Lendas Gaúchas
Boitatá
Em tempos mui
antigos, que as
gentes mal se
lembram, houve
um grande
dilúvio, que
afogou até os
cerros mais
altos. Pouca
gente e poucos
bichos escaparam
- quase tudo
morreu. Mas a
cobra-grande,
chamada pelos
índios de
Guaçu-boi,
escapou. Tinha
se enroscado no
galho mais alto
da mais alta
árvore e lá
ficou até que a
enchente deu de
si as águas
empeçaram a
baixar e tudo
foi serenando,
serenando...
Vendo aquele
mundaréu de
gente e de
bichos mortos, a
Guaçu-boi, louca
de fome, achou o
que comer. Mas -
coisa estranha!
- só comia os
olhos dos
mortos. Diz-que
os viventes,
gente ou bicho,
quando morrem
guardam os olhos
a última luz que
viram. E foi
essa luz que a
Guaçu-boi foi
comendo, foi
comendo... E aí,
com tanta luz
dentro, ela foi
ficando
brilhosa, mas
não de um fogo
bom, quente e
sem de uma luz
fria, meio
azulada. E
tantos olhos
comeu e tanta
luz guardou, que
um dia a
Guaçu-boi
arrebentou e
morreu,
espalhando esse
clarão gelado
por todos os
rincões. Os
índios, quando
viam aquilo,
assustavam-se,
não mais
reconhecendo a
Guaçu-boi.
Diziam, cheios
de medo: "Mboi-tatá!
Mboi-tatá!", que
lá na língua
deles quer
dizer: Cobra de
fogo! Cobra de
fogo! E até hoje
o Boitatá anda
errante pelas
noites do Rio
Grande do Sul.
Ronda os
cemitérios e os
banhados, e de
onde sai para
perseguir os
campeiros. Os
mais medrosos
disparam, mas
para os valentes
é fácil: basta
desaprilhar o
laço e atirar a
armada em cima
do Boitatá.
Atraído pela
argola do laço,
ele se enrosca
todo, se quebra
e se some.
João de Barro
Contam os índios
que, há muito
tempo, numa
tribo do sul do
Brasil, um jovem
se apaixonou por
uma moça de
grande beleza.
Melhor dizendo:
apaixonaram-se.
Jaebé, o moço,
foi pedi-la em
casamento. O pai
dela perguntou:
- Que provas
podes dar de sua
força para
pretender a mão
da moça mais
formosa da
tribo?
- As provas do
meu amor! -
respondeu o
jovem.
O velho gostou
da resposta mas
achou o jovem
atrevido. Então
disse:
- O último
pretendente de
minha fila falou
que ficaria
cinco dias em
jejum e morreu
no quarto dia.
Eu digo que
ficarei nove
dias em jejum e
não morrerei.
Toda a tribo se
espantou com a
coragem do jovem
apaixonado. O
velho ordenou
que se desse
início à prova.
Enrolaram o
rapaz num pesado
couro de anta e
ficaram dia e
noite vigiando
para que ele não
saísse nem fosse
alimentado. A
jovem apaixonada
chorou e
implorou à deusa
Lua que o
mantivesse vivo
para seu amor. O
tempo foi
passando. Certa
manhã, a filha
pediu ao pai:
- Já se passaram
cinco dias. Não
o deixe morrer.
O velho
respondeu:
- Ele é
arrogante. Falou
nas forças do
amor. Vamos ver
o que acontece.
E esperou até a
última hora do
novo dia. Então
ordenou:
- Vamos ver o
que resta do
arrogante Jaebé.
Quando abriram o
couro da anta,
Jaebé saltou
ligeiro. Seu
olhos brilharam,
seu sorriso
tinha uma luz
mágica. Sua pele
estava limpa e
cheirava a
perfume de
amêndoa. Todos
se espantaram. E
ficaram mais
espantados ainda
quando o jovem,
ao ver sua
amada, se pôs a
cantar como um
pássaro enquanto
seu corpo, aos
poucos, se
transformava num
corpo de
pássaro!
E exatamente
naquele momento,
os raios do luar
tocaram a jovem
apaixonada, que
também se viu
transformada em
um pássaro. E,
então, ela saiu
voando atrás de
Jaebé, que a
chamava para a
floresta onde
desapareceu para
sempre
Contam os índios
que foi assim
que nasceu o
pássaro
joão-de-barro.
A prova do
grande amor que
uniu esses dois
jovens está no
cuidado com que
constroem sua
casa e protegem
os filhotes. E
os homens amam o
joão-de-barro
porque lembram
da força de
Jaebé, uma força
que vinha do
amor e foi maior
que a morte.
Negrinho do
Pastoreio
No tempo dos
escravos, havia
um estancieiro
muito ruim, que
levava tudo por
diante, a grito
e a relho.
Naqueles fins de
mundo, fazia o
que bem
entendia, sem
dar satisfação a
ninguém.
Entre os
escravos da
estância, havia
um negrinho,
encarregado do
pastoreio de
alguns animais,
coisa muito
comum nos tempos
em que os campos
de estância não
conheciam cerca
de arame; quando
muito alguma
cerca de pedra
erguida pelos
próprios
escravos, que
não podiam ficar
parados, para
não pensar
bobagem... No
mais, os limites
dos campos eram
aqueles
colocados por
Deus Nosso
Senhor: rios,
cerros, lagoas.
Pois de uma
feita o pobre
negrinho, que já
vivia as maiores
judiarias às
mãos do patrão,
perdeu um animal
no pastoreio.
Pra quê! Apanhou
uma barbaridade
atado a um
palanque e
depois,
cai-caindo,
ainda foi
mandado procurar
o animal
extraviado. Como
a noite vinha
chegando, ele
agarrou um
toquinho de vela
e uns avios de
fogo, com fumo e
tudo e saiu
campeando. Mas
nada! O toquinho
acabou, o dia
veio chegando e
ele teve que
voltar para a
estância.
Então foi outra
vez atado ao
palanque e desta
vez apanhou
tanto que
morreu, ou
pareceu morrer.
Vai daí, o
patrão mandou
abrir a "panela"
de um
formigueiro e
atirar lá
dentro, de
qualquer jeito,
o pequeno corpo
do negrinho,
todo lanhado de
laçaço e
banhando em
sangue. No outro
dia, o patrão
foi com a
peonada e os
escravos ver o
formigueiro.
Qual não é a sua
surpresa ao ver
o negrinho do
pastoreio vivo e
contente, ao
lado do animal
perdido.
Desde aí o
Negrinho do
Pastoreio ficou
sendo o achador
das coisas
extraviadas. E
não cobra muito:
basta acender um
toquinho de vela
ou atirar num
cano qualquer
naco de fumo.
Padre morto na
Tamandaré
No século
passado, por
volta de 1880,
havia um Padre
na cidade
Tamandaré, cujo
nome a igreja
mantém em sigilo
até hoje; certo
dia começaram a
suspeitar deste,
pois as crianças
não queriam ir à
missa ou
aproximar-se do
padre. Tudo isto
devido ao facto
de o padre
aliciar as
meninas, filhas
das beatas.
Para o sociedade
daquela época
isto era
completamente
incompreensível,
pois o padre era
uma das pessoas
em que todos
confiavam. Assim
ele foi
condenado a
morte, sendo
enforcado em
plena praça
pública em
Tamandaré.
Antes de morrer
jogou uma praga
para a cidade,
dizendo que ela
nunca se
desenvolveria e
que todas as
vezes que
acontecesse
algum ato
publico ao ar
livre choveria
pelo menos dia.
Há quem confirme
que estas pragas
realmente
aconteceram. E
acontecem.
Revolta dos
Dragões
Em 1742 ocorreu
no estado a
Revolta dos
Dragões -
Dragões da
Independência,
mesmo regimento
que hoje está na
Rampa do
Planalto.
Saindo de Rio
Grande, atuaram
em todo estado.
E, em torno
deles se criou a
Lenda dos
Dragões, onde
foram
glorificados,
heroificados e
até mitificados.
A lenda: esses
lendários
dragões foram
"os primeiros
soldados
mártires de Rio
Grande, esses
primeiros
rio-grandenses
soldados,
radicados à
gleba, que
infundiram aos
heróis desse
pago a primeira
lição de
fidelidade e, ao
mesmo tempo, de
valor e
energia."
Como se vê, na
mitificação
desses soldados,
que teriam dado
uma lição de
fidelidade, há
talvez uma das
primeiras lendas
rio-grandinas.
Mas na verdade
eles não lutaram
por fidelidade,
mas sim para
rebelar-se da
falta de
condições que
tinham.
Algumas cidades
do Estado do Rio
Grande do Sul
Porto Alegre
Porto Alegre
(Capital do
Estado).
Apontamento do
“Jornal do
Comércio” do ano
de 1900:
“Cidade, capital
e município do
Estado do Rio
Grande do Sul,
Brasil, situada
na margem
esquerda do rio
Guaíba, com uma
população de 93
mil habitantes:
Estrada de Ferro
entre Porto
Alegre e
Uruguaiana.
Escolas de
Engenharia e
Militar. Tem
grande
comércio”.
As primeiras
notícias de
moradores na
área de Porto
Alegre datam de
1732 e 1740,
anos em que se
fizeram outorgas
de sesmarias no
local. Em 1752,
aí chegam novos
moradores:
sessenta casais
de colonos
açorianos.
Começou logo a
formar-se um
povoado, que
logo tomou o
nome de Porto
dos Casais e que
alguns anos mais
tarde, em 1773,
passou a abrigar
o governo da
capitania,
transferida de
Viamão. Seu
progresso foi
muito lento. No
início do século
XIX, contava
apenas 6 mil
habitantes.
Possuía 57
habitantes e
servia de
escoadouro para
a produção de
localidades como
Santo António da
Patrulha,
Conceição do
Arroio (actual
Osório).
Gravataí,
Viamão, Rio
Pardo, Santo
Amaro, Taquari,
Triunfo e
Cachoeira.
Assim, em 1810,
foi elevado a
vila com o nome
de Porto Alegre
e em 1822 passou
à categoria de
cidade. Com a
Independência,
iniciou-se a era
da colonização
alemã. Em 1824
chegaram os
primeiros
imigrantes
destinados a São
Leopoldo. A
partir daí o
progresso seria
mais rápido. A
partir daí o
progresso seria
mais rápido.
Toda a segunda
metade do século
XIX é marcada
por obras
públicas e
melhoramentos
urbanos. Em 1848
iniciou-se o
calçamento das
ruas; em 1861
foi contratada a
obra para o
fornecimento de
água encanada ao
domicílio; em
1870
inaugurou-se o
serviço de
“choras” (de
bondes de
tracção animal),
a iluminação a
gás e em 1884,
foi implantado o
serviço de
telefones. Em
1889, havia na
cidade nove
fábricas de
cerveja e 316
tavernas e a
população era de
cerca de 50 mil
habitantes. Ao
terminar o
século esse
número seria
elevado para 73
mil habitantes.
No início do
século XX surgem
melhoramentos,
como a
introdução do
carro electrico
(bonde electrico),
em 1907 e no ano
seguinte a
iluminação
pública
electrica.
Embora a os
caminhos de
ferro
(ferrovias)
tenham sido
introduzidas em
1874, com a
construção da
linha Porto
Alegre e São
Leopoldo, só em
1910 é que se
faria a ligação
directa com o
eixo ferroviário
do Vale do Jacuí,
já instalados
entre Santa
Maria e o rio
dos Sinos. No
sector
portuário,
também, Porto
Alegre demandava
a realização de
obras de vulto.
Com o
aparecimento da
navegação a
vapor, surgiram
dificuldades com
relação ao
calado dos
navios, e a
produção da
campanha passou
a se escoar por
Montevidéu. Foi
necessário a
realização de
obras de
drenagem no Rio
Grande, no canal
da Lagoa dos
Patos, e que se
construísse o
cais, de 1913 a
1920, para que
Porto Alegre
recuperasse o
comércio Ca
campanha. A
partir daí o
crescimento
demográfico da
cidade torna-se
mais rápido que
o do Estado. A
cidade começa a
crescer ao longo
das linhas do
“bonde”. Foi
para o Norte que
o crescimento da
cidade mais se
acentuou. Nessa
direcção se
estendem as
principais
estradas,
inclusive a
ferrovia. A
cidade penetra
nos municípios
vizinhos em
busca de
terrenos mais
baratos para a
construção de
residências da
classe pobre.
Canoas, Supucaia
e Esteiro são
assim
incorporados à
área urbana de
Porto Alegre,
que tende
atingir São
Leopoldo.
Caxias do Sul
Pertence à
microrregião
Vinicultora de
Caxias do Sul, a
760 metros de
altitude.
Fundada na
década de 1870,
com a vinda de
imigrantes
italianos para o
Nordeste do
Planalto
Meridional,
Caxias do Sul
foi município
independente
desde 1890,
passando a
cidade em 1910.
Aí se realizam
anualmente a
Festa Nacional
da Uva, uma
exposição
agroindustrial e
festivais do
Centro de
Tradições
Gaúchas. Antes
da chegada dos
imigrantes
italianos a
região era
habitada por
índios
Caingangues, e
daí vem sua
denominação
antiga de Campo
dos
Bugres, designada
até 1864. Por
ali também
passavam
tropeiros em
seus
deslocamentos
entre o Sul do
Estado e o
centro do
Brasil, e os
jesuítas também
tentaram fundar
algumas
reduções, embora
sem sucesso. Na
segunda metade
do século XIX,
em virtude da
guerra de
unificação
italiana, aquele
país europeu se
encontrava em
grave crise
social e económica, e os
agricultores
empobrecidos já
não conseguiam
garantir a
subsistência.
Nesta época o
governo Imperial
do Brasil
decidiu
empreender a
colonização de
áreas
desabitadas do
Sul do Brasil, e
resolveu-se
incentivar a
vinda de
imigrantes da
Itália, após o
bom sucesso da
iniciativa
semelhante com o
elemento
germânico.
Assim, ao
governo da
Província coube
definir as
terras que
seriam ocupadas,
e em 1869 a
escolha recaiu
sobre a Encosta
Superior do
Nordeste, mais
especificamente
na área então
conhecida como
Fundos de Nova
Palmira, região
formada por
terras
devolutas,
delimitadas
pelos Campos de
Cima da Serra ao
Norte e pela
região dos
vales, ao Sul,
de colonização
alemã. Em 1875
chegam os
primeiros
colonos, na sua
grande parte
oriundos da
região do Vêneto,
após enfrentarem
a árdua
travessia do
Oceano
Atlântico, que
durava cerca de
um mês, em
navios
superlotados e
onde as mortes
por doenças e
más condições
gerais eram
comuns.
Inicialmente os
imigrantes
aportavam no Rio
de Janeiro, onde
permaneciam em
quarentena na
Casa dos
Imigrantes. Dali
embarcavam num
vapor até ao
Sul. Chegando a
Porto Alegre
eram
encaminhados ao
antigo Porto
Guimarães, hoje
o município de
São Sebastião do
Caí, ou para
Montenegro e Rio
Pardo, e dali
subiam a serra a
pé, em lombo de
burros ou em
carretas,
atravessando a
região ainda
praticamente
selvagem, até
chegarem ao
Campo dos
Bugres. Antes de
receberem as
terras
prometidas pelo
governo, o que
geralmente
demorava muito,
as famílias eram
instaladas em
barracões, donde
o epíteto
Barracão também
atribuído à
pequena sede
colonizadora. O
Governo Imperial
era responsável
pelo transporte
dos colonos e
pela divisão e
distribuição dos
lotes com 63
hectares de área
para cada
família, pela
abertura de
estradas e
concessão de
ferramentas e
sementes. Como
os lotes de 63
hectares eram
muito grandes,
gradativamente
foram reduzidos
para 44, 30 e 25
hectares. Estes
lotes eram
reembolsados ao
governo em
prazos de 5 e 15
anos. Um ano
depois já se
encontravam no
local cerca de
dois mil
colonos. Em 11
de Abril de
1877, por
determinação da
Inspectoria
Especial de
Terras e
Colonização da
Província do Rio
Grande do Sul, a
denominação
oficial passava
a ser Colónia
Caxias, em
homenagem ao
Duque de Caxias.