O RETORNO
Um quarto, uma tênue luz a espessa sombra desafiava.
Sussurros rasgavam a quietude da noite, falsos
queixumes!
Corpos nus fundidos serpenteavam sob o lençol, que
ondulava,
O ranger da madeira, movimentos sinuosos, peculiares
perfumes.
Primeiro, gemidos, juras, lábios umedecidos, grito
reprimido,
Olhos cerrados, lábios colados, corpos arqueados,
sentidos alterados.
O gozo, único objetivo buscado, toques ousados, abraço
premido.
Num inenarrável frenesi, o êxtase, por fim ao etéreo
projetados.
Depois, cansaço, corpos suados, relaxados, prêmio
merecido!
Dois corpos tão descaradamente colados, desavergonhados,
Diálogos desconexos, sem sentido, membro ainda
enrijecido,
Fêmea satisfeita, macho sonolento, felizes, desejos
aplacados.
Ela:
Nada ainda me disseste, o abandono me frustrou!
Me trouxe sofrimento e dor, meu coração levaste contigo
E a outro não pude me entregar com amor. Nada me sobrou.
Apesar desta noite, não sei se te perdoar consigo.
Eu:
(Com tom plangente, choroso, quase um sopro): - Lamento.
Rodei mundo, provei muitas mulheres, deitei em muitas
camas,
Só frustração! Se não tenho a ti, com outra não me
contento.
Senti falta de teu gosto, teu cheiro. Também sofri e
ainda reclamas.
Ela:
Passei mil noites aqui, engolida pela escuridão deste
quarto,
Nas sombras das horas caladas, os céus ora enegrecidos,
ora estrelejados,
Perdoe-me se me confesso, se meus sofrimentos contigo
reparto.
Mas tudo que me fizeste passar, todas as mágoas, estão
aqui engasgados.
Eu:
Deixaste alguém, mesmo que só em pensamento, o teu
templo profanar?
Sei que não me guardei como deveria, mas entrego na
bandeja o meu coração.
Também sei que sofreste, sei bem, direito algum tenho a
reclamar,
À noite, observava a lua, a mesma que te iluminava, que
emoldurava a tua solidão.
Ela:
Quando tomada de desejo, sentia tua presença, puro
instinto.
Pensava que o caminho de volta fazias, e em breve teu
corpo sentiria.
Estremecia-me e, sem remédio, ao prazer solitário me
entregava. Culpa não sinto.
Tuas lembranças eram o meu regaço, é a pura verdade, não
te mentiria.
Vivi na clausura, como uma freira a se entregar na
eterna prisão,
Meus pensamentos te buscavam por este mundo, era tudo em
vão.
Vivi de ilusão.
Eu:
Solidão, dor, também as vivi, minhas noites foram que
nem as tuas,
O encanto logo terminou, a luz da ribalta pouco Luzia,
Minhas noites de solidão, eram negras, vivia a vagar
pelas ruas,
Se prazeres tive, foram fugazes. Foi só tormento uma
vida vazia.
Ela Adormeceu como um anjo, suspirando, com um leve
sorriso.
Fustigou-me beijá-la, de leve, nos lábios rosados,
macios, me contive.
Jamais a nenhuma aventura me entregarei. Regenerar-me é
preciso.
A felicidade até hoje não alcancei, mas descobri que ela
é tudo que hoje tive.
Saavedra José Rios Valentim |

TUA AUSÊNCIA
09/03/11
O amor que vem e vai,
É como a energia que se esvai,
Que some e consome, sem alarde,
Mas que na alma da gente arde,
Profundo no meu ser.
Tua ausência é cruel, é de doer,
Mas o que se pode fazer,
Se pomos tudo a perder?
Onde estás não sei dizer.
Te buscar não hás de querer,
Se te escondes, é por pura maldade!
Me julgas merecedor de tua crueldade,
Teu sadismo me faz sofrer. É o teu presente!
Te enlevas todo o mal que a gente sente.
No retorno sabes como me adular,
Tuas carícias minha revolta irão aplacar.
Nenhum remorso demonstras, nada sentes!
Teu semblante sereno, tal o de uma criança a dormir,
Teu sorriso brilhante, tuas mãos macias e teu corpo
quentes,
Me induzem a novamente te abrigar, teus erros remir.
Um dia, sem que eu perceba, novo voo alçarás,
Outros ninhos hás de aquecer, novas vítimas
conquistarás.
És como os pássaros que estão sempre a migrar,
Ou para fugir do frio, ou para se acasalar.
Fria nossa relação nunca será, com certeza.
Talvez, não te deixas seduzir, te sintas presa,
cativa;
És como um rio caudaloso, vais ao sabor da
correnteza.
Desdenhas quem te ama e ainda te sentes altiva.
Tem em conta, amiga, à águia tem todo o céu para
voar,
Mas, talvez por cautela, ou sabedoria, sabe seu
espaço limitar.
O tempo urge, as rugas rasgam o rosto, deformam a
beleza.
Marcas de um passado glorioso e de um futuro de
incerteza.
Um dia, sentirás na pele, é a vida que te desdenha,
Amanhã, deixo Deus te julgar, nada de mal te desejo.
Tua trilha revelará: em cada bar que esse mundo
tenha,
Haverá alguém lamentando a falta de teu carinho, de
teu beijo.
A mim não vem procurar, melhor de tuas lembranças me
remover,
Pois te fecharei a porta e o coração, sem remorsos a
me remoer,
Seria como seguires tua trilha de volta, numa mão
contrária.
Consumistes duas vidas nesta vida. És uma
perdulária.
Dizes sempre, sem te incomodar, da liberdade
ressentes.
Dos teus passos estrada afora, sinto as marcas
recentes,
Deixou-me um rasgo no peito vazio, uma dor que nunca
sentes,
Saudade fica em teu lugar, que por consolo penso: é
a tua presença ausente!
Saavedra José Rios Valentim |

UM SER
NOTURNO
Gosto de sentir a noite! Cultivar os seus
mistérios.
Sou um ser da noite, tal os morcegos, as
corujas... Ah e a lua!
Compartilho com os seres noturnais suas
preferências, suas companhias,
Seus amores, seus dissabores, jorros das
lágrimas, de alegrias e de dores.
Dizem alguns, que para viver na noite tem de se
ter luz própria.
Talvez um pirilampo, que, como as estrelas,
cintilam seu esplendor,
Criando um céu único e nos trazendo a magia do
seu brilho,
Que os torna ímpares, seres místicos, que nos
envolvem e seduzem.
São as borboletas noturnas, em busca da rosa
negra,
Espécie única para eles criada, cultivada no
jardim do pecado.
Todos que brilham, cedo ou tarde, atraem os
predadores,
Que povoam todas as noites, em todos os lugares,
hienas!
Devoram sua carne, sugam o seu sangue e
aniquilam a alma.
Ah, se as pessoas entendessem a noite, a
respeitassem,
Iriam saber quão triste é o amanhecer, o nascer
do dia.
O dormir é um tormento que invejo, mas repugno.
O meu corpo dormita, busca repouso numa morte
temporária,
Já que a minha alma permanece sempre viva pela
longa noite.
Na eternidade das noites, é que deixo minhas
marcas na vida.
A nossa cumplicidade beira a monotonia de um
casamento,
Quando busco nas trevas a luz da inspiração e
sou negado.
Vago pelos caminhos obscuros das letras dos meus
escritos,
Tiradas das inspirações ocultas na minha aura
fumegante.
A morte rondante, impiedosa, costuma agir à
noite, ceifando almas,
Destinando a carcaça ao pó, máquina enferrujada,
desgaste da vida.
A noite, entretanto, é a mãe de todas as
criaturas: as desviadas,
De almas confusas, presas ao crime, submissas ao
mal, encerradas no vício.
Mas também abriga inspirados seres, que derramam
seus queixumes,
Exalam seus amores, seus desamores, encontros e
desencontros,
Em versos primorosos, ou nem tanto, medíocres
até, mas jorram da alma.
Envergonho-me das minhas fraquezas, das minhas
impurezas,
Das minhas solidões a dois, a três, a mil,
castigo que aos insones se impõem.
Tristeza profunda esmaga o meu peito, comprime
meu coração,
Infartado pelo bloqueio das palavras que não
vêm.
A morte anda me rondando, mas não a temo, desde
que seja breve,
Leve, sem dores nem sofrimento, pois assim será
um alento.
O que me amedronta não é a morte, mas a própria
vida,
Um nascer e um morrer diários, cujo sentido não
decifrei ainda.
Os corvos agoureiros grasnam nas árvores
próximas,
Farejando putrefatos corpos, mesmo antes da sua
consumação.
Carniceiros, seres demoníacos, a serviço dela, a
ceifadora.
Exponho minh’ alma, declaro minhas paixões,
minhas ilusões,
Apiede deste ser, que vive uma busca incessante
do amor sem dor.
Mas ela é uma adversária intransigente,
impiedosa, compulsiva,
Não negocia, nem se corrompe, cumpridora dos
seus deveres!
Amigos, já não os tenho. Se foram mundo afora,
noite adentro.
Mulheres? Muitas entraram e passaram na minha
vida.
São como o ar que respiro, inspiro, expiro para
viver,
Até saber que começa a nos matar desde o nascer.
Pura traição! É o melhor desempenho delas.
Com todos os pesares, as guardei bem aqui
dentro,
Uma a uma, sem distinção.
O sol já vai nascer, o ser noturno se recolhe
Até o próximo anoitecer.
Saavedra José Rios Valentim |

Um ser
plural
Não posso ser como queres,
Se sou um ser cheio de vontades incontidas,
indomadas;
Não posso pensar como desejas,
Se penso diferente, em diferentes momentos.
Não me exijas calar-me,
Se idéias borbulham em minha mente,
E explodem em minha língua.
E não me peças para acalmar meu ímpeto,
Se não controlo minhas emoções.
No máximo, permito-me sonhar um sonho por
vez,
Falar uma palavra por vez,
Me dar de uma só vez, a cada vez,
Toda vez, incontáveis vezes.
Pois não sou único, sou plural,
Penso de mil maneiras à minha maneira,
Em cada momento, pois o momento é único,
Não é inteiro, é só parte do tempo.
Sou multicelular, me divido, me diversifico,
E multiplico os meus conceitos,as minhas
razões.
Me expando visto que sou multidimensional,
Porque não me fixo, estarei sempre aqui,
acolá,
Muito além, além de mim mesmo.
Às vezes sigo meus próprios passos,
Que nem sempre me conduzem aonde quero
estar,
Mas sempre me encontro lá,
Onde nunca fico mais que um breve tempo.
Te contenta, então, com minhas breves
ternuras, amarguras,
Minhas vidas cheias de vazios, minhas mortes
cheias de vida,
Porque saberei suportar esses plurais, pois
não viverei uma única vez
E não morrerei de uma só vez.
Então me deixes com minhas eternas e
múltiplas loucuras.
Saavedra José Rios
Valentim |

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