Saavedra José Rios Valentim

 

O RETORNO


Um quarto, uma tênue luz a espessa sombra desafiava.
Sussurros rasgavam a quietude da noite, falsos queixumes!
Corpos nus fundidos serpenteavam sob o lençol, que ondulava,
O ranger da madeira, movimentos sinuosos, peculiares perfumes.


Primeiro, gemidos, juras, lábios umedecidos, grito reprimido,
Olhos cerrados, lábios colados, corpos arqueados, sentidos alterados.
O gozo, único objetivo buscado, toques ousados, abraço premido.
Num inenarrável frenesi, o êxtase, por fim ao etéreo projetados.


Depois, cansaço, corpos suados, relaxados, prêmio merecido!
Dois corpos tão descaradamente colados, desavergonhados,
Diálogos desconexos, sem sentido, membro ainda enrijecido,
Fêmea satisfeita, macho sonolento, felizes, desejos aplacados.


Ela:
Nada ainda me disseste, o abandono me frustrou!
Me trouxe sofrimento e dor, meu coração levaste contigo
E a outro não pude me entregar com amor. Nada me sobrou.
Apesar desta noite, não sei se te perdoar consigo.


Eu:
(Com tom plangente, choroso, quase um sopro): - Lamento.
Rodei mundo, provei muitas mulheres, deitei em muitas camas,
Só frustração! Se não tenho a ti, com outra não me contento.
Senti falta de teu gosto, teu cheiro. Também sofri e ainda reclamas.


Ela:
Passei mil noites aqui, engolida pela escuridão deste quarto,
Nas sombras das horas caladas, os céus ora enegrecidos, ora estrelejados,
Perdoe-me se me confesso, se meus sofrimentos contigo reparto.
Mas tudo que me fizeste passar, todas as mágoas, estão aqui engasgados.


Eu:
Deixaste alguém, mesmo que só em pensamento, o teu templo profanar?
Sei que não me guardei como deveria, mas entrego na bandeja o meu coração.
Também sei que sofreste, sei bem, direito algum tenho a reclamar,
À noite, observava a lua, a mesma que te iluminava, que emoldurava a tua solidão.


Ela:
Quando tomada de desejo, sentia tua presença, puro instinto.
Pensava que o caminho de volta fazias, e em breve teu corpo sentiria.
Estremecia-me e, sem remédio, ao prazer solitário me entregava. Culpa não sinto.
Tuas lembranças eram o meu regaço, é a pura verdade, não te mentiria.
Vivi na clausura, como uma freira a se entregar na eterna prisão,
Meus pensamentos te buscavam por este mundo, era tudo em vão.
Vivi de ilusão.


Eu:
Solidão, dor, também as vivi, minhas noites foram que nem as tuas,
O encanto logo terminou, a luz da ribalta pouco Luzia,
Minhas noites de solidão, eram negras, vivia a vagar pelas ruas,
Se prazeres tive, foram fugazes. Foi só tormento uma vida vazia.


Ela Adormeceu como um anjo, suspirando, com um leve sorriso.
Fustigou-me beijá-la, de leve, nos lábios rosados, macios, me contive.
Jamais a nenhuma aventura me entregarei. Regenerar-me é preciso.
A felicidade até hoje não alcancei, mas descobri que ela é tudo que hoje tive.

Saavedra José Rios Valentim

 

TUA AUSÊNCIA
09/03/11


O amor que vem e vai,
É como a energia que se esvai,
Que some e consome, sem alarde,
Mas que na alma da gente arde,
Profundo no meu ser.
Tua ausência é cruel, é de doer,
Mas o que se pode fazer,
Se pomos tudo a perder?

Onde estás não sei dizer.
Te buscar não hás de querer,
Se te escondes, é por pura maldade!
Me julgas merecedor de tua crueldade,
Teu sadismo me faz sofrer. É o teu presente!
Te enlevas todo o mal que a gente sente.
No retorno sabes como me adular,
Tuas carícias minha revolta irão aplacar.

Nenhum remorso demonstras, nada sentes!
Teu semblante sereno, tal o de uma criança a dormir,
Teu sorriso brilhante, tuas mãos macias e teu corpo quentes,
Me induzem a novamente te abrigar, teus erros remir.
Um dia, sem que eu perceba, novo voo alçarás,
Outros ninhos hás de aquecer, novas vítimas conquistarás.
És como os pássaros que estão sempre a migrar,
Ou para fugir do frio, ou para se acasalar.
Fria nossa relação nunca será, com certeza.
Talvez, não te deixas seduzir, te sintas presa, cativa;
És como um rio caudaloso, vais ao sabor da correnteza.
Desdenhas quem te ama e ainda te sentes altiva.
Tem em conta, amiga, à águia tem todo o céu para voar,
Mas, talvez por cautela, ou sabedoria, sabe seu espaço limitar.
O tempo urge, as rugas rasgam o rosto, deformam a beleza.
Marcas de um passado glorioso e de um futuro de incerteza.

Um dia, sentirás na pele, é a vida que te desdenha,
Amanhã, deixo Deus te julgar, nada de mal te desejo.
Tua trilha revelará: em cada bar que esse mundo tenha,
Haverá alguém lamentando a falta de teu carinho, de teu beijo.
A mim não vem procurar, melhor de tuas lembranças me remover,
Pois te fecharei a porta e o coração, sem remorsos a me remoer,
Seria como seguires tua trilha de volta, numa mão contrária.
Consumistes duas vidas nesta vida. És uma perdulária.

Dizes sempre, sem te incomodar, da liberdade ressentes.
Dos teus passos estrada afora, sinto as marcas recentes,
Deixou-me um rasgo no peito vazio, uma dor que nunca sentes,
Saudade fica em teu lugar, que por consolo penso: é a tua presença ausente!

Saavedra José Rios Valentim

 

UM SER NOTURNO


Gosto de sentir a noite! Cultivar os seus mistérios.
Sou um ser da noite, tal os morcegos, as corujas... Ah e a lua!
Compartilho com os seres noturnais suas preferências, suas companhias,
Seus amores, seus dissabores, jorros das lágrimas, de alegrias e de dores.
Dizem alguns, que para viver na noite tem de se ter luz própria.
Talvez um pirilampo, que, como as estrelas, cintilam seu esplendor,
Criando um céu único e nos trazendo a magia do seu brilho,
Que os torna ímpares, seres místicos, que nos envolvem e seduzem.
São as borboletas noturnas, em busca da rosa negra,
Espécie única para eles criada, cultivada no jardim do pecado.

Todos que brilham, cedo ou tarde, atraem os predadores,
Que povoam todas as noites, em todos os lugares, hienas!
Devoram sua carne, sugam o seu sangue e aniquilam a alma.
Ah, se as pessoas entendessem a noite, a respeitassem,
Iriam saber quão triste é o amanhecer, o nascer do dia.

O dormir é um tormento que invejo, mas repugno.
O meu corpo dormita, busca repouso numa morte temporária,
Já que a minha alma permanece sempre viva pela longa noite.
Na eternidade das noites, é que deixo minhas marcas na vida.
A nossa cumplicidade beira a monotonia de um casamento,
Quando busco nas trevas a luz da inspiração e sou negado.
Vago pelos caminhos obscuros das letras dos meus escritos,
Tiradas das inspirações ocultas na minha aura fumegante.

A morte rondante, impiedosa, costuma agir à noite, ceifando almas,
Destinando a carcaça ao pó, máquina enferrujada, desgaste da vida.
A noite, entretanto, é a mãe de todas as criaturas: as desviadas,
De almas confusas, presas ao crime, submissas ao mal, encerradas no vício.
Mas também abriga inspirados seres, que derramam seus queixumes,
Exalam seus amores, seus desamores, encontros e desencontros,
Em versos primorosos, ou nem tanto, medíocres até, mas jorram da alma.

Envergonho-me das minhas fraquezas, das minhas impurezas,
Das minhas solidões a dois, a três, a mil, castigo que aos insones se impõem.
Tristeza profunda esmaga o meu peito, comprime meu coração,
Infartado pelo bloqueio das palavras que não vêm.
A morte anda me rondando, mas não a temo, desde que seja breve,
Leve, sem dores nem sofrimento, pois assim será um alento.

O que me amedronta não é a morte, mas a própria vida,
Um nascer e um morrer diários, cujo sentido não decifrei ainda.
Os corvos agoureiros grasnam nas árvores próximas,
Farejando putrefatos corpos, mesmo antes da sua consumação.
Carniceiros, seres demoníacos, a serviço dela, a ceifadora.

Exponho minh’ alma, declaro minhas paixões, minhas ilusões,
Apiede deste ser, que vive uma busca incessante do amor sem dor.
Mas ela é uma adversária intransigente, impiedosa, compulsiva,
Não negocia, nem se corrompe, cumpridora dos seus deveres!

Amigos, já não os tenho. Se foram mundo afora, noite adentro.
Mulheres? Muitas entraram e passaram na minha vida.
São como o ar que respiro, inspiro, expiro para viver,
Até saber que começa a nos matar desde o nascer.
Pura traição! É o melhor desempenho delas.
Com todos os pesares, as guardei bem aqui dentro,
Uma a uma, sem distinção.
O sol já vai nascer, o ser noturno se recolhe
Até o próximo anoitecer.

Saavedra José Rios Valentim

 

Um ser plural


Não posso ser como queres,
Se sou um ser cheio de vontades incontidas, indomadas;
Não posso pensar como desejas,
Se penso diferente, em diferentes momentos.
Não me exijas calar-me,
Se idéias borbulham em minha mente,
E explodem em minha língua.
E não me peças para acalmar meu ímpeto,
Se não controlo minhas emoções.
No máximo, permito-me sonhar um sonho por vez,
Falar uma palavra por vez,
Me dar de uma só vez, a cada vez,
Toda vez, incontáveis vezes.
Pois não sou único, sou plural,
Penso de mil maneiras à minha maneira,
Em cada momento, pois o momento é único,
Não é inteiro, é só parte do tempo.
Sou multicelular, me divido, me diversifico,
E multiplico os meus conceitos,as  minhas razões.
Me expando visto que sou multidimensional,
Porque não me fixo, estarei sempre aqui, acolá,
Muito além, além de mim mesmo.
Às vezes sigo meus próprios passos,
Que nem sempre me conduzem aonde quero estar,
Mas sempre me encontro lá,
Onde nunca fico mais que um breve tempo.
Te contenta, então, com minhas breves ternuras, amarguras,
Minhas vidas cheias de vazios, minhas mortes cheias de vida,
 Porque saberei suportar esses plurais, pois não viverei uma única vez
E não morrerei de uma só vez.  
Então me deixes com minhas eternas e múltiplas loucuras.

Saavedra José Rios Valentim

 

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