |
|
 |
Maria José Fraqueza |
|
 |
Maria Mamede |
|
 |
Maria Mendes Corrêa |
|
 |
Maria Tomasia Middendorf |
|
 |
Maridásio Martins |
|
 |
Marilaine Guadalajara |
|
 |
Mario Rezende |
|
 |
Marisa Schmidt |
|
 |
Nadilce Beatriz Zanatta |
Maria João Brito de Sousa
Oeiras - Portugal
O COMBOIO
Que ser era aquele? Imenso, ruidoso como um interminável trovão, atacou-me com a rapidez do raio e não parou, sequer, para me dar o golpe de misericórdia. Atirou-se a mim com a voracidade do tigre e, incompreensivelmente, não ficou para se alimentar da carne que destroçara. Que estranho ser era aquele?
Levava no ventre muitos outros seres. Seres com olhos, ouvidos e mãos. Seres conflituosos, agarrados a coisas que não fazem sentido, indiferentes à dor que então me consumia.
Que ser tão estranho...
Não ameacei as suas crias. Não tentei conquistar as suas fêmeas. Se, acaso, invadi o seu território, fi-lo por absoluta necessidade. Procurava um desses seres que ele levava no ventre e a quem dediquei toda a minha vida.
Sei que estou velho e pouco atraente. Durante esta minha insana busca, raras vezes encontrei alimento. Emagreci. Vivi muitos sóis e luas alimentado, unicamente, pela certeza de voltar a encontrar o meu amigo. Esse por quem daria – e dei – a vida. Esse que um dia partilhou comigo habitação e alimento e me pôs ao pescoço esta coleira, agora velha e sem brilho como eu, que selou entre nós um pacto sagrado e irreversível.
Eu era então um cão jovem e – perdoa-me a vaidade – bonito como poucos. Ajudei-o a educar as suas crias. Não havia cão, gato ou humano mal-intencionado que se aproximasse delas. Guardei-lhe a porta com o meu rosnido mais assustador e mostrei-lhe a minha imensa gratidão a cada segundo do dia e da noite. Velei-lhe o sono. Quando o tempo, lá fora, gelava até aos ossos, aqueci-lhe os pés com o calor do meu corpo e, com toda a energia que me foi concedida pelo universo em que nasci, zelei e rezei pela sua saúde e alegria. Pela abundância no seu pequeno território. Multipliquei-me em carinhos e brincadeiras sempre que a tristeza lhe invadia o olhar. Lambi cada uma das suas pequenas feridas até estar seguro da sua completa cicatrização. Cacei para que nunca lhe faltasse o alimento.
Sei que também ele me amou à sua maneira... dessa forma inacabada e insólita que vocês usam para amar. Eu era património seu e, forte e bonito exemplar que era, orgulhava-se de me mostrar aos seus amigos. Garantia que a ele ninguém assaltaria a casa... e tinha razão. Garantia que não havia melhor cobridor do que eu, e também estava certo.
Tu, que agora me vês agonizar, hás-de encontrar o brilho dos meus olhos em muitos outros cães que encontrarás pelas ruas. Deixei, como era meu dever, semente de vida no ventre de muitas companheiras. Agora que estou de partida, evoco esses filhos da minha carne com a certeza de me ter perpetuado neles pelas muitas luas que estão por vir.
Sabes que me surpreendeste? Eras um dos seres que viajavam dentro do demónio que me trucidou. Vi-te chegar carregada de coisas estranhamente inúteis. Sacos e saquinhos contendo pequenos objectos que não amas, mas proteges. Vinhas suada e arquejante, como eu velha e gasta e, no entanto, olhaste-me com a doçura com que me olhou a minha mãe quando me pôs no mundo. No teu olhar uivaste a minha dor. Agradeço-te por isso. Não o poderia ter feito com estes maxilares fracturados que pingam sangue e nesse mesmo sangue afogam o meu tão justificado lamento.
Pegaste num estranho artefacto que estava no teu bolso e falaste para ele. Falavas entre zangada e mansa mas estavas, sobretudo, determinada.
Não sei exactamente o que queres, mas sei que não desistirás. Sei, acima de tudo, que não me abandonarás até que a morte venha aliviar-me desta imensa dor. A dor que partilhas comigo e, portanto, se torna mais suportável. Cobres o meu corpo com o teu sempre que um demónio de ferro percorre, rugindo, o temível espaço que ousei pisar. De tal forma sentes o que eu sinto que espantas os meus medos e vais anulando a tremenda vontade que me impele a continuar à procura “dele”. Mesmo sem membros. Mesmo sem sangue.
Passa uma eternidade. Cantas baixinho para mim, nessa estranha língua cheia de modulações idênticas às do meu dono. Vou-te compreendendo pouco a pouco. Já me não doem tanto os ossos triturados, já se não impõe a necessidade de encontrar aquele que, um dia, se esqueceu de mim, algures, na Marginal. Tu amas tão profunda e incondicionalmente como eu e tudo recomeça a fazer sentido. Até os estranhos artefactos que trazes contigo parecem ganhar alma e se me tornam familiares. Como se fossem prolongamentos de mim. De nós. De tudo aquilo que continuamos a ser quando ultrapassamos as fronteiras do corpo e nos diluímos na infinita serenidade de uma força que apenas vislumbrávamos. Para além do beijo que me deste no focinho no momento da libertação.
SONETO INESPERADO ou Soneto à Coragem de Viver
(Em verso eneassilábico)
Ai, Soneto esquecido, que voltas,
Que te alheias das dores que me minam
Que te acendes nas loucas revoltas
Que nem deuses, nem mestres te ensinam,
Que enlaçado nas pontas mais soltas,
Desdobrado em gorjeios que trinam,
Enfrentaste, sem medo e sem escoltas,
Mil temores dos que em vão se aproximam!
Ai, Soneto que eu nunca esperei,
Que não sonho e nem sei bem se sei
Se me nasces do espanto das horas,
Mas dissolves, num mel que olvidei
Nos momentos da dor que calei,
Quanta dor se me exalta em demoras…
Maria João Brito de Sousa

Maria José Fraqueza
Fuseta - Portugal
FAINA MAIOR
Naquela tarde a Joana chegara a casa acompanhada de três colegas.
- Boa tarde, Avózinha - exclama indo beijar as faces enrugadas da velhota que estava sentada numa cadeira de “tabua”, baixa, a fazer umas peúgas de lã! Era um velho hábito que lhe ficara dessa vida do mar, em que levava horas e horas a “tricotar”, para fazer as dúzias de meias grossas que eram necessárias, e que o avô levava para aqueles mares gelados, perto do Pólo Norte.
Sentada com as suas lunetas na ponta do nariz, junto a uma mesa redonda, donde se via um candeeiro eléctrico iluminado, e sobre ela, um álbum de fotografias. Era enternecedor, ver como avó ainda fazia lindas rendas e vistosas malhas arrendadas naquela idade!...
Mas avó... ainda vê fazer “tricot”? A luz está fraca e dá cabo da vista!
Fora habituada a grandes poupanças e ainda conservava o grande “espírito de
produzir e aproveitar tudo.” Imaginem!...Até os lençóis eram “arremendados” Igualmente estava habituada a deitar “fundilhos” nas calças de mar e terra do avô...
E quantas vezes me resmungava:
- Estão mal habituadas, as minhas netas! Têm fartura... mas dantes...era uma vida de
miséria...por isso, o avô, tal como outros pescadores algarvios, iam para a pesca do bacalhau nos bancos longínquos da Groenlândia e Terra Nova, porque era a única alternativa que tinham a uma vida sem ganhos, de fome, de miséria e de sacrifícios. Por outro lado, tinham muitos filhos para sustentar e os ganhos escasseavam ao longo da nossa costa marítima. Eram homens valentes que desde pequenos se habituaram a desafiar o mar, sem receio de deixar nele a própria vida! E lá iam aos mares da Beirinha, do Charnal, desafiando o mar em todo o litoral, e indo até mais longe, nos descobrimentos, ao Brasil, a Marrocos sempre a pescar... mas aquela na luta do seu ganha-pão – a da faina bacalhoeira, era sem dúvida uma vida de escravidão! Quantos
não tiveram que ir na tenra idade para essa vida? Quantos perderam os pais no alto mar? E quantas noivas ficaram por casar? Quantas mães sem os filhos? Quantos lares desfeitos, como a espuma?
Enquanto no seu pensamento, surgia um desfile de recordações, as raparigas acercaram-se carinhosamente da anciã.
- Mas olha que grande habilidade! - exclamam as duas amigas ao mesmo tempo.
- Ai, minhas meninas, isto já não é nada... Noutro tempo sim, nós aprendíamos
muita coisa: costura, bordados, rendas... e fazíamos o nosso enxoval! Era tudo de chita, de popelina, ninguém usava essas sedas... tafetá, moirée, nylon, organza... alguma vez? Ainda me lembro do meu marido trazer de Saint Joanes, quando veio dos
Grandes Bancos, uma combinação de “laine” (nylon) mas eu vestia aquilo assim transparente? Deus m’a mim livre! - as raparigas deram um sorriso com uma certa ironia.
E a avó de Isabel, continuava... fiz lindas rendas a “crochet” para enfeitar as minhas “anáguas”, até aprendi a renda de bilros e da “naveta” e tinha tanta habilidade que ainda ajudava a consertar as redes de pesca ao meu marido.
- Mas afinal o que é que avó está agora a fazer?
- Olha filha, isto são umas meias grossas para a faina do mar...Ficou-me o vício quando fazia para o meu marido levar para a faina do “bacalhau”.
- A propósito, a avó sabe porque trago hoje aqui estas duas colegas? É que o nosso professor de Português, mandou-nos fazer uma pesquisa para a elaboração de um trabalho, sobre a “Faina Maior” - que nós sabemos ter sido - “A Pesca do Bacalhau”, já fomos ao Museu, fazer uma visita de estudo... mas a avó que “sentiu na pele” esses momentos, por isso nós queremos saber um pouco mais.
Pensamos que o seu testemunho enriquece o nosso trabalho.
- Não me digas que querem saber coisas sobre essa vida!? E a avó suspira... Ai... ai... quando eles partiam a família ficava de luto carregado, sem saber se aquele seria o último abraço. As mulheres cobriam-se com xailes negros que contrastavam com a brancura do casario. Tudo era melancolia! Junto à praia, as mulheres lembravam bandos de andorinhas... os velhos reuniam-se junto ao cais, olhos vidrados no azul sem fim, contrastando com as gaivotas, os barcos veleiros, as ondas de espuma branquinha e as crianças que brincavam na areia fazendo
castelos de areia.
- Sim, nós desejamos fazer-lhe algumas perguntas, está bem? A avó respondeu com um acenar de cabeça, afirmativamente.
- Sabe que agora é necessário que cada pescador tenha uma certa formação técnica
especializada? Mas dantes como era?
- Ai era, não era, andava lavrando, nasceu sem fala e morreu penando... e continuava
meio resmungona. - Ó Meninas isso são coisas da CEE... Cursos e mais Cursos, não faltam... até para apanhar os mariscos é preciso carta! Antigamente, ninguém gastava dinheiro a dar cursos aos homens, elas aprendiam indo ao mar, uns com os outros...
- Mas isso era muito mau, porque assim não tinham reforma condigna? Diz uma das
raparigas, a Ana.
- Lá isso é verdade! Sabe a reforma que deram ao meu pai, quando ele estava nobacalhau e o lugre onde ele ia, foi torpedeado por um submarino alemão, uma vítima na guerra que ficou com as balas no corpo? Teve direito apenas a 50$00 de reforma em 1956. O mesmo aconteceu com a viúvas da Tragédia do Lugre Maria da Glória” que deram os homens como desaparecidos e nada receberam, muitas ficaram na miséria.
- Bem, vamos mudar de assunto e explique-nos, por favor, porque é que os rapazes
desta vila iam tão novos para essa arrojada faina?
Uma das razões era para se livrarem da tropa, era a única maneira de fugir à tropa, à guerra do ultramar e de ajudar os pais, uma vez que naquela época, era a actividade piscatória mais rentável e as necessidades eram muitas... mas... escrevam aí meninas, também... que os homens quando abalavam era como se fossem para a morte e faziam a promessa de nunca mais voltar aquela vida de escravidão, justificando quantas atrocidades foram cometidas.
- Vocês, filhas, nem sabem o que nós passámos, nem dão valor ao que hoje podem
desfrutar. Nós nem um brinquedo, nem um chocolate, ou quaisquer outra guloseima. As crianças faziam bolas de trapos, bonecas, barquinhos de cortiça, papagaios de papel, por onde voavam os seus sonhos!....
Enquanto a avó ia falando, alguém bateu à porta. Era Tia Ermelinda do Moínho, comadre da minha avó que a vinha visitar.
- Boa Tarde, comadre “Fracisca”! Boa tarde Meninas!
- Boa-tarde! - repetem todas.
- Ah! Hoje tem mais visitas! - exclama Ermelinda.
- É verdade, tenho aqui umas amigas da minha neta e ainda bem que você veio que tem melhor Porque se vestiam dessa cor? Então no mar havia algum “lagarto”?
- Se havia lagartos... ai se havia memória que eu, que elas querem saber coisas da Faina Maior, da vida do Bacalhoeiro... Lembra-se quando seu marido foi de “verde” ao bacalhau?
- De verde?... ainda pior que lagartos, mas verde, verde... eram assim designados os pescadores que iam pela primeira vez à faina do bacalhau.
- Quem dava as ordens a bordo dos lugres bacalhoeiros? Pergunta uma das companheiras de Joana.
- Ai... quem dava as ordens, desde os comandantes ao imediatos, aos contramestres....eram tudo boa gente! Ai, ai boa gente, boa gente que o mê pai leva a Larache!
- O meu Zé contava que esses eram terríveis, exerciam a maior repressão sobre os
homens, chamavam-lhes: malandros, bandidos, pulhas... e enquanto eles com as mãos gretadas apertavam as nepas com que alavam o trol iam baixinho murmurando “ já não me
dizes mais vezes” e obrigavam-nos ao trabalho de vinte horas por dia.
Segundo os depoimentos dos nossos pescadores, a comida era de fome, trabalhavam
de sol a sol e iam para longe do navio nuns barquinhos pequenos - os dóris - levando um termo de café e pão bolorento. Se não apanhassem nada nesse dia não comiam, os
cozinheiros eram instruídos para não lhes dar de comer.
- Ainda me lembro de alguns episódios contados por alguns deles. Foi no dia 13 de
Maio nos Grandes Bancos num mar chamado “Pierre” a que chegou o Gil Eanes, num grande dia de névoa. Como não havia peixe, este capitão não deu de comer aos homens senão à uma hora da noite e mandou espancar os homens. Mandavam arrear os dóris para a pesca mesmo com temporal - o Conceição Vilarinhos foi um dos que mandou arrear com arrogância. Um pescador que tinha uma Nossa Senhora de Fátima, ao fazer os louvados, com a sua fé... ele nem a santa respeitou. Um algarvio de nome Chico Pedro Larencinha até lhe fez uns versos, que tenho ainda em mente.
Capitães do bacalhau
Não há um sequer perfeito
é tudo a mesma canalha
e não há um só direito.
Ó tu Henrique Vilão
Capitão do atentador
dos homens és um horror,
o teu olhar mete respeito.
Não pode andar satisfeito
Quem anda na tua companhia,
puseram-te o “Pancadaria”
e já não há um só com jeito.
Tira a vida a quem trabalha
Este capitão malvado
Pois faz parte da canalha
Que só come pão roubado!
Lá por teres bons colarinhos
O carrasco com chicote
Faz parte desses mesquinhos
Que comem do nosso “bote”
- Porque quanto tempo iam para tão longe pescar?
A avó recomeça a contar
... Normalmente os lugres partiam de Lisboa nos meses de Março e Abril. As famílias iam despedir-se, por vezes a Lisboa. Depois rumavam Atlântico afora até aos mares da Terra Nova e ”Groenlândia”.
Quando chegavam os dóris eram sorteados”. O sorteio era feito por números. Se eram vinte, tiravam 20 bilhetinhos de dentro de um boné de oleado e cada um tirava o seu. Depois do sorteio cada dóri recebia um nome e começavam depois os pescadores a
prepará-los. Começavam às 4 da madrugada.
- Bem penso que estamos bastante mais elucidadas - repete a rapariga que anotava no
caderno as informações.
- Mas a nossa professora, fala-nos nos louvados: O que eram os louvados?
Os louvados era uma oração de trabalho estratégica para dizer que estava na hora de
trabalho:
OS LOUVADOS
“Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo
para sempre seja louvado.
Em louvor da Virgem Maria.
Venha o homem do leme para baixo
e vai outro para a vigia
Mas como isto está tudo acabado
Vamos em hora para o trabalho.
Seja louvado e adorado
O Santo Nome de Jesus
Em louvor das cinco chagas
Está Deus pregado na cruz
Em louvor da Virgem Maria
Levantai-vos camaradas
Quatro horas é de dia.
Vamos embora todos comer
que temos de ir para a pescaria
Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo
- Embora, rapaziada, vamos a isto.
Mas ainda uma última questão, não nos disse, como é que eles não se perdiam do
navio, perante o nevoeiro cerrado?
- Ai... aqui também há muito de trágico... às vezes o som era dado de bordo do navio e noutros casos orientavam-se pela bússola. Mas a verdade é que muitos desapareciam, remavam debaixo do nevoeiro, a uma lonjura tal que chegava a ultrapassar 40 metros, se fossem atrevidos...e muitos mercê da sua heroicidade, arrojo e valentia.. por lá ficaram sepultados. Depois quando os pobres chegavam ao navio, os capitães mediam o peixe a “olho nu” e apontavam os quintais de bacalhau apanhados pelos pescadores, conforme muito bem lhe apeteciam. Muitos sentiam-se roubados e diziam os mais corajosos: “Não direito que nos roubem o nosso suor e o pão dos nossos filhinhos.” Mas esses desumanos não tinham coração, ainda o tinham mais gelados que as montanhas de “icebergs”.
- Já agora diga-nos mais uma coisa:.. como eram as Comunicações nesse tempo?
- Nessa altura as comunicações eram difíceis. Os pescadores e suas mulheres não sabiam escrever a maior parte, a ausência no mar, não permitia o tipo de comunicação se não através de recursos precários. Havia um momento de comunicação com as famílias, com pompa de circunstância, em que emitiam as mensagens feitas por gravação, através da Emissora Nacional e Rádio Renascença - cujo momento passou a chamar-se: A HORA DA SAUDADE!
Mas vocês imaginam a alegria nesta vila quando recebiam alguma carta? O mulherio
corria a vila....quando havia notícias do bacalhau, o boato corria de boca em boca...
Havia sempre um receio e angústia espelhado no rosto das mulheres que percorriam as
ruas... de alma ansiosa e coração palpitando de ansiedade...
- Relativamente à Higiene? Como era? Ainda era mais uma pergunta ficara por fazer...
- Bem... vá lá... dizia pachorrenta a avó... que mostrava sempre vontade de
colaborar...
- Ah!... A roupa daqueles infelizes... só era lavada em casa quando chegava, porque
lá… era apenas molhada na água salgada, punham-na ao sol a secar para vesti-la de novo . E quando chegavam as “gorpelhas” lá iam as mulheres para o Olheiro lavar a quantidade de roupa que eles traziam.
- Já chega!... diz peremptória a Joana... com o material que recolhemos que alguns
pescadores nos ofereceram, devemos fazer um bom trabalho. Amanhã, vamos a Alvor
entrevistar pescadores para enriquecer o trabalho!
- Muito Obrigada! Vamos fazer um grande trabalho sobre a Faina Maior e sobre os nossos bravos homens do mar, que honraram esta terra de pescadores.
Ainda bem que na nossa escola, se preocupam com o nosso património cultural ....esses heróis sem nome que foram heróicos marinheiros que honraram a nossa terra e Portugal, e deviam ter honras de museu onde se mostrasse as nossas artes piscatórias de
quantos arriscaram a vida ao serviço da Pátria - os grandes Soldados do Mar!
***
ÉS TU MINHA MÃE
Eu quis mandar-te do meu mar lendário
A mais bonita pauta musical…
Para cantar no teu aniversário,
Meu poema de amizade fraternal!
Mas ficou nas páginas do meu diário,
No segredo da poesia sem igual…
Que será para sempre o relicário
Gravado na alma o poema original!
Nasceu da minha espontaneidade
Para desejar-te toda a felicidade…
Porque há no coração apaixonante
Essa estrela qual farol de luz?
Quem ama como eu a Mãe de Jesus
És tu Mãe, minha estrela mais brilhante!
MARIA JOSÉ FRAQUEZA

Maria Mamede
Cidade: Maia/Porto/Portugal
A DANÇA DOS ANOS
Com a dança dos anos
meu Amigo
dançamos todos nós
a roda inteira
e a fúria de viver
que foi fogueira
é agora brasa
quase morta…
‘inda um pouco de fogo
‘inda um suspiro
de amores vividos
ou deixados
nas bermas do caminho
que fizemos…
‘inda o pouco ou muito
que nos demos
em cada amor levado
passo a passo…
‘inda um fogo aceso
em nosso peito
com um morno calor
que vai esfriando
‘inda o pulsar do amor
que foi ficando
agarrado à alma
e é regaço…
cresce então em nós
um olhar baço
de recordações
bela lembrança
e cada qual tornando
a ser criança
agarra, bem forte
a esperança
sorvendo um licor
de emoções…
depois, assim
de alma lavada
segue na peugada
da felicidade
qu’inda almeja
e regressando ao bibe
e aos calções
dá, a quem deseja
a alegria de viver
com fervor
o que lhe resta
mostrando
que jamais será funesta
a sorte de quem vive
com AMOR!....
Maria Mamede

Maria Mendes Corrêa
Mateus Leme - Brasil
Uma dádiva preciosa
Germina em nosso ser
Uma dádiva preciosa
Que nós veremos crescer
Como uma pérola valiosa.
É um presente divino
Este ser encantador
Será sempre pequenino
Pelo nosso grande amor.
Um ser frágil , delicado
Recebemos nos braços um dia
É um belíssimo ser amado
Que nos cobrirá de alegria.
Filho, nome cheio de luz
Abraçamos com todo carinho
E pedimos ao menino Jesus
Que ilumine o seu caminho.
Agradecemos sempre a Deus
Este dom da maternidade
Um presente que vem dos céus
Dedicado com tanta bondade.
No exemplo da Virgem Maria
Está o lindo gesto de amor
Presenciou o filho que morreria
Seu sangue por nós derramou.
Às mães, pedimos com carinho
Nunca abandone um filho seu,
Será sempre luz em seu caminho
E te guiará junto á Deus.
Mãe, aperte seu filho e sente!
É um pedacinho de seu ser
Que Deus lhe enviou de presente
Porque te julgou merecer.
Maria Mendes Corrêa

Maria Tomasia Middendorf
Rio de Janeiro - RJ
ORGULHO
Por que tu sentes tanto orgulho?
Isso não te levará a lugar algum!
Tu és, nesta, vida mero pedregulho.
Nada possuis, és uma pessoa comum.
Todos nós somos totalmente iguais,
nosso sangue é da mesma cor.
Diferença não haverá jamais;
saibas que a ninguém és superior.
Ao partires, serás pela terra destruído;
sozinho estarás, sem ninguém, sem amor.
Teu corpo será, como todos, corroído.
Tua destruição será inexorável;
quiçá não ganharás nem uma flor...
Quando chega, a morte é implacável.
Maria Tomasia Middendorf

Maridásio Martins – (MARTSAN)
Salvador - BA - Brasil
“Transformação”
Nesse jogo da vida, constante
O endurecido arrefece: face caída;
O insensível enternece: moral abatida;
Se atraem, se abraçam – triunfantes.
É a dor, que as pessoas, freia
E, por ela revêem sua vida,
E nesse vai e volta, nessa lida,
É que a gente se desenlameia.
Necessário desfazedor forte
Das impurezas, no tempo, adquiridas
Ditas normais e, por humanas tidas,
Que se pensa, acabam com a morte!
Ninguém passa nessa vida, indene;
Estão na chegada e também na partida,
Os códigos da luta mui aguerrida,
Pr’a cuja vitória o amor é o leme.
Maridásio

Marilaine Guadalajara
Brasil
Jornada histórica do homem...
Um dia o homem descobriu que poderia criar instrumentos utilizando pedras, um grande progresso!
E então, um dos nossos antepassados mais curiosos descobriu o fogo! Esse, sim, foi um achado e tanto! Daí para a criação do tecido, o uso do arco e da flecha, criação dos sistemas de irrigação foram mais alguns milhares de anos. Descobre-se o bronze e a novidade da hora, passa a ser a metalurgia.
O homem cria a escrita e passa para uma nova fase de descobertas!
Ele vai percebendo que ficar num só lugar é um bom negócio, surgem os primeiros núcleos urbanos, e também as primeiras guerras! Nesse tempo os transportes se desenvolvem, uns preferem os barcos à vela, para outros a moda passa a ser as “superpotentes” carroças com rodas. E, de criação à criação, de descoberta à descoberta, o homem segue sua trajetória, vai passando...
As grandes civilizações começam a se formar. A civilização egípcia, a civilização hebraica, a grega, tempos depois surgem a civilização hindu e tantas outras... O homem começa a se separar, juntando-se em “civilizações”.
Depois de construir grandes impérios, de se fortalecer materialmente, o homem começa a se indagar sobre a origem de todas as coisas, e lá estão os pré-socráticos para tentar responder. Leucipo define o átomo; Erastóstenes calcula a circunferência da Terra; Alexandre funda a Alexandria; na China, inventam o papel; Jesus Cristo nasce e divide a história.
O Vesúvio arrasa Pompéia. O médico grego Galeno escreve um tratado sobre o sistema muscular, enquanto do outro lado do mundo os Maias desenvolvem avançadas técnicas de irrigação e os Incas formam, em Macchu Picchu, um grande centro religioso com cerca de dezesseis mil habitantes. Constantinopla é tomada, o império romano cai e essa fase passa.
E o homem continua sua passagem.
Justiniano codifica o direito romano, Maomé nasce, os Maias são dominados, surgem os primeiros arreios e as carroças passam a ser puxadas por cavalos. No Oriente, a pólvora é fabricada e os chineses registram a morte de uma estrela. Surgem as canções trovadorescas e Dante escreve A Divina Comédia. Joana d’Arc é condenada; ingleses e franceses guerreiam por cem anos. E é então aberta a temporada de expansão marítima.
E o tempo vai passando e o homem prosseguindo em sua jornada.
Um homem então inventa algo novo, a imprensa, e imprime a Bíblia. Enquanto isso Colombo chega à América e Vasco da Gama, finalmente, chega às Índias. O mundo começa a ficar pequeno...
Leonardo da Vinci pinta a Mona Lisa e Lutero inicia a Reforma. O mundo fica menor ainda quando Fernão de Magalhães inicia a primeira viagem de circunavegação da Terra.
Entre descobertas, grandes feitos e invenções, o homem prossegue adiante...
Os astecas são derrotados pelos espanhóis, e os mesmos espanhóis conquistam a cidade de Cuzcu ao derrotarem os incas. E quando a incógnita do espírito humano parece estar elevada ao cubo, os italianos encontram um método para resolver as equações algébricas de terceiro grau. Datam desta época as primeiras construções de teatros com divisão entre palco e platéia; muito embora Rousseau venha a falar sobre as desigualdades sociais somente trezentos anos mais tarde.
Coincidência ou não, a inquisição é restabelecida quase ao mesmo tempo em que surge a proposta de que algumas contas podem ter como resultado um número negativo. E, na noite de São Bartolomeu, cerca de três mil protestantes são mortos.
O tempo passa, passa, passa...
Camões escreve Os Lusíadas, Galileu inaugura a física moderna, Cervantes dá ao mundo Dom Quixote. Os incas ajudam os espanhóis a se curarem da malária e Newton descobre que a luz é composta de várias luzes diferentes. Diferentes também são os avanços tecnológicos, o mundo entra num momento espetacular e revolucionário... E então, depois de deflagrada a Revolução Industrial, Priestley descobre a existência do oxigênio.
Rossini gera o Barbeiro de Sevilha, Dom Juan encanta suas leitoras e as colônias americanas vivem o encantamento da independência. Beethoven compõe sua última sinfonia, surge o palito de fósforo e os sindicatos pegam fogo na Inglaterra.
E o homem caminha enquanto Balzac edita A Comédia Humana.
Parkers descobre o plástico, Victor Hugo denuncia as injustiças sociais em Os Miseráveis; países europeus se unem e resolvem dividir a África. Mais uma coincidência, o Raio X e o detector de mentiras surgem ao mesmo tempo...
Acontece o primeiro beijo no cinema e Thompson descobre o elétron; Freud interpreta os sonhos enquanto para Einstein tudo é relativo. E Marcel Proust escreve Em Busca do Tempo Perdido!
A saga humana continua, as passagens seguem seu rumo...
Quando o homem pensa estar próximo às respostas, Heisenberg define o princípio da incerteza. As incertezas aumentam quando eclode a II Guerra mundial e o mundo fica sabendo que Hiroshima existia; quando, no mesmo ano em que os direitos humanos são declarados,o apartheid é oficializado; quando o muro de Berlim é construído; quando a guerra do Vietnã é declarada.
Seguimos evoluindo em meio a incoerências.
Surge a primeira rede de computadores e Kubrick nos apresenta “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, onde um computador se revolta contra a tripulação de uma nave. O primeiro computador pessoal se revela e ficamos sabendo que a camada de ozônio pode ser destruída. Bill Gates funda a Microsoft, a Teoria do Caos passa a ser uma disciplina estruturada, nasce o primeiro bebê de proveta e um computador é o primeiro adversário a derrotar o campeão mundial de xadrez Garri Kasparóv.
Somente depois de trinta e três anos de o homem ter pisado a lua, é descoberto o mais antigo povoado do mundo em Ohalo, Israel. O homem conquista o espaço antes mesmo de conquistar a Terra!
Mas tudo isso são passagens, passagens do homem sobre a terra. Tudo isso faz parte da peregrinação humana. Somos peregrinos e a cada passo que damos levamos uma carga de conhecimentos e conquistas adiante. Buscamos vencer as diferenças, afinal a luz não é um conjunto de luzes diferentes?
***
Só quem provou do amor...
Só quem provou do amor entende o meu cantar,
Sabe do que minha canção fala sob o luar,
Sabe como dói um coração,
Conhece o sofrer do trovador,
Sente com a alma o lamento,
Valoriza cada momento,
Sofre e curte a sua dor.
Quem já amou de verdade sabe ouvir esta canção,
Entende a lamúria sonora destas notas,
Ouve e canta com sentimento o compasso da emoção.
Só quem sentiu a explosão das cordas em seu peito,
Sabe do que falo, entende o efeito e a métrica destes versos,
Entende todo o reverso causado no fundo da alma:
Tempestade furiosa que só o amor acalma.
Marilaine Guadalajara

MARIO REZENDE
RIO DE JANEIRO BRASIL
QUANDO EU ERA MOLEQUE
Quantas pipas empinei nos meus dias de folguedos! Era um prazer imenso dar a elas a linha do carretel. Quanto mais de mim elas se afastavam, mais prazer me davam por poder brincar lá no céu com outro menino bem distante, segurando a linha na mão, enquanto eu estava bem firme com os pés no chão.
Ah, quantas lembranças me traz aquele tempo lá de trás! As brincadeiras infantis, meninas e meninos num trinar alegre quando todos se juntavam como a algazarra que faziam na hora do recolhimento, ao crepúsculo, os bandos de pardais, avezinhas que pouco se vê ou ouve nos dias atuais.
Como era divertida a pelada com a bola, brincar de bandeirinha, pique esconde e tá contigo. Jogar com as multicoloridas bolinhas de gude; girar no corrupio, a brincadeira do anel à noitinha, para ganhar beijinhos das cobiçadas menininhas no despertar das intenções de namoro sorrateiro, na aurora da juventude, por demais prazenteiro.
As festas do mês de junho, isso então! Pular fogueira, comer canjica e batata assada, soltar fogos e balões, dançar a quadrilha sempre animada. Em qualquer idade ou situação, sempre valiam muito os folguedos de improviso ou o brinquedo feito à mão, a bola de meia, o jogo de prego, e futebol de botão, fazer zunir com a fieira o pião. Com um canudo do talo da folha do pé de mamão eu enchia de ar as bolhas de sabão. Latas de leite em pó serviam para fazer carrinhos, cheias de areia e puxadas por um barbante viravam brinquedinhos, uma, duas, três ou mais formavam um comboio, tão divertido como o mergulho com a turma nas águas do arroio.
O desafio que proporcionavam os carrinhos de rolimã em velocidade, descendo as ladeiras arborizadas da minha cidade. Subir no pé com outros garotos em disputa para colher a que parecia a mais apetitosa fruta e saboreá-la sentado à sombra que a árvore oferecia, observando bandos de aves em piruetas lá no céu.
Minha caramboleira preferida, o lugar aonde eu me escondia para ficar com meus pensamentos vagando ao léu, amiga e companheira, me balançava em seus braços e me enchia de abraços quando me sentia o mais infeliz.
Desse modo minha infância passou num tempo embalado e, pelo menos uma parte do que durante ela eu fiz, dá vontade de viver outra vez. Isso quando der, com meus filhos ainda faço ou com os futuros netos, talvez, apesar de o ambiente estar muito modificado tornando pequenino o adequado espaço.
NÃO SEI MENTIR
Eu não sei mentir
para os meus segredos.
O tempo de espera
para eu te ver outra vez
é muito demorado,
muito mais longo
que o apressado tempo real,
minha linda estrelinha
que se veste de brilho
cintilando à noite,
enfeitando os caminhos
durante o dia, nessa cidade.
inspira os meus devaneios
e faz saltitar o meu coração
carregado de anseios.
Amor brotado no meu peito
como uma flor,
que ora me acaricia com as pétalas
e me faz ficar feliz
ora me arranha com espinhos,
e me faz sofrer.
MARIO REZENDE

Marisa Schmidt
Bertioga - São Paulo - Brasil
DAMAS DA NOITE
Quando na cidade eclodem
os mil olhos de luz néon
também em risos explodem
rubras bocas de batom
São moças quase irreais
nas roupas de pouco pano
criando enredos fatais
de sonhos e desenganos...
Quando na vila é madrugada
as ruas de terra acolhem
mulheres de caras pintadas
que interessados escolhem
Nas roupas de pouca graça
o que conta é o conteúdo:
peito que o decote arregaça
saia curta e o traseiro graúdo
Fingindo amar o desconhecido
fazem da vida uma loteria
num tempo marcado e corrido
que encerram ao nascer o dia
Sob o sol as bocas borradas
colorem a cidade em estranho tom
Na vila, as mariposas cansadas
fecham a janela ouvindo um som...
Marisa Schmidt

Nadilce Beatriz Zanatta
Brasil
MINHAS ASAS
Queria saber quem pode parar o tempo.
Pode ser até com a fúria do vento.
Eu queria para casa voltar,
queria o segredo encontrar,
e numa preferida canção
algum amor que toque o coração.
Jogar beijos para o Universo com a mão,
e pedir de volta minha oração.
Estou aqui somente como aprendiz,
até um cão de olhar triste tudo me diz.
Bem sei, a vida não fui eu quem fiz,
e o vazio do futuro nada prediz.
Mesmo quando corro, o tempo para
nesta miséria rara
onde a saudade me é tão cara,
junto a esta música ignara.
Necessito voltar.
Não vou mais orar,
e se os pássaros encontrar,
quero de volta minhas asas...
|

|
|

|
|
|
|
|