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SEBO LITERÁRIO
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Isabel Cristina Silva Vargas |
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CONTOS
Pág. 5 de 7
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Friagem
Ao
acordar,
estranhou
que
a
garota
já
não
estava
na
sua
cama.
Imaginou
que
teria
ido
embora.
Talvez
tivesse
roubado
algo.
Mas
o
que?
Não
tinha
coisas
de
valor.
Talvez,
passado
o
temor
da
escuridão
e o
frio
da
noite,
tivesse
se
animado
a
procurar
alguém
conhecido,
algum
companheiro
de
desventura
ou
parceiro
de
aventuras
urbanas.
Talvez
isso,
talvez
aquilo...
Conjecturas.
Não
se
animava
a ir
verificar
o
que
se
passava,
isto
é,
sair
do
quarto
e
ver
por
onde
andava
a
bichinha.
( A
sensação
que
ela
lhe
transmitia
era
esta.
Um
ser
indefeso,
sem
consciência
dos
perigos
que
enfrentava).
Aflição
boba.
Não
significava
nada
para
ele.
Tinha
sido,
apenas,
um
encontro
sem
importância
na
desventura.
Um
ato
recíproco
de
solidariedade.
Cada
um
aliviando
a
friagem
exterior
e
interior
do
outro.
E,
como
aliviara.
Há
muito
não
sabia
o
que
era
ter
alguém
por
perto.
Dividindo
o
mesmo
leito,
então,
mais
tempo
ainda.
Embora
tivesse
sido
só
um
gesto
para
não
deixá-la
ao
relento
como
um
gato
de
rua.
Será
que
ela
tinha
ido
embora?
Porque
sentia
um
aperto
no
peito?
Não
tinha
acontecido
nada.
Só
diminuíram
o
frio
que
sentiam.
Nada
possuíam
para
oferecer
um
ao
outro.
Ele
muito
mais
velho,
calejado.
Ela
muito
novinha.
Era
como
um
animalzinho
acuado.
Errante,
solitária,
abandonada.
Ele
só
tinha
aquele
lugar
para
se
aninhar.
Precário,
mas
era
tudo
que
possuía.
Decidiu
parar
com
as
suposições.
Encheu-se
de
coragem
e
levantou.
Viu
sobre
a
cadeira
o
gorro
de
lã
que
ela
usava
para
se
proteger
do
frio.
Velho
e
surrado
como
ele.
Será
que
a
encontraria?
Isabel
Vargas
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Incertezas
Beatriz sonhava
quando acordou
num sobressalto,
com o barulho da
porta que se
abria.
Sentia-se
confusa,
perturbada com o
sonho que
acabara de ter.
Sua face
demonstrava a
preocupação que
tinha. Não
queria ser
precipitada nas
decisões, mas
também não
conseguia
raciocinar com
clareza.
Quando Antenor
entrou no
quarto, percebeu
nele uma
aparência
cansada. Depois
de um dia
inteiro de
trabalho, isto
era previsível.
Seus gestos
lentos, quase
mecânicos
demonstravam que
desejava
descansar. Ficou
mais aliviada.
Não teria de
conversar nada
mais sério
naquele momento.
Recostou-se na
cama. Fechou os
olhos com a
intenção de
evitar qualquer
conversa que
gerasse novos
atritos. Ele,
por sua vez
pensava em tomar
um banho,
relaxar e
dormir.
Quem sabe ao
acordar,
conseguisse
pensar melhor,
ter uma conversa
franca que os
conduzisse a um
entendimento. Só
queria um pouco
de paz, mais
cordialidade,
mais
cumplicidade,
daquelas que um
olhar basta para
entender o que
vai na alma do
outro. Já faz
tanto tempo que
isto não
acontecia...
Será que estaria
perdendo tempo
em desejar
resgatar algo
que não era mais
possível? Seria
melhor esperar.
Amanhã, a luz do
sol poderia
ajudar clarear
seus
pensamentos.
Talvez
conseguisse
colocar melhor
seu sentimento
sem ser
repetitivo,
chato, sem pedir
nada.
Queria abrir seu
coração.
Sentia-se como
um guerreiro
cansado que
necessitava de
trégua para
recompor o corpo
e o espírito.
Não tinha mágoa.
Nem tristeza.
Era um
sentimento que
não conseguia
explicar. Talvez
um vazio imenso.
Isabel
Vargas
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Lágrimas
A manhã era
chuvosa,
prenúncio de que
o dia seria sem
cor, gelado como
era sua pele na
manhã de
inverno.
A ausência de
sol deixava o
dia igual sua
vida: sem
brilho.
Não esperava
nada diferente
naquele dia, até
que o barulho da
campainha tocada
apressadamente,
como se alguém
tivesse pressa a
surpreendeu.
Atendeu.
Ao abrir a
porta: Surpresa!
Era sua irmã.
(Não a via há
muito tempo)
Desde a morte de
seu pai,
encontravam-se
esporadicamente.
Falavam-se
pouco. Viviam
distanciadas.
Quando se
encontravam não
tinham muitas
coisas boas para
lembrar. Só as
dificuldades.
Preferia
esquecer.
Surpreendeu-se
com o abraço da
irmã.
- O que
aconteceu?-
Indagou. Pareces
muito aflita.
Marta, entre
lágrimas
respondeu:
- Estou só!
Felipe partiu
sem conversa,
sem explicação.
Só uma carta.
Tornou a abraçar
Beatriz. Ela
permanecia
imóvel. Não
estendia os
braços. Não se
movia. Não dizia
uma palavra.
Parecia longe
dali.
Imaginou-se no
lugar de Marta.
Se acontecesse
com ela?
Não sabia
responder.
Lembrou-se de
Antenor, dos
abraços
carinhosos de
outrora, dos
planos, dos
risos alegres,
dos filhos, dos
momentos
felizes, dos
olhares
cúmplices.
Não sabia
definir o que se
passava.
Lágrimas
quentes,
silenciosas
escorreram.
Estendeu os
braços. Trouxe
Marta para junto
de seu peito.
Há muito não
chorava.
Era uma sensação
estranha, mas
parecia
aliviada.
Sentiu que
desejava um
abraço, um
aconchego, calor
humano.
Sua pele estava
quente. Seu
coração parecia
derreter.
Isabel
Vargas |
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Memórias
Veridiana
é
uma
mulher
de
baixa
estatura,
franzina,
comedida
nos
movimentos
e
nas
palavras.
Não
é de
grandes
prosas,
roda
de
amigas,
riso
solto.
Ao
contrário.
Tudo
nela
é
escasso,
comedido,
controlado.
É de
um
tempo
em
que
mulher
não
se
desnuda,
não
ri
alto,
não
sai
sozinha
com
homem,
não
desobedece
pai,
mãe,
marido.
Talvez
por
isso
não
casasse.
Não
queria
só
mudar
de
dono.
Reúne-se
com
as
companheiras
de
habitação
nas
refeições,
no
horário
de
assistir
televisão.
Assunto
só o
habitual.
Trivialidades
sobre
a
refeição,
o
tempo
ou o
que
assistem
na
televisão.
Não
possuem
afinidade,
não
revelam
o
passado-seus
tesouros-,
não
desvendam
intimidades,
gostos,
preferências.
Não
se
deixam
conhecer.
Talvez
desejem
preservar
em
seu
íntimo
as
lembranças
de
tempos
memoráveis,
Outras
sequer
se
reconhecem.
Se
fosse
revelar
suas
memórias
,talvez
não
a
compreendessem,poderiam
achar
que
fantasiava
ou
julgá-la
pedante,
esnobe
ou
mentirosa.
Também
para
que
serviria
contar
o
passado?
Ali
naquele
local
estavam
em
igualdade
de
condições.
Sem
família,
sem
afetos.
Vivia
em
seu
minúsculo
quartinho,
com
as
paredes
pintadas
de
branco,
cama
muito
simples,
fino
colchão
de
espuma,
um
pequeno
roupeiro
que
nem
combinava
com
a
cama,
um
criado-mudo,
uma
cadeira
e
uma
pequena
televisão
que
ganhara
de
um
sobrinho
neto
que
vinha
visitá-la
de
ano
em
ano.
Sair
só
quando
algumas
pessoas
de
entidades
assistenciais
vinham
de
ônibus
buscá-las
para
um
evento
especial,
passeios
geralmente
proporcionados
em
épocas
festivas,
Páscoa,
Dia
das
Mães,
Natal.
Gostava
de
relembrar
o
passado.
Fora
feliz.
Essas
recordações
lhe
abasteciam
nesta
época
de
escassez,
e
não
a
deixavam
sucumbir
nesta
vidinha
pequena
e
sem
graça.
Vivia
no
passado,
quando
os
negócios
do
pai-um
curtume-ainda
era
próspero
e
lhes
proporcionava
muito
conforto
e
riqueza.
Seu
pai
era
rico,
porém
sem
muita
cultura,
mas
era
bom
pai,
bom
esposo.
Viviam
felizes.
A
infância,
adolescência
e
juventude
foram
desfrutadas
em
meio
ao
conforto
e
segurança.
A
mãe,
de
família
tradicional,
era
uma
pessoa
requintada,
elegante,
culta
e de
notório
poder
que
lhe
era
conferido
pelo
nome
de
família.
Viviam
na
zona
do
porto
em
um
confortável
palacete.
Recebiam
pessoas
influentes
da
cidade,
do
estado,
de
outras
regiões,
e
até
políticos.
Nessas
reuniões
seu
pai
costumava
conquistar
comerciantes
indecisos
que
não
resistiam
ao
bem
receber
da
família.
No
verão
iam
para
a
chácara
que
possuíam
em
Teodósio,
onde
se
deliciava
no
imenso
pomar,
na
sombra
das
frondosas
figueiras,
e no
açude.
Adorava
ver
o
trem
passar
cheios
de
passageiros.
Naquela
época
tudo
era
Pelotas.
Emancipação
sequer
ouvira-se
falar.
Isso
é
coisa
da
política
mais
recente.
Sua
mãe
a
ensinou
tocar
piano,
a
ler
em
nosso
idioma
e em
Francês,
a
recitar
versos,
a
cantar
para
alegria
dos
familiares
e
visitantes
nos
pequenos
saraus
familiares.
Gostava
disso.
Passavam
horas
agradáveis
reunidos
na
confortável
sala,
em
reunião
íntima,
ocasião
em
que
saboreavam
as
deliciosas
guloseimas
preparadas
pelas
mulheres
da
família-
sua
mãe,
ela,
irmã
e a
avó-
sempre
auxiliadas
pelas
serviçais
da
casa
que
as
acompanhavam
desde
que
sua
mãe
era
novinha.
Ainda
sente
o
aroma
dos
licores,
o
sabor
das
bolachinhas
amanteigadas,
dos
pastéis
se
Santa
Clara,
dos
fios
de
ovos,
dos
bolos
de
laranja,
chocolate,
baunilha,
dos
doces
de
figo
e
pessegadas
feitas
com
as
frutas
que
vinham
da
chácara.
Há
uns
anos
atrás
ainda
podia
sair
e
passava
em
frente
ao
palacete
no
qual
viveu
toda
sua
vida.
Ali
estão
guardados
os
melhores
anos
de
sua
vida.
Hoje,
não
anda
mais
só e
nem
sabe
como
ele
está.
Quando
os
negócios
de
seu
pai
começaram
a
ruir
e os
credores
a
aumentar
foram
junto
com
o
palacete,
além
dos
bens
materiais,
o
status,
a
tranqüilidade,
a
segurança,
o
conforto
e a
alegria.
Esta
sumiu
com
perda
do
pai
que
não
resistiu
ao
golpe
financeiro
e
da
mãe
que
no
ano
seguinte
morreu
de
tuberculose.
A
última
a
abandoná-la,
não
por
vontade
própria
foi
Glorinha
que
fora
criada
junto
com
ela
e a
irmã,
hoje
também
falecida
e
cujo
filho
mora
em
outra
cidade.
Moraram
juntas
na
pequena
casa
para
onde
se
mudaram.
Glorinha
ficou
enferma,
com
sequelas
de
um
derrame
que
a
acometeu.
Não
pode
ser
aceita
onde
ela
está,
asilo
este
que
não
aceita
enfermos,
só
pessoas
que
não
tenham
perdido
a
autonomia
física
ou
mental.
Hoje,
vive
das
lembranças
de
um
passado
feliz,
de
uma
época
de
grande
esplendor
que
só
uma
parcela
desta
encantadora
Princesa
viveu
e
que
hoje
está
envolta
nas
brumas
do
tempo.
Isabel
Vargas
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Momento
narcisista
A
vida
sempre
foi
uma
sucessão
de
acontecimentos
a me
atingir
profundamente.
O
que
me
aconteceu
na
infância,
a
enfermidade,
marcou-me
não
só
na
memória,
como
no
rosto
para
que
eu
não
esqueça
nunca
do
momento
em
que
me
olhei
no
espelho
e
não
me
encontrei,
não
me
vi,
não
me
reconheci
no
rosto
desfigurado.
Não
encontrei
a
face
que
todos
diziam
ser
angelical
-eu
também
achava
- os
olhos
de
um
azul
intenso
não
me
viam
Depois,
bem
mais
tarde,
a
morte
de
meu
pai
jogou-me
na
dura
realidade
da
luta
pela
sobrevivência.
Os
amores
que
tive
sem
os
desejar
e os
que
desejei
em
vão.
Todos
os
fatos
me
atingem
e me
arrastam
como
objetos
levados
na
correnteza
sem
qualquer
proteção.
Ás
vezes
achamos
um
galho,
para
nos
segurarmos,
mas
logo
ele
vai
adiante
e
somos
jogados
de
novo
à
própria
sorte.
O
tempo
passa,
a
beleza
desaparece,
os
amores
se
vão
e
continuamos
como
sempre
estivemos:
só.
Até
que
o
ciclo
se
complete.
Nascemos,
vivemos
e
morremos
sozinhos.
É um
processo
individual,
não
interpessoal.
Ninguém
vai
morrer
em
meu
lugar.
Deveria
me
sentir
feliz.
Significa
que
me
basto.
O
resto
é
cenário.
Isabel
Vargas
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Livro de Visitas

Para
pág. 6 |
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