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Portal CEN - "Cá
Estamos Nós"
Revista Novos Tempos
Maio - 2013
Segundo Bloco

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Carolina Ramos |
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Cler Ruwer |
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Dalton Luiz Gandin |
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Deomídio Macêdo |
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Donzilia Martins |
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Eliana (Shir) Ellinger |
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Eliani Kielin |
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Fátima Mota |
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Gerci Oliveira Godoy |
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Glória Marreiros |
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Guacira Maciel |
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Helena Armond |
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Heloisa Lima |
Carolina Ramos
Santos - SP- Brasil
Esperança
Que falta faz a mão do Poverello,
mão chagada, que lembra o Salvador!
Mão que outras mãos unia, um suave elo...
elo de luz fraterna... elo de Amor!
Que falta faz o ardor do seu anelo,
quando tentava unir a um só Pastor
as ovelhas dispersas – sonho belo,
que a vida se compraz em decompor!
E a vida o quanto vale?! – Um quase nada!
Por todo o lado, há só gente empenhada
em fazer gente ser mais infeliz!
...Quem sabe ainda houvesse uma esperança
se o mundo ouvisse a voz, humilde e mansa,
do bom Francisco...nosso Irmão de Assis!
Carolina Ramos

Cler Ruwer
Brasil
SORRISO NA PELE
Filhos são os principais pontos, de referência.
São pontos cardeais, muito além da vida;
São o ponto de equilíbrio, de cada sentido.
Que pulsa em cada pequena veia.
E com o passar do tempo se confundem,
Em meio à pele descansada e feliz;
Sorrisos, que se espalham por todo o corpo,
Das tantas vibrações, incontidas;
Guardadas em meio a cada conquista.
Como aquela, do amor, incondicional.
Que se repete, em cada primavera.
Em cada fio brincalhão que nasce entre os cabelos,
Para colorir os sonhos adormecidos.
E ir expondo a cor da alma, que se intimidou.
Os olhos buscando as profundezas.
Talvez para acostumarem melhor com a distância.
Os passos vão perdendo à pressa.
Agora é a espera de alguém que regressa.
É por isso que inevitavelmente, a cada ano,
A mãe fica mais feliz e mais bela!

Dalton Luiz Gandin
São José dos Pinhais, Paraná, Brasil
NOVOS TEMPOS
para Julia Maria Morais
Lida e projetos na mente.
A sementeira, contemplo.
Colher a paz que não mente.
Alimentar novos tempos.
Dalton Luiz Gandin

Deomídio Macêdo
Salvador BA Brasil
A JANELA DO TEMPO
Filho do meu coração.
Peguei-te nos braços com carinho, em tempos idos, bem vividos.
Bamboleei na linha do tempo, equilibrando-me nos segundos, minutos, horas, dias, meses e anos ininterruptos, na qual o conduzia de mãos dadas, amparando seus passos vacilantes, muitas vezes, sorridente, outras tantas, choroso, em variações constantes.
Com minhas mãos calejadas, alimentei-te heroicamente para fortalecer o seu corpo e transformei-te em um bom homem.
Sua vitória, minha vitória!
Sua conquista, meu conquistar!
Sua saúde, minha cura!
Sua riqueza, é sua fortuna espiritual!
O seu amor a mim é irradiado pela dignidade do homem de bem, que brota do seu coração.
Foi justamente nessas lembranças que me debrucei na janela do tempo, revendo o filme da nossa vida, e assim, percebi que ao segurar sua mão equilibrando na linha das estações, era você, filho querido, que me conduzia ao porto seguro da terceira idade.
Deomídio Macêdo

Donzilia Martins
Paredes Portugal
O toque da minha mão (Conto)
Mais um milagre na minha vida.
Nasci em Setembro sob o signo da balança. Não sei se foi fado, se fada, se o destino, ou o divino que me traçou assim. Sei que sempre balanço entre a mente e o coração.
Quando isso acontece, a minha alma rebenta do peito apertado, salta e, transbordando do leito do rio de mágoas onde mergulha, grita como o “grito” de Munch.
Então, só tenho um caminho, o único, o verdadeiro, ao qual me entrego de mãos abertas.
Apresento- Lhe o problema fazendo um ultimato:
- Pronto, resolve Tu.
Ele olha para mim num sorriso enigmático, qual Mona Lisa de Leonardo.
Parece que ri da minha loucura, do meu atrevimento, da minha entrega total.
Confio. Sorriu. Olho os Seus olhos serenos. Nem um aceno ou pestanejar os perturba.
Como que alheios, divagam para além de mim olhando apenas. Deixo-os penetrar bem fundo na minha alma e espero, confio, creio.
O tempo escorre. As horas de espera são longas. Finjo que não tenho pressa. Sei que o magistral juiz decide o meu caso com justiça, com amor, o melhor para mim porque me ama e sou sua filha.
Desta vez eu tinha mais um sonho. Sempre tive imensos sonhos! Sempre sonhei desde criança. Tão grandes eram os sonhos que transvasavam e se estendiam ao longo das minhas tranças dum castanho alourado. Este meu grande/ pequeno sonho ia contra a opinião de todos os que me amavam. Porém eu teimava e cria, porque tinha direito ao meu sonho. Eles não podiam compreender porque todos juntos não sentiam um milésimo do calor do chão que eu beijava. Por isso o rejeitavam. Contra tudo e contra todos eu o vivia no segredo das noites, pedra a pedra, grão a grão nas moléculas de tábuas de que era feito o soalho. Meu coração falava com o sonho, a razão contrariava, numa luta serena e pacífica. Umas vezes vencia o coração, noutras a razão. Havia que por tréguas a esta batalha desigual que se entranhava no objeto, no caminho da saudade.
A minha casa.
Está velha! Queria renová-la. –
- Para quê – diziam-me. É obra inútil, perdida, sem futuro.
Falavam assim porque não entendiam o meu cego amor ao chão. Eu teimava em sonhar agarrada a ela. Media-lhe a cintura, os cabelos, as ancas arredondadas a cair de bojo, os olhos dela a mirar a rua do silêncio.
Falei ao obreiro.
Respondeu fantasias de maravilhoso e fantástico:
De pedras lavadas, escadas ao centro, chão corrido, janelas rasgadas de luz, paredes e tetos vestidos de pladur com luzinhas embutidas, entradas apalaçadas com escadas caracol subindo ao céu do mirante, wc completos, cheiros de tintas a cantar a vida nova.
Como o sonho bailava… bailava… bailava! Subia num balão azul aproximando-se do sol sem medo de queimar-se, enfrentando tempestades e ventos norte. Tanto subiu que quase rebentou de alegria e dor. Foi aí, que começou o princípio da queda.
O obreiro de sonhos lindos, nem interrompia a fantasia. Deixou-o voar.
Tentei apanhá-lo. O silêncio calou para o sonho pousar no chão. Ao som duma melodia inaudível com notas de melancolia, o sonho sentou-se devagarinho num raio de sol do chão do meu velho quarto.
Nunca a natureza diz uma coisa e a sombra/sonho/ sabedoria, outra.
Ali, na cintilante luz irradiada de Divino, a minha alma chora. Meio adormecida contempla o vazio. Calaram-se as vozes do meu quarto. As pedras novas e lavadas não eram as minhas pedras. Das paredes mudadas de lugar, catapultadas para o espaço, não escorriam estórias, nem músicas, nem poesias. Nas janelas de vidrilhos apertados nos caixilhos de madeira e verniz a estalar, sorriam agora espelhos, gotas de cristais a abrirem ao sol, mas nelas refletiam-se a minha tristeza e saudade. Tudo limpo e branco, mas sem vida, sem cor sem luz, sem o luar da noite e os cantos de pardais a anunciar as alvoradas. Os sons da rua fechavam-se lá fora. Os vidros duplos impediam-lhes a entrada. O breu da distância descia sobre o contorno das coisas a morrerem no silêncio. Faltas de afetos multiplicavam-se, amontoando-se nos escombros. As coisas novas não sabiam falar com a minha alma. A sua linguagem era nova, diferente, altiva, sem coração e poesia. Desconheciam-me. Eu era para eles uma estranha.
Onde estava o meu verso, o poema do meu quarto, o trinco da porta a que a criança não chegava, o ar que entrava por debaixo da porta a renovar o oxigénio da braseira atiçada para aquecer a as longas noites frias de inverno, a janela encaixilhada a deixar passar as vozes da minha rua?
As tábuas de madeira esfregadas à mão eram agora tiras envernizadas a que uma esfregona vaidosa limpava o pó. Que é das frinchas, do caruncho e do bolor que nascia nas paredes? Onde pousariam eles?
Espera-me a noite na solidão das minhas coisas. Saio de casa e não encontro Ninguém! As que encontro não me conhecem, não me amam e para elas também sou Ninguém.
Regresso. Toco nestas coisas que não são minhas, não me falam, nem tão pouco reconhecem minha dor. Uma sensação de esvaziamento trespassa a minha alma. Já não ouço passar o vento. Nem tangem as músicas dos cascos na rua, já não escorre poesia das paredes.
Valeu a pena por tão pouco tempo?
Não! Grita a minha alma despertando. O novo nada me diz.
Súbito, minha lágrima dispara à procura das pequenas coisas/nadas, que quer agarrar nas mãos. Ah! Elas aí estão, prenhes de tudo que são os pequenos-nadas de que é feito meu coração. Velhinhas. Doces, cheias de pó, aos pedaços, a deixar entrar o sol, o luar, a noite, a chuva, o vento, a luz, a vida, a criança que fui. Todas as coisas me choram por não tocá-las mais. Acaricio-as com o olhar estendido no silêncio. Aperto-as ao peito.
A manhã acende-se.
Aconchego o lençol do tamanho do deserto e nascem flores. Lá estão os lírios roxos, as beladonas, o alecrim, as rosas vermelhas do cachão a perfumar o meu sonho.
A mente venceu o coração, ou foi o coração que venceu a mente?
Levanto-me. Não mais quero rachar ao meio os fios do meu cabelo.
Meu olhar se cruza com o Sagrado Coração de Jesus apontando o peito, que, de sorriso encoberto, me beija com ternura. Agradeço-Lhe mais este milagre na minha vida, manter as pedras vivas da minha casa. As paredes em ruinas inclinam-se e beijam o toque da minha mão… Até quando Deus quiser.
Donzília Martins

Eliana (Shir) Ellinger
Hazorea - Israel
AO MEU AMADO AMANTE
Noite passada e a madrugada,
na cantiga do vento em sinfonias,
despertei dos sonhos que sonhava,
ao sentir quanto amor me oferecias...
A saudade era tão grande, indefinida,
viajava em meu pensamento soluçante,
apagando a luz da minha própria vida
por não sentir-me mais tua divina amante...
Saciando minha boca com teus beijos,
em meu corpo galopando velozmente,
entreguei-me a todos teus desejos,
tornei-me amada como antigamente...
Ao dia amanhecer, te foste...
Volte logo meu amor,
é triste e frio sem ti aqui comigo !
Teu calor me aquece em todos os recantos
oferece e mostra a vida em todos seus encantos !
Eliana Shir Ellinger

Eliani Kielin
Brasil
Teu olhar
Mergulhei no teu olhar,
nele eu encontrei
tanta doçura,
tanta ternura.
Nele eu viajei
para lugares que jamais imaginei
há tanto brilho,
tanta luz.
No teu olha que dele
eu jamais quis voltar.
Tua boca me diz
com tanta candura
te beijar sempre quis
mas teu olhar
muito mais me diz:
o quanto podemos
ser feliz.
Eliani Kielin

Fátima Mota
Natal - Rio Grande do Norte
E Deus criou as mães
Primeiro Deus criou a vida
flores, cores, dias
lua, estrelas, mundo
marés e maresias.
Criou a esperança bem na hora
que o sol se lança.
Criou a despedida
enquanto deita-se
no poente o fim do dia.
Deus criou os animais para
diante deles, nos tornarmos
mais compassivos.
E vieram os gostos e sabores
as estações, os dias, os risos
os guizos
o tempo e o vento
os lilases e narcisos.
Deus criou as palavras e nos fez tecedores
da alegria.
Plantou sementes
terra, abraços, magia.
Presenteou-nos com o verbo AMAR
sublimando a sua criação.
Deus, no sétimo dia, antes do descanso
desenhou o seu melhor poema
e deu o nome de MÃE.
Fátima Mota

Gerci Oliveira Godoy
Porto Alegre - Brasil
Ser mãe ser filha
Mãe querida
eu te ofereço a minha saudade
sei que para o teu coração
os meus defeitos não existem
as traquinagens de criança
foram meros contratempos
as falhas da adolescente
apenas te preocupavam
quando adulta eu queria
a tua presença doce
o teu olhar sereno, a tua palavra de coragem
Mãe querida, tu te foste depois de minha filha
tua neta
cuida dela pra mim, mãe, dá pra ela aquele colo
quentinho, onde meu abraço não chega
Diz pra ela que tenho muita saudade
das duas e que ela te dê todos os abraços
que eu mãe, queria te dar neste momento
Sabe mãe, pensei que meus olhos
tinham secado
aqui estou quase não conseguindo enxergar as letras
Obrigada mãe, por esta ternura
que devolveu aquele rio
que tu conheceste tão bem na minha infância
Gerci Oliveira Godoy

Glória Marreiros
Portimão - Portugal
POEMAS, SONHOS E MAR
O jornalista vê a realidade das coisas e escreve sobre elas. É um cidadão esclarecido e interessado, dotado de grandes capacidades, porque tem de ser objectivo e directo. Os factos acontecem, mas não se revelam por si mesmos. É preciso procurá-los, explorá-los e testar a sua veracidade, antes de os levar ao conhecimento do público.
Há quem pense que o jornalista busca, com maior cuidado, as más notícias, porque são essas que mais interessam às pessoas. Com efeito, dizem os livros que uma boa notícia não é notícia. Apresentam, até, um curioso exemplo: “Um cão que morde um homem não é notícia, pois é um caso banal, corriqueiro, que se apresenta como natural; mas um homem que morde um cão já é notícia”. Nesta época em que a comunicação social está sujeita a uma feroz concorrência comercial, o jornalista tem de contribuir para o sucesso das vendas, em favor do seu patrão. Em certos casos, é mesmo uma profissão de alto risco, no caso das guerras, onde o jornalista arrisca a vida para dar as notícias.
Naquele dia, imaginei-me jornalista. Fui jornalista por um dia e disso me orgulho. Foi a profissão que desejei ter, mas, por diversas vicissitudes adversas, não consegui realizar esse sonho. Se foi bom ou mau, nunca saberei. Foi assim, simplesmente.
Era um dia de verão, abrasador como são os estios no Algarve. O sol queimava e bronzeava os corpos sedentos de melhorar a sua marca de beleza. O misterioso perfume do mar abraçava aquela esplanada onde se almoçava, saciando o corpo, com diversas e gostosas iguarias da região, e mitigando a sede da alma com o perfume dos poemas e dos sonhos, porque cada poema traz, em si, a magia dum sonho realizado ou por realizar. Brindava-se à amizade, à boa convivência, à união dos poetas e à tarde de poesia que iríamos ter.
O almoço foi divino. Um manjar dos deuses. Reinava a comunhão de pessoas vindas de diversos pontos do país, as mensagens de muitas outras do estrangeiro, a alegria, a boa vontade, a amizade e o amor.
Comoveu-me o ar alegre, comunicativo, meigo e sedutor da pessoa que se esqueceu dela própria, para organizar aquele evento e nos proporcionar umas horas inesquecíveis. Trazia, nos olhos, a bondade que existe nos olhos da Nossa Senhora. Apesar de dias e de noites de árduo trabalho, para nos proporcionar todo aquele bem-estar. Estava feliz e tinha sempre uma palavra de carinho para cada pessoa.
Numa ponta da mesa, à cabeceira e em contra-luz, sentava-se um homem, que me habituara a encontrar naquela festa anual. Era de estatura média, mas descobri nele uma alma do tamanho do mundo. Como diz o velho ditado: “Os homens não se medem aos palmos”. A sua alegria, naquele dia, era contagiante e jamais o esquecerei. Cantou o fado, com uma voz que considerei boa, agradável, à capela, pois não havia músicos nem instrumentos. Cantou vários fados. Encantou, porque o fado faz parte da língua do nosso país. Era um amante da nossa língua, da nossa pátria, da fotografia, da comunicação entre os povos e, principalmente, da cultura. Era jornalista.
Depois do almoço e daquela agradável convivência, partimos para uma tarde cultural com sabor a “Poemas, Sonhos e Mar”. Os poemas foram cantados, como se a brisa os trouxesse envoltos em pétalas de rosas escarlates, para permanecerem na memória como num disco rígido, onde ficam à nossa disposição, sempre que o queiramos. Os sonhos saltitavam de alma em alma, sorrindo, nos seus indecifráveis mistérios e dando aos presentes a esperança de que a realidade dos mesmos poderá, um dia, ser alcançada nas asas da esperança.
O mar, aquele mar… O mar daquela terra, batizava, com a sua água salgada, os poemas e os sonhos.
Nesse dia fui jornalista, porque escrevi na alma e no papel estes acontecimentos, que me marcaram profundamente e terão ficado vincados, certamente, em todos aqueles que estiveram comigo naquele dia. O jornalista que cantou o fado e narrou a sessão cultural da tarde já partiu, envolvido pela brisa e envolto em pétalas de rosa, para junto de Deus.
INCERTEZA
Os vincos que trazes nos cantos dos olhos
Encerram batalhas, no tempo, vencidas.
Há outras choradas, por serem perdidas
No pó duma terra repleta de escolhos.
Vestiste o meu peito com sedas e folhos
Tecidos de afetos e luas polidas.
Pintaste alvorada na tela das vidas
Sonhando risadas libertas de abrolhos.
Juntámos os rostos, parecem iguais.
Sabemos que o tempo é mar sem ter cais,
Mas vai alisando sinais, cicatrizes.
Com chuvas e ventos, granizos, geadas,
Galgámos caminhos, amor, de mãos dadas,
Sem ter a certeza se fomos felizes…
Glória Marreiros

Guacira Maciel
Brasil
Uma sinfonia em seus mistérios; poema impressionista
Hoje, o mar não tinha sargaços, nem ondas, nem aguardava o repouso da lua em seus insondáveis limites, no entanto, não menos belo nessa serenidade sem qualquer performance especial, era parte orgânica no cenário da natureza em seus mistérios. Esse estar calmo, naquele momento, assemelhava-se a uma cama cujo lençol em azul profundo fora estendido por mãos tão hábeis, que não apresentava uma ruga sequer...ao longe os surfistas aguardavam pacientemente que no sono ele resolvesse revirar-se em seu leito causando algum movimento que pudessem aproveitar para deslizar em suas coloridas e parafinadas pranchas. O céu também resolvera apresentar a sua verdadeira face, límpida, em azul claríssimo, matizado pela luminosidade ainda fria do sol. Este, entretanto, oferecia naquela sinfonia, um espetáculo à parte, e aproveitando que as cortinas do palco permaneceram abertas, dançava sobre a superfície azul do leito marinho... na platéia estávamos eu e o saciado e sonolento polvo, enroscado sobre as areias de Piatã, tendo aprisionada ao tentáculo, como um maligno troféu a pequena cabeça arrancada de uma corruptela da Medusa; indiferente ao sofrimento do estranho ser, movia os olhos lânguidos e quase inocentes para apreciar aquele espetáculo. A esteira luminosa deixada por aquela grandeza difusa estendia-se faiscante até nossos pés como um generoso convite do astro maior da companhia, a ocuparmos o camarote para assistir aquele show tão breve e indecifrável à destreza de qualquer poeta, das tintas ou das letras. Seduzida por aquela magia, corri silenciosamente para não incomodar meu companheiro que repousava preguiçosamente de olhos fechados, entrei e mergulhei naquela esteira impermanente de pequenas gotas de luz...
Profano
Peguei de volta as minhas alvoradas e a paz de antes de ti. Retornei de coração vazio da auroras boreais do teu olhar. Recolhi as minhas frágeis asas de cristal destroçadas pelos raios dos círculos de aço da tua íris insensível perversamente fita no nada. Arranquei da minha intimidade as marcas impuras das tuas garras profanas e dos teus dentes obscenos que dilaceravam minha alma escondidos sob a seda dos meus lençóis. Já não sugarão a polpa doce os teus lábios mentirosos em rictus de morte. Rasguei todos os versos a duas e a quatro mãos. Também soltei ao sabor das tempestades as amarras dos barcos, entre meados da solenidade dos musgos naquele cais imaginário, que se roçavam sensuais ao sabor das vagas e brisas imprecisas. Rasguei as rendas tecidas pelo sol sob a sombra do teu cílio, libertei a mariposa do círculo de luz que limitava o voo e prendi os meus cabelos esvoaçantes sob o efeito de um vento de lugar nenhum, outrora escorrendo lânguidos por entre os dedos da tua mão sob o teto do gazebo imaginário.
sinto-me
afinal
vazia de ti
e livre
e pura
e plena
e pronta outra vez, porque percebo mais horizontes para a minha sede do que dores na minha alma.
Guacira Maciel

Helena Armond
São Paulo Capital
transmutação
fatal transmutação
0 homem se isola
reduzido a códigos
metódico sistemático
tempo escasso tédio
impaciência intolerância
desencontros
num-estar-sempre-oposto
desencontros
(a comunicação desaba)
desarrazoado com o que vê
mais e mais se isola
sem saber
POR QUE ???
Heloisa Lima
Salvador - BA - Brasil
RESPEITÁVEL PÚBLICO
A luz, deixara para trás por detrás da lona rota e empoeirada do seu corpo.
Penetrara curiosa por ver o escuro do seu mundo mágico e misterioso.
Sentada ali na arquibancada inebriante daquele cenário obscuro dos seus sentimentos, observava aquela trupe de criaturas, reflexos de si mesma, que desfilavam diante do picadeiro dos seus olhos.
Tentava enxergar por entre as nuvens fantasiosas e fantasiadas de palhaço que gargalhavam e acabavam por chorar de rir dos seus delírios e de sua própria embriaguês. Descobriu-se, então, encantada com sua alma ferida que cuspia fogo mas também bailarina equilibrista sobre o dorso das suas feras interiores. E flutuou, mãos dadas com seu coração corajoso que se lançava, intrépido, nos trapézios e nos abismos das paixões.
Era, nesse instante saltimbanco, o seu mais respeitável público.
- Venham, senhores, venham todos !
- Venham, meus adultos e crianças, amantes e desesperados !
- Venham meus loucos e apaixonados !
- Sentem-se, vocês, os felizes e os que passam fome !
- O espetáculo vai começar !
***
Escreveria até o último verso de sangue, agonizando até a última estrofe.
Não necessitava faca posto que guardava uma palavra de amor não dita.
Degustava aquele veneno rodopiante adormecido em sua língua de fogo.
Havia um rio de suor e medo sob os lençóis. Um rio que seguia turvo naquele leito de amor e de morte.
Havia um brilho de espada naquela batalha entre o gozo e a ferida.
E, no arrastar daquela lâmina traiçoeira que trabalhava silenciosa, um coração suplicante gemia num poema noturno, soluçando com as mãos o que sua alma calava.
Escrevia como que para abrir as comportas daquelas águas que lavariam toda a sua dor. Até que não restasse uma só gota de mágoa naquela taça. E até quando, procurando por entre linhas e letras, encontrasse aquela menina que fora um dia, que morava na casa do seu passado e que conhecera apenas as feridas da pele.
Heloisa Lima
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