Perigo
Não tenho o veneno
sinistro
do animal feroz,
tenho mais, muito mais do
que isto,
tenho voz.
Não tenho asas da ave triste,
perdida no espaço,
com medo de partir,
tenho mais,
onde estou,
tenho o aço do poder de decidir
aonde vou.
Não tenho garras naturais para atacar o
inimigo,
mas posso fazer-lhe muito mal,
tenho o perigo
da falsidade
no abraço
artificial.
Ivone Boechat |

AMIZADE
A amizade
é o mais belo afluente do amor,
ela ajuda a resolver,
com paciência,
as complicadas equações
da convivência humana.
A amizade
é tão forte quanto o amor,
ela educa o amor,
sinalizando o caminho da coerência,
apontando as veredas da justiça,
controlando os excessos da paixão.
A amizade
é um forte elo que une pessoas
na corrente do querer.
Amizade
é cola divina,
cola demais,
pode doer.
A amizade
tem muito mais juízo que o amor,
quando ele se esgota
e cisma de ir embora,
ela se propõe a ficar,
vigiando o sentimento que sobrou.
Ivone Boechat |

FICAR VELHO?
Ficar velho é
deixar enguiçar
o sonho, o propósito, a capacidade de criar.
Ficar velho é
deixar morrer o pensamento novo
que não para de gritar.
Ficar velho é
correr em sentido contrário
das belezas da vida,
sustentando aquela antiga ferida.
Ficar velho é
entregar os pontos,desistir, calar.
Ficar velho é,
não querer enxergar oportunidades,
tapar o sol com a peneira,
ao invés de recriar o tempo,
seguir em frente, lutar.
Ivone Boechat |

PRECE DA CRIANÇA
Senhor,
estou muito assustado,
estão nos fazendo medo,
fico até cansado de pensar
um jeito de proibir os adultos
de matar os passarinhos,
de acabar com os rios,
de poluir os mares.
Tudo que o Senhor fez é tão bonito,
até me irrito, quando vejo guerras
dominando alguns lugares.
Quero sonhar
com uma escola feliz,
com professores sorrindo,
e uma nota que dê para passar...
É isto que sempre quis.
Ah!
Quero minha família unida,
segurança para brincar na praça,
a imensa graça, de dormir,
sabendo
que se há alguém na rua
vai poder voltar.
Amém.
Ivone Boechat |

MAIS UM
Ivone Boechat
Na organização social adotada pela
grandiosa maioria das nações do mundo inteiro,
quando o poderoso opressor tem o comando de tudo,
ter títulos, diplomas, pós e doutorado e ainda ter
competência, desempenho, saúde, disposição e vontade
significa absolutamente que o oprimido é apenas MAIS
UM.
MAIS UM chega com seu currículo, ganha a
concorrência do emprego, estufa o peito de tanto
elogio, toma posse e fica. Imagina-se importante,
desdobra-se em horas extras, procura agradar em tudo
e agrada mesmo. É campeão de honestidade, só que não
enxerga que é e será sempre MAIS UM.
MAIS UM passa a vida inteira trabalhando como se
estivesse conquistado amizade, consideração e
simpatia do opressor e, justamente, na hora em que
sente o frágil corpo dando os primeiros sinais de
cansaço e não consegue mais corresponder ao desafio
desumano que lhe impõem, ousa questionar atenção,
mas descobre finalmente que é apenas MAIS UM.
Começa a dura batalha entre o ego ferido de sonhador
retumbante com a dura realidade, porque aí vêm as
chantagens:
- Não, você não pode nos deixar, você é
importantíssimo para nós, jamais poderemos perdê-lo.
Imediatamente, providências são tomadas para que se
melhorem as refeições servidas na empresa, mais ar
refrigerado, poltrona macia e giratória, banheiros
com “bom ar”, vale transporte.
- Afinal de contas, um bom empregado dá lucro nos
negócios, vamos investir no seu conforto. Assim ele
passará anos e anos metido aqui dentro e nem vai
lembrar de mais nada.
MAIS UM fica feliz, porque pensa que estão
descobrindo seus valores e nem vê que a máquina
morrível de seu corpo foi aquecida para produzir
mais. O salário continua o mesmo, a cobrança é cada
vez maior, entre sorrisos e abraços, no corredor.
Comprometido com tantas “gentilezas”, afunda-se com
a terrível carga, esgota-se.
O tempo passa e riquezas amontoam-se. É poderio,
“onipotência”, exploração e quem é pobre fica mais
pobre. Nas reuniões esporádicas da diretoria,
acumulam-se reclamações, reclamam de tudo e como
ninguém é de ferro, partem os principais para a
Europa, vão descansar do stress.
MAIS UM parte para o cemitério. Foi realmente
descansar e nunca mais saber que, de agora em
diante, ele é contado somente como MENOS UM.
Ivone Boechat
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